EXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
CLÁUSULA PENAL
INCUMPRIMENTO
Sumário

I - O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, sendo através da verificação dos seus requisitos que se afere a idoneidade do objeto da pretensão executiva. Por isso mesmo, o título executivo, assume a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva, constituindo um dos requisitos de admissibilidade da mesma.
II - A ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transação não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o insuficiente para a execução.
III - O incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos, assumida pelos aqui embargantes na transação homologada, traduz-se em factos ocorridos na fase de execução do acordo homologado, os quais são, portanto, posteriores à própria formação do título e, como tal, não se encontra abrangido pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução, o que impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita dos ali devedores (aqui executados embargantes).
IV - Não estando, pois, certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, conclui-se pela sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos arts. 726º, nº 2, alínea a), e 734º, nº 1, do CPC.
V - Só uma obrigação, que tendo sido judicialmente reconhecida, esteja em condições de ser logo cumprida pelo devedor é que pode determinar a incidência automática das sanções previstas.
VI - A sentença dada à execução não é exequível relativamente à cláusula penal, por a sua aplicação estar dependente de se apurar se ocorreu o incumprimento que legitima o seu acionamento, apuramento que há de ser feito em sede declarativa.

Texto Integral

Apelação n.º 1596/19.9T8AGD-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, Unipessoal, Ld.ª, deduziu embargos de executado contra a execução que lhe moveu C… alegando, para tanto e em síntese, que a sentença exequenda não apresenta os requisitos de exequibilidade – certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação.
Afirma que obrigou-se a executar determinados trabalhos de construção civil, nomeadamente a concluir as fundações; implantar uma casa sobre aquelas — um compósito belga — e a concluir alguns trabalhos de construção civil enumerados no acordo.
Por sua vez, a exequente obrigou-se a pagar-lhe diversas quantias de acordo com as diversas fases.
Alega que para a sentença exequenda ser exequível o Tribunal terá de reconhecer que uma das partes incumpriu e em que medida, para que a outra parte possa pedir a reparação efectiva.
A sentença exequenda não fixa uma obrigação de prestação de facto, nem uma obrigação de prestar uma quantia certa e determinada.
Sustenta, ainda, que concluiu as fundações da obra tendo a exequente pago a quantia de € 3.500,00, conforme previsto, e implantou a casa no local, mas a exequente não efectuou o pagamento da quantia prevista de € 3.500,00; foi acertado retomar os trabalhos a 2 de Outubro de 2019 e nesse dia foi negado aos trabalhadores da embargante ao acesso ao mesmo local, impedindo-os de executar os trabalhos, com a falsa alegação de que as fundações da casa não estariam construídas de acordo com o projecto, pelo que a obra não se concluiu por culpa da exequente.
Admitidos liminarmente os embargos, contestou a exequente, alegando, em síntese, que a sentença reúne todos os requisitos de exequibilidade, pois, depois de ter celebrado o contrato de empreitada com a embargante e dado o seu incumprimento, teve de instaurar acção judicial contra a mesma, e de promover a feitura de novos projectos de arquitectura e engenharia, atendendo à rejeição dos projectos apresentados pela embargante e apesar de reiterados pedidos para alteração dos mesmos.
Por essa razão, a licença de construção emitida pela Câmara Municipal … deriva da proactividade da exequente.
Depois de celebrada a transação exequenda, a exequente sempre demonstrou a maior disponibilidade para colaborar com a embargante para que os trabalhos fossem efectuados, alertando sempre sobre a necessidade de existir um aviso com tempo razoável.
A exequente avisou a embargante que não poderia providenciar o acesso à obra entre os dias 1 e 5 de Abril de 2019, mas aquela enviou e-mail a dizer que ia retomar os trabalhos e executá-los até ao final, alertando a exequente que poderia iniciar os trabalhos a 6 de Abril até 5 de Maio, não tendo a embargante comparecido para o efeito.
Afirma que nunca impediu a realização da obra, tendo sido a embargante que nunca cumpriu com os prazos fixados e com a observância dos projectos licenciados.
Procedeu-se à realização da audiência prévia, onde se proferiu decisão que julgou a obrigação certa, líquida e exigível, com a seguinte fundamentação:
Da inexequibilidade do título executivo, por incerteza, iliquidez e inexigibilidade da obrigação:
Veio a executada B…, Unipessoal, Lda deduzir os presentes embargos de executado, alegando, entre o mais, que a obrigação exequenda é incerta, ilíquida e inexigível.
A exequente alega que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível.
Cumpre decidir:
Estabelece o artigo 729/e) do Código de Processo Civil que "Fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter alguns dos fundamentos seguintes: Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação."
No caso dos autos, a embargante começa por invocar a incerteza da obrigação.
A pretensão é exequível quando se incorpora num título executivo (exequibilidade extrínseca) e, inexiste qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação (exequibilidade intrínseca) – cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 607.
Escreveu o Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução Vol. 1, 3º ed., p. 192 que “o desenvolvimento da actividade executiva só é legítimo quando assenta num título que, segundo a lei, goza de exequibilidade. Assim como o juiz não pode negar o seu concurso ao exequente quando este lhe apresenta um título executivo, deve recusar-lho se o título não satisfaz as condições necessárias para servir de base à execução”.
A obrigação, para ser exequível, tem que ser certa, exigível e líquida – artigo 713 do Código de Processo Civil.
Com efeito, à certeza da obrigação corresponde a certeza do crédito, a certeza exprime um fenómeno subjetivo, um estado do nosso conhecimento a respeito dum facto.
Um crédito é certo para alguém quando essa pessoa está segura que ele existe em determinadas condições. Quando se trata de execução, a pessoa que há-de estar segura da existência do crédito é o órgão executivo.
Certeza quanto ao crédito quer dizer certeza quanto aos elementos que o constituem: sujeitos e objeto. Pondo de parte os sujeitos, a certeza quanto ao objeto implica uma determinação que seja suficiente para o distinguir dos outros elementos do património do devedor.
E assim, se a execução diz respeito a uma coisa determinada, esta tem de ser identificada por forma a diferenciar-se de todas as outras.
Posto isto, considerando que o título executivo é uma sentença judicial de homologatória de transação, cumpre analisar se ali a obrigação exequenda é certa ou não.
A parte decisória da sentença exequenda estabelece o seguinte:
"Nos presentes autos de procedimento cautelar, bem como nos autos principais de ação declarativa com processo comum, propostos pela A. C… contra a Ré “B…, Unipessoal Lda.”, vieram as identificadas partes pôr fim a tais demandas nos termos do acordo de transação que antecede.
Face à natureza disponível do objeto do processo, à qualidade das partes e ao abrigo do disposto nos arts. 283º, 2, 284º e 290º, 1 e 3, todos do CPC, julgo válida e homologo por sentença a transação celebrada entre as partes.
Em face do exposto, julgo extintas ambas as instâncias, nos termos do art.º 277º, d), CPC.
Custas nos termos acordados – art.º 537º, 2, CPC.
Registe e notifique.”
E na transação foram identificados os seguintes trabalhos a realizar pela ora embargante:
“A Ré compromete-se a concluir as fundações da obra em causa nos autos até ao próximo dia 10 de março;”
“A Ré compromete-se a realizar a descarga do módulo de compósito belga, no local indicado no contrato, até ao próximo dia 3 de abril;”
“A Ré compromete-se a concluir a construção da parte de lavandaria prevista no contrato até ao próximo dia 25 de abril;”
“A Ré compromete-se a concluir todos os acabamentos previstos no contrato até ao próximo dia 15 de junho.”
Posto isto, dúvidas não existem que está definida a obrigação a prestar, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao seu objeto, decorrendo o mesmo claramente da sentença exequenda.
Quanto à inexigibilidade da obrigação:
Relativamente à exigibilidade, importa considerar o princípio geral ínsito no art. 817 do C.C.: “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”.
O que torna exigível a obrigação é o facto do vencimento. Obrigação exigível é a que está vencida, podendo o credor pedir o cumprimento; se o devedor se recusa a cumprir, pode promover a execução para obter o equivalente do cumprimento voluntário: a satisfação coactiva.
É certo que a sentença exequenda não fixou qualquer prazo para a realização da prestação, mas estando nós perante uma execução para prestação de facto, tal inexigibilidade, por ausência de fixação de prazo para o efeito, pode ser suprida na própria execução.
Com efeito, prescreve o artigo 874/1 do Código de Processo Civil que "Quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente."
Analisando a sentença exequenda, facilmente se constata que as obrigações ali previstas tinham prazo fixado e que quando a execução foi proposta já o prazo para o efeito tinha decorrido.
Assim, há que considerar exigível a obrigação.
A liquidez - obrigação ilíquida é aquela cujo conteúdo tem carácter genérico, ou melhor, não está ainda fixado ou determinado. A indeterminação tanto pode dizer respeito ao quantitativo, como no caso da obrigação de dinheiro, como à natureza e espécie da prestação: é o caso da prestação de facto, quando não se sabe, com precisão e especificadamente, qual o facto que há-de ser prestado. (vide o Acórdão da Relação do Porto de 26.05.2008, proc.0850288, in www.dgsi.pt, que seguimos de perto.)
No caso dos autos, a obrigação é líquida, atendendo ao que se encontra determinado para a executada quais os trabalhos a realizar.
Questão diferente é saber se a exequente pode exigir o pagamento da cláusula penal acordada pelas partes por cada dia de atraso na realização das obras, atendendo ao que é alegado pela embargante quanto à sua não realização, o que está dependente de produção de prova.
Assim, improcedem as invocadas iliquidez, inexigibilidade e incerteza da obrigação e inexequibilidade do título executivo.
Inconformado, apelou o executado, apresentando as seguintes conclusões:
1- Toda a execução tem por base um título – artº 10º, nº 5 do Cód. Proc. Civil; pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é um documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva, conforme previsto nos artigos 817º e 818º do Cód. Civil– Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, edição LEX, 1998, pág. 63 e segs.
2 - No que ao caso interessa, a questão em apreciação tem a haver com a suficiência do titulo, ou melhor, saber se o título dado à execução contém uma obrigação certa, líquida e exigível.
A obrigação exequenda deve ser certa, líquida e exigível – artº 713º do Cód.Proc. Civil.
A obrigação é certa e líquida quando está determinada em relação à sua qualidade e quantidade, respetivamente e é exigível quando se justifica o recurso à realização coativa da prestação.
Todas estas características terão de ser avaliadas em função do título – é a chamada exequibilidade intrínseca daquele.
Segundo o referido Prof. Manuel Teixeira de Sousa, “A exigibilidade da obrigação tem um sentido específico na ação executiva, algo distinto daquele que tem no plano substantivo. A obrigação exigível é aquela que está vencida ou que se vence com a citação do executado e em relação á qual o credor não se encontra em ora na aceitação da prestação ou quanto á realização de uma contraprestação. Assim, o vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade, mas esta pode precisar de algo mais do que esse vencimento.” – Obra citada, pág. 96.
3 - A exequente funda a execução num documento que é uma ata de conciliação obtida no âmbito de um procedimento cautelar, homologado por douta sentença.
Deste documento resultam direitos e obrigações para ambas as partes – para a ora recorrente a obrigação de realizar e concluir as obras de construção de uma moradia para a ora recorrida e para esta a obrigação de pagar faseadamente o preço daquela moradia – cfr. título executivo.
4 - Não podem restar dúvidas que a transação em causa, homologada por sentença, é título executivo – artº 713º, nº 1, al) a) do Cód. Proc. Civil.
Mas, não se confundindo a exequibilidade do título com a exequibilidade da pretensão, há que apurar se a pretensão é exequível, ou, por outras palavras, se o título contém os requisitos intrínsecos da exequibilidade – tipicidade, suficiência e autonomia.
O título dado à execução contém um acordo de programação da conclusão da construção da moradia da ora recorrida, que tinha sido objecto de um contrato de empreitada celebrado entre esta e a ora recorrente e o ajuste e a forma de pagamento da parte restante do preço.
5 - Tratando-se de um contrato de empreitada, no caso, se o dono da obra entendesse que o empreiteiro não estava a cumprir com o contratado, deveria ter-lhe fixado um prazo para conclusão da obra – interpelação admonitória – após o que, caso não tivesse havido cumprimento, poderia recorrer à execução para prestação de facto.
6 - Mas não, limita-se a exequente a alegar que o prazo para colocação no local do compósito belga era o dia 3 de Abril, o que a executada não fez e que o prazo limite para conclusão da obra era o dia 15 de Junho de 2019, sem mais.
As questões:
- O compósito belga (nome da composição do módulo que vai servir de moradia) não foi colocado no local?
- os trabalhos não foram concluídos até ao dia 15 de Junho de 2019?
- não foi dada qualquer explicação para essa atuação?
- os pagamentos (por parte da exequente) foram efetuados?
Sobre estas questões, nem uma letra.
E havia que apurar todas elas, de forma prévia à execução, pois os requisitos do título executivo devem ser prévios, já existindo à data da entra da execução em juízo.
E para apurar os requisitos e avaliar as diligências é necessário recorrer a elementos externos ao título, o que não pode ser feito no âmbito da presente execução, pois extravasa os limites da ação executiva, que não pode ser transformada em ação declarativa.
O título executivo, não possui, conforme exposto, os requisitos da exequibilidade intrínseca, pelo que a pretensão ou pretensões requeridas não podem ser executadas.
Conforme foi doutamente decidido no Ac. Rel. Porto, de 18.1.2005 – Processo nº 0424318, in JTRP 00037596:
“I. Há que distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da obrigação exequenda, ou seja entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).”.
E a exequibilidade da pretensão incorporada no título não existe porque lhe faltam os requisitos respetivos – exigibilidade da pretensão que se executou.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve a decisão posta em crise ser revogada e substituída por douto acórdão que indefira a execução, por faltarem ao título executivo os requisitos da exequibilidade intrínseca, como é de direito e justiça.
Tudo com as demais consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Fundamentos de facto

Relevam para a apreciação do recurso os seguintes factos, considerados ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, CPC.

1. Foi dada à execução a sentença homologatória de transacção proferida em 06.02.2019 pelo J1 do Juízo de Competência Genérico de Albergaria-a-Velha, no âmbito do processo 3499/18.5T8VFX-A e transitada em julgado em 08.03.2019.
2. São os seguintes os termos da transacção celebrada:
1 – A R. compromete-se a concluir as fundações da obra em causa nos autos até ao próximo dia 10 de março;
2 - Com a conclusão de tais trabalhos, a A. pagará à R., nesse mesmo dia, por conta do contrato celebrado entre ambas, a quantia de € 3.500;
3 - A R. compromete-se a realizar a descarga do módulo de compósito belga, no local indicado no contrato, até ao próximo dia 3 de abril;
4 - Com a conclusão de tais trabalhos, a A. pagará à R., nesse mesmo dia, por conta do contrato celebrado entre ambas, a quantia de € 3.500;
5 - A R. compromete-se a concluir a construção da parte de lavandaria prevista no contrato até ao próximo dia 25 de abril;
6 - Com a conclusão de tais trabalhos, a A. pagará à R., nesse mesmo dia, por conta do contrato celebrado entre ambas, a quantia de € 3.700;
7 - A R. compromete-se a concluir todos os acabamentos previstos no contrato até ao próximo dia 15 de junho;
8 - Com a conclusão de tais trabalhos, a A. pagará à R., nesse mesmo dia, por conta do contrato celebrado entre ambas, a quantia de € 3.000;
9 - Os pagamentos atrás referidos serão efetuados por meio de transferência bancária para a conta da R., de cujo IBAN a A. é conhecedora;
10 - Em face do prazo indicado em 7), a A. compromete-se a diligenciar junto da C. M. … pela prorrogação do prazo do alvará de construção que lhe foi concedido;
11 - Os custos a que haja lugar por força de tal prorrogação serão suportados pela R., mediante abatimento do respetivo valor nas quantias a liquidar pela A. acima descriminadas;
12 - Em caso de incumprimento, por alguma das partes, dos compromissos referidos em 1) a 8), estabelecem a cláusula penal de € 200 por cada dia de atraso;
13 - As custas eventualmente em dívida a Juízo serão suportadas em partes iguais por A. e R., prescindindo reciprocamente de custas de parte.”
3.Consta do requerimento executivo o seguinte:
1. No passado dia 6 de fevereiro de 2019, na sequência de apresentação de ação judicial interposta pela Exequente, quer a Exequente e a Executada chegaram a acordo através de transação colocando um ponto final ao litigio das Partes.
2. Consta da referida transação que a Executada se comprometia a cumprir com a prestação de facto nos precisos termos da transação conforme decorre da ata que se junta com o presente requerimento executivo.
3. Mediante a conclusão de cada um dos trabalhos enumerados, a Exequente comprometia-se ao pagamento dos montantes acordados.
4. Está ainda previsto na referida transação uma cláusula com uma cláusula penal face ao incumprimento de uma das partes, designadamente, o pagamento da quantia de 200,00 € (duzentos euros) por cada dia que se mantiver o incumprimento.
5. A Executada deveria ter procedido à entrega do módulo de compósito belga no passado dia 3 de abril de 2019, algo que não veio a suceder.
6. O último prazo, para a conclusão dos trabalhos findou no dia 15 de junho de 2019.
7. A Executada não apresentou qualquer justificação para o incumprimento, não podendo a Exequente ficar lesada nos seus direitos por tal facto.
9. A Exequente pretende o cumprimento integral da transação homologada pelo Tribunal.
10. Nestes termos requer a Exequente que seja efetuada a prestação e facto em falta, designadamente, a descarga do módulo de compósito belga, a construção da lavandaria e a conclusão de todos os acabamentos previstos no contrato celebrado entre as partes, além da execução do montante devido pela Executada a título de cláusula penal, que ascende ao dia de hoje ao montante de 17.800,00 € (dezassete mil e oitocentos euros).
O Agente de Execução indicado aceitou a designação.
Valor Líquido:
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total:
Valor diário da cláusula penal: 200,00 € (duzentos euros) multiplicado pelos dias deincumprimento que se cifram em 89 dias: 17.800,00 € (dezassete mil e oitocentos euros).
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se a sentença homologatória de transacção constitui título executivo relativamente à cláusula penal estabelecida para o incumprimento das obrigações acordadas.

Enquadrando a questão, apelante e apelada celebraram uma transacção, oportunamente homologada por sentença, no âmbito do processo identificado no ponto 1 da matéria de facto provada, nos termos da qual foram estabelecidas obrigações para ambas as partes (execução da obra para o apelante e pagamento para a apelada), tendo ainda sido estabelecida uma cláusula penal no montante de € 200,00 por cada dia de atraso.
Na petição de embargos, o apelante sustentou que a sentença em causa não era exequível, por não conter os requisitos da exequibilidade — certeza, liquidez e consequente exigibilidade — previstos no artigo 713º CPC.
A sentença recorrida considerou improcedentes as invocadas iliquidez, inexigibilidade e incerteza das obrigações e inexequibilidade do título executivo, afirmando tratar-se de questão diversa, por estar dependente de prova, saber se a exequente pode exigir o pagamento da cláusula penal acordada pelas partes por cada dia de atraso na realização das obras.
E o processo seguiu para o apuramento da questão do incumprimento das obrigações, mais concretamente para determinação da culpa pelo atraso verificado, que as partes se imputam reciprocamente.
A questão de saber se a sentença homologatória de transação judicial, na qual se fixou uma cláusula penal para o caso de incumprimento do acordado, reúne os requisitos de exequibilidade foi considerada relevante pela Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, CPC, para efeito de ser admitida revista excepcional (acórdão do STJ, de 12.11.2020, Ferreira Lopes, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1139/18.1T8CBR-A.C1.S1).

Ponderou-se:
Cremos que este é um dos casos em que uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça pode ser útil para assegurar os valores da segurança e da certeza do direito, por seu lado ligados à natureza do conteúdo de sentenças homologatórias de transações judiciais, quando, como ocorreu no caso, traduzam uma obrigação de prestação de facto relativamente a cujo incumprimento tenha sido convencionada uma determinada consequência de ordem patrimonial.
(…)
E, na verdade, independentemente da resposta que o Supremo Tribunal de Justiça venha a dar, a mesma é susceptível de ultrapassar os limites do caso concreto, contribuindo para a correcta resolução de questões semelhantes noutros casos, quando se trate de apreciar, com segurança, o condicionalismo em que pode ser executada uma sentença homologatória de transação na qual se tenha estabelecido uma cláusula penal.
Quer em termos de direito substantivo ligado à problemática das cláusulas penais, quer em termos de direito adjectivo ligado ao pressuposto da exequibilidade das sentenças homologatórias de transação, o ordenamento jurídico e o sistema judiciário podem beneficiar com uma pronúncia vinda precisamente do órgão a quem compete zelar pela certeza e segurança dos instrumentos legais.
Apreciando:
Não se questiona que a sentença homologatória de transacção constitua título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea a), CPC, sendo ela que se irão determinar os fins e limites da acção executiva (artigo 10.º, n.º 5, CPC).
Como refere Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pg. 79, o título exibido pelo exequente tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta.
A exequibilidade do título executivo caracteriza-se pela incorporação da pretensão num título executivo (exequibilidade extrínseca), enquanto a exequibilidade intrínseca caracteriza-se pela certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda (artigo 713.º CPC), requisitos que podem ser liminarmente preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º CPC (cfr. acórdão do STJ supra citado).
A cláusula penal, cuja execução está em causa, foi estabelecida para o incumprimento das obrigações assumidas pelas partes na referida transacção.
Ora, da sentença em causa não resulta a condenação no pagamento da cláusula penal estabelecida para o incumprimento de qualquer das partes: o seu pagamento apenas será devido em caso de incumprimento das obrigações estabelecidas.
No requerimento executivo a apelada alega incumprimento do acordado por parte do apelante, que, por seu turno, endossa a responsabilidade do incumprimento para aquela.
Tratando-se de factos naturalmente posteriores ao acordo consubstanciado na transacção, não pode se considerar que estejam abrangidos pela exequibilidade do título, devendo ser objecto de prova.
Tal prova não pode, porém, ser feita no âmbito da acção executiva, pois o incumprimento da transacção configura-se como facto constitutivo essencial da obrigação de indemnização que apelada pretende accionar.
Discordamos, por isso, do entendimento expresso no acórdão da Relação de Lisboa, de 10.09.2020, Pedro Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. n.º 2942/20.8T8SNT.L1-2, de que o incumprimento de um dos pontos do acordo oferecido como título executivo funciona como condição suspensiva da eficácia de uma obrigação que o executado aí reconheceu como estando em dívida e se obrigou a pagar (artigo 270.º CC), admitindo apresentação de prova documental ou oferecimento imediato de outra prova com o requerimento executivo (artigo 715.º, n.ºs 1 e 2, CPC), preconizando ainda despacho de aperfeiçoamento para a eventualidade dessa prova ser omitida.
Igualmente, não se pode fazer essa prova nos próprios embargos, na sequência de contestação do embargado.
Assim, o embargado terá de provar em acção declarativa os factos constitutivos da situação de incumprimento (artigo 342.º, n.º 1, CC), não coberta pelo título executivo, antes poder instaurar acção executiva para accionar a cláusula penal.
Nas palavras do acórdão do STJ, de 30.04.2015, Tomé Gomes, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 312-H/2002.P1.S1,
… tal obrigação de indemnização tem como factos constitutivos não só o acordo celebrado, mas, nuclearmente, a pretensa situação de incumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, sendo que este incumprimento se consubstanciaria em factos ocorridos já na fase de execução do acordo homologado e, portanto, ulteriores à formação do próprio título, recaindo sobre o credor o ónus de provar tal incumprimento, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC.
Em tais circunstâncias, a alegada situação de incumprimento, enquanto fundamento da obrigação de indemnização peticionada, que, de resto, constitui o epicentro do presente litígio, não se encontra coberta pelo caso julgado da sentença homologatória aqui dada à execução, o que, por sua vez, obsta a que se possa extrair desta sentença uma condenação implícita dos ali devedores e ora executados naquela obrigação.
Não se tendo, pois, por certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, não restaria senão concluir pela sua inexequibilidade ou manifesta insuficiência, vício este insuprível e determinativo da extinção da execução nos termos do artigo 820.º com referência ao artigos 812.º-E, n.º 1, alínea a), correspondentes, respetivamente, aos atuais artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Como alerta o mesmo acórdão,
… importa, desde já, não confundir a exequibilidade do título, como requisito de certeza para efeitos de acesso direto à ação executiva, com a validade e eficácia probatória do documento em causa quanto aos factos constitutivos da obrigação nele espelhada. Na verdade, a exequibilidade do título respeita apenas ao chamado “acertamento” do direito exequendo em termos de dispensar a prévia ação declarativa, mas não altera, por si só, as regras do ónus da prova quanto aos factos constitutivos da obrigação, que terão de ser equacionadas nos termos gerais, incluindo a força probatória atribuída à espécie de documento em causa.
(…)
Em suma, o título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, sendo através da verificação dos seus requisitos que se afere a idoneidade do objeto da pretensão executiva. Por isso mesmo, o título executivo, assume a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva, constituindo um dos requisitos de admissibilidade da mesma.
Por outro lado, há que distinguir essa exequibilidade extrínseca de outros requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do artigo 713.º correspondente ao anterior artigo 802.º do CPC, como são a certeza, a exigibilidade e a liquidez dessa obrigação, genericamente designados por requisitos de exequibilidade intrínseca, ressalvada a hipótese do n.º 6 do art.º 704.º do mesmo Código, os quais, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º do CPC.
No mesmo sentido o acórdão do STJ, 12.07.2018, Maria da Graça Trigo, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 309/16.1T8OVR-B.P1.S1:
Ora, a ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.
As diligências previstas no art. 715º do CPC, destinadas a tornar exigível a obrigação exequenda, reportam-se a determinadas categorias de obrigações, enunciadas no número anterior do presente acórdão, mas não se destinam à prova de factos constitutivos da própria obrigação exequenda, como está em causa no caso dos autos.
Diga-se também que a prova do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos, assumida pelos aqui embargantes na transacção homologada, traduz-se em factos ocorridos na fase de execução do acordo homologado, os quais são, portanto, posteriores à própria formação do título pelo que recai sobre a credora, aqui embargada, o ónus de provar tal incumprimento (cfr. art. 342º, nº 1, do CC).
Assim sendo, a alegada situação de incumprimento, fundamento da obrigação de indemnização peticionada, não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução, o que impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita dos ali devedores (aqui executados embargantes).
Não estando, pois, certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, conclui-se pela sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos arts. 726º, nº 2, alínea a), e 734º, nº 1, do CPC.
Entendimento idêntico se expressa no acórdão da Relação de Évora, de 05.11.2015, Elisabete Valente, www.dgsi.pt.jstj, proc n.º 1513/14.2T8SLV-B.E1:
O título executivo constitui o pressuposto de carácter formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva e por isso a prova legal da existência do direito de crédito do qual se visa o cumprimento coercivo.
A certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda da obrigação são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão, como decorre, expressamente, do disposto no art.º 802.º do anterior Código de Processo Civil, quando tendo como epígrafe “requisitos da obrigação exequenda”, se refere à “obrigação certa, exigível e líquida”.
Esta problemática da exigibilidade da obrigação prende-se com a questão da natureza das obrigações e sanções estipuladas nas transacções que vêm a ser executadas, onde se estabelecem sanções relativas a prazos que não podem ser de imediato cumpridos e que ficam sujeitos a condições que não estejam desde logo verificadas e alheias ao devedor.
Só uma obrigação, que tendo sido judicialmente reconhecida, esteja em condições de ser logo cumprida pelo devedor é que pode determinar a incidência automática das sanções previstas.
Ou seja, face ao simples acordo da transacção, não está assente ou demonstrada a obrigação de a executada pagar ao exequente os montantes dessas cláusulas penais, com a consequência de, por se tratar de factos constitutivos dos direitos que reclama, caber ao exequente o ónus de alegar e provar os factos integradores dos invocados e pertinentes “incumprimentos” pela executada (art.º 342º, n.º 1 do CC) – não cabendo, pois, a esta o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que cumpriu as obrigações contratuais em causa.
É neste sentido que se pode ler no Acórdão do STJ de 20.03.2003, proferido no processo nº 22/03: “Não obstante ser indubitável que a sentença homologatória de transacção constitui, abstractamente considerada, título executivo, é-o apenas na medida em que condena (art.ºs 46, n.° 1, al. a) e 815, n.° 2, do CPC).
Assim, para, em concreto, valer como título executivo, a sentença homologatória de transacção tem de ser constitutiva de uma obrigação, não se alcançando tal requisito essencial se apenas se prevê a sua constituição”.

Aqui chegados, importa concluir que a sentença dada à execução não é exequível relativamente à cláusula penal, por a sua aplicação estar dependente de se apurar se ocorreu o incumprimento que legitima o seu accionamento, apuramento que há-de ser feito em sede declarativa.
Nessa conformidade, a execução não pode subsistir, procedendo, pois os embargos (artigo 729.º, alínea a), CPC).

4. Decisão
Termos em que, julgando procedentes os embargos, revoga-se a decisão recorrida e determina-se a extinção da execução.
Custas pela apelada (artigo 527.º CPC).

Porto, 28 de Outubro de 2021
Márcia Portela
Carlos Querido
João Ramos Lopes