Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
AÇÃO EXECUTIVA
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
SENTENÇA
LETRA DE CÂMBIO
PACTO DE PREENCHIMENTO
Sumário
I - A redução parcial do pedido em acção executiva quanto a uma parte dos títulos executivos (letras de câmbio), uma vez admitida-homologada judicialmente e transitada em julgado, equivale a desistência parcial do pedido fundado nessas letras de câmbio e gera ope legis a extinção do direito de crédito cambiário (arts. 848.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1, do CPC). II - A desistência admitida-homologada reveste autoridade de caso julgado, que impede a instauração de nova execução para obter a satisfação do direito de crédito cambiário, sem prejuízo do direito de crédito material resultante da relação jurídica fundamental.
Texto Integral
Processo n.º 677/13.7TBABF-A.P1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação ……, 3.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. Por apenso à acção de execução para pagamento de quantia certaem que é Exequente “Vinilconsta – Publicidade e Serviços, Lda.”, os Executados “Capioura, Unipessoal, Lda.” e AA deduziram oposição à execução tendo em vista a sua extinção. Arguiram excepção de caso julgado, invocando que as duas letras que são configuradas como título executivo foram anteriormente dadas à execução no processo n.º 3116/12…… (…. Juízo do Tribunal Judicial ……., entretanto extinto), no qual a aqui Exequente efectuou uma redução do pedido que foi admitida por decisão transitada em julgado, sendo que essa redução do pedido consubstancia uma verdadeira desistência do pedido, razão pela qual não pode a Exequente exigir o pagamento de um direito de crédito já extinto, sendo certo que as duas execuções têm as mesmas partes, pedido e causa de pedir, havendo, por isso, caso julgado e subsequente excepção dilatória, que se invoca; sustentaram ainda que, sendo certa a realização de trabalhos no âmbito de um contrato de empreitada por parte da Exequente em favor da Executada sociedade em estabelecimento e imóvel, a Exequente não terminou os trabalhos a que se comprometeu e os que executou padecem de defeitos, nunca tendo a Executada aceite a obra mas, ao invés, reclamado da existência de defeitos que a Exequente nunca eliminou.
A Exequente apresentou Contestação, alegando que: não se verifica a excepção do caso julgado porque na anterior execução as letras não apresentavam data de emissão e por isso não produziam efeitos como letras mas apenas como meros documentos quirógrafos, enquanto que na actual execução já elas já possuem esse elemento e portanto foram apresentadas como verdadeiras letras; impugna o demais alegado pelos Embargantes e sustenta que executou todos os trabalhos que facturou à Executada, sendo que o valor desses trabalhos, realizados e não pagos, ascendem a €115.475,36; os trabalhos foram suspensos temporariamente, ao abrigo da excepção de não cumprimento, uma vez que a Executada não efectuava o pagamento do preço nos termos convencionados e que os trabalhos executados não padecem de defeitos.
2. Foi proferido despacho pelo Juiz … da …. Secção de Execução da Instância Central …. (Tribunal Judicial da Comarca …..), que julgou verificada a excepção de incompetência territorial e se declarou incompetente para tramitar os autos e declarou competente a …. Secção de Execução do Tribunal Judicial da Comarca …., sediada em ….., sendo o processo remetido para o efeito.
3. Foi proferido despacho saneador, fixando-se o valor da causa em € 50.000 e, conhecendo da excepção de caso julgado, decidindo-se que improcede por falta da tripla identidade de elementos que a mesma pressupõe, uma vez que “a causa de pedir não é idêntica num e noutro processo executivo, pelo que inexiste a completa identidade pressuposta nas disposições legais”, uma vez que, “ao passo que, no processo com o nº 3116/12……, do extinto … Juízo do Tribunal Judicial de ….., as letras poderiam eventualmente valer como meros quirógrafos, no caso dos autos principais, as letras exequendas apresentam-se com todos os seus elementos, sendo título executivo como título cambiário”.
4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença pelo Juízo de Execução de ….., que decidiu não estarem os Executados em condições de invocar a excepção de não cumprimento, estando os títulos executivos dispostos pela Exequente validamente emitidos, pelo que julgou improcedente por não provada a oposição à execução formulada pelos Executados Oponentes e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.
5. O Executado Oponente AA interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ….. (TR…..), sendo identificadas para decisão as seguintes questões: “A] recurso do despacho saneador: - quais os efeitos produzidos pela redução do pedido apresentada pela exequente na anterior execução que instaurou contra os executados para obter a satisfação do crédito exequendo; - podendo a exequente instaurar nova execução para cobrança deste crédito, se o podia fazer usando de novo, agora preenchidas quanto aos elementos antes em falta, como títulos executivos as “letras de câmbio” dadas à execução na anterior execução. / B] recurso da sentença: - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto; - que regras do ónus da prova orientam a decisão sobre o preenchimento das letras e a existência do crédito exequendo; - se o tribunal pode conhecer das excepções da falsidade da letra e da assinatura das letras e da violação do pacto de preenchimento”.
O acórdão do TR….. veio julgar procedente o recurso incidente sobre o despacho saneador e, em consequência, “dando provimento à apelação, revoga[m] a decisão recorrida e, em seu lugar, conhecendo da excepção arguida e por o direito de crédito exequendo se encontrar já extinto, julgam os embargos procedentes e determinam a extinção da execução”, mais declarando prejudicado o conhecimento da parte restante do recurso.
6. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de revista para o STJ, apresentando a rematar as seguintes Conclusões:
“A) A decisão ora em crise concedeu provimento ao recurso do despacho saneador e, em consequência, conhecendo da exceção arguida e por considerar que o direito de crédito exequendo se encontra já extinto, julgou os embargos procedentes e determinou a extinção da execução.
B) Considerou o Tribunal a quo que a Recorrente ao ter reduzido a quantia exequenda no processo n.º 3116/12…… desistiu do pedido e o direito de crédito que a Exequente pretendia satisfazer coercivamente através da presente execução se encontra extinto.
C) O presente recurso tem como fundamento a falta de concordância com tal interpretação, uma vez que a Recorrente logrou provar o circunstancialismo da redução da quantia exequenda.
D) A Exequente aceitou expressamente os artigos 6.º a 11.º da Oposição à Execução apresentada no processo n.º 3116/12……, ou seja, verificando que das três letras dadas à execução, duas delas – a Letra n.º …..320, no valor de € 25.000,00 e a Letra n.º …..338, no valor de € 25.000,00, não continham a data de emissão, e não podiam ser considerados títulos executivos por não conterem aquela data, pretendeu não prosseguir a execução quanto aos € 50.000,00 titulados pelas duas referidas letras de câmbio, para posteriormente vir a preencher as letras e intentar nova ação executiva.
E) No processo n.º 3116/12……, as Letras n.º …..320, no valor de € 25.000,00 e n.º …..338, no valor de € 25.000,00, ao terem sido apresentadas à Execução sem que a sua data de emissão estivesse preenchida, importaria a sua consideração como meros documentos quirógrafos.
F) A Exequente admitindo que não havia praticado o ato de preenchimento das datas de emissão dos dois títulos de crédito, não pretendeu que a Execução em apreço prosseguisse;
G) Considerando que no processo n.º 3116/12…… haviam sido dados à execução dois documentos quirógrafos e não duas Letras, a desistência parcial é por referência aos documentos quirógrafos e não às Letras correspondentes aos Títulos Executivos dados à execução nos presentes autos.
H) Ainda que assim não se entendesse e se equacionasse de que no processo n.º 3116/12….. o que pretendeu a Exequente foi desistir parcialmente do crédito que tem perante os Executados, sempre seria necessário explicar o motivo pelo qual os Executados no âmbito do processo n.º 3116/12….., não solicitaram a devolução dos originais da Letra n.º …..320, no valor de € 25.000,00 e da Letra n.º ……338, no valor de € 25.000,00.
I) Ou seja, se a intenção da Exequente fosse a de não mais reclamar dos Executados a quantia de € 50.000,00 titulada pelas duas referidas Letras, sempre teriam os Executados reclamado o recebimento dos originais dos dois referidos títulos.
J) Os Executados nunca solicitaram a devolução das Letras por sabem ser devedores dos € 100.000,00, correspondentes à soma dos três títulos de crédito que a Exequente é portadora.
K) Aplicando analogicamente o disposto no artigo 39.º da LULL, caso tivesse a Exequente considerado extinto parcialmente no valor de € 50.000,00 o seu crédito perante os Executados, estes teriam de exigir a devolução das duas letras.
L) A Exequente apenas desistiu parcialmente no processo n.º 3116/12…… reduzindo a quantia exequenda porque naqueles autos as duas Letras não eram título executivo, por falta de um elemento essencial (a data da respetiva emissão). Havia falta de título executivo no sentido em que dois títulos dados à execução não podiam fundamentar a execução de títulos cambiários.
M) O que se impunha era a apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância da exceção de caso julgado, o que foi feito sem que se possa apontar reparo.
N) O Tribunal analisou a decisão que admitiu a redução da quantia exequenda efetuada pela Exequente, avançando com a verificação de que a redução do pedido comporta, em si mesma, a vontade de abdicar do prosseguimento da ação no que toca a uma parte do pedido que havia sido formulado.
O) A correta interpretação do Tribunal de Primeira Instância, assume especial relevância ao considerar que a desistência efetuada pela Exequente no processo n.º 3116/12…… era por referência à causa de pedir e pedido naquele processo formulado, sendo que a causa de pedir era diferente da que se encontra em discussão nos presentes autos, pelo que, a Exequente não pretendeu de forma alguma, extinguir parcialmente o crédito que detém perante os Executados.
P) Ao decidir em sentido contrário o Acórdão sob censura violou o disposto nos artigos 576.º a 581.º, todos do CPC e artigo 39.º da LULL.
Q) Dúvidas não restam que o Acórdão ora em crise deve ser revogado, considerando a intenção da Exequente, e substituído por outro que julgue improcedentes as exceções invocadas pelos Executados e julgue a Oposição à Execução improcedente, por não provada, e, em consequência, determine o prosseguimento da Execução.”
7. O Executado Oponente e Recorrido AA pugnou pela confirmação do acórdão recorrido nas suas contra-alegações.
Consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto
Vistas as Conclusões da Recorrente (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2), a questão dedicenda incide sobre a apreciação da autoridade de caso julgado decidida em relação ao julgamento feito em sede de despacho saneador e a sua consequência para aferir se o direito de crédito cambiário que se pretende satisfazer na presente acção executiva se encontra extinto em virtude da desistência parcial do pedido apresentada pela Exequente em anterior acção executiva, invocada como caso julgado pelos Executados Oponentes.
2. Factualidade relevante
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 01.04.2013, Vinilconsta – Publicidade e Serviços, Lda., intentou a execução para pagamento de quantia certa a que estes autos estão apensos, contra Capioura, Unipessoal, Lda., e AA, apresentando como títulos executivos as letras de fls. 5 e 6 dos autos principais, cujos originais foram juntos a fls. 247 dos presentes autos.
2. A letra terminada em …320 tem o valor de €25.000, foi emitida na ….. em 18.04.2012 e tem a data de vencimento de 18.07.2012.
3. A letra terminada em …338 tem o valor de €25.000, foi emitida na …… em 18.04.2012 e tem a data de vencimento de 18.07.2012.
4. As letras referidas em 2 e 3 foram aceites pela executada Capioura, Unipessoal, Lda.
5.No verso das letras referidas em 2 e 3, o executado AA apôs a sua assinatura por baixo da expressão «Dou o meu aval à firma aceitante».
6. A exequente dedica-se à prestação de serviços de design gráfico, publicidade, sinalética, marketing, construção civil e obras públicas, demolições, escavações, terraplanagens e movimentação de terras, fabrico e instalação de mobiliário urbano, de iluminação pública e de iluminação decorativa, de painéis publicitários digitais, de stands e material diverso para exposições e de estruturas metálicas, decoração de espaços, serviços de pinturas, impermeabilização, colocação de pavimentos e revestimentos.
7. No âmbito das suas actividades descritas em 6 e a pedido da executada sociedade, a exequente prestou-lhe serviços no seu estabelecimento sito na ….., em ……..
8. A exequente não terminou a obra acordada.
9. A executada não aceitou a obra.
10. As letras referidas em 2 e 3 foram emitidas para pagamento dos serviços mencionados em 7.
11. A executada enviou à exequente a correspondência datada de 20.07.2012, junta a fls. 36 e segs., cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12. A exequente enviou à executada a correspondência datada de 01.08.2012, junta a fls. 47 e segs., cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Ainda com relevo para a causa (arts. 607º, 4, 663º, 2, 679º, CPC) são os factos considerados pelo acórdão recorrido, em relação ao processo n.º 3116/12…., acção executiva antes intentada pela Exequente contra os Executados, apresentando como títulos executivos as mesmas duas (em três) letras de câmbios aceites pela Executada sociedade e avalizada pelo Executado pessoa singular. Em especial:
— no processo n.º 3116/12…., foi proferida, em 27/5/2013, decisão de homologação-admissão da redução do pedido referente a duas letras sem preenchimento de datas de emissão e de vencimento, apresentada pela Exequente “Vinilconsta – Publicidade e Serviços, Lda.” –, acrescentando-se, para o efeito, “motivo pelo qual será considerada nos autos de execução apenas a quantia exequenda de € 50.000 e respectivos juros de mora” –, decisão essa que transitou em julgado em 6/9/2013 (cfr. certidão junto aos autos, ref.ª 103374187).
3. Direito aplicável 3.1. Julgando-se na apelação (fundada e enquadrada pelo art. 644º, 3, do CPC) a decisão plasmada no despacho saneador referido no Relatório supra, sob 3., o acórdão recorrido fundamentou assim:
“Como se vê, embora qualificando a «excepção» como «excepção de caso julgado», o que verdadeiramente os embargantes alegaram foi que o direito de créditoque o exequente pretendia cobrar através da presente execução se encontra extintona sequência da desistência do pedido apresentada pela mesma exequente na anterior execução que instaurou utilizando as mesmas letras (antes por preencher e agora já preenchidas quanto a alguns dos seus elementos) e para obtenção do pagamento do mesmo direito de crédito.
Ora constituem questões distintas saber se ocorre a excepção do caso julgado, isto é, se a acção repete uma anterior já julgada havendo por isso um impedimento à instauração da nova acção, e saber se a formação do caso julgado sobre uma decisão judicial que gerou ou declarou um efeito jurídico material significa que esta se impõe às partes (adquire autoridade de caso julgado) e por isso estas têm de a respeitar, rectius, têm de aceitar as respectivas consequências jurídicas para tudo o que delas dependa ou decorra.
Da mesma forma são questões diversas saber se o exequente é titular do direito de crédito cujo pagamento pretende obter (questão substantiva) e a de saber se o exequente pode instaurar uma nova execução com a mesma finalidade usando os mesmos títulos executivos (as letras) que já dera anteriormente à execução, apenas com a diferença de antes eles não se encontrarem totalmente preenchidos (quanto à data de emissão) e agora se mostrarem preenchidos (questão processual).
Mas, embora distintas, as questões interligam-se porque ainda que ao exequente fosse ou seja permitido usar de novo os títulos executivos para instaurar uma nova acção executiva, certo é que se ele já não for titular do direito de crédito que em qualquer dos casos ele pretende que seja satisfeito, a nova execução estará sempre condenada a extinção desde que o executado deduza oposição com esse fundamento.
Cremos por isso (…) que a discussão travada nos autos se mostra algo deslocada, já que se pôs o acento tónico na discussão sobre se entre as duas execuções havia a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (ou seja, centrou-se a discussão em aspectos de natureza processual que têm a natureza de excepção dilatória: o caso julgado) quando o que havia que decidir eram os efeitos sobre o direito de crédito exequendo da redução do pedido apresentada pela exequente na anterior execução precisamente por referência ao valor inscrito nos dois títulos executivos ora dados à execução (isto é, os efeitos substantivos sobre o direito desse acto do credor).
Que isso é assim resulta desde logo da circunstância de o exequente – que na contestação aos embargos não dedicou uma palavra aos efeitos da redução do pedido apresentada na anterior execução, optando por se centrar apenas nos requisitos da figura do caso julgado – e a própria decisão recorrida, para declinarem a existência de caso julgado, se apoiarem essencialmente no decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-2002, processo 02A688, Faria Antunes, inwww.dgsi.pt, sem se aperceberem que aquele aresto recaiu sobre uma situação com contornos diferentes da que nos ocupa.
Com efeito, naquele Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça deparava-se com a seguinte situação: entre a mesma exequente e os mesmos executados foi instaurada uma primeira execução em que foram dadas à execução 25 letras de câmbio; nessa execução os executados deduziram embargos de executado nos quais veio a ser proferida sentença transitada em julgado na qual se decidiu que das 25 letras dadas à execução 24 eram nulas como letras, dado não conterem data da emissão;posteriormente as referidas 24 letras foram entregues à exequente no estado em que se encontravam, isto é, sem data de emissão; a seguir, a exequente preencheu-as com as respectivas datas de emissão e instaurou uma segunda execução apresentando como títulos executivos as letras já preenchidas, tendo o executado deduzido embargos de executado arguindo entre outras a excepção do "caso julgado".
Como se vê, existe uma notória diferença entre ambos os casos. No caso apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça o exequente, confrontado com a invocação da falta de preenchimento das letras,não desistiu, total ou parcialmente, do pedido, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça apenas foi chamado a pronunciar-se sobre a questão processual da repetição de execuções, decidindo se essa repetição era de molde a preencher os requisitos do caso julgado. Ao invés, no presente caso, o aspecto decisivo é o da redução do pedido que a exequente apresentou na primeira execução e os efeitos dessa redução do pedido sobre o crédito exequendo.
Salvo melhor opinião, não era sequer necessário discutir o preenchimento dos requisitos do caso julgado. A nosso ver, existe uma norma que uma vez aplicada ao processo executivo com as devidas adaptações, autoriza a instauração de uma nova execução tendo como títulos executivos as letras já preenchidas que estavam por preencher quando foi instaurada a execução anterior que veio a ser extinta com fundamento nessa falta de preenchimento.
O artigo 621.º do Código de Processo Civil dispõe sobre o alcance do caso julgado, estabelecendo o seguinte: a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Feita a adaptação da norma ao processo executivo, dela resulta que se a execução for instaurada com base em títulos de créditos a que falte o preenchimento de elementos necessários para que possam valer como títulos de créditos e, na sequência dos embargos deduzidos pelo executado, a execução vier a ser declarada extinta com fundamento na falta desse preenchimento, a extinção da execução não impede a instauração de uma nova execução tendo como títulos executivos os mesmos títulos de crédito mas agora já com os elementos em questão preenchidos. Nessa situação, o caso julgado formou-se no pressuposto de não ter sido praticado um facto – não ter sido feito o preenchimento dos títulos – pelo que não impede a renovação do pedido – exequendo – uma vez praticado o facto antes em falta.
Esta conclusão, naturalmente, não prejudica a questão de saber se esse preenchimento ainda podia ser feito, o que remete para os termos do pacto de preenchimento dos títulos de crédito emitidos sem estarem totalmente preenchidos, a qual podia constituir um novo e distinto fundamento de oposição à nova execução, nem se confunde com a questão de saber se os títulos de crédito a que faltavam elementos para valerem como tais sempre podiam servir de títulos executivos como meros documentos quirógrafos.
O artigo 621.º do Código de Processo Civil, salvo melhor opinião, dispensava toda a discussão sobre a verificação dos pressupostos do caso julgado, uma vez que a situação concretamente verificada estava, por força da norma, excluída do alcance do caso julgado formado pela decisão de julgar a execução extinta.”
Aqui chegados, prosseguiu:
“Centremos então a atenção no que efectivamente cumpre ser apreciado e decidido nos autos: se o direito de crédito que através da presente execução a exequente pretende que seja satisfeito se encontra extinto em virtude da desistência apresentada pela exequente na anterior execução que teve como títulos executivos os mesmos documentos.
Para o efeito, precisemos os factos que interessam.
A] A aqui exequente instaurou o processo de execução para pagamento de quantia certa n.º 3116/12……, apresentando como títulos executivos três letras de câmbio.
B] Na exposição de factos constante do requerimento executivo alegou: 1º - No âmbito da sua actividade comercial, a Exequente dedica-se à prestação de serviços de design gráfico, publicidade, sinalética, marketing Construção civil e obras públicas, demolições, escavações, terraplenagens e movimentação de terras. Fabrico e instalação de mobiliário urbano, de iluminação pública, de iluminação decorativa, de painéis publicitários digitais (leds), de stands e material diverso para exposições e de estruturas metálicas. Decoração de espaços. Serviços de pinturas, impermeabilizações, colocação de pavimentos e revestimentos, conforme certidão permanente disponível em www.portaldaempresa.pt com o código ……. 2º - No exercício da sua actividade, a Exequente prestou serviços à 1ª Executada. 3º - Para pagamento dos referidos serviços, a 1ª Executada, deu o seu aceite a três letras de câmbio, conforme se discrimina:
- Letra n.°- ….320, no valor de € 25.000,00 (...).
- Letra n.°- …..338, no valor de € 25.000,00 (...).
- Letra n.°- …..421, no valor de € 50.000,00 (...). 4º- As referidas letras foram devidamente avalizadas pelo 2º Executado, o qual se obrigou solidariamente ao pagamento das mesmas. 5º- Sucede que, apesar de interpelados para tal, os Executados não procederam a qualquer pagamento por conta do valor em dívida, nem na data do seu vencimento nem posteriormente. 6º- Pelo que, os Executados devem à Exequente a quantia de €100.000,00, acrescida dos juros de mora que se vencerem até efectivo e integral pagamento. 7º- Razão pela qual se apresentam os referidos títulos de crédito à execução, os quais constituem título executivo nos termos e para os efeitos do art. 46º d) do CPC.»
C] As letras com os ns.º …..320 e ….338 que acompanhavam o requerimento executivo não se encontravam preenchidas no tocante às datas de emissão e vencimento.
D] Os executados deduziram embargos à execução alegando, entre outras coisas, que por não apresentarem data de emissão estes dois documentos não produziam efeitos como letras de câmbio.
E] Na contestação aos embargos a exequente declarou: «[...] 2º- Nos termos do n.º 2 do artigo 273.º do CPC o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido. 3º- A exequente aceita os factos alegados nos artigos 6º a 11º da oposição à execução. [nota: a exequente refere-se aos artigos onde os embargantes alegaram o não preenchimento das letras]. 4º- Pelo que, em consequência, reduz o pedido para o valor de € 50.000,00, acrescido de juros contados desde a citação até integral pagamento. [...]»
F] No despacho saneador dos embargos de executado foi proferido o seguinte despacho: «Em conformidade com o disposto no artigo 273º, n.º 2, do CPC, admito a redução do pedido apresentada pela exequente no articulado de contestação por si junto aos autos, motivo pelo qual será considerada nos autos de execução apenas a quantia exequenda de € 50.000,00 e respectivos juros de mora. Notifique as partes e informe a Senhora agente de execução.»
G] Mais adiante assinalou-se o seguinte: «Em sede de oposição à execução, os executados começaram por invocar a inexistência do título executivo, com fundamento na circunstância de as duas letras no valor de € 25.000,00 não terem aposta a data de emissão. De todo o modo, uma vez que a exequente veio aos autos desistir do pedido na parte relativa àsmencionadas letras, impõe-se concluir que se encontra prejudicada a apreciação da excepção invocada pelos executados.»
H] Estas decisões não foram impugnadas tendo transitado em julgado.
I] A exequente instaurou depois, contra os mesmos executados, a presente execução, dando à execução as letras com os ns.º ….320 e ….338, agora já preenchidas no tocante às datas de emissão e vencimento.
J] No requerimento executivo alegou os mesmos factos que alegou no requerimento executivo do processo de execução n.º 3116/12….., agora delimitando o valor em dívida ao valor inscrito nos títulos de crédito dados à execução.
O que nos revelam estes factos?
Em primeiro lugar que a exequente se apresentou a cobrar coercivamente o seu crédito relativo a parte do preço da empreitadacontratada com a sociedade executada, titulado por três letras de câmbio. Em segundo lugar que na pendência da execução reduziu o seu pedido no valor correspondente a dois dos títulos de créditodados à execução, mantendo apenas o pedido exequendo correspondente ao valor inscrito no outro título. Em terceiro lugar, que essa redução foi aceite pelo tribunalo qual determinou o prosseguimento da execução apenas para cobrança do valor inscrito no terceiro título de crédito. Em quarto lugar, que em ambas as execuçõesa exequente pretende obter o pagamento do mesmo direito de crédito correspondente a parte do preço da empreitadaque executou.
O que nos dizem as normas legais atinentes?
Dispõe o n.º 1 do artigo 848.º do Código de Processo Civil que a desistência do exequente extingue a execução. O n.º 2 acrescenta que se estiverem pendentes embargos de executado, a desistência da instância depende da aceitação do embargante.
O artigo 265.º, n.º 2, estabelece, por sua vez que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido.
Já o artigo 283.º estabelece o princípio da liberdade de desistência, confissão e transacção: nos termos da norma, o autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele.
O artigo 285.º dispõe sobre os efeitos da desistência, estabelecendo que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, enquanto a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara.
De modo a tutelar os direitos do réu face à desistência do autor, o artigo 286.º dispõe que a desistência da instância depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação. Já a desistência do pedido é livre mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor.
No que concerne à doutrina, Lebre de Freitas,A acção executiva à luz do código de processo civil de 2013, 6ªEdição, Fevereiro 2014, pág. 413-414, depois de referir que embora a causa normal de extinção da execução seja o pagamento coercivo, afirma que «tal como a acção declarativa se pode extinguir sem que se tenha atingido a sentença de mérito, também na acção executiva a extinção pode ter lugar por causas diferentes do pagamento coercivo, seja por extinção da obrigação exequenda, seja por motivos diferentes», escreve que «pode … o exequente desistir da instância ou do pedido, caso em que, porém, a exemplo do que acontece com as causas de extinção referidas no número anterior, serão pagos os credores graduados se já tiver havido venda ou adjudicação de bens (artigo 848). A desistência do pedido, tendo na acção executiva a mesma natureza de negócio de direito privado que tem na acção declarativa (…), não pode ser entendida como renúncia ao direito de executar o crédito (o que brigaria com a irrenunciabilidade do direito de acção), mas como renúncia ao próprio crédito exequendo. De particular tem, porém, que não é homologada por sentença, produzindo directamente, não só os seus efeitos de direito civil (como na acção declarativa), mas também o efeito processual de extinção da instância executiva (…)».
Em nota, o mesmo autor escreve ainda que «O n.º 1 do artigo 848 refere-se à desistência tout court e o n.º 2 condiciona a desistência da instância à aceitação do executado, se este tiver deduzido oposição à execução (em adaptação à execução da norma do art. 286-1). Da articulação dos dois preceitos resulta que a desistência do pedido é também possível em processo executivo».
O artigo 848.º do actual Código de Processo Civil corresponde, na essência, ao artigo 918.ºdo antigo Código de Processo Civil. Comentando este preceito, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Edição (Reimpressão), pág. 635 e seguinte, escreveu que, «como declara expressamente o artigo 918.º, n.º 1, a desistência do exequente extingue a execução. A desistência pode compreender o pedido ou respeitar só à instância. A primeira extingue a obrigação exequenda, tal como o perdão ou a renúncia; a da instância põe termo ao processo unicamente A desistência do pedido é inteiramente livre, como declara o n.º 2 do artigo 296.º. A desistência da instância executiva depende, porém, de concordância do executado, desde que tenha lugar depois de deduzidos embargos; assim dispõe o n.º 2 do artigo em perfeita harmonia com o n.º 1 do artigo 296.º.»
A propósito da desistência do pedido, Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, pág. 477 e seguintes, escreveu: «O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele [o actual artigo 283.º]. A desistência do pedido implica o abandono, ou melhor, a renúncia à pretensão que o autor formulara. Quando desiste do pedido, o autor reconhece implicitamente que a sua pretensão judicial é infundada; porque se convenceu de que não tem razão, retira o pedido que enunciou, renuncia a ele. Os escritores italianos dão a esta figura a designação de renúncia à acção ou renúncia à pretensão. Segundo Carnelutti, quem renuncia à pretensão que formulou, renuncia na realidade ao direito correspondente à pretensão. A pretensão é um facto e não uma situação jurídica; não pode, por isso, ser objecto de disposição. De modo que a fórmula «renúncia à pretensão» é uma expressão abreviada, cujo sentido exacto é o seguinte: renúncia ao direito que constitui a razão ou o fundamento da pretensão. Nesta ordem de ideias se inspirou o artigo [o actual 285.º, 1], pois declara que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer. A desistência pode ser total ou parcial. Se o pedido é só um, o autor pode desistir de todo o pedido ou de parte dele; se há cumulação de pedidos, o autor pode desistir de algum ou alguns, no todo ou em parte, ou desistir da totalidade É claro que o autor não pode desistir do pedido principal, mantendo o pedido acessório, como não pode desistir do pedido dominante, deixando de pé o pedido subordinado; a desistência do primeiro importa necessariamente a do segundo».
Mais à frente, o mesmo autor afirma: «Considerámos até aqui a desistência do pedido em acção declarativa. Mas a desistência pode ter lugar também na acção executiva. O exequente pode evidentemente desistir, quer da instância executiva, quer da pretensão ou do pedido formulado no requerimento inicial para a execução. O disposto nos artigos [actualmente 283.º] e seguintes com referência à desistência é aplicável, com as necessárias adaptações, ao processo de execução.»
O mesmo Alberto dos Reis, loc. cit, pág. 96, sublinha que «…entre a redução do pedido e a desistência parcial a diferença é unicamente de forma; na essência os dois actos têm o mesmo alcance e o mesmo sentido, pelo que devem produzir o mesmo efeito. Quem desiste de parte do pedido significa, com o seu acto, que não se julga com direito à parte abrangida pela desistência; quem reduz o pedido significa igualmente que considera exorbitante o pedido inicial e só reputa justo o pedido na parte remanescente após a redução».
O que resulta da aplicação destes dados legais ao caso em apreço?
Ao apresentar a redução do pedido exequendo quanto ao valor correspondente às duas letras de câmbio que reconheceu não estarem suficientemente preenchidas para valerem como letras, a exequente praticou um acto equivalente à desistência parcial do pedido.
Se a exequente pretendia com essa redução desistir somente (de parte) da instância executiva, o que era possível, teria de o ter declarado e enfrentar a circunstância de a aceitação dessa desistência depender da posição dos embargantes e, portanto, poder vir a não ser aceite.
A exequente não só não fez essa ressalva como se conformou com a interpretação do tribunal onde corriam termos a execução e os embargos de que estava perante uma desistência (parcial) do pedido, permitindo que a decisão de reflectir na execução e nos embargos tal desistência transitasse em julgado. Essa interpretação do tribunal é vinculativa para as partes como para este tribunal uma vez que a desistência foi apresentada naquela execução e era o tribunal onde a execução pendia que tinha competência para averiguar os respectivos pressupostos e declarar os respectivos efeitos, conforme fez.
Refira-se que esta interpretação é aliás reiterada pela ora recorrente na resposta às alegações de recurso ao afirmar o seguinte: «Sendo certo que a mera declaração de redução do pedido (sem qualquer outra declaração) tem de ser entendida como desistência parcial do pedido. A redução do pedido, efectuada ao abrigo do citado artigo 273.º n.º 2, configura, pois, uma desistência parcial do pedido que, como tal, extingue o direito que se pretendia fazer valer, e, consequentemente, a decisão que admite a redução do pedido corresponde a uma sentença homologatória da desistência do pedido – 300º nº 3 – que, embora não o diga expressamente, contém implícita a decisão de absolvição no que respeita a uma parte do pedido. A decisão que homologa uma desistência do pedido corresponde, pois, a uma sentença que, embora não aplique o direito aos factos provados na causa, decide do mérito da causa e, como tal, uma vez transitada em julgado, constitui caso julgado material, nos termos do citado art. 671º, no que respeita ao direito que o desistente pretendia fazer valer, ficando o desistente impedido – em princípio e por força do caso julgado – de, em nova acção, fazer valer o direito do qual desistiu» (sic) (sublinhados nossos).
A desistência do pedido assim apresentada pela exequente e aceite pelo tribunal determinou a extinção do direito de crédito da exequentetitulado pelas letras de câmbio a que se reportou a desistência. Não se extinguiu somente a instância (executiva e dos embargos) nessa parte, extinguiu-se o próprio direito de crédito.
Esse efeito produziu-se quando o tribunal se pronunciou sobre a desistência e declarou os respectivos efeitos em sede da execução e dos embargos. No âmbito do processo executivo, essa pronúncia do tribunal não carece de ser, como no processo declarativo, uma sentença homologatória da desistência já que a lei processual não o exige e a desistência é um direito potestativo de natureza receptícia do titular do direito que produz efeito logo que chega ao conhecimento da parte contrária.
Independentemente de estar titulado ou não, de poder ser reclamado de imediato por via executiva ou não, de o título ter a natureza e o valor de título de crédito ou não, de a reclamação do pagamento coercivo ter por base um título executivo constituído por um título de crédito válido ou meramente quirógrafo, o crédito da exequente era o mesmo em ambas as execuçõesuma vez que a sua fonte era a mesma: o direito ao preço da empreitadaexecutada para a sociedade executada.”
Para assim se terminar:
“Teremos assim de concluir que desde a data em que o despacho judicial que declarou a eficácia da desistência transitou em julgado, o direito de crédito que a exequente pretendia satisfazer coercivamente através da presente execução se encontra extinto por desistência do pedido pelo titular do direito de crédito. Logo, por força da autoridade do caso julgado, o seu titular deixou de poder reclamar o cumprimento desse direito.
Por todas estas razões, a excepção que em rigor os executados arguiram na sua contestação e que não corresponde inteira ou verdadeiramente à excepção do caso julgado, tendo sim a natureza de excepção peremptória de direito material (de extinção do direito de crédito exequendo por desistência do respectivo titular), devia ter sido julgada de imediato procedente e, com ela, julgados procedentes os embargos e extinta a execução.”
*
Não se vislumbram razões para censurar a decisão da Relação, antes para sufragar a bondade da sua argumentação, fundada, além do mais, numa avisada e precípua configuração jurídica da pretensão recursiva, à luz do art. 5º, 3, do CPC, e numa correcta aplicação do direito pertinente – os arts. 848º, 1, 265º, 2, 283º, 1, e 285º, 1 e 2, do CPC.
Na verdade, a desistência do pedido tem, por força da lei, o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável à pretensão ou pretensões do autor, formando uma decisão homologatória caso julgado material, que impede a invocação do mesmo direito numa outra acção com os mesmos sujeitos (v., a propósito, o Assento n.º 6/88, de 15/6, Processo n.º 074342, Rel. António Almeida Ribeiro, in DR, I Série, de 1/8/1988, e publicado tb. in www.dgsi.pt).
Nesta medida, louvamo-nos nessa bondade para se aderir e remeter para a fundamentação reproduzida, nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.
Com isso, negamos qualquer virtude na alegada violação do arts. 581º do CPC – quanto aos requisitos do caso julgado – e sua repercussão no regime das excepções processuais (dilatórias e peremptórias), uma vez que o fulcro da decisão assenta no significado da redução-desistência parcial do pedido intentado noutra acção para a subsistência-extinção do direito de crédito cambiário assente nos títulos executivos que foram causa de pedir, mas com vicissitudes distintas enquanto títulos executivos, nas duas acções com relação de prejudicialidade.
3.2. De todo o modo, a Executada e Recorrente alega na revista que a esta solução se opõe uma invocada aplicação analógica do art. 39º da LULL: «O sacado que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a respectiva quitação. / O portador não pode recusar qualquer pagamento parcial. / No caso de pagamento parcial, o sacado pode exigir que desse pagamento se faca menção na letra e que dele lhe seja dada quitação.»
Essa aplicação levaria a considerar que a falta de solicitação por parte dos Executados da devolução das letras não preenchidas integralmente na acção executiva anterior significara que a redução-desistência parcial do pedido não conduziria à extinção do direito de crédito titulado naquelas letras.
Não concordamos.
Em primeiro lugar, o art. 39º, § 1.º, da LULL não tem a virtualidade de se convocar analogicamente, uma vez que a entrega da letra e a quitação correspondente que aí se dispõe corresponde a um direito do sacado (obrigado cambiário principal, se aceitante) uma vez pago o montante em dinheiro a que corresponde a ordem de pagamento contida na letra de câmbio – o que não foi manifestamente o caso, seja do aceitante, seja do avalizado, Executados na acção.
Em segundo lugar, note-se que o aqui se discute e julga é a consequência da desistência do pedido. Sendo que essa – a extinção do direito de crédito cambiário que se pretendia fazer valer, sem prejuízo do direito de crédito material resultante da relação jurídica fundamental e fundante da subscrição das letras – não está condicionado pela traditio das letras de câmbio em que se funda o direito cambiário, antes se prescreve ope legis (arts. 285º, 1, 848º, 1, CPC).
Improcedem, pois, as Conclusões apresentadas pela Recorrente, com o que falece o intento de reverter a decisão proferida pelo TR…...