I - Para concretização da pena de reincidência, que é um caso especial de determinação da pena, prevista no art. 76.º, n.º 1 do CP importa proceder a três operações:
- Em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que, concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, seguindo para tanto o procedimento normal de determinação da pena. Esta operação torna-se necessária por duas ordens de razões: para assim apurar se se verifica um dos pressupostos formais da reincidência, qual seja o de o crime reiterado ser punido com prisão efetiva, e para tornar possível a última operação, imposta pela 2.ª parte do art. 76.º, n.º 1, do CP.
- Em segundo lugar, o tribunal constrói a moldura penal da reincidência, que terá o limite máximo previsto pela lei para o respetivo tipo de crime e o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço.
- A terceira operação consiste na fixação da medida da pena na moldura penal da reincidência, comparando a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência, com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência. O fundamento desta operação reside no disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 76.° do CP: a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores – a justificação de uma tal doutrina deriva do intuito de evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da reincidência, agravar desproporcionadamente a medida da pena (neste sentido, cf. ainda o acórdão do STJ, de 04-06-2008, Proc. n.º 08P1668, Relator: Santos Cabral, in www.dgsi.pt).
II- Embora para efeito da reincidência seja suficiente uma condenação anterior, a lei menciona a «medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores», pois pode haver mais do que uma condenação anterior, devendo a agravação resultante da reincidência ser limitada em função precisamente da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, desde que se verifiquem os pressupostos da reincidência em relação à condenação na pena mais grave.
III- No caso, considerando todas as circunstâncias relativas à execução do crime de roubo agravado, à conduta do arguido anterior e posterior ao facto; à sua personalidade, às razões de prevenção geral e especial e à sua elevada culpa, o procedimento judicial de fixação do quantum da pena de prisão aplicada ao arguido, em 6 anos de prisão, numa moldura de reincidência de 4 a 15 anos de prisão, respeitou as finalidades da punição e os critérios legais de determinação da medida da pena, pelo que não merece censura.
Recurso Penal
Acordam, em Conferência, na ... Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 929/20...., do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da ..., foi submetido a julgamento, sob acusação do Ministério Público, o arguido:
- AA, devidamente identificados nos autos, imputando-se-lhes a prática, em autoria material, de um crime de roubo qualificado, como reincidente, p. e p. pelo art.210.º, n.ºs1 e 2, alínea b) do Código Penal.
Foi ainda deduzido pedido de indemnização civil pelo ofendido/demandante BB, peticionando a final a quantia de € 1250,00.
2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 6 de maio de 2021, julgou a acusação procedente, por provada e, em consequência, decidiu:
- Condenar o arguido AA, pela prática de um crime consumado de roubo agravado (como reincidente) p. e p. pelo art.210.º, n.ºs1 e 2, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão; e
- Considerar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante BB e condenar o demandado no pagamento àquele da quantia de €250,00 a titulo de danos patrimoniais e bem assim, a quantia de €700,00 a titulo de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora contados desde o transito em julgado do acórdão até ao efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido.
3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ... o arguido AA, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):
1. Condenou o Tribunal a quo o arguido, ora Recorrente, pela prática de um crime de roubo agravado (como reincidente), na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Salvo o devido respeito, não foi feita a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 71º, nº 1 do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada de 6 (seis) anos, numa pena manifestamente excessiva.
3. O acórdão em recurso valorou excessivamente os elementos de conduta do recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito), bem como os seus antecedentes criminais.
4. Entende, ainda assim o Recorrente que, a pena que lhe deve ser aplicada não pode ser superior a 5 anos, pois considera que esta medida da pena (máximo de 5 anos) ainda permite respeitar e realizar as necessidades preventivas da comunidade.
5. Ao assim decidir e salvo o devido respeito, não foi feita a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 71º, nº 1 do Código Penal.
6. Aplicando-se assim, uma pena de prisão não superior a 5 anos, a mesma deverá ser suspensa sua execução.
7. Ao assim não decidir o Tribunal “a quo” fez, com o devido respeito, errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 50º, nºs 1 e 2 e artigo 52º do C. Penal,
Por todo o exposto, e pelo mais que Vªs. Exas, doutamente, suprirão, deverá ser revogado o douto acórdão recorrido e em sua substituição proferir-se outro que decida nos moldes reclamados nas conclusões do presente recurso.
4. O Ministério Público, no Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto
Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso.
É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas
conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
3- São as conclusões, que fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.
4- Foram ponderadas no Douto Acórdão as condições de vida e a personalidade do recorrente, como se infere de fls. E seguintes, onde se descrevem as circunstâncias de vida da AA as quais influenciaram a medida da pena, negativa e positivamente. não procedendo a argumentação do arguido.
5- O arguido tem um extenso passado criminal.
