CUMPRIMENTO DE INJUNÇÃO
FALTA DE COMPROVATIVO DO CUMPRIMENTO
Sumário

- Tendo a arguida cumpriu integralmente a injunção pecuniária imposta mas advertida de que deveria proceder à entrega nestes serviços do Ministério Público de documento comprovativo de cumprimento da injunção pecuniária, o que não fez atempadamente, tal falta não constitui nenhuma das injunções típicas previstas no art.º 281.º, n.º2, do CPP, todas elas viradas para a reparação e prevenção do crime ou suas consequências.
- Nos termos da lei, tal obrigação não pode ser imposta como injunção, sendo, contudo, legítimo impô-la como dever processual acessório mas, como dever processual que é, não pode ter consequências a título substantivo e, caso se mostre o cumprimento tardio daquele dever processual, tal circunstância apenas poderá conduzir a consequência processual, a saber, condenação em custas pelo incidente.
- O juiz a quo não poderia determinar o arquivamento do processo nos termos do art.º 282.º, n.º 3, do CPP por esse despacho é da competência do MP e inexistir hierarquia ou superintendência dos actos do Ministério Público por parte do Juiz (ressalvando os casos expressa e taxativamente previstos na lei para o juiz de instrução);
- Estando a injunção cumprida, o caminho não seria o do despacho do 282.º, n.º 3, verificando-se uma excepção dilatória inominada, com a consequente absolvição da instância e arquivamento dos autos.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juiz … do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …., Tribunal Judicial da Comarca de …, foi proferido o seguinte despacho:
“Por despacho de 22.03.2019 foi determinada a suspensão provisória destes autos durante o período de 5 meses, mediante a obrigação da arguida entregar a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) aos Bombeiros Voluntários da …, neste período, juntando aos autos documento comprovativo de pagamento desse montante, com a menção de que se trata de uma injunção criminal.
Em 30.08.2019 foi junto aos autos comprovativo de pagamento da quantia de € 250,00 aos Bombeiros Voluntários da …, ficando em falta a quantia de € 200.
Foi a arguida notificada para proceder ao pagamento do remanescente, tendo sido tentada a sua notificação por opc, mas sem lograr encontra-la. Não tendo sido apresentado qualquer comprovativo do pagamento em falta, foi deduzido despacho de acusação em processo abreviado.
Recebida a acusação foi designada data para a realização da audiência de julgamento, tendo a arguida vindo informar que efetuou o pagamento da totalidade da injunção, juntando aos autos comprovativo do pagamento da quantia de € 200,00 realizado em 01.04.2019, durante o período de suspensão provisória do processo.
Importa ter em consideração que, no entender deste Tribunal, a entrega do comprovativo de cumprimento da injunção constitui, tão só, uma forma de o Ministério Público obter a informação de que a injunção determinada foi cumprida, de maneira a poder continuar a tramitação processual. Tal entrega não faz parte da injunção, já que o artigo 281.º, n.º 2 do Código de Processo Penal determina como injunção, na alínea c), a entrega a instituições privadas de solidariedade social certa quantia, não incluindo na injunção a entrega do comprovativo do pagamento.
Assim, ao entregar a quantia determinada à instituição escolhida e durante o período de suspensão do processo, a arguida cumpriu com a injunção fixada, ainda que não o tenha comprovado em tempo.
Acresce que a arguida não foi condenada pela prática de qualquer crime durante o período de suspensão ou posteriormente, nem existem outros processos criminais contra ela, pelo que todos os requisitos legalmente impostos para o cumprimento da suspensão provisória do processo se encontram verificados.
Nos termos do artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.
Remetidos os autos ao Ministério Público, entendeu este nada fazer em razão do despacho de acusação já proferido.
Contudo, entende este Tribunal que razões formais de tramitação não podem sobrepor-se a normas legais nem impedir a realização da justiça, razão pela qual se determina o arquivamento dos presentes autos, nos termos do artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Notifique”.
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
“1. A arguida AA foi acusada da prática de crime de condução sem habilitação legal, após verificado o incumprimento de injunção no âmbito da suspensão provisória do processo aplicada.
2. No âmbito dos autos, a arguida comprovou o pagamento parcial da quantia fixada a título de injunção.
3. Contudo, não obstante a advertência feita pelo Magistrado do Ministério Público de que a não entrega de documento comprovativo de entrega do montante fixado acarretava o prosseguimento dos autos, a arguida nada juntou.
4. A arguida foi notificada por diversas vezes, para diferentes moradas para vir juntar aos autos comprovativo de tal pagamento, tendo inclusive sido tentada notificação pessoal.
5. Assim, uma vez deduzida acusação a arguida foi notificada da mesma e nada requereu ou disse.
6. Após proferimento de despacho de recebimento da acusação e designação de data para audiência de discussão e julgamento veio a arguida apresentar documento comprovativo de pagamento do remanescente da quantia em falta.
7. O Tribunal a quo, por despacho de 20.04.2021, determinou a remessa do processo ao DIAP, uma vez que deveria ser proferido despacho de arquivamento do processo, nos termos do artigo 283.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
8. Contudo, a Magistrada do Ministério Público entendeu que uma vez deduzida acusação, esgotou-se o seu poder jurisdicional, remetendo novamente o processo.
9. Assim, por despacho de 14.05.2021, o Tribunal a quo, determinou o arquivamento dos autos, no âmbito do artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
10. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se pode concordar com o despacho de arquivamento proferido no âmbito dos presentes autos. Senão vejamos.
11. A suspensão provisória do processo é um instituto de consenso, que permite a agilização da justiça e a evita as consequências negativas da condenação de um cidadão por um crime.
12. Assim, findo o período de investigação ou o período de suspensão provisória do processo cabe ao Ministério Público acusar ou arquivar os autos, tendo o legislador conferido, nos termos do artigo 282.º do Código de Processo Penal, tal competência ao Ministério Público.
13. Caberá, pois, ao Ministério Público indagar se a injunção foi ou não cumprida pelo arguido.
14. A injunção aplicada nos autos, envolve duas acções por parte da arguida: entregar uma quantia e comprovar tal acto de cumprimento, o que determinou a persecução dos autos.
15. Deduzida a acusação, findam os poderes do Ministério Público enquanto dominus do inquérito.
16. Contudo, salvo o devido respeito por opinião contrária, não cabe ao Juiz aquilatar o cumprimento da injunção pelo arguido, nomeadamente, quando não foi apresentada qualquer contestação nesse sentido.
17. Ademais, salvo o devido respeito por opinião contrária, não cabe ao Juiz de Julgamento, substituir-se ao Ministério Público e proferir despacho de arquivamento do processo, quando o legislador atribui tal competência apenas ao Ministério Público.
18. Crê-se assim, que com tal despacho de arquivamento, o Tribunal a quo violou o princípio do acusatório, constante do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e o disposto no artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, porquanto substituiu-se ao Ministério Público.
19. Mais se dirá, salvo o devido respeito, que o Juiz de Julgamento apenas pode arquivar os autos nas situações previstas no Código de Processo Penal, cabendo assim designar-se data para audiência de discussão e julgamento e a sua realização.
20. Assim, entende o Ministério Público, salvo o devido respeito por opinião contrária, que foram violados os artigos 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal”.
Não foi oferecida resposta ao recurso.
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
É o seguinte o fundamento do recurso: com o despacho de arquivamento, o Tribunal a quo violou o princípio do acusatório, constante do artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e o disposto no artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, porquanto substituiu-se ao Ministério Público.
*
III – Fundamentação
Apreciando, comecemos pelo texto da lei.
Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto. O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta - artigo 282.º, n.ºs 3 e 4, al. a), do Código do Processo Penal.
A lei é clara. Não podia o tribunal a quo proferir despacho a determinar “o arquivamento dos presentes autos, nos termos do artigo 282.º, n.º 3 do Código de Processo Penal”.
Só ao Ministério Público compete proferir despacho de arquivamento ao abrigo da citada norma legal.
Porém, há mais a ponderar.
Vejamos o processado:
- No dia 22.03.2019, o Procurador titular do inquérito proferiu o seguinte despacho:
 Mostrando-se reunidos os requisitos exigidos pelo art. 281.°, nº 1, do Código de Processo Penal, declaro suspenso provisoriamente o processo, por 5 (cinco) meses, mediante o cumprimento pelo arguido(a) BB, da(s) injunção(ões) de:
- Entrega da quantia de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros) aos Bombeiros Voluntários da …, neste período, juntando aos autos documento comprovativo de pagamento desse montante, com a menção de que se trata de uma injunção criminal.
Adverte-se o arguido(a) de que deverá proceder à entrega nestes serviços do Ministério Público de documento comprovativo de cumprimento da injunção pecuniária, caso em que, na ausência do mesmo, será a mesma tida por incumprida, prosseguindo os autos de imediato, com dedução de acusação.
Caso o arguido(a) cumpra a injunção(ões) determinada(s), decorrido o prazo de suspensão, o processo será arquivado.
Ao invés, se o arguido(a) não cumprir as determinações no prazo estabelecido, ou cometer novo crime na pendência deste processo, será de imediato revogada a suspensão e o processo prosseguirá os seus termos, pela prática de todos os crimes, independentemente das prestações já cumpridas, nos termos do art.° 282º, nº 4, als. a) e b) do Código de Processo Penal.
- A arguida foi notificada deste despacho.
- Em 30.08.2019 a arguida veio juntar aos autos o comprovativo do pagamento da quantia de 250 € aos Bombeiros Voluntários da …, com menção expressa do número do processo. O pagamento foi feito no dia 05.07.2019.
- A arguida foi notificada para juntar comprovativo da entrega remanescente.
- E a 18.10.2009, foi proferido o seguinte despacho pelo Procurador titular: Mediante contacto telefónico para o individuo que procedeu à entrega do montante, a fls. 29, e melhor identificado a fls. 9, apure se se mantém a morada da arguida a fls. 18, no sentido de certificar a notificação de que o montante da injunção não foi integralmente cumprido.
- E no dia 03.07.2020 o seguinte despacho:
Nos presentes autos foi determinada a suspensão provisória do processo (cfr. fls. 16, 20 e 23), pelo período de 5 (cinco) meses, mediante imposição à arguida AA da seguinte injunção:
Entrega da quantia de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) aos Bombeiros Voluntários da …, neste período, juntando aos autos documento comprovativo de pagamento desse montante, com a menção de que se trata de uma injunção criminal.
A suspensão provisória do processo teve início a 28 de Março de 2019 e o termo ocorreu a 28 de Agosto de 2019.
Sucede que a arguida cumpriu parcialmente a injunção aplicada, ou seja, procedeu apenas à entrega da quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) aos Bombeiros Voluntários da… – cfr. fls. 29 a 31.
Durante e após o decurso do período da suspensão provisória do processo, que terminou a 28 de Agosto de 2019, e apesar de devidamente notificada, a arguida não cumpriu integralmente a injunção de entrega da quantia €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) aos Bombeiros Voluntários da … durante o período da suspensão, nem se manifestou nos presentes autos – cfr. fls. 35 a 38, 40, 43 a 45, 47, 48 e 51 a 53.
Desta forma, não tendo a arguida AA cumprido integralmente a injunção que lhe foi imposta como condição da suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, determino o prosseguimento do processo.
Notifique.
- O processo prosseguiu com a notificação da acusação e o despacho de recebimento da acusação e de marcação de julgamento.
- O processo esteve parado devido às vicissitudes da pandemia da Covid-19.
- Em 12.04.2021, a arguida faz chegar o seguinte mail ao processo:
Eu recebi uma notificação para comparecer no tribunal dia 07/05/2021 por causa de um processo.
Processo: 27/19…
Acontece que eu fiz o pagamento da multa mas como ia sai de Portugal eu pedi para alguém me entregar o comprovativo de pagamento mas pelos vistos não entregou.
Queria saber como é que faço para vos entregar uma vez que eu não estou a viver em Portugal e não posso viajar nesse momento porque estou no último mês de gravidez.
- No dia 14.04.2021, o Juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
 No âmbito do inquérito, foram estes autos declarados suspensos em 22.03.2019 pelo período de 5 meses, mediante a entrega pela arguida AA da quantia de € 450,00 aos Bombeiros Voluntários da ...
Em 30.08.2019 foi entregue comprovativo de pagamento da quantia de € 250,00 aos Bombeiros Voluntários da…, ficando em falta o pagamento da quantia de € 200,00.
A arguida foi notificada em 24.09.2019 para juntar aos autos o comprovativo do pagamento do remanescente de € 200,00, sem que nada tenha sido junto aos autos. Foi tentado contacto telefónico com CC, pessoa que havia entregue neste Tribunal o comprovativo do pagamento da quantia de € 250,00, mas também não foi conseguido. A PSP deslocou-se à morada da arguida com vista a notificá-la para entregar a quantia de € 200,00 em dívida, mas não logrou contacto.
Assim, concluiu o Ministério Público que a arguida não cumpriu integralmente com a obrigação que lhe havia sido determinada, razão pela qual determinou o prosseguimento do processo e deduziu acusação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
Não se vislumbra na tramitação descrita qualquer nulidade ou omissão, razão pela qual se mantém inalterado o despacho de marcação de julgamento proferido.
Tendo em atenção que a arguida refere não estar a viver em Portugal e encontrar-se grávida, deverá a mesma ser notificada deste despacho e para informar se pretende ser ouvida no julgamento por videoconferência, através do sistema Webex.
Notifique, sendo a arguida para a morada constante do TIR e ainda para o endereço de email constante dos autos.
 - Em 30.08.2019, o Defensor Oficiosa da arguida junta o seguinte requerimento ao processo:
AA, Arguida, nos autos supra e neles melhor identificada, vem juntar comprovativo do cumprimento da Injunção.
O documento ora junto comprova que a arguida cumpriu em tempo a totalidade da injunção que lhe foi aplicada e que apenas falhou na junção do comprovativo aos autos.
Explicou, lamentando o lapso as razões da sua falha no e-mail enviado na segunda-feira, dia 12 de Abril de 2021 pelas 10:33, para o qual chama a vossa melhor atenção.
Em face da junção do documento referido e de todo o exposto, vem requerer a V.Exªs que considerem explicada situação e que seja relevada a falta dando como cumprida a injunção, com as demais consequências legais.
- O documento junto comprova que a quantia de 200 € foi entregue aos Bombeiros Voluntários da… no dia 01.04.2019.
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Tudo visto, é certo que a arguida entregou a quantia de 450 €, conforme determinado. E fê-lo dentro do prazo fixado aquando da suspensão provisória do processo.
A arguida foi, todavia, advertida de que deverá proceder à entrega nestes serviços do Ministério Público de documento comprovativo de cumprimento da injunção pecuniária, caso em que, na ausência do mesmo, será a mesma tida por incumprida, prosseguindo os autos de imediato, com dedução de acusação. E, não obstante o decurso do prazo de cinco meses da suspensão provisória do processo, o Ministério Público ainda tentou notificar a arguida para cumprir a parte em falta da injunção. Sem sucesso, todavia.
Importa aqui reproduzir as regras de conduta e injunções fixadas no art.º 281.º, n.º2, do CPP:
“São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes injunções e regras de conduta:
a) Indemnizar o lesado;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar ao Estado, a instituições privadas de solidariedade social, associação de utilidade pública ou associações zoófilas legalmente constituídas certa quantia ou efetuar prestação de serviço de interesse público;
d) Residir em determinado lugar;
e) Frequentar certos programas ou actividades;
f) Não exercer determinadas profissões;
g) Não frequentar certos meios ou lugares;
h) Não residir em certos lugares ou regiões;
i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões;
l) Não ter em seu poder determinados animais, coisas ou objetos capazes de facilitar a prática de outro crime;
m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.”
São injunções típicas, salvo a prevista na última alínea, todas elas viradas para a reparação e prevenção do crime ou suas consequências.
Como assim, também a última alínea, constituindo embora cláusula aberta, não pode deixar de ter, em concreto, uma ou várias daquelas finalidades.
Nada que enquadre a obrigação de comprovar o cumprimento das reais injunções.
Isto é, nos termos da lei, tal obrigação não pode ser imposta como injunção, sendo, contudo, legítimo impô-la como dever processual acessório, por razões óbvias e que bem se compreendem.
Mas, como dever processual que é não pode ter consequências a título substantivo. E caso se mostre o cumprimento tardio daquele dever processual, tal circunstância apenas poderá conduzir a consequência processual, a saber, condenação em custas pelo incidente.
Prosseguindo.
No acórdão do TR de Coimbra, de 13.09.2017, processo n.º 81/14.0GTCNR.C1, dgsi.pt, em situação muito semelhante à aqui em apreciação, concluiu-se do seguinte modo:
“O que ocorre, isso sim, é uma excepção dilatória inominada, que obstará a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (v. o subsidiário artº 576º, 2, do CPC).
Com efeito, verificado, embora em momento tardio, que o arguido cumprira atempadamente as injunções a que havia sido sujeito aquando da SPP, deveria o tribunal ter proferido despacho declarando tal e absolvendo-o da instância.
Nos termos do disposto no artº 282º, 4, a) do CPP, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas «se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta» e, nos termos do disposto no nº 4 do artº 383º do mesmo CPP, o MP deduz acusação no prazo de 90 dias «a contar da verificação do incumprimento».
O prosseguimento do processo, está bom de ver, só acontecerá face ao incumprimento das injunções e regras de conduta e não de um qualquer prazo a que seja concedida natureza peremptória, sem o devido apoio legal. Seu pressuposto legal é, nos termos estritos da lei, aquele incumprimento.
No nosso caso, o arguido cumpriu as injunções que lhe foram fixadas e só não demonstrou postura colaborante para fazer prova de que o fizera, quando convidado para o efeito. E daí, poderia o MP considerar que, face a tal postura, incumprira ele as injunções? Cremos que não. O que deveria ter feito era, ‘motu próprio’ e impulsionado pelo seu dever de investigação, ter solicitado a necessária informação à entidade beneficiária do pagamento ou proceder à audição do arguido. Mas não o fez.
Não podemos, deste modo, deixar que as questões de ordem formal se sobreponham às questões de fundo, de modo a fazer prevalecer a justiça material.
Verificando que o arguido cumprira as injunções que lhe haviam sido fixadas para a SPP, o juiz de julgamento deveria ter proferido despacho em que, julgando esgotado o objecto do presente processo especial, desse sem efeito a audiência de julgamento designada, absolvendo o arguido da respectiva instância. Não poderia o MP, sem previamente se certificar de que a injunção em causa fora incumprida, proferir acusação e remeter os autos a juízo”.
Acolhemos esta jurisprudência para encontrar a solução para o caso que nos ocupa.
Em primeiro lugar, concluímos que a arguida cumpriu a injunção. O seu dever de juntar aos autos documento comprovativo não integra, como vimos, a injunção. É um mero dever processual acessório.
Assim, e concluindo:
- A arguida cumpriu integralmente a injunção a que se obrigou;
- Não obstante, o juiz a quo não poderia determinar o arquivamento do processo nos termos do art.º 282.º, n.º 3, do CPP; esse despacho é da competência do MP e inexiste hierarquia ou superintendência dos actos do Ministério Público por parte do Juiz (ressalvando os casos expressa e taxativamente previstos na lei para o juiz de instrução);
- Estando a injunção cumprida, o caminho não seria o do despacho do 282.º, n.º 3, mas uma solução semelhante à do acórdão do TRC, considerando verificar-se uma excepção dilatória inominada, com a consequente absolvição da instância.
Face ao exposto, por que cumprida atempadamente a injunção, declara-se verificada uma excepção dilatória inominada, e, em sequência, a absolvição da instância e o arquivamento dos autos.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, embora por motivos totalmente distintos, determinando-se o arquivamento dos autos, não ao abrigo do art.º 282.º, n.º 3, do CPP, mas por se verificar uma excepção dilatória inominada que acarreta a absolvição da instância.
Sem custas.

Lisboa, 09 de Novembro de 2021
Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira