CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
ACORDO
Sumário


I - O normativo inserto no art. 777.º do CC, pressupõe no que ao incumprimento do contrato concerne, duas situações: uma a decorrente do seu n.º 1, isto é, a possibilidade de qualquer das partes exigir da outra o cumprimento da obrigação; a segunda situação é a que decorre dos n.os 2 e 3, a de solicitarem ao tribunal a fixação de um prazo para o cumprimento, sendo certo que só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato promessa e a exigência do sinal em dobro nos termos do art. 442.º, n.º 2, do CC.
II - Inexistindo tal interpelação, e estando o prazo estabelecido a favor de ambos os contraentes, não se pode falar de incumprimento definitivo originador da resolução contratual, pois só a impossibilidade culposa confere este direito potestativo, sendo que, além do mais «O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.», n.º 1 do art. 805.º do CC, e aqui o cumprimento traduzia-se na efectivação do contrato prometido, de onde a interpelação teria de ser sempre para a realização do mesmo.
III - Em segundo lugar, também não resulta que os réus tivessem solicitado ao tribunal, em processo especial autónomo nos termos dos arts. 1456.º e 1457.º do CPC, qualquer fixação judicial de prazo para o cumprimento do contrato promessa e só com o incumprimento por banda do apelado na sequência das supra indicadas interpelações admonitórias é que se poderia concluir pelo incumprimento definitivo do contrato.
IV - Não se estando face a um qualquer incumprimento contratual típico, como deflui daquele ínsito, que conduza à resolução peticionada pelos réus/recorrentes, há que apelar à interpretação do contexto em que as partes produziram, ao longo do tempo, as respectivas declarações.
V - Se durante o processo, o autor, promitente comprador, constatou que a existência da chaminé do prédio contíguo produzia cheiros e ruídos que perturbaram a sua intenção de compra, que foi de imediato comunicada à ré, tendo havido entre as partes algumas démarches no sentido de regularizar a situação, que se goraram, tendo sido comunicado ao autor, pela ré, que tinha parado os trabalhos de construção depois de lhe ter sido enviada por este uma carta, datada de 20-08-2019, a comunicar que o acordo estava automaticamente resolvido, missivas estas que se mostram ter sido enviadas em datas subsequentes ao prazo acordado para a efectivação da escritura - 01-07-2019.
VI - A situação objectivamente ocorrida entretanto entre as partes, conhecida de ambas, foi determinante para que o autor não quisesse prosseguir com as negociações até ao final e a ré não tivesse concluído os trabalhos a que se tinha obrigado, sendo que esta situação, aceite por ambas as partes, foi determinante para o desinteresse contratual ocorrido, desinteresse esse justificado, quer pelos eventos que se sucederam ao processo negocial, quer pelo facto de as partes terem previsto que se a escritura não pudesse ser realizada até ao dia 01-07-2019, o contrato considerar-se-ia automaticamente resolvido.
VII - Existindo uma convenção resolutiva expressa, nos termos do art. 432.º, n.º 1, do CC, decorrente da aludida cláusula, sendo que o efeito resolutivo pode igualmente encontrar justificação na falta de interesse objetivo de ambas as partes no cumprimento do contrato, embora tal falta de interesse não possa consubstanciar uma situação de incumprimento nos termos do art. 808.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC, porquanto inexiste mora de qualquer delas, mas apenas uma perda de interesse negocial por uma falha imprevisível dos pressupostos de facto em que o contrato assentou, isto é, a superveniência inopinada do funcionamento da chaminé do prédio contíguo.
VIII - A qualificação da aludida cláusula, como legitimadora do direito de resolução, por referida a uma prestação e a uma modalidade de adimplemento determinadas com precisão, eleita pelas partes, na regulação do regime de incumprimento, mediante a prévia definição da importância desse facto para fins de resolução - não se encontrarem preenchidas as condições para a outorga da escritura - condições essas constituídas pela circunstância de não ser negocialmente ultrapassável o obstáculo atinente aos incómodos decorrentes do funcionamento da chaminé.