6- O Douto Acórdão não contraria o disposto nos artigos 50º, 52º e 71º, nº 1, do Código Penal, ou qualquer outro preceito ou princípio de direito criminal, constitucional ou europeu.
7- Somos de opinião de que salvo raras excepções, as pessoas são recuperáveis, devendo o aparelho preventivo-repressivo e reintegrador da Justiça e da Sociedade em geral, investir na arguido de molde a torná-lo uma pessoa mais participativa no bom sentido, respeitando os outros, a propriedade alheia e as leis em geral, não mais do que se pede a qualquer cidadão…
8- No Douto Acórdão constata-se que foram consideradas todas as circunstâncias do arguido favoráveis e desfavoráveis, tais como a medida da culpa, antecedentes criminais e outras particularidades a ter em atenção, estando as penas em sintonia com a Lei e também com a Doutrina e a Jurisprudência dominantes, devendo manter-se a pena de prisão de 6 anos, uma vez que não ofende os desígnios da prevenção, repressão e ressocialização das penas ou quaisquer outros preceitos ou princípios de Direito europeu, constitucional ou criminal.
9- O Tribunal “a quo” ponderou para a escolha e medida da pena a que foi condenado em 1ª instância o arguido, todos os critérios referidos nos artigos 50º, 52º e 71º, nº 1, do Código Penal e os demais preceitos legais que se aplicam ao caso concreto.
10- Reivindica também o recorrente que seja suspensa na execução a pena de prisão a que venha a ser condenado.
11- Sucede que existe o limite previsto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
12- Imagine-se até que a pena de prisão baixasse para cinco ou menos anos, sempre faltaria o juízo de prognose favorável, o qual nas circunstâncias do requerente: condenação como reincidente, passado criminal extenso, uso da força para conseguir os seus intentos e demais circunstâncias consideradas no Douto Acórdão, não se poderá fazer, salvo o respeito devido por diferente opinião.
13- Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se na íntegra.
Negando provimento ao recurso assim se fazendo Justiça.
5. Por despacho de 21 de setembro de 2021, a Ex.ma Relatora do Tribunal da Relação de ..., para onde os presentes autos foram remetidos pela 1.ª instância, considerando o disposto no art.432.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, determinou a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça.
6. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, nos termos do art.416.º do Código de Processo Penal, concluindo no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido AA.
7. Cumprido o disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, respondeu o arguido, renovando o entendimento de que o recurso por si apresentado deve ser julgado procedente.
8. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à Conferência.
II Fundamentação
9. Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
Factos provados
1. No dia 15 de Agosto de 2020, pelas 03h35, na zona ribeirinha de … de ..., imediações exteriores do estabelecimento de restauração denominado ....”, sito na Avenida ..., em..., o arguido AA e um indivíduo do sexo masculino cuja identidade se desconhece, agindo em concertação de esforços e intentos, abeiraram-se de BB que ali se encontrava sentado num banco público existente no local, com o intuito de se apoderarem dos objectos e valores que o mesmo transportasse.
2.º Assim, na execução do que haviam decidido, o arguido AA sentou-se ao lado de BB e perguntou-lhe «A ganza?», tendo este último respondido «não possuir nada disso».
3.º Acto contínuo, o arguido AA empunhou uma faca de dimensões não apuradas na direção de BB, sendo que este, com as mãos, repeliu aquele.
4.º Seguidamente, o arguido AA puxou os cabelos de BB, na sequência do que, ambos caíram ao chão, ao mesmo tempo que, o outro indivíduo cuja identidade se desconhece agarrou no telemóvel da marca e modelo «...», com o valor de €250,00, pertença do segundo, que se encontrava colocado no sobredito banco público.
5.º Na posse do aludido telemóvel, que fizeram seu, contra a vontade e em prejuízo de BB, o arguido AA e o outro individuo cuja identidade se desconhece encetaram fuga apeada do local
6.º O arguido AA e o referido indivíduo cuja identidade se desconhece agiram em concertação de esforços e intentos, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de se apoderarem do telemóvel acima mencionado, bem sabendo que o mesmo lhes não pertencia e que agiam contra a vontade e em prejuízo do legítimo proprietário, ou seja, BB.
7.º Sendo certo que, para conseguir o seu objectivo, o arguido AA usou de violência física relativamente a BB e, bem assim, empunhou um punhal na direcção deste, impedindo desse modo que o mesmo lograsse resistir à conduta daquele.
8.º O arguido AA tinha a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
9.º Até à presente data BB não recuperou o telemóvel acima identificado.
10.º O arguido AA, já anteriormente à prática dos factos acima descritos, havia sido julgado, condenado e cumprido pena de prisão efectiva pelo cometimento de factos susceptíveis de integrar ilícitos penais dolosos da mesma natureza daquele pelo qual se deduz o presente despacho acusatório.
11.º Com efeito, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1193/04...., cujos termos correram pelo (extinto) ... Juízo da (também extinta) comarca de ..., o arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado no dia 19 de Dezembro de 2006, na pena de catorze anos de prisão pela prática:
No dia 09/08/2004 de um crime de furto, p. e p. no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal;
No dia 14/08/2004 de um crime de furto, p. e p. no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal;
No dia 28/08/2004 de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal;
No dia 28/08/2004 de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artigo 208.º, do Código Penal;
No dia 29/10/2004 de um crime de injúria qualificada, p. e p. nos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j), todos do Código Penal;
No dia 29/10/2004 de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º e 204.º, n.º 2 alínea a) com referência ao disposto no artigo 202.º alínea b), todos do Código Penal;
No dia 20/11/2004 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro;
No dia 20/11/2004 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal;
No dia 18/12/2004 de um crime de roubo qualificado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b) com referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal;
No dia 03/01/2005 de um crime de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal.
12.º Por seu turno, no âmbito do processo comum singular n.º 12/14...., cujos termos correram pela (extinta) Instância Local ... – Secção de ...J... da comarca de ..., o arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 18 de Fevereiro de 2016, na pena de um ano de prisão (efectiva) pela prática entre 18/01/2014 e 20/02/2014 de um crime de evasão, p. e p. no artigo 352.º, n.º 1, do Código Penal.
13.º O arguido AA cumpriu ininterruptamente e sucessivamente no período temporal compreendido entre 05/01/2005 e até 2 de Abril de 2019 (com excepção do período em que esteve evadido -18/01/2014 e 20/02/2014), a pena de prisão em que foi condenado no âmbitos dos processos acima referidos e, bem ainda, a pena de prisão de dois anos resultante da revogação da suspensão da repectiva execução decidida no âmbito do processo n.º 253/11.... (Secção de ... – J...), sendo que, naquela última data (2 de Abril de 2019), foi-lhe concedida a liberdade condicional por decisão do Tribunal de ....
14.º Todavia, tais condenações e cumprimento de penas de prisão não foram suficientes para obstar a que o arguido AA cometesse novos ilícitos penais dolosos, nomeadamente, crimes contra o património.
15.º Com efeito, menos de cinco anos depois (se excluirmos o período de tempo em que o arguido AA esteve a cumprir pena privativa da liberdade) da prática dos factos pelos quais foi condenado em pena de prisão efectiva pelo cometimento dos crimes de roubo qualificado, furto de uso e condução sem habilitação legal, o mesmo voltou a praticar factos que integram a prática do crime de roubo qualificado.
16.º Razões pelas quais se conclui que a condenação e cumprimento de pena de prisão não constituíram prevenção suficiente da prática pelo arguido AA de futuros crimes e, nomeadamente, daqueles acima mencionados.
Mais se apurou,
Antecedentes criminais
O arguido foi julgado e condenado,
- no Processo Comum Coletivo nº 454/99...., por decisão de 14.06.1995, pela prática, em 03.12.1994, de um crime de Roubo e de Furto Qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- no Processo Comum Coletivo nº 432/02...., por decisão de 25.10.1995, pela prática, em 31.12.1994, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 4 anos de prisão;
- no Processo Comum Singular nº 160/95, por decisão de 21.03.1996, pela prática, em 25.11.1994, de um crime de Roubo na pena de 2 anos de prisão;
- no Processo nº 95/... por decisão de 13.05.1999, transitada em julgado em 08.06.1999, pela prática, em 25.11.1994, de um crime de Roubo;
- no Processo Sumário nº 118/..., por decisão de 05.07.2000, pela prática de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 75 dias de multa;
- no Processo Sumário nº 437/00...., por decisão de 07.09.2000, transitada em julgado em 29.09.2000, pela prática, em 06.09.2000, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 100 dias de multa;
- no Processo Comum Coletivo nº 424/..., por decisão 22.05.2001, transitada em julgado em 06.06.2001, pela prática, em 01.10.2000, de um crime de Introdução em Lugar Vedado ao Público, na pena de 45 dias de multa;
- no Processo Comum Coletivo nº 700/00...., por decisão de 13.06.2001, transitada em julgado em 28.06.2001, pela prática, em 16.10.2000, de um crime de Roubo e de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e de 45 dias de multa;
- no Processo Sumário nº 812/00...., por decisão de 05.07.2000, transitada em julgado em 20.09.2000, pela prática, em 05.07.2000, de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 75 dias de multa e na pena acessório de proibição de conduzir veículos motorizados por 60 dias;
- no Processo Comum Singular nº 130/01...., por decisão de 22.05.2002, transitada em julgado em 07.06.2002, pela prática, em 07/2000, de um crime de Desobediência, na pena de 60 dias de prisão;
- no Processo Comum Singular nº 253/11...., por decisão de 23.10.2012, transitada em julgado em 22.11.2012, pela prática, em 28.02.2011, de um crime de Roubo, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução sujeita a Regime de Prova e a condição de se submeter a tratamento dos consumos aditivos.
Consta do Relatório Social do arguido que, AA encontra-se desde 27/01/2021 em regime de prisão preventiva, primeiro no EP de ... e atualmente em ... à ordem do processo nº 1276/20...., indiciado dos crimes de coação, roubo e furto qualificado. Antes de ser detido estava desempregado e vivia sozinho no ..., nº…, em..., numa casa com deficientes condições de habitabilidade.
Natural ..., AA provem de um agregado muito numeroso (10 irmãos), com grandes dificuldades económicas, consumos excessivos de bebidas alcoólicas dos progenitores, desestruturação familiar e muitas lacunas ao nível do processo educativo. Tal como alguns dos irmãos, o arguido foi institucionalizado na C... aos 10 anos, contexto que condicionou a vinculação entre os vários membros da família, alguns também com problemas no sistema de justiça.
Permaneceu institucionalizado até aos 15 anos de idade, após o que registou uma fuga da instituição já depois de ter completado o 4º ano de escolaridade, reintegrando o agregado familiar de origem. Por esta altura já tinha iniciado o consumo de estupefacientes, envolvendo-se com grupo de pares com a mesma problemática e assumindo comportamentos criminais que determinaram a sua condenação a uma primeira pena de prisão (1995/99), tendo então concluído na cadeia o 6º ano de escolaridade.
Após a sua libertação manteve um relacionamento marital de curta duração do qual resultou o nascimento de um filho em 1999 posteriormente retirado e colocado no R... para adoção. AA voltou a cumprir pena de prisão entre 2001 e 2004, sendo que depois da sua libertação foi residir para ... em condições habitacionais precárias. Durante os períodos que se encontrava em liberdade o arguido desenvolveu alguma atividade laboral indiferenciada, de forma irregular, na construção civil, mas sempre condicionada pela sua questão aditiva e desorganização pessoal.
Em 2005 voltou a ser preso pela terceira vez à ordem do processo nº 1193/04...., do Tribunal de..., condenado então a 14 anos de prisão por inúmeros crimes. Cumpriu pena no Estabelecimento Prisional de ..., onde apesar de registar várias sanções disciplinares, trabalhou como faxina e realizou tratamento para a sua toxicodependência. Evadiu-se em Janeiro de 2014, para ser recapturado em 2015 e colocado no EP de ..., onde voltou à ocupação de faxina até sair em liberdade condicional aos 5/6 da pena em Abril de 2019.
Inicialmente fixou residência junto de um irmão e cunhada na ..., mas incompatibilizou-se com estes familiares e mudou-se para casa de outro irmão em ..., onde também esteve muito pouco tempo, alterando posteriormente a sua morada para a ... para trabalhar num restaurante como empregado de mesa. Contudo também aqui a sua integração profissional não correu bem e em Agosto de 2019 já estava a viver em....
AA ainda se encontra em liberdade condicional (Processo nº 3081/10.... do Tribunal de ...), medida que só tem fim previsto para Fevereiro de 2022. Durante o período que esteve em meio livre o arguido fez alguns biscates na construção civil antes do início da pandemia, mas desde Março de 2020 ficou sem trabalho. Requereu o rendimento social de inserção (RSI), procurou alimentar no ... e ... de... e andou em acompanhamento na ETET/... para controlo dos seus consumos de substâncias psicoativas, fazendo o programa de substituição de metadona.
Devido à manutenção dos seus problemas aditivos voltou aos comportamentos criminais durante a liberdade condicional, tendo sido constituído arguido, para além deste, nos seguintes processos:
- Nº 1301/19.... (crimes de ameaça e coação);
- ... (crimes de roubo, furto de uso de veículo e condução sem habilitação legal), julgamento agendado para o dia 21/04/2021;
- Nº 1276/20...., à ordem do qual se encontra preso.
No estabelecimento prisional não exerce atividade laboral e apenas faz desporto, tendo recebido várias vídeo chamadas do irmão CC, único familiar que lhe presta apoio.
No que se reporta ao pedido de indemnização civil, fica provado que:
O telemóvel valia pelo menos €250,00
O ofendido ficou com receio de andar sozinho e nunca mais voltou àquele local.
10. Âmbito do recurso
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.[1]
Como refere Germano Marques da Silva, “As conclusões resumem a motivação, e por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto de motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta está em falta”.[2]
Face às conclusões da motivação do recorrente AA as questões a decidir são duas:
A) - se a medida da pena de 6 anos de prisão que lhe foi aplicada é excessiva, pois não deveria ser superior a 5 anos (conclusões 2, 4 e 5); e
B) - se em face da redução da pena de prisão para medida não superior a 5 anos, esta deve ser suspensa na sua execução, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2 e 52.º do Código Penal (conclusões 6 e 7).
11. Apreciando.
§1.º Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se fazer uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que o arguido AA dirigiu o mesmo ao Tribunal da Relação de ..., mas a Ex.ma Relatora deste Tribunal Superior, para onde os presentes autos foram remetidos pela 1.ª instância, determinou, ao abrigo do disposto no art.432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça.
O direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, tendo passado a constar expressamente, na 4.ª revisão constitucional (1997), do art.32.º, n.º 1, da Constituição da República, com o aditamento do inciso «incluindo o recurso».
O que esta norma constitucional não consagra é a garantia de um duplo grau de recurso ou de um triplo grau de jurisdição, em relação a quaisquer decisões condenatórias.
O atual Código de Processo Penal, na sua versão originária, estabelecendo como pedra de toque para a determinação da competência do tribunal de recurso a natureza do tribunal recorrido, atribuía a competência ao Tribunal da Relação para conhecer das decisões de tribunais singulares e a competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri.
Perante as críticas desta solução legislativa, no que respeita ao recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri, na medida em que eliminaria a garantia de recurso relativamente à reapreciação da matéria de facto por um tribunal de recurso, foram introduzidas alterações no regime dos recursos pela Lei n.º 59/98 de 25 de agosto e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estabeleceram-se novas vias de recurso para a Relação e para o STJ.
A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, alterou o texto da alínea c), n.º 1, do art.432.º do C.P.P. e aditou-lhe n.º 2.
O art.432.º do Código de Processo Penal, que estabelece taxativamente os casos em que tem lugar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, passou a estabelecer, designadamente:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
(…)
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.»
A revisão do Código Penal de 2007, em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, evidencia claramente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
A Relação só tem competência para o conhecimento do recurso de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão se o recorrente, ao provocar a reapreciação do caso penal, quiser abranger a própria matéria de facto.
No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena de 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à redução da medida da pena e suspensão da sua execução), cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso.
Conclui-se assim que, neste caso, o recurso interposto pelo arguido é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o competente para o conhecer, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.
Posto isto.
Questão A)
12. Da determinação da medida da pena
12.1 O recorrente AA considera desadequada a pena de 6 anos que lhe foi aplicada, defendendo que face ao disposto no art.71.º, n.º 1 do Código Penal, a medida da pena de prisão não deveria ser superior a 5 anos.
Apresenta para o efeito, no essencial, os seguintes argumentos: (i) o acórdão recorrido valorou excessivamente o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, a gravidade do facto ilícito e os antecedentes criminais do arguido; (ii) e, não valorizou as suas circunstâncias pessoais, nomeadamente, o seu contexto socioeconómico e familiar e a idade; (iii) situando-se a pena aplicada muito acima do ponto médio da moldura penal, o acórdão recorrido violou os princípios de adequação e proporcionalidade das penas.
Vejamos se assim é.
12.2. Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.
Não se esgotando o facto punível com a ação ilícita-típica, necessário se torna sempre que a conduta seja culposa, “isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[3]
O juízo de censura, ou desaprovação, é suscetível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela atuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas.
O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete para a realização in casu das finalidades da pena, que de acordo com o art.40.º, n.º 1, do Código Penal, são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.
Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).
A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico-penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.
As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.
Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “fatores relativos à execução do facto”, “fatores relativos à personalidade do agente” e “fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.
Relativamente aos “fatores relativos à execução do facto” esclarece que “Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... Assim, ao nível do tipo-de-ilícito releva logo a totalidade das circunstâncias que caracterizam a gravidade de violação jurídica cometida pelo agente, o dano material ou moral, produzido pela conduta – com todas as consequências típicas que dele advenham - o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, a espécie e o modo de execução do facto...o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo...Nos fatores relativos à execução do facto...entram, por outro lado, todas as circunstâncias que respeitam à reparação do dano pelo agente, ou mesmo só os esforços por ele desenvolvidos nesse sentido ou no de uma composição com o lesado; como ainda o comportamento da vítima...os sentimentos, os motivos e os fins do agente manifestados no facto.”
Nos “fatores relativos à personalidade do agente” incluem-se: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto.
Os “fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” incluem a conduta anterior ao facto – haverá que ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderão atenuar a pena. Como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar a medida da pena – e a conduta posterior ao facto – haverá que ponderar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, e qual o seu comportamento processual.[4]
Como expende Maria João Antunes, podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. [5]
Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção.
12.3. No caso em apreciação não se pode olvidar ainda a reincidência, dada como verificada relativamente ao recorrente, porquanto esta constitui uma circunstância modificativa agravante da punição – elevando a moldura mínima - em razão da culpa agravada do agente pela rápida sucumbência na reiteração criminosa manifestada nos pressupostos enunciados no art.75.º, n.º 2 do Código Penal.
Sobre os efeitos, desta circunstância modificativa, estabelece o art.76.º, n.º 1 do Código Penal:
«Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.
A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.».
Seguindo ainda a lição de Figueiredo Dias, para concretização da pena de reincidência, que é um caso especial de determinação da pena, importa proceder a três operações:
Em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que, concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, seguindo para tanto o procedimento normal de determinação da pena.
Esta operação torna-se necessária por duas ordens de razões: para assim apurar se se verifica um dos pressupostos formais da reincidência, qual seja o de o crime reiterado ser punido com prisão efetiva, e para tornar possível a última operação, imposta pela 2.ª parte do art.76.º, n.º 1, do Código Penal.
Em segundo lugar, o tribunal constrói a moldura penal da reincidência, que terá o limite máximo previsto pela lei para o respetivo tipo de crime e o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço.
A terceira operação consiste na fixação da medida da pena na moldura penal da reincidência, comparando a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência, com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência.
O fundamento desta operação reside no disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art.76.° do Código Penal: a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores – a justificação de uma tal doutrina deriva do intuito de evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da reincidência, agravar desproporcionadamente a medida da pena.[6]
Ainda a este propósito, ensina Paulo Pinto de Albuquerque que “Embora para efeito da reincidência seja suficiente uma condenação anterior, a lei menciona a «medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores», pois pode haver mais do que uma condenação anterior, devendo a agravação resultante da reincidência ser limitada em função precisamente da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, desde que se verifiquem os pressupostos da reincidência em relação à condenação na pena mais grave.”[7]
Por fim, importa realçar que a operação de determinação da medida da pena dentro da moldura penal da reincidência pode suscitar algumas dúvidas e reservas sob o ponto de vista do princípio da proibição da dupla valoração. Os factos anteriores constituem pressupostos formais de aplicação da moldura penal agravada, pelo que não podem ser de novo valorados em sede de medida da pena da reincidência. O mesmo se diria do pressuposto material do desrespeito pela advertência contida na condenação ou condenações anteriores. Mas importa não esquecer que o princípio da proibição de dupla valoração não impede que se valore, para efeito de medida da pena, o grau de intensidade da realização de um elemento ou de violação de um dever determinante da aplicação da moldura. O tribunal não está impedido e, pelo contrário, deve valorar o grau de censura de que o agente é passível por se não ter deixado motivar pela advertência resultante da condenação ou condenações anteriores.[8]
Retomando o caso concreto.
12.4. O crime de roubo, que o arguido preencheu em coautoria com a sua conduta, é um crime complexo, na medida em que viola não só um bem jurídico de caráter patrimonial, mas também um bem jurídico eminentemente pessoal, através da violência contra uma pessoa, pelas ameaças com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
Ou seja, não obstante o roubo ser um crime contra a propriedade, o elemento pessoal tem no mesmo uma particular relevância.
Resulta da factualidade dada como provada, no que respeita aos “fatores relativos à execução do facto”, que o grau de ilicitude do crime cometido pelo arguido AA é elevado, porquanto, durante a noite, em comunhão de esforços com outro individuo do sexo masculino, com o propósito de se apoderarem de bens pertencentes a BB, começou por empunhar na direção deste uma faca de dimensões não apuradas, de modo a que não lograsse resistir à sua conduta e, seguidamente, exerceu violência física sobre ele, puxando-lhe os cabelos, na sequência do que ambos caíram ao chão, momento em que o outro indivíduo não identificado agarrou o telemóvel pertença do BB, no valor de pelo menos € 250,00 e, na posse do mesmo, encetaram fuga apeada do local, fazendo deles o objeto pertença da vítima.
A gravidade das consequências é mediana neste tipo de ilícito, considerando, por um lado, o valor do bem objeto de subtração, que não foi recuperado e, por outro, os danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido, que face ao citado modo de execução do facto, ficou com receio de andar sozinho e nunca mais voltou ao local dos factos.
Provado está, também, que o arguido/recorrente agiu com dolo direto e razoavelmente intenso, na medida em que, concertando-se previamente com o outro individuo cuja identidade não se apurou, agiu com o propósito, concretizado, de subtrair e se apropriar do telemóvel que o ofendido BB tinha colocado no banco público onde estava sentado.
A motivação da sua conduta, que ressalta dos factos, foi o enriquecimento do seu património, em prejuízo do legitimo proprietário do bem subtraído.
Na decisão recorrida consignou-se a respeito da execução do facto: “No que concerne ao grau de ilicitude dos factos, importa atender à natureza e valor dos objectos retirados (telemóvel), à natureza dos meios usados e ao tipo de violência empregue, para se concluir que é elevado o grau de ilicitude de todos os factos assim como as respectivas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor das coisas roubadas, mas também do grau de violência empregue.”
Perante as circunstâncias descritas, consideramos que não assiste genericamente razão ao recorrente quando defende - sem aduzir qualquer fundamentação, seja nas conclusões da motivação, seja na motivação do recurso -, que foram valorados excessivamente no acórdão recorrido, o grau de ilicitude, intensidade do dolo e gravidade do facto ilícito.
No que respeita aos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», que integram a alínea e), n.º 2 do art.71.º do Código Penal, adiantamos, desde já, que não vislumbramos do acórdão recorrido que este tenha valorado excessivamente os antecedentes criminais do ora recorrente.
Para além das condenações nos processos comuns n.º 1193/04...., 12/14.... e 253/11.... que integram os pressupostos da reincidência, e que por isso não serão duplamente valorados, importa anotar que o arguido, foi julgado e condenado ainda:
- no Processo Comum Coletivo nº 454/99...., por decisão de 14.06.1995, pela prática, em 03.12.1994, de um crime de Roubo e de Furto Qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - no Processo Comum Coletivo nº 432/02...., por decisão de 25.10.1995, pela prática, em 31.12.1994, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 4 anos de prisão; - no Processo Comum Singular nº 160/95, por decisão de 21.03.1996, pela prática, em 25.11.1994, de um crime de Roubo na pena de 2 anos de prisão; - no Processo nº 95/... por decisão de 13.05.1999, transitada em julgado em 08.06.1999, pela prática, em 25.11.1994, de um crime de Roubo; - no Processo Sumário nº 118/..., por decisão de 05.07.2000, pela prática de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 75 dias de multa; - no Processo Sumário nº 437/00...., por decisão de 07.09.2000, transitada em julgado em 29.09.2000, pela prática, em 06.09.2000, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 100 dias de multa; - no Processo Comum Coletivo nº 424/..., por decisão 22.05.2001, transitada em julgado em 06.06.2001, pela prática, em 01.10.2000, de um crime de Introdução em Lugar Vedado ao Público, na pena de 45 dias de multa; - no Processo Comum Coletivo nº 700/00...., por decisão de 13.06.2001, transitada em julgado em 28.06.2001, pela prática, em 16.10.2000, de um crime de Roubo e de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e de 45 dias de multa; - no Processo Sumário nº 812/00...., por decisão de 05.07.2000, transitada em julgado em 20.09.2000, pela prática, em 05.07.2000, de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena de 75 dias de multa e na pena acessório de proibição de conduzir veículos motorizados por 60 dias; e - no Processo Comum Singular nº 130/01...., por decisão de 22.05.2002, transitada em julgado em 07.06.2002, pela prática, em 07/2000, de um crime de Desobediência, na pena de 60 dias de prisão.
Dos antecedentes criminais descritos, resulta que o ora recorrente tem uma longa e persistente carreira criminal, iniciada no ano de 1994.
Acrescentando a esta circunstância, o facto do crime de roubo em causa neste processo ter sido praticado durante o período em que se encontrava em liberdade condicional, o Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de ter como elevado o grau de censura do arguido por se não ter deixado motivar pela advertência resultante das muitas condenações anteriores.
Os antecedentes criminais não podem deixar de ter, nestes termos, um peso relevante na determinação da medida concreta da pena.
Anotamos ainda, neste âmbito, que resulta do acórdão recorrido, que o arguido não confessou os factos, não mostrou arrependimento, nem procedeu à reparação ou tentativa de reparação dos prejuízos causados ao ofendido, circunstâncias através das quais poderia demonstrar que previsivelmente estaria a ocorrer uma mudança positiva na sua personalidade e não voltaria a praticar no futuro novos crimes.
Por fim, no que respeita à alegada não valorização, na decisão recorrida, das circunstâncias pessoais do arguido, nomeadamente, o seu contexto socioeconómico e familiar e a idade, que integram os “fatores relativos à personalidade do agente”, o Supremo Tribunal de Justiça não alcança também em que termos poderão estas circunstâncias atenuar a responsabilidade criminal do recorrente.
Basta para tal atentar ao teor do relatório social transcrito nos factos provados:
O arguido, nascido a XX/XX/1978 – portanto, não é jovem para efeitos penais, nem idoso -, cresceu numa família muito numerosa, desestruturada, até ser institucionalizado aos 10 anos de idade na C..., onde permaneceu até aos 15 anos, altura em que fugiu da instituição e foi reintegrado no agregado familiar de origem.
Por esta altura já tinha iniciado consumo de estupefacientes, envolvendo-se com grupos de pares com a mesma problemática, assumiu comportamentos criminais que determinaram a sua primeira pena de prisão (1995/99), tendo concluído no EP o 6.º ano de escolaridade.
A sua vida familiar também está longe de ser bem-sucedida, pois teve um relacionamento marital de curta duração e o filho foi retirado e colocado numa instituição, para adoção. A desorganização pessoal, com mudanças de localidades e incompatibilização com familiares, é patente.
Também a sua atividade laboral, indiferenciada, desenvolvida nas alturas em que esteve em liberdade, é irregular, mostrando-se afetada pela desorganização pessoal e pelos consumos de produtos estupefacientes.
No Estabelecimento Prisional, onde se encontra atualmente em prisão preventiva, não exerce atividade laboral, recebendo apoio apenas de um seu irmão.
Da factualidade dada como provada retira-se que o arguido/recorrente é de modesta condição social e fraca situação económica.
Em suma, a personalidade do arguido AA tem-se revelado refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e nem o cumprimento anterior de diversas penas de prisão efetiva tem obstado à prática de crimes de vária natureza, nomeadamente de roubo, pelo que a prognose sobre o seu comportamento à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.
Considerando o grau de perigosidade do arguido que resulta dos factos provados, entende o Supremo Tribunal de Justiça que não merece censura a afirmação constante do acórdão recorrido, de que são elevadas as necessidades de prevenção especial.
Também é de validar a decisão recorrida quando consigna que são elevadas as necessidades de prevenção geral, dada a frequência com que são cometidos em todo o país, crimes de roubo, causando elevado sentimento de insegurança e alarme social - pelo que se justifica reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes à norma violada.
Perante estes elementos objetivos relevantes para a culpa e para a prevenção, entendemos que é também elevada a culpa do arguido.
No caso concreto, a moldura penal do crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.210.º, n.ºs1 e 2, do Código Penal, é de 3 a 15 anos de prisão.
Face ao disposto na 1.ª parte do n.º 1 do art.76.º do Código Penal, a moldura penal da reincidência é de 4 a 15 anos de prisão,
Considerando todas as circunstâncias relativas à execução do crime de roubo agravado, à conduta do arguido AA anterior e posterior ao facto; á sua personalidade, às razões de prevenção geral e especial e à sua elevada culpa, concluímos que o procedimento judicial de fixação do quantum da pena de prisão aplicada ao arguido, em 6 anos de prisão, numa moldura de reincidência de 4 a 15 anos de prisão, respeitou as finalidades da punição e os critérios legais de determinação da medida da pena.
Onde o acórdão recorrido andou menos bem, é na afirmação singela de que sendo a pena abstrata de reincidência de 4 a 15 anos, a agravação não excede a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, pois, como vimos, a limitação da agravação da reincidência prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art.76.º do Código Penal, faz-se comparando a pena concreta independentemente da reincidência, com a pena concreta resultante da reincidência.
O recorrente não sustenta, em lado algum do seu recurso, que a pena de 6 anos de prisão que lhe foi aplicada, viola a cláusula de limitação prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art.76.º do Código Penal, mas temos como manifesto que aquela pena pode ser aplicada ao arguido, reincidente, sem violação desta cláusula. É que a condenação na pena de 6 anos de prisão seria permitida mesmo que a pena aplicada ao arguido fosse em 3 anos de prisão, limite mínimo do roubo agravado, independentemente da reincidência.
Efetivamente, aquela cláusula de limitação imporia, mesmo neste caso, um limite de 9 anos e 6 meses de prisão [3 anos de prisão pelo crime de roubo independentemente da reincidência, mais 6 anos e 6 meses de prisão pela condenação anterior mais grave, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de roubo qualificado no proc. n.º 1193/04...., que integra a reincidência], e a pena concreta da reincidência, fixada em 6 anos de prisão, encontra-se dentro daquele limite.
Pelo exposto, entendemos que a pena de 6 anos de prisão, imposta ao arguido no acórdão recorrido não justifica intervenção corretiva.
Questão B)
13. Da suspensão da execução da pena de prisão
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º 1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso concreto, pressuposto da suspensão da pena de prisão pretendida pelo recorrente, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2 e 52.º do Código Penal, era a redução da pena de prisão para medida não superior a 5 anos.
Tendo em conta que o arguido AA foi condenado neste processo numa pena de 6 anos de prisão, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se mostra verificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão.
Assim, por falta, desde logo de verificação deste primeiro pressuposto, impõe-se negar provimento a esta questão.
Improcedendo ambas as questões objeto de recurso, resta negar provimento ao recurso.
Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda o Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
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Lisboa, 11 de novembro de 2021
Orlando Gonçalves (Relator)
Adelaide Sequeira (Adjunta)
_______________________________________________________
[1] Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 (BMJ n.º 458º, pág. 98) e de 24-3-1999 (CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.)
[2] “Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Universidade Católica Portuguesa, vol. 3, 2018, págs. 335/336.
[3] Cf. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[4] Cf. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, págs. 210 e 245 e seguintes.
[5] Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.
[6] Cf. obra citada, págs. 269 a 275.
Neste sentido, cf. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4-6-2008, proc. n.º 08P1668, relator: Santos Cabral, in www.dgsi.pt.
[7] Cf. “Comentário do Código Penal”, edição UCE, 2.ª edição, pág. 282.
[8] Cf. Figueiredo Dias, obra citada, pág. 272.