DESPEJO
RENDA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
COMUNICAÇÃO
Sumário


Para proceder ao despejo por falta de pagamento de rendas e pedir o seu pagamento, após ter procedido à comunicação prevista no n.º 2, do art.º 1084.º, do Código Civil, o senhorio não tem que obrigatoriamente recorrer ao procedimento especial de despejo, previsto no art.º 15.º do NRAU, a intentar no Balcão Nacional do Arrendamento, antes pode escolher recorrer à acção de despejo pela via judicial. (sumário da relatora)

Texto Integral



Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

F… (A), casado, contribuinte fiscal n.º …, residente na …, Covilhã, concelho da Covilhã, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra H… R), contribuinte fiscal n.º …, residente em … , Armação de Pêra, concelho de Silves, pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado em 30/06/2011, devendo a R ser condenada a despejar imediatamente o locado, entregando-o ao A livre e devoluto de pessoas e bens, com todas as consequências legais; bem como a condenação da R no pagamento ao A da quantia de € 1.181,51, acrescida do montante correspondente às rendas que se venham a vencer desde a data da instauração da acção até à entrega do locado, e dos juros de mora calculados à taxa legal e devidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega em síntese, que foi celebrado, no dia 30/06/2011, entre a herança indivisa de M… (representada pelo A, actual único proprietário do locado) e a R, um contrato de arrendamento para habitação sobre a fracção autónoma referida no art.º 1.º da petição, sendo que a R, na qualidade de inquilina, não pagou as rendas a partir de Agosto de 2020, apesar de interpelada por diversas vezes, facto que determinou a resolução do contrato, resolução essa que o A comunicou à R em 11/9/2020.
A R não deduziu contestação ao peticionado nem interveio de qualquer outro modo nos presentes autos, mantendo-se numa situação de revelia absoluta.
Foi proferido despacho em 04/02/2021, em que todos os factos articulados pelo A na petição inicial foram declarados confessados pela R.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção integralmente procedente e, em consequência, decidiu:
“I) Declarar resolvido, com efeitos no dia 11/9/2020, o contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, celebrado no dia 30/6/2011, e vigente entre o Autor F… e a Ré H…, tendo por objecto a fracção autónoma, destinada a habitação, , correspondente ao quarto andar I, do prédio urbano sito na … , na freguesia de Armação de Pêra, concelho de Silves, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da referida freguesia, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob a ficha n.º …, da referida freguesia;
II) Condenar a Ré a desocupar e entregar ao Autor o imóvel locado referido em I), livre e devoluto de pessoas e bens, na data do trânsito em julgado da presente sentença;
III) Condenar a Ré no pagamento ao Autor da quantia global de 851,51, a título de rendas vencidas do locado em dívida até à data da resolução do contrato referida em I), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre o valor de cada renda vencida em dívida, à taxa anual legal civil sucessivamente aplicável, desde o dia 27/10/2020 até efectivo e integral pagamento;
IV) Condenar a Ré no pagamento ao Autor de uma indemnização mensal no valor de … , desde o dia 1 de Novembro de 2020 até à efectiva restituição ao Autor do imóvel locado referido em I), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre o valor de cada indemnização mensal, à taxa anual legal civil sucessivamente aplicável, desde o dia 1 do mês a que diz respeito cada indemnização mensal, e até efectivo e integral pagamento.”
Inconformada com a sentença, veio a R interpor o presente recurso contra a mesma, extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
1- Ao resolver o contrato de arrendamento através da comunicação prevista no nº 2, do art. 1084º, do Código Civil, por falta de pagamento da renda por mais de três meses, o Autor não podia recorrer à acção de despejo pela via judicial, para proceder ao despejo da Ré e obter as quantias devidas;
2- O procedimento próprio para proceder ao despejo da Ré e obter as quantias devidas, após ter resolvido o contrato de arrendamento pela via do nº 2, do art. 1084º, do Código Civil, é o procedimento especial de despejo, previsto no art. 15º do NRAU, a intentar no Balcão Nacional do Arrendamento;
3- Para recorrer à via judicial o Autor tinha que alegar na sua petição inicial factos que demonstrassem a dificuldade em interpelar a Ré para cumprir a comunicação prevista no nº 2, do art. 1084º, do Código Civil;
4- O Autor não logrou demonstrar factos que justifiquem o seu interesse e necessidade em agir judicialmente para fazer valer o seu direito;
5- A falta de interesse em agir é pressuposto processual referente às partes, cuja falta consubstancia uma exceção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso;
6- A sentença ora recorrida deve ser revogada, com a consequente absolvição da Ré da instância, por falta de interesse processual do Autor.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V.EXªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve a sentença ora recorrida ser revogada, no sentido da Ré ser absolvida da instância por falta de interesse processual do Autor.
Assim se fazendo JUSTIÇA.»
Não há contra alegações.
Na 1.ª instância foram considerados provados “todos os factos da PI “ por falta de contestação.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão (única) a decidir é saber se para proceder ao despejo por falta de pagamento de rendas e pedir o seu pagamento, após ter procedido à comunicação prevista no n.º 2 do art.º 1084.º do Código Civil, se tem obrigatoriamente que recorrer ao procedimento especial de despejo, previsto no art.º 15.º do NRAU, a intentar no Balcão Nacional do Arrendamento ou se se pode recorrer à acção de despejo pela via judicial.

3 - Análise do recurso.

A R invoca que o A não podia recorrer à acção de despejo pela via judicial, para proceder ao despejo da R e obter as quantias devidas, pois o procedimento próprio, após ter resolvido o contrato de arrendamento pela via do n.º 2 do art.º 1084.º, do Código Civil, é o procedimento especial de despejo, previsto no art.º 15.º do NRAU, a intentar no Balcão Nacional do Arrendamento e para recorrer à via judicial o A tinha que alegar na sua petição inicial factos que demonstrassem a dificuldade em interpelar a R para cumprir a comunicação prevista no n.º 2 do art.º 1084.º do Código Civil;
Conclui que o A não logrou demonstrar factos que justifiquem o seu interesse e necessidade em agir judicialmente para fazer valer o seu direito, pelo que deve ser absolvida da instância.
Vejamos:
O procedimento especial de despejo consiste num mecanismo extrajudicial cuja tramitação é assegurada pelo Balcão Nacional do Arrendamento (art.º 15.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02, com as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas, designadamente pela citada Lei nº 31/2012).
Nos termos do Artigo 14.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano:

Ação de despejo
1 - A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.
2 - Quando o pedido de despejo tiver por fundamento a falta de residência permanente do arrendatário e quando este tenha na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País outra residência ou a propriedade de imóvel para habitação adquirido após o início da relação de arrendamento, com exceção dos casos de sucessão mortis causa, pode o senhorio, simultaneamente, pedir uma indemnização igual ao valor da renda determinada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º desde o termo do prazo para contestar até à entrega efetiva da habitação.
3 - Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.
E nos termos do
Artigo 15.º
Procedimento especial de despejo
1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.
3 - Para efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, o comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil é acompanhado dos documentos referidos nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo ou, sendo caso disso, de cópia da certidão a que se refere o n.º 7 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados.
4 - O procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.
5 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.
6 - No caso de desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, o procedimento especial de despejo segue os demais trâmites legalmente previstos quanto ao pedido de desocupação do locado.
7 - Sempre que os autos sejam distribuídos, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas e, independentemente de ter sido requerida, sobre a autorização de entrada no domicílio.
8 - As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
Por outro lado, é o seguinte o teor dos artigos 1083.º e 1084.º do CC:
Artigo 1083.º - (Fundamento da resolução)
1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º;
e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.
3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
5. É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.
6. No caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos.
Artigo 1084.º - (Modo de operar)
1. A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo.
2. A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.os 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
3. A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.
4. O arrendatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
5. Fica sem efeito a resolução fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública se, no prazo de 60 dias, cessar essa oposição.»
Da análise do artigo 1084.º do Código Civil e artigo 14.º, n.º 1 da Lei 6/2006 parece resultar que a acção de despejo está reservada às situações em que a lei impõe o recurso à via judicial, o que apenas acontece relativamente à resolução efectuada pelo senhorio com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 1083.º e não para as hipóteses em que a lei expressamente permite que a resolução do contrato opere por via extrajudicial.
A redacção pouco clara dos referidos dispositivos tem, no entanto, gerado alguma controvérsia quanto à sua interpretação e assim, no âmbito da resolução por falta de pagamento das rendas - em causa nos nossos autos - gerou-se uma discussão a propósito da opção do senhorio entre a ação de despejo e o recurso ao procedimento especial de despejo.
No caso dos autos, a recorrente não põe em causa que tinha cabimento o recurso ao procedimento especial de despejo.
Defende é que porque a lei determina que a eficácia de uma forma de cessação opera por mera comunicação extrajudicial está vedada ao senhorio a possibilidade de fazer operar essa cessação por via judicial, isto é, de recorrer aos tribunais para o efeito.
A questão a analisar é assim a de saber se, tendo ao seu dispor um meio não judicial de operar a cessação de um contrato, tem este interesse processual em optar por uma forma de cessação judicial da mesma.
Esta polémica teve eco tanto na doutrina como na jurisprudência.
Na doutrina, Gravato Morais (in Título Executivo para a Acção de Pagamento da Renda, Cadernos de Direito Privado, n.º 22, Abril/Junho 2008, página 65 e “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, Almedina 2006, páginas 104 e 105) defende que a determinação legal segundo a qual a cessação opera, neste caso, por mera comunicação com a consequência do contrato e da comunicação serem títulos executivos especiais, tanto para o pagamento de quantia certa, como para entrega de coisa certa não inibe o senhorio de optar pela resolução judicial ainda que estejam preenchidas as condições legais para optar pela mera comunicação. Também neste sentido, vide Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (in Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, Quid Juris, 2.ª edição, paginas 324 e 328).
Com entendimento contrário, na doutrina Maria Olinda Garcia (A Acção Executiva para Entrega de Imóvel Arrendado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, página 31 e seguintes e Cadernos de Direito Privado, n.º 24, Outubro/Dezembro 2008, página 72 e seguintes), defende que o legislador com a NRAU teve a intenção clara de retirar dos tribunais a acção de despejo com base no não pagamento das rendas e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, 3.ª edição, 2007, Almedina, página 164, nota 168), Fernando Baptista de Oliveira (A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), Almedina, 2007, página 129 e seguintes) e David Magalhães (A Resolução do Contrato de Arrendamento, Coimbra Editora, 2009, páginas 216 e 217).
Defendendo, actualmente, que o procedimento especial de despejo “é apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa à acção de despejo, pelo que nada o impede de recorrer a essa acção em lugar de instaurar esse procedimento”, não havendo até, nesse enquadramento, lugar à suportação das custas pelo senhorio, nos termos do art. 535.º, n.º 2 c) do CPC, uma vez que o senhorio não dispõe actualmente de qualquer título executivo prévio à acção, só o podendo formar por recurso ao BNA, vide Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª edição, Almedina, página 206, nota 212.
Também Miguel Teixeira de Sousa (in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, coordenação de António Menezes Cordeiro, páginas 396 a 399), considera que é sempre admissível uma acção de despejo fundamentada na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, devendo o demandante pagar as respectivas custas se já houver título executivo para esse pagamento e o arrendatário não deduzir oposição.
A jurisprudência maioritariamente entende que o senhorio pode optar entre as duas formas previstas na lei ou seja, que pode optar entre uma tutela declarativa e uma tutela executiva - cf., entre outros, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 22.06.2010, processo n.º 1280/09.1TBTMR.C1, da Relação do Porto de 02.03.2010, processo n.º 552/08.7TBPRG.P1, de 19.02.2009, processo n.º 459/08.8TJVNF, de 26.02.2008, processo n.º 0820751, de 31.01.2008, processo n.º 0736573, da Relação de Lisboa, processo 3630/08.9TMSNT.L1-6, de 15.12.2009, processo n.º 8909/08.7TMSNT.L1-1, de 17.04.2008, processo n.º 2308/08-2, de 28.05.2009, processo n.º 438/08.05YYLSB.L1-8, de 18.06.2009, processo n.º 438/08.05YYLSB.L1-8, de 31.03.2009, processo n.º 2150/08.6TBBRR.L1-7, de 13.03.2008, processo n.º 1154/2008-6, de 11.03.2008, processo n.º 543/2008-1, de 25.02.2008, processo n.º 469/2008-7, de 23.10.2007, processo n.º 6397/2007-7, da Relação de Guimarães de 10.07.2008, processo n.º 1432/08-2, de 29.11.2008, da RL de 11.12.2018, proferido no processo n.º 10901/17.1T8LSB.L1-2, da Relação de Lisboa de 28.05.2013, processo n.º 317/12.1T2MFR.L1-1, da Relação de Guimarães de 14.05.2015, processo n.º 406/13.5TBPTL.G1, processo n.º 2205/07-1, do Supremo Tribunal de Justiça de 06.05.2010, processo n.º 438/08.5YXLSB.LS.S1 (relator: Custódio Montes), todos em www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 15.04.2008, processo n.º 937/07.6TBGRD.C1 e da Relação de Guimarães de 30.04.2009, processo n.º 5967/08.8TBBRG.G1, ambos disponíveis também em www.dgsi.pt.
A Lei n.º 31/2012, de 14.8, que reviu o NRAU, não interferiu nesta polémica, como reconhecem os defensores da tese restritiva - cfr. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, regime substantivo e processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 2013, 2.ª edição, página 188 e Elizabeth Fernandez, “O Procedimento Especial de Despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, in Julgar, n.º 19, Jan-Abril 2013, Coimbra Editora, página 71.
Seguimos a posição maioritária, ou seja, que o senhorio continua a ter o direito de acção e que o legislador, ao criar a resolução extrajudicial, apenas pretendeu agilizar e facultar um acesso mais rápido à entrega coerciva do arrendado.
Com efeito, o artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, não exclui a instauração de acções destinadas a obter o despejo com base na falta de pagamento de rendas (da sua leitura podemos concluir que a acção de despejo na NRAU pode abranger também a resolução do contrato com base na falta de pagamento de rendas).
Note-se que, apesar de já estar instalada na altura a aludida polémica, na Lei n.º 31/2012, de 14.08, que reviu o NRAU, o art.º 1048.º manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer (mencionando este aspeto, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões controversas do novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento” in Revista do CEJ, 2013 – II, página 32 e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento” in Julgar, n.º 19, páginas 59 e 60.
De resto, o n.º 1 do artigo 1048.º do Código Civil, ao estatuir que “O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para a oposição à execução destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º” permite-nos afirmar que podemos interpretar o conceito de acção de despejo na NRAU, num sentido amplo.
E, como refere Miguel Serra (“O Despejo no Novo Regime de Arrendamento Urbano - Tramitação a Utilizar Quando Está em Causa a Falta de Pagamento das Rendas“, Gestin Ano VIII, n.º 8 Maio de 2010: “se se entendesse que não seria possível recorrer à acção despejo para resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento das rendas, estaríamos a enveredar por um retrocesso “na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio e estaríamos mesmo porventura perante uma violação do n.º 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito à justiça e aos tribunais, pelo que uma interpretação diversa seria potencialmente inconstitucional.”
Assim entendemos que a melhor interpretação é a de que o senhorio tem agora ao seu dispor dois meios alternativos de obtenção do despejo do imóvel arrendado, no caso de não pagamento de rendas.
Os senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, podem optar pelo meio judicial de prossecução da defesa da sua situação jurídica, mesmo no caso de incumprimento da obrigação de pagamento de renda.
Esta interpretação é a que melhor se adequa a uma interpretação sistemática e teleológica das normas jurídicas que, no âmbito do NRAU, se destinam a regulamentar o arrendamento e os modos de cessação do mesmo.
É também neste sentido o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2021, processo n.º 407/19.0T8ENT.E1.S1 (Relator Manuel Capelo), onde se conclui que o “art. 15.º, n.º 2, do NRAU não mencionando a alternatividade ou a exclusividade de recurso ao PED e, não constituindo os documentos referidos nesse normativo, títulos executivos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, servido apenas de base à propositura desse procedimento, permite ao senhorio socorrer-se livremente de qualquer um dos meios ao seu dispor, a acção judicial de despejo ou do procedimento especial de despejo.
(…) Entendemos então que o PED como foi previsto legalmente não visou essencialmente uma poupança de recursos económicos, nem o afastamento dos tribunais, mas criar um procedimento alternativo de natureza não judicial e que, com esta diversa natureza, pode servir os interesses dos senhorios sem prescindir da intervenção dos tribunais se assim o pretender. Veja-se que o art. 1048 do CC manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer. Se a vontade legislativa fosse a de decisivamente separar o âmbito de aplicação dos procedimentos com a obrigação de haver exclusividade relativamente a cada um deles com exclusão do outro, seguramente que teria deixado expressa essa determinação que não encontramos na análise interpretação das normas em apreço. Aliás, alterando o RAU onde o exercício do direito de resolução do senhorio tinha de ser sempre decretada judicialmente (art. 1047º do CC e 63º, nº 2 do RAU) a Lei 6/2006 passando a admitir uma outra possibilidade extrajudicial, determinou que quando o fundamento resolutivo caiba numa das causas previstas do nº 2 do art. 1083º do CC, a resolução deverá ser decretada nos termos da lei do processo com recurso à ação de despejo (art. 14 do NRAU). Então, neste contexto sistemático, se o legislador advertiu a obrigatoriedade de nesses previstos casos o meio admissível ser o judicial, julgamos que se porventura quisesse criar uma outra obrigatoriedade para casos em que só através da via extrajudicial (do PED) os senhorios se poderiam socorrer, tê-lo-ia deixado expresso e não o fez.”
Logo, concluímos que nada impedia o A do recurso à acção judicial e por isso não configura excepção inominada de falta de interesse de agir passível de determinar a absolvição da instância da ré, improcedendo o recurso.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízs da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto e, em consequência manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 25.11.2021
Elisabete Valente (relatora)
Ana Margarida Leite
Cristina Mesquita