Texto Integral




PROC 2765/19.7T8FAR.E1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BIRGITTA & AKE HAMBER, LDA, BB e CC, pedindo que:

- se declare automaticamente resolvido nos termos da cláusula 5 n.º 2 do contrato promessa, o contrato promessa celebrado em 22 de agosto de 2018, entre a primeira ré e o autor que incidiu sobre o prédio urbano situado em Rua ......, União de Freguesias de ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .....05, inscrito na matriz urbana sob o art.º ......27 da freguesia de ...;

- se condene os réus a pagar ao autor o montante de €123.000,00 correspondente à devolução em singelo do montante correspondente ao sinal e princípio de pagamento, acrescido do montante de €10.000,00 devido a título de indemnização conforme cláusula 5 n.º 2 do contrato promessa, o que totaliza €133.000,00, montante devido pelos réus ao autor pela resolução automática do contrato promessa, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal desde 01 de julho de 2019.

Para tanto alegou que celebrou com a sociedade ré, da qual os réus são sócios gerentes, contrato-promessa de compra e venda de uma fração autónoma, pelo preço de €410.000,00, pagou a título de sinal a quantia de €123.000,00, ficando acordada a realização da escritura pública até 01.07.2019, o que não sucedeu por facto imputável à promitente vendedora, sendo todos os réus responsáveis pelo incumprimento e pagamento da quantia entregue e indemnização contratual.

Os Réus contestaram, em suma, por exceção invocaram a falta/nulidade de citação, a ineptidão da petição inicial, e a ilegitimidade dos réus CC e BB; por impugnação, defendendo que foi o autor que informou ter perdido interesse na aquisição do imóvel. Deduziram reconvenção na qual peticionaram a resolução do contrato-promessa de compra e venda assinado a 22 de Agosto de 2018, por culpa do Autor, decidindo-se pela perda do sinal a favor da Ré Birgitta e Ake Hamber, Lda e a condenação do Autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização não inferior a €3.000,00.

O Autor respondeu, concluindo pela improcedência das pretensões dos Réus e no mais como na Petição Inicial.

O Autor veio apresentar ampliação do pedido, a qual não foi admitida.

As excepcções vieram a serem julgadas improcedentes em sede de saneador e foi posteriormente proferida sentença a julgar a ação improcedente com a absolvição dos Réus do pedido e procedente a reconvenção tendo-se declarado incumprido pelo Autor o contrato-promessa de compra e venda, com a consequente perda do montante do sinal prestado; foi o incidente de condenação como litigante de má-fé julgado procedente e o Autor condenado no pagamento de uma multa de 4 (quatro) UC´s e no pagamento aos réus de uma indemnização no montante de €2.000,00.

Inconformado, o Autor recorreu, tendo a final a Apelação sido julgada parcialmente procedente, com a revogação da sentença recorrida e a condenação dos Réus a devolver àquele o montante de €123.000,00, acrescidos de juros de mora a contar de 1 de Julho de 2019.

Irresignados com este desfecho recorrem agora os Réus, de Revista, apresentando o seguinte acervo conclusivo:

- Os Réus recorrem de Revista do Acórdão da Relação ..... proferido nos presentes

autos, por ter concluído que em Maio de 2019, já nenhuma das partes queria o contrato, sendo que o recorrente declara aos recorridos que não tem mais interesse no contrato por causa da chaminé do restaurante e abandona o projecto (de compra); e por seu turno, os recorridos, porque não tinham conseguido uma solução para o problema, cancelam o contrato promessa.

- No entender dos Réus o Tribunal da Relação efectuou uma errada interpretação e aplicação da Lei á matéria de facto que ficou provada na presente acção, quando destes

se deveria ter retirado várias conclusões assertivas.

- De acordo com os factos provados, as conversações sobre as penalizações e compensações continuaram após a mensagem enviada pelo Réu BB em 06.05.2019, escrita em inglês, e por isso dúvidas não podem, pois, existir de que a referida mensagem não foi de cancelar o contrato de promessa e não foi sem margem para qualquer dúvida, interpretada por todas as partes envolvidas como uma efectiva revogação do mesmo contrato de promessa de compra e venda, mas antes como uma constatação de resolução do mesmo por parte do Autor.

- E nem se diga que, o que estava em causa nessas negociações era apenas as compensações e penalizações exigidas, pois se o fosse, a mandatária do Autor não teria tido necessidade de enviar á sociedade Ré a carta datada de 20.08.2019, na qual resolvia

o contrato de promessa de compra e venda e nem teria necessidade o Autor de intentar a acção declarativa de condenação pedindo que fosse declarado resolvido o contrato de promessa de compra e venda assinado em 22.08.2018, se o mesmo já estava revogado.

