RECURSO PENAL
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
ESCUSA
Sumário


I. A concessão do apoio judiciário é da competência do Instituto da Segurança Social em procedimento administrativo, autónomo, regulado nos art.os 19º a 38º da Lei n.º 34/2004, de 20.7.
II. Quanto deduzido na pendência de procedimento judicial «e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» – art.º 24º n.º 4.
III. O prazo interrompido renova-se «conforme os casos: a) a partir da nomeação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» – art.º 24º n.º 5
IV. O patrono nomeado pode pedir escusa à Ordem dos Advogados, em requerimento fundamentado – art.º 34º n.º 1 da Lei n.º 34/2004.
V. Havendo, já, procedimento pendente, interrompe-se o prazo que estiver em curso – art.º 34º n.º 2 –, desde que o patrono comunique e comprove no processo a apresentação do pedido de escusa – art.º 34º n.º 3.
VI. Sendo concedida a escusa é nomeado e designado novo patrono – art.º 34º n.º 5 – (re)iniciando-se o prazo interrompido no momento em que lhe seja notificada a sua designação – art.º 24º n.º 5, por remissão do art.º 34º n.º 2, in fine.
VII. Verdadeiro requisito substancial, só o cumprimento cumulativo das formalidades da dedução do pedido de escusa perante a Ordem dos Advogados e da comunicação e comprovação do acto no processo até ao termo final do prazo que estiver em curso, produz o efeito de interruptivo dele previsto nos art.º 34º n.os 2 e 3 e 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004.

Texto Integral




Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 50/17.8TRLSB
5ª Secção

acórdão
Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: 

I. relatório.
1. Findo o Inq. n.º 50/17.8TRLSB da Procuradoria-Geral Regional de ... que AA fez instaurar contra BB, ... ao tempo, na... do Departamento de Investigação e Acção Penal de ..., pela suspeita da prática de crimes de prevaricação, de tráfico de influência e de corrupção, o Ministério Público determinou por despacho de 16.10.2018 o seu arquivamento nos termos do art.º 277º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) [1], por não virem «participados quaisquer factos com relevância criminal que, a qualquer título, possam ser imputados à denunciada».

2. No seguimento de vicissitudes várias ocorridas no procedimento de nomeação de patrono oficioso no contexto do regime do apoio judiciário, veio o denunciante AA requerer em 15.6.2020 e em 22.6.2020, respectivamente, a sua constituição como assistente – art.os 68º n.os 1 al.ª e) e 3 al.ª b) – e a  abertura de instrução– art.os 286º e 287º –, pugnando pela pronúncia da magistrada denunciada.

3. Por douto despacho de 26.10.2020 da Senhora Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de ... (TR..) com funções juiz de instrução – doravante, Despacho Recorrido –, foram ambos requerimentos rejeitados, por intempestividade.

4. Discordante, interpôs o denunciante – doravante, Recorrente – o presente recurso, rematando a motivação com as seguintes conclusões e pedido [2]:
─ «a)- Na sequência da queixa por si apresentada contra BB, Magistrada do Ministério Público, ..., signatária do Despacho de arquivamento proferido no âmbito do inquérito que sob o n° 730/14...., correu termos na 8a secção do DIAP de ..., melhor identificada nos autos, por denegação de justiça, foi proferido despacho de arquivamento em 16-10-2018.
b)- O requerente foi pessoalmente notificado do despacho de arquivamento em 27-11-2018.
c)- Em regra, tendo presente o preceituado no artigo 287°, n° 1 do CPP, o requerente tinha, como prazo, para se constituir Assistente e requerer a abertura de instrução, 20 dias, prazo este, que, à partida terminava em 17-12-2018, ou, em 20-12-2018, mediante o pagamento de multa, nos termos do artigo 139°, n° 5 do Código de processo Civil, conjugados com o artigo 107°- A do CPP.
d)- Sucede porém, que em 16-12-2018, o requerente formulou um pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça, bem como de nomeação de patrono.
e)- Nessa conformidade, e tendo presente o preceituado no artigo 24°, n° 4 da Lei n° 34/2004 de 20-07, o prazo para a constituição do requerente como assistente, bem como para a requerer a abertura de instrução, ficou interrompido.
f)- Tendo presente o preceituado no n° 5 do artigo 24° da lei n° 34/2004 de 29-07, o referido prazo inicia-se com a notificação ao requerente do apoio judiciário e da nomeação de patrono.
g)- Na sequência do deferimento do pedido de benefício de apoio judiciário, foram nomeados, oficiosamente, pela competente Ordem de Advogado, uma série de patronos, e, em virtude dos mesmos terem apresentado sucessivos pedidos de escusa - cfr. fls 268, 266, 258, 259, 254, 250, 248, 244, 241, foi nomeado em 21-04.2020, a última patrona, que se mantém a representar o requerente - a Exma. Sr.ª Drª CC.
h)- Tendo, a referida nomeação sido notificada tanto à patrona nomeada como ao beneficiário, em 21-04-2020, consideram-se, nos termos do disposto no art° 249 do CPC, notificados a 24-04-2020.
i)- Ora, não fosse a realidade da pandemia do COVID 19, e o consequente Estado de Emergência e as respetivas medidas excepcionais decretadas, o prazo tanto para a constituição de assistente, como para requerer a abertura de instrução terminariam, como erroneamente foi considerado pelo Despacho, ora recorrido, em 14-05.2020 ou, a 19-05-2020, mediante o pagamento da multa conforme legalmente estipulado.
j)-Todavia, tendo presente as medidas excecionais decretadas no âmbito do Estado de Emergência, designadamente as relativas aos prazos, as datas supra referidas, foram efetivamente alteradas, deixando de ser as inicialmente apontadas e as, erroneamente, consideradas no Despacho ora recorrido.
k)- Efetivamente, na sequência da publicação da Lei n.° 1 -A/2020, no dia 19 de março, que procede à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n." 10-A/2020, que estabeleceu medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus, foi determinado, considerando o teor da alínea c) do n.° 6 do artigo 7.° da referida Lei, que todos os prazos processuais e procedimentais, para a prática de atos pelos particulares, encontravam-se suspensos até, data a definir em decreto-lei, que declararia a cessação da situação excecional nela prevista.
l)- A referida norma tem aplicação tanto aos prazos que se encontravam a decorrer à data da aprovação do referido decreto-lei, isto é, 12 de março de 2020, como aos prazos que se iniciaram após aquela data.
m)- Dessa forma, tanto o prazo para a constituição de assistente como o da apresentação do requerimento de abertura de instrução, que deveria terminar em 14-05.2020 ou, impreterivelmente, a 19-05-2020, mediante o pagamento da multa, num cenário normal, antes da pandemia, foram prorrogados para prazos mais longos, uma vez que, tal como referido, houve uma suspensão dos prazos e os mesmos só foram retomados com a publicação Lei n.° 16/2020, de 29 de maio.
n)- Com a revogação do artigo 7.° e os n°s 1 e 2 do artigo 7.°-A da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, operada pelo diploma atrás referido, foram retomados os prazos entretanto suspensos.
o)- Considerando a data da entrada em vigor do diploma em apreço, 5º dia posterior à sua publicação, o prazo só foi retomado a 3 de junho.
p)- Tendo o prazo sido retomado a 3 de Junho, e tratando-se de um prazo de 20 dias, temos que, o prazo para a constituição de assistente, bem como para apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução, passou a terminar a 22 de Junho e/ou a 25 de junho, ficando neste último caso, a sua validade dependente do pagamento de multa, conforme o preceituado no artigo 139, n° 5 do CPC, conjugado com o artigo 107o- A do CPP.
q)- Ora, tendo o requerente apresentado o seu requerimento de constituição de assistente e o requerimento de abertura de instrução a 15-6-2020 e 22-06.2020, respetivamente, não obstam dúvidas de que, quer um, quer outro requerimento foram apresentados dentro do prazo legal estipulado.
r)- Assim, contrariamente ao decidido pelo despacho ora recorrido, a apresentação de ambos os requerimentos, deve ser aceite, por tempestiva.
s)- Importa aliás fazer uma outra clarificação. Não obstante o Despacho ora recorrido referir que o requerimento de abertura de instrução deu entrada a 23-6-2020, o mesmo foi remetido pelo requerente a 22-6-2020, através dos CTT, como comprovam o recibo do registo dos correios junto em anexo.
t)- Mesmo assim, e apenas por excesso de zelo, o requerente, aquando da apresentação dos requerimentos, em causa, emitiu o respetivo DUC, relativo ao pagamento de multa e juntou ao requerimento, tendo no texto do requerimento que acompanhou o RAI feito referência ao mesmo.
u)- Resulta pois claro, que na decisão que motivou a produção do despacho de rejeição dos requerimentos de constituição de assistente, bem como da abertura de instrução ora recorrido, o tribunal "a quo" não considerou a suspensão dos prazos decretada no Estado de Emergência.

Neste sentido, vem o requerente solicitar que,
Tanto o seu requerimento de constituição de Assistente como o seu requerimento de abertura de instrução sejam admitidos por serem, ambos tempestivos.».

5. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de ... por douto despacho de 4.1.2021, para subir imediatamente, nos autos e com efeito devolutivo.

6. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de ... respondeu ao recurso.
Alegou, em suma, que:
─  A peça recursória não contém conclusões em infracção ao exigido no art.º 412º n.º 1, havendo o recorrente de ser convidado a suprir tal omissão, nos termos do art.º 417º n.º 3.
De qualquer modo:
─ Como acusa o Recorrente, o Despacho Recorrido não atendeu, de facto, ao regime de suspensão de prazos judiciais decretado pelo art.º 7º n.os 1, 5 al.as a) e b) e 7 al.as a), b) e c) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, na redacção da Lei n.º 4.A/2020, de 6.4, que, se o tivesse feito, na economia do seu raciocínio teria concluído pela tempestividade dos requerimentos apresentados a 15. e 24.6.2020, uma vez que o termo final do prazo para requerer a constituição de assistente e a abertura de instrução nunca teria terminado antes de 22.6.2020 ou de 25.6.2020, neste caso, pagando – como, aliás, o Recorrente pagou – a multa prevista nos art.º 139º n.º 5 do CPC e 107º-A.
─ Sucede, todavia, que:
─ Em 17.12.2018, na pendência do prazo primeiramente iniciado para os fins referidos, o Recorrente requereu a nomeação de patrono no âmbito do regime do apoio judiciário, o que teve por efeito a interrupção daquele, nos termos do art.º 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, 29.7.
─ Nomeado um primeiro patrono em 12.8.2019, o prazo reiniciou-se em 1.9.2019, após férias judiciais, com termo final previsto para 20.9.2019.
─ Tal patrono pediu escusa à Ordem dos Advogados nos termos o art.º 34º n.os 1 e 2 da Lei n.º 34/2004, mas, desrespeitando o comando do n.º 3, não o comunicou ao processo por isso que não operando a causa de interrupção do prazo prevista no n.º 2.
─ Aquando da nomeação do patrono seguinte, em 24.1.2020, já o prazo sempre referido se encontrava extinto desde 20.9.2019 referido, e, consequentemente, precludido o direito de requerer a constituição de assistente e a abertura de instrução.
─  E as coisas em nada se alteraram perante a circunstância de também a segunda e, ainda, uma terceira patrona terem, igualmente, pedido escusa, sendo que quando a quarta, e última, requereu a constituição de assistente em 15.6.2020 e a abertura da instrução em 24 seguinte, os correspondentes direitos procedimentais continuavam extintos.
─ Por tudo e ainda que por outras razões, deverá o recurso improceder, mantendo-se a decisão de rejeição dos requerimentos.   

7. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ emitiu proficiente parecer.
Enquadrou a discussão em bem conseguida síntese dos fundamentos do recurso e dos momentos facto-procedimentais mais relevantes.
E secundando a posição da Magistrada do Ministério Público no TR.., opinou pela improcedência da impugnação, relevando, no mais impressivo, o seguinte:
─ «[…].
Os preceitos legais em discussão são os seguintes:
Art. 34°, da Lei 34/2004 de 29/07, na redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28/08, estabelece que:
"1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2        - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.
5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.
6        - O disposto nos n.os 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes.".

E, o art. 24°, da Lei 34/2004, de 29/07, estabelece que:
"(…)
4        - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5        - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono".

Temos assim que um prazo em curso para prática de acto processual é interrompido com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento para o início do procedimento administrativo de pedido de concessão de apoio judiciário, sendo que tal prazo só é retomado na sequência da notificação ao requerente do apoio judiciário, quer do despacho que indefere o pedido, quer da nomeação de patrono - cfr. o artº 24º, nº 4, e nº 5, da Lei nº 34/2004 de 29/07.

No caso, o "prazo em curso" para a prática do acto processual, a que se refere o n° 4, do art. 24º, da Lei nº 34/2004, era o prazo de 20 dias (art. 287º, nº 1, do Cod. Proc. Penal).

O Conselho Regional de ... da Ordem dos Advogados nomeou o Dr. DD,  como o primeiro patrono do recorrente AA, em 12/08/2019, altura em que decorriam as férias judiciais, daí que o prazo para a constituição como assistente, e para requerer a abertura de instrução se tenha iniciado em 01/09/2019, ou seja, após o decurso das férias judiciais, e tenha terminado em 20/09/2019.

Com efeito, na sequência da notificação que lhe foi feita, o Dr. DD veio aos autos informar ter sido notificado da sua nomeação como patrono, em 12/08/2019, e que pediu escusa no âmbito do referido processo administrativo.

Contudo, o pedido de escusa formulado por patrono oficioso nomeado, na pendência de processo, deverá ser formalizado "mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos", sendo que tal pedido interrompe o prazo que estiver em curso, devendo ser junto aos autos o documento comprovativo deste mesmo pedido, aplicando-se aqui o disposto no nº 5, do citado art. 24º, da Lei nº 34/2004, de 29/07, conforme art. 34º, nº 1, e nº 2, desta Lei.

Ora, este procedimento tem a sua razão de ser e justifica-se porque, no caso, é o próprio patrono oficioso, a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende não se mostrarem reunidas as condições objectivas para o seu exercício sendo que, caso o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de poder ser prejudicada a posição processual do requerente, não obstante tal pedido de escusa vir a ser deferido.

Desta forma, a comunicação aos autos de que foi apresentado no Conselho Regional da Ordem dos Advogados um pedido de escusa, por parte do defensor oficioso nomeado para exercer o patrocínio, não constituiu uma "formalidade", mas sim um acto que, por lei, interrompe o prazo em curso - cfr. o Ac. TRL de 05/03/2020, in Proc. nº 8452/19.9T8LSB-A.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.

Neste sentido, citamos o sumário do Ac. TRP de 12/10/2020, in Proc. nº 6969/19.4T8PRT-C.P1, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que:
"I - Sendo apresentado pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, na pendência de ação judicial, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção do documento comprovativo da apresentação do requerimento a promover o procedimento administrativo, iniciando-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, nos termos do nº4 e 5, do artigo 24º, da Lei nº34/2004, de 29 de julho;
II         - Destarte, um prazo em curso pode ser interrompido por aplicação do nº 4, do artigo 24º mas pode sê-lo, também, no caso de pedido de escusa, com a junção aos autos de documento comprovativo do referido pedido, iniciando-se a partir da notificação ao novo patrono nomeado da sua designação, em conformidade com o nº 2, do art. 34º e nº 5, do artigo 24º, preceito este aplicável ex vi aquele, todos daquela Lei;
III        - Decorrido que se mostre, já, aquando do pedido de escusa um prazo interrompido no
momento da junção de documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio
judiciário, na modalidade de nomeação de patrono. na pendência de ação judicial e que se iniciou a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação,
precludido está o direito que se pretendia exercer (...)".

E, citamos o sumário do Ac. TRG de 23/05/2019, in Proc. nº 7976/16.4T8VNF-A.G1, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que:
I - O pedido de escusa por parte patrono nomeado, só tem efeito interruptivo do prazo processual em curso, conquanto disso seja dado conhecimento documental no processo em causa, cujo ónus cabe ao respetivo patrono (art. 34º, nºs 2 e 3, da Lei n.º 34/2004, de 29.07), dentro do prazo fixado por lei para a prática do respetivo ato judicial e que se iniciou com a notificação da nomeação de patrono.
II - Esta interpretação não viola qualquer princípio constitucional, mormente o direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º, n.º 1, da CRP)."

E, citamos o sumário do Ac. TRP de 08/11/2007, in Proc. nº 0735518, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que:
"Para operar a interrupção prevista no art. 34º, nº2 da Lei nº 34/04, de 29.07, não basta o pedido de escusa: é necessário que esse facto seja comunicado ao tribunal, e dentro do prazo fixado por lei para a prática do acto e que se iniciou com a notificação da nomeação do patrono".

E, citamos o sumário do Ac. TRL de 21/11/2017, in Proc. nº 143/14.3TTLRS. L1-4, acessível em www.dgsi.pt., onde se lê que:
I          Resulta do disposto nos artigos 34º, nº 2º e 24º, nºs 4 e 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que:
- O pedido de escusa de Patrono nomeado a parte no âmbito do apoio judiciário apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos autos de documento comprovativo do referido pedido.
II         – O prazo interrompido recomeça a correr por inteiro a partir da notificação ao novo
patrono nomeado da sua designação (...)
".

Temos assim que os sucessivos pedidos de escusa apresentados pelos vários defensores oficiosos nomeados deveriam ter sido comunicados ao processo de inquérito, por forma a interromper o prazo de 20 dias, que se encontrava em curso, para apresentação do pedido de constituição como assistente e do requerimento de abertura de instrução, nos termos do art. 34º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29/07, reiniciando-se posteriormente este prazo, nos termos do art. 24º, nº 5, desta Lei.
Desta forma, não tendo sido dado conhecimento formal no processo de inquérito destes pedidos de escusa, por parte dos defensores oficiosos nomeados, para efeitos de interrupção do prazo em curso, parece-nos não existirem dúvidas que este prazo de 20 dias não foi interrompido.

Assim, tal como refere a Ilustre Magistrada do Ministério Público junto da Procuradoria-Geral Regional de ..., "(...) não se poderão ter os prazos em curso por suspensos, apesar de em 24.01.2020, ter sido nomeada uma nova patrona, a Dr.a EE, que por sua vez, também viria a apresentar escusa em 6.02.2020, juntando documento comprovativo desse pedido (fls. 250).
Na sequência deste último pedido de escusa viria a ser nomeada em 18.02.2020, a Dr.a FF, que em 10.03.2020 viria igualmente a pedir escusa e a juntar aos autos documento comprovativo (fls. 266), na sequência do qual viria a ser nomeada em sua substituição, em 13.03.2020, a Dr.a GG, que não juntou qualquer comprovativo desse pedido (nos termos do artigo 34.°, n.° 2 e n.° 3 da mesma lei).
Em 21.04.2020, viria a ser nomeada a Dr.a CC, que requereu a constituição de assistente e a abertura da Instrução, em 15.06.2020 e 23.06.2020, respectivamente (...)",

Com efeito, o art. 34°, n° 2, da Lei n° 34/2004, refere que o pedido de escusa de patrono nomeado só produz efeito interruptivo do prazo processual em curso, se dele for dado conhecimento no respectivo processo, e dentro do prazo fixado por lei para a prática do respetivo acto judicial deste pedido, não bastando a sua apresentação junto do Conselho Regional da Ordem dos Advogados. Ora este procedimento não se verificou após a nomeação do primeiro patrono, o Dr. DD, e também não se verificou após a nomeação da Dra GG, uma vez que os mesmos não apresentaram no processo de inquérito documento comprovativo do pedido de escusa, nem nada vieram requerer.

Desta forma, o efeito interruptivo do prazo de 20 dias, que deveria operar na sequência do pedido de escusa formulado não se verificou, operando a cominação processual inerente ao decurso de tal prazo, para a apresentação do pedido de constituição de assistente e para a apresentação do requerimento de abertura de instrução.

Assim, e tal como conclui a Ilustre Magistrada do Ministério Público junto da Procuradoria-Geral Regional de ..., afigura-se-nos que o prazo para apresentação de tais requerimentos já se encontrava excedido aquando da sua junção por parte da última defensora oficiosa nomeada.
Face ao exposto, entende-se que deverá ser negado provimento ao recurso, designadamente por incumprimento do disposto no art. 34º, nº 2, e nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29.07, por parte designadamente do primeiro patrono nomeado, em 12/08/2019, o qual formulou pedido de escusa, sem disso ter dado conhecimento no processo de inquérito, dentro do prazo de 20 dias, fixado por lei para a prática do respectivo acto judicial.
[…].»

8. Notificado nos termos e para os efeitos do art.º 417º n.º 2, o Recorrente nada disse.

9. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. Questão prévia: da falta de conclusões da motivação.
10. No termos do art.º 412º n.º 1, a «motivação de recurso enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.».
As conclusões da motivação, sumariando os fundamentos do recurso e sintetizando o pedido, desempenham o insubstituível papel de delimitar o âmbito e o objecto da impugnação, o universo do cognoscível pelo tribunal ad quem, apenas alargável em razão da existência de questões oficiosas.

Versando o recurso sobre matéria de direito – n.º 2 do art.º 412 – as conclusões indicam, ainda, as normas jurídicas violadas e o sentido em que, no ver do recorrente, o tribunal interpretou e/ou aplicou cada norma e o em que o devia ter feito; cuidando de matéria de facto – n.os 3 e 4 –, especificam os concretos pontos incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa e – sendo o caso – as provas que devem ser renovadas.
E, nos termos do art.º 417º n.º 3, faltando ou sendo deficientes as conclusões, o tribunal convida o recorrente a proceder ao adequado suprimento ou correcção, sob cominação de rejeição do recurso.

11. In casu, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no TR.. alega, na resposta ao recurso, que «O recorrente, não deu cumprimento ao estatuído no art° 412° n° 1 do CPP», sugerindo a sua notificação «para o fazer, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado».
Não esclarecendo a modalidade do incumprimento – é dizer, se as conclusões faltam de todo em todo ou se apenas são deficientes não permitindo «deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.os 2 a 5 do art.º 412º» –, não se vê, em qualquer circunstância e salvo o devido respeito, fundamento para a acusação: o Recorrente formulou conclusões – que aliás se transcreveram em 4. supra – e, tratando-se de recurso (exclusivamente) de direito, nelas enunciou com suficiente clareza as normas e o sentido em que foram aplicadas no Acórdão Recorrido e as normas que o deviam ter sido e em que sentido, tudo em moldes de não deixar dúvidas sobre o alcance da sua divergência e respectivos fundamentos e sobre a sua pretensão de ver o indeferimento dos pedidos de constituição de assistente e de abertura de instrução revogado e substituído por acto deferimento.
Daí que se entenda não se justificar a emissão de qualquer convite de aperfeiçoamento da peça de recurso, nessa medida improcedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.   

B. Âmbito-objecto do recurso.
12. Como tudo acaba de se dizer, o Recorrente rematou a motivação com conclusões  adequadas e aptas, sendo por elas que se delimita o objecto e o âmbito dos recursos – art.º 412º n.º 1, in fine –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas.
Percorridas as conclusões, a única questão que nela se surpreende é da (in)tempestividade – e rejeitatibilidade – dos pedidos de constituição de assistente e de abertura de instrução.
Questão essa que constitui o objecto único do recurso.

C. Apreciação.

a. O Despacho Recorrido.
13. O Despacho Recorrido é do seguinte teor:
─ «Da (in)tempestividade da constituição de Assistente (requerimento de 15-06-2020 - ref.ª ……58, cfr. fls. 274 e ss) e da (in)tempestividade da apresentação do Requerimento para Abertura de Instrução (requerimento de 23-06-2020 - refª ……13, cfr. fls. 288 e ss):

Vem AA, requerer a sua constituição como Assistente bem como a Abertura de Instrução, através de dois requerimentos, juntos, respectivamente, em 15-06-2020 e 23-06-2020.

Há, antes de mais, de aferir da tempestividade desses dois requerimentos.

Vejamos.

Foi proferido Despacho de Arquivamento em 16-10-2018 (refª …….) constante de fls. 195 e ss.

O requerente foi pessoalmente notificado do Despacho de Arquivamento em 27-11-2018, cfr. certidão de notificação constante de fls. 208 vº (de 11-12-2018 com a refª ……83).

O prazo para se constituir como assistente e requerer a abertura de instrução - 20 dias cfr. art° 287° n° 1 do Código de Processo Penal (CPP) [[3]] - terminava em 17-12-2018 e, impreterivelmente, mediante pagamento de multa nos termos do art° 139° n° 5 do Código de Processo Civil (CPC), conjugados com o art° 107°-A do CPP, em 20-12-2018.

Em 16-12-2018 o requerente formula pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça bem como de nomeação de patrono (cfr. requerimento de fls. 210 vº e ss, enviado aos autos em 17-12-2018 (refª ……15).

Tal requerimento deu entrada nos serviços da Segurança Social em 18-12-2018 - cfr. ofício de fls. 228 e ss, com entrada em 19-11-2019 (refª ……37) - embora tivesse sido enviado pelo requerente em 17-12-2018, cfr. fls. 261 e ss junto com o requerimento de 09-03-2020 (refª …….22).

Significa isto que, o prazo para requerer a sua constituição como assistente, bem como para requerer a abertura de instrução ficou interrompido, cfr. dispõe o artº 24º nº 4 da Lei nº 34/200de 20-07 [[4]].

Tal prazo só se retoma na sequência da notificação ao requerente do apoio judiciário quer do despacho que indefere o pedido, quer da nomeação do patrono. [[5]] [[6]]

Na sequência do deferimento pelo ISS do pedido de benefício de apoio judiciário, foram nomeados uma série de patronos, na sequência de sucessivos pedidos de escusa por parte dos mesmos - cfr. fls. 268, 266, 265, 258,259, 254, 250, 248, 244, 241.

O último patrono nomeado, e que se mantém em representação do requerente, foi a Exmª Srª Drª CC, a qual foi nomeada pela competente Ordem dos Advogados em 21-04-2020 - cfr. fls. 260 (entrado em 21-04-2020 com a refª …….20).

Essa nomeação foi comunicada, tanto à Srª Patrona nomeada, como ao beneficiário (AA) em 21-04-2020 - cfr. ofício da OA de 22-10-2020 (ref …….21).

Nos termos do disposto no art° 249° do CPC [[7]] a notificação ao requerente do apoio judiciário da nomeação da Srª Patrona Drª CC, considera-se efectuada em 24-04-2020 ou seja, no terceiro dia após expedição do correio.

Pelo que o prazo, tanto para constituição de assistente, como para requerer a abertura de instrução terminou em 14-05-2020 e, impreterivelmente, mediante pagamento de multa, em 19-05-2020.

Ora, tendo o pedido para constituição de assistente dado entrada nos autos em 15-06-2020 e o requerimento para abertura de instrução dado entrada nos autos em 24-06-2020, constata-se que ambos os pedidos são intempestivos, por tardios, tendo ultrapassado o prazo legal em larga medida.

Nos termos do disposto no art° 287° n° 3 do CPP "o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução."

Constata-se, assim, que a extemporaneidade do RAI, que por sua vez está dependente da constituição atempada da condição de assistente, é fundamento legal para a sua rejeição.

Face ao exposto, por intempestiva rejeita-se quer a constituição de AA como assistente, quer o requerimento para abertura de instrução.
[…].»

b. Do enquadramento facto-procedimental.
14. Da documentação que instrui o recurso extraem-se, com interesse para a decisão, os seguintes momentos e ocorrências procedimentais:

(1). Em 16.10.2018 a Senhora Procuradora-Geral Adjunta na, então, Procuradoria-Geral Distrital de ..., proferiu despacho de arquivamento, nos termos do art.º 277º n.º 3 do CPP, nos autos de Inq. n.º 50/17.8TRLSB que o Recorrente ali tinha feito instaurar contra a, ao tempo, ... BB por suspeita da prática de crimes de crimes de prevaricação, tráfico de influência e de corrupção.

(2). Tal despacho foi notificado ao Recorrente em 27.11.2018, por mandado cumprido pela PSP de ....

(3). Por telecópia de 17.12.2018, o Recorrente comunicou àquele processo que, no mesmo dia, tinha requerido ao Instituto da Segurança Social, IP (ISS) apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação e pagamento de compensação a patrono para o efeito de requerer intervenção hierárquica ou abertura de instrução.

(4). O ISS deferiu o pedido de apoio judiciário nos termos requeridos, sendo que, por ofício expedido a 12.8.2019, a Ordem dos Advogados notificou o Recorrente e o advogado nomeado, Dr. DD, da respectiva designação.

(5). Em data não apurada, mas não posterior a 23.1.2020, o Dr. DD requereu à Ordem dos Advogados a escusa do patrocínio do Recorrente, nos termos do art.º 34º da Lei n.º 34/2004, de 29.7.

(6). Facto de que só deu conhecimento no processo em 23.1.2020, aliás, por ocasião da prestação de outra informação que ali lhe foi solicitada.

(7). Por ofício expedido pela Ordem dos Advogados a 24.1.2020, foi comunicada ao inquérito, ao Recorrente e aos advogados envolvidos a nomeação da advogada Dra. EE como patrona oficiosa daquele, em substituição do patrono escusado, Dr. DD.

(8). Também a Dra. EE veio a pedir a escusa de patrocínio do Recorrente, o mesmo vindo a acontecer com as duas advogadas subsequentemente nomeadas, as Dras. FF – em 18.2.2020 – e GG – em 13.3.2020 –, mesmo se só as duas primeiras comunicaram o pedido de escusa ao inquérito. 

(9). Por ofício expedido pela Ordem dos Advogados a 21.4.2020, foi comunicada ao inquérito, ao Recorrente e às advogadas envolvidas a nomeação da advogada Dra. CC como patrona oficiosa daquele, em substituição da (última) patrona escusada, Dra. GG.

(10). Em 15.6.2020, por correio electrónico, o Recorrente remeteu ao inquérito requerimento de constituição de assistente.

(11). Em 22.6.2020, por via postal registada, o Recorrente remeteu ao inquérito requerimento de abertura de instrução.

(12). Em 26.10.2020, a Senhora Desembargadora do Tribunal da Relação de ... em funções de juíza de instrução, proferiu o Despacho Recorrido, indeferindo tanto o pedido de constituição de assistente como o de abertura de instrução, nos termos e com os fundamentos transcritos em 13. supra que aqui se dão por reproduzidos.

c. Do mérito do recurso.
15. Está, então, em causa saber se, apresentados, respectivamente em 15.6.2020 e em 22.6.2020 [8], os pedidos de constituição de assistente e de abertura de instrução o foram, o segundo, dentro do prazo de 20 dias previsto no art.º 287º n.º 1 al.ª b) e, o primeiro, a tempo de assegurar ao Recorrente a legitimidade como assistente  (co-)exigida pelo preceito, o mais tardar, dentro do mesmo prazo de 20 dias, como preceituado no art.º 68º n.º 3 al.ª b).
Assim:

16. Nos termos do art.º 286º, «a] instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» – n.º 1 – e «tem carácter facultativo» – n.º 2.
Já o art.º 287º dispõe, entre o mais, que «a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento […] pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação» – n.º 1 al.ª b).
Não estando o ofendido, ou alguma das outras pessoas indicadas no art.º 68º, já investido no estatuto de assistente, o pedido respectivo deve ser deduzido dentro dos mesmo 20 dias concedidos para a abertura de instrução – art.º 68º n.º 3 al.ª b) [9].

O pedido de abertura de instrução é rejeitado quando, entre outros, seja extemporâneo ou a instrução seja legalmente inadmissível – art.º 287º n.º 3 [10].
É extemporâneo o pedido apresentado para além do termo final dos 20 dias previstos no art.º 287º n.º 1, maxime, majorados pelos três dias de tolerância deferidos nos art.os 107º n.º 5 e 107º-A e 139º n.º 5, este do CPC.
A qualidade de assistente é condição de legitimação para o pedido de instrução e a sua falta constitui causa de inadmissibilidade legal desta [11].

Por outro lado:
A Lei n.º 34/2004 regula o sistema de acesso aos direito e aos tribunais, propondo-se assegurar que, através das «acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica» que cria, a «ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos» – art.º 1º n.os 2 e 1. 
Um desses mecanismos é a protecção jurídica, que engloba a informação jurídica e o apoio judiciário – art.º 6º –, este, por sua vez, nas modalidades enumeradas no n.º 1 do art.º 16º, entre elas a «dispensa da taxa de justiça e demais encargos como processo» – al.ª a) – e a «nomeação e pagamento da compensação de patrono» – al.ª b).
O regime do apoio judiciário aplica-se «em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo» – art.º 17º n.º 1 – e «independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa» – art.º 18º n.º 1 –, mesmo se, em processo penal e no tocante ao arguido e seu defensor, com as especificidades previstas nos art.os 39º a 44º.

Por outro lado, ainda:
A concessão do apoio judiciário é da competência do Instituto da Segurança Social em procedimento administrativo, autónomo, regulado nos art.os 19º a 38º da Lei n.º 34/2004.
Quanto deduzido na pendência de procedimento judicial «e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» – art.º 24º n.º 4.
O prazo interrompido renova-se «conforme os casos: a) a partir da nomeação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» – art.º 24º n.º 5.  

Por fim:
O patrono nomeado pode pedir escusa à Ordem dos Advogados, em requerimento fundamentado – art.º 34º n.º 1 da Lei n.º 34/2004 [12].
Havendo, já, procedimento pendente, interrompe-se o prazo que estiver em curso – art.º 34º n.º 2 –, desde que o patrono comunique e comprove no processo a apresentação do pedido de escusa – art.º 34º n.º 3 [13].
Sendo concedida a escusa é nomeado e designado novo patrono – art.º 34º n.º 5 [14](re)iniciando-se o prazo interrompido no momento em que lhe seja notificada a sua designação – art.º 24º n.º 5, por remissão do art.º 34º n.º 2, in fine.
 
17. Assim esboçado o fundamental do quadro legal aplicável, volte-se ao mais concreto, recordando as vicissitudes processuais acima relatadas e mediando-as pelas normas destacadas, para conferir se, sim ou não, são admissíveis os pedidos de abertura de instrução e de constituição de assistente do Recorrente.
Nesse rumo:

Proferido em 16.10.2018 nos autos de inquérito criminal despacho de arquivamento pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta ao abrigo do art.º 277º n.º 1, foi Recorrente dele notificado por contacto pessoal em 27.11.2018, na sua qualidade de denunciante com a faculdade de se constituir assistente – art.º 277º n.º 3.
Iniciou-se então – rectius, no dia seguinte, atento disposto nos art.os 104º n.º 1 [15], 138º n.os 1, 2 e 3, este do CPC [16], e 296º e 279º al.ª b) do Código Civil (CC) [17] – o prazo de 20 dias que, nos termos dos art.os 287º n.º 1 al.ª b) e 68º n.º 1 al.ª b), lhe assistia tanto para requerer a sua constituição como assistente como para pedir a abertura de instrução.   
Com termo final previsto para as 24:00 horas do dia 17.12.2018, foi o prazo interrompido, precisamente, nesse dia, por via do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono apresentado pelo Recorrente no ISS e comprovado no processo, tudo nos termos do art.º 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004.
Inutilizado, assim, todo o prazo decorrido entre 27.11. e 17.12.2018, nos termos do art.º 24º n.os 4 e 5 da Lei n.º 34/2004 e 326º n.º 1 do CC, manteve-se ele em estado de latência, aguardando o evento, legal, que poderia determinar o seu (re)início, no caso, ou o da notificação ao patrono nomeado ao Recorrente da sua designação, em caso de deferimento do pedido de apoio judiciário, ou o da notificação a este da decisão de indeferimento, tudo nos termos do n.º 5 do art.º 24º da Lei n.º 34/2004.
A decisão administrativa foi, como visto, de deferimento, tendo o patrono nomeado – o advogado Dr. DD – sido notificado em 12.8.2019 por ofício da Ordem dos Advogados.
Concretizada a notificação em férias judiciais, o prazo judicial, renovado, de 20 dias para pedir a constituição de assistente e a abertura de instrução, só começou a correr em 1.9.2019, tendo termo final previsto para o dia 20 seguinte, sexta-feira, às 24:00 horas.   
 Até esse momento – ou, sequer, até final do terceiro dia útil seguinte, 26.9.2019, quarta-feira – o Dr. DD – ou o ISS, ou a Ordem dos Advogados ou o próprio Requerente – nada comunicaram ao inquérito, designadamente a apresentação de pedido de escusa de patrocínio que tivesse sido apresentado por aquele advogado. Só o vindo a fazer o Dr. DD mas muito para lá daquela data, em 23.1.2020.
Depois, e sempre no seguimento de pedidos de escusa deferidos, foram nomeadas três defensoras ao Recorrente, somente a Dra. CC tendo aceitado o patrocínio e apresentado em nome dele os pedidos de constituição de assistente em 15 e o pedido der abertura de instrução em 22.6.2020.

18. Como, porém, já se intuirá, tratou-se de requerimentos manifestamente intempestivos, por extintos à data, e de há muito, nos termos dos art.os 139º n.os 1 e 3 do CPC e 4º, os direitos processuais que o Recorrente se propunha exercitar.
Na verdade e como resulta do que acima se explanou, o prazo de 20 dias de que o Recorrente dispunha tanto para requerer a abertura de instrução como para pedir a constituição de assistente que lhe asseguraria a, imprescindível, legitimidade, iniciou-se em 28.11.2018, interrompeu-se em 17.12.2018, reiniciou-se em 1.9.2019 e correu sem qualquer obstáculo até ao seu termo final em 20.9.2019 – o mais tardar, em 26.9.2019 –, momento em que se esgotou, e assim pois que, até então, nem foram praticados os actos a cujo exercício se destinava, nem ocorreu qualquer evento interruptivo – mormente, a comunicação ao processo do pedido de escusa do Dr. DD que, até àquela(s) última(s) datas, tivesse sido apresentado – ou suspensivo do seu curso – mormente, a operatividade do regime suspensivo dos prazos judiciais estabelecido pelo art.º 7º n.os 1, 5 al.as a) e b) e 7 al.as a), b) e c) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, na redacção da Lei n.º 4.A/2020, de 6.4, para que o Recorrente apela mas que, como as Senhoras Procuradoras-Gerais Adjuntas bem observam, só viria a entrar em vigor em 12.3.2020, (bem) depois, portanto, de verificado o termo final do prazo.
E é claro que, quanto ao efeito interruptivo previsto nos art.os 34º n.os 2 e 3 e 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, só o cumprimento cumulativo das duas formalidades até àquele termo final – isto é, a dedução do pedido de escusa perante a Ordem dos Advogados e a comunicação e comprovação do acto no processo, nos precisos termos previstos nesses preceitos – poderia ter tido a virtualidade de sustar o prazo renovado em 1.9.2019 que, como assinala a jurisprudência (bem) apropositadamente convocada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ, se trata tanto uma como a outra, de requisitos substanciais da interrupção.

19. Significa, então, tudo quanto precede que o prazo de 20 dias de que o Recorrente dispunha para requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução relativamente ao despacho de arquivamento de inquérito de 16.10.2018 se esgotou, o mais tardar, em 26.9.2019, pelo que, quando em 15 e 22.6.2020 pretendeu accionar aqueles direitos, já eles, e o correspondente prazo, se encontravam de há muito extintos.
Motivos por que, embora, por fundamentos diferentes, é de confirmar a decisão do Despacho Recorrido de rejeição, por extemporaneidade, dos pedidos de constituição de assistente e de abertura de instrução.
Como imediatamente segue.  

III. decisão.
20. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente  AA, mantendo, embora por fundamentos diferentes, o Despacho Recorrido.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC's (art.º 8º n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).


*

Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).

 *

Supremo Tribunal de Justiça, em 9.9.2021.




Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

__________________________________________________


[1] Diploma a que pertencerão os preceitos que se vieram a citar sem menção de origem.
[2] Transcrição.
[3] «Que dispõe o seguinte:  "1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de
procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o
Ministério Público não tiver deduzido acusação."».
[4] «Que dispõe o seguinte: "4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo."».
[5] «Cfr. o n° 5 do art° 24° da Lei n° 34/2004 de 29-07 que diz o seguinte: "5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono."».
[6] «Nos termos do Ac. Tribunal Constitucional n.° 461/2016, de 13-10 foi julgada "inconstitucional a interpretação normativa, extraída do artigo 24º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado."».
[7] «Que dispõe o seguinte: "1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja." - sublinhado nosso».
[8] Datas de expedição, respectivamente, por telefax e via postal dos requerimentos correspondentes.
[9] «Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz: […] Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos.» – sublinhados acrescentados.
[10] «O requerimento pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.» – sublinhados acrescentados.
[11] Neste sentido, Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", III, 2000, pp. 134 a 135.
[12] Art.º 34º n.º 1: «O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.»
[13] Art.º 34º n.os 2 e 3: «2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º»; «3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.» – sublinhados acrescentados.
[14] «Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.» – sublinhado acrescentado.
[15] «Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.».
[16] «1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. 2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.»
[17] Art.º 296º: «As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.»
Art.º 279º al.ª b): «À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: […] Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;».