- Ao invés o próprio Autor que escrever nas suas alegações que: Tal mensagem e conversações mantidas entre o A. e o R. (ponto 18, 26, 27) não consubstanciam numa declaração absoluta, inequívoca, categórica, de repudiar o contrato, da sua intenção, propósito e vontade séria, definitiva e consciente de não cumprir o contrato, nem de o querer cumprir e de se sujeitar às consequências desse incumprimento, tanto assim é que

as partes sempre mantiveram o contacto e as negociações e há que ter em conta todo o circunstancialismo em que as mesmas ocorreram.

- Não faz sentido que seja o Tribunal da Relação a classificar juridicamente esse escrito

do Réu BB datado de 06.05.2019, como de revogação, quando as partes não o quiseram, não o fizeram, e assim não o entenderam e interpretaram.

- Neste caso concreto, denunciado pelo comportamento posterior das partes, em algum momento, faltou esse mútuo acordo das partes para que estas nunca considerassem que houve revogação contratual por vontade expressa e consensual dos seus autores, com ou sem retroatividade, sendo um ato, nessa medida, discricionário, porque não necessariamente subordinado a uma justa causa, sendo os seus efeitos os que tiverem sido validamente fixados no acordo de revogação, o que também não aconteceu.

- Diga-se ainda que os Réus defendem que a revogação por mútuo consenso, ou seja mediante pacto extintivo ou abolitivo, deveria igualmente obedecer à forma legal do contrato-promessa pois as razões da sua exigência - assegurar a reflexão e defesa das partes contra a ligeireza ou precipitação, formulação precisa e completa da vontade das partes, maior grau de certeza sobre o pacto abolitivo e assegurar a publicidade deste - dever-lhe-iam ser igualmente aplicáveis.

- Não se mostra provada no processo essa vontade de revogação - que o declarante pretendesse efectivamente revogá-lo com a declaração proferida; que tivesse consciência de que estava a proferir essa comunicação e com tal estivesse conforme; que a comunicação tivesse sido aceite pelo Autor e que este estivesse de acordo em revogá-lo nas condições acordadas - não pode o tribunal substituir-se às partes na sua interpretação, consciência e livre decisão.

- Se o Réu BB efectivamente proferiu uma declaração de revogação do contrato de promessa de compra e venda assinado em 22.08.2018, este só teria sido por erro na declaração, pois efectivamente, se o tivesse feito não teria tido necessidade de mencionar nessa declaração que os advogados iriam discutir as compensações e indemnizações, e de quem seria a culpa do cancelamento do contrato, uma vez que na revogação não haveria lugar a estes.

- Destarte, se o que pretendia o Réu era a revogação, não faria sentido, o facto provado: - Em 10.09.2019 a sociedade ré comunicou ao autor que havia parado os trabalhos de construção que vinha realizando, que considerava incumprido pelo autor o acordo e que teria direito a ficar com o depósito.

- Mais, ainda que o Réu tivesse dito que revogava o contrato de promessa de compra e venda, faltamos a declaração do Autor em como este aceitava essa revogação e nas condições propostas pelo Réu BB. O que não foi provado em julgamento até porque deduzimos que, o que o mesmo pretendia era a resolução do contrato e não a sua revogação. Veja-se a este propósito o facto provado 35- Por carta datada de 20.08.2019,

recebida em 02.09.2019, a mandatária do autor comunicou à sociedade ré que o acordo

celebrado se encontrava automaticamente resolvido e solicitou a devolução do montante

pago a título de sinal e princípio de pagamento, no valor de €123.000,00, acrescido do montante de €10.000,00 devido a título de indemnização (cf.doc.de fls.22/23 e80/80vº).

- Ainda, cumpre dizer que a ser verdade que o Réu BB proferiu uma declaração de revogação datada de 06.05.2019, cumpre obrigatoriamente, analisar as condições lá expostas para a validade e concretização dessa revogação.

- Diga-se então que as condições impostas pelo Réu BB não se verificaram, e por isso

não teria a validade que se propunha, nunca produzia os efeitos que eventualmente, poderíamos aqui dizer, que se pretenderia. Logo, não se pode concluir que houve uma proposta de revogação do contrato realizado e uma aceitação dessa proposta. A este propósito ficou decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no Processo nº 315186/11.1YIPRT.P1, votado por unanimidade.

- Uma «aceitação com modificações» não é uma aceitação, mas sim uma contraproposta. Isto mesmo decorre do art. 233.º do Código Civil. Só há aceitação e, portanto, só se fecha o contrato quando as partes tiverem «acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo», nos termos do art.232.º do mesmo Código. E o mesmo não se veio a verificar no caso deste processo.

- É que a mensagem enviada de 27.02.2019, pelo Autor ao Réu BB, que diz “eu vou sair do projecto”, significa em português, “eu desistirei do projecto”, ou seja que o Autor incumpria o contrato.

- Ainda, numa minuciosa leitura aos factos provados, verificamos que não existe base na prova produzida em julgamento que nos leve, num raciocínio lógico, esclarecido, provido de um mínimo de credibilidade que, o que pretendiam o Autor era a revogação do contrato e não a resolução como ficou decidido na sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de ......

- Com efeito, andou bem o Tribunal Judicial da Comarca de ..... ao decidir que o autor, ao declarar que não pretendia prosseguir com a aquisição não deixa dúvidas de que se desinteressou na aquisição do negócio, pelo que existe fundamento legal para a resolução de um contrato nos termos do artigo 801º do Código Civil, quando a impossibilidade de cumprimento decorre do incumprimento definitivo e este incumprimento resultar do comportamento do autor que exprime inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato.

- Concluindo por isso que, o contrato promessa em análise foi definitivamente incumprido por facto imputável ao autor pelo que, assiste à sociedade Ré direito à resolução com fundamento no disposto nos artigos 801º e 432º nº 1 do Código Civil, e por isso com fundamento no artigo 442º nº 2, 1ª parte do Código Civil, a sociedade pode

reclamar a perda do sinal prestado fazendo sua a quantia entregue pelo autor a esse título.

- Ainda, há pedidos a respeitar formulados pelo Autor na acção declarativa de condenação a saber:

- se declare automaticamente resolvido nos termos da cláusula 5 n.º 2 do contrato promessa, o contrato promessa celebrado em 22 de agosto de 2018, entre a primeira ré e o autor que incidiu sobre o prédio urbano situado em Rua ......, União de Freguesias de ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., inscrito na matriz urbana sob o art.º ... da freguesia de ...; - se condene os réus a pagar ao autor o montante de €123.000,00 correspondente à devolução em singelo do montante correspondente ao sinal e princípio de pagamento, acrescido do montante de €10.000,00 devido a título de indemnização conforme cláusula 5 n.º 2 do contrato promessa, o que totaliza €133.000,00, montante devido pelos réus ao autor pela resolução automática do contrato promessa, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal desde 01 de julho de 2019.

- Não há qualquer pedido formulado pelo Autor em que se declare a revogação do contrato de promessa de compra e venda de 22.08.2018. Por não haver, o Tribunal da Relação não pode ignorar que os Réus nunca apresentaram defesa pela revogação e tê-lo-iam feito se tal tivesse sido pedido na acção. Os Réus tiveram apenas oportunidade de contestar uma acção na qual era pedida a resolução do contrato de promessa. Não contestaram e nem tiveram oportunidade de contestar um pedido de revogação desse contrato. Há toda uma vasta prova a apresentar em julgamento para se concluir pela efectiva revogação do contrato de promessa de compra e venda.

- O mesmo tendo sido decidido no Acórdão do Supremo Tribunal  de Justiça, no Processo nº 2827/14.7T8LSB.L1.S1 em votação por unanimidade.

- Estamos em crer que o Tribunal da Relação ao decidir da forma como o fez, violou vastamente o princípio do dispositivo e o princípio do contraditório, e por isso o Acórdão está ferido de nítida nulidade.

- Segundo o Acórdão agora recorrido, a suposta declaração de revogação, escrita em inglês, datada de 06.05.2019,terá sido apenas e unicamente subscrita pelo Réu BB. Não refere, no entanto, o Acordão se o escrito terá sido por si, como pessoa singular? Ou como sócio e gerente e representante da empresa?

-Segundo os factos provados na sentença pelo tribunal de ... e que não foi colocado em crise pelo Tribunal da Relação, essa declaração terá sido proferida por si, (facto provado 28- Em 06.05.2019 o réu BB enviou comunicação eletrónica ao autor,…) como pessoa singular e não como representante ou gerente da sociedade Birgitta &Ake Hamber, Lda, e em sua representação, que efectivamente teria que aceitar essa revogação. Em todo o caso, mais que não seja, essa declaração não obrigava a também Ré CC, e esta não subscreveu aquela suposta declaração.

 - Destarte, inevitável é concluir que ainda que a declaração fosse suficiente e se destinasse a revogar o contrato de promessa de compra e venda assinado em 22.08.2018, sempre carecia de ilegitimidade para o fazer, uma vez não tendo agido em nome da sociedade e não tendo esta ratificado.

- Acresce ainda que, não se compreende a que titulo considerou o Tribunal da Relação que assiste responsabilidade aos Réus BB e CC. E qual seria o nexo causal encontrado pelo Tribunal da Relação para condenar os Réus BB e CC a devolver ao Autor o montante de 123.000,00 euros, acrescidos de juros de mora a contar de 01 de Julho de 2019.

- Inexiste, pois, qualquer referência a tais considerações, pelo que, quanto mais não fosse, por este ponto o Acórdão sempre teria que se considerar nulo por ausência de fundamentação, tal como ficou decidido no Acórdão proferido no Supremo Tribunal de

Justiça no processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, datado de 03-03-2021, por unanimidade.

- Ora, como sustentam os Réus o contrato não foi revogado, mas sim resolvido por incumprimento do Autor, tendo ficado correctamente decidido na sentença proferida no

Tribunal Judicial da Comarca de ......

Nas contra alegações o Autor pugna pela manutenção do julgado.

II Põe-se como problema a resolver no presente recurso o de saber se o contrato promessa havido com o Autor foi por este incumprido.

As instâncias declaram como assentes os seguintes factos:

1- A ré Birgitta & Ake Hamber, Lda. é uma sociedade por quotas, com sede em Tavira, cujo objeto social é compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento de bens imobiliários; alojamento local e mobilado para turistas e outros locais de alojamento de curta duração; construção de edifícios; administração de imóveis por conta de outrem; decoração de interiores (cf. doc. de fls.10vº/11, cujo teor se dá por reproduzido).

2- Tem como sócios-gerentes BB e CC, com o capital social de €5.000,00, cada um com uma quota de €2.500,00 (cf. doc. de fls.10vº/11, cujo teor se dá por reproduzido).

3- O autor procurava um imóvel, localizado em ..., para aquisição e para o efeito recorreu aos serviços da mediadora imobiliária DD, da agência imobiliária H.......

4- Esta mediadora organizou visitas a vários imóveis, a última das quais, em 23.05.2018, ao prédio urbano situado em Rua ......, União de Freguesias de ..... (... e ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º......05, inscrito na matriz urbana sob o artigo ....27.

5- Prédio urbano que é propriedade da sociedade Birgitta & Ake Hamber, Lda. (cfr. doc. de fls.16vº/17, cujo teor se dá por reproduzido).

6- Nessa visita o autor foi acompanhado por DD e também por EE, mediadora imobiliária da agência M....., que representava a proprietária, não se encontrando os réus presentes.

7- Em 24.05.2018 o autor e as mediadoras imobiliárias voltaram a visitar o referido prédio, encontrando-se presentes os réus CC e BB.

8- O autor demonstrou interesse na aquisição de uma fração autónoma a edificar no referido prédio urbano, a que caberia a designação de letra “D”, por ser um imóvel com uma localização central e possuir um terraço exterior.

9- Em 22.08.2018 a 1ª ré, representada pela sua mandatária, na qualidade de promitente vendedora, e o autor, na qualidade de promitente comprador, subscreveram um escrito, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, no qual aquela ré declarou ser dona e legítima proprietária do prédio urbano, situado em Rua ......, União de Freguesias de ..... (... e ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º......05, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...27, da União de Freguesias de ..... (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

10- Mais declarou pretender desenvolver um projeto de obras de edificação no imóvel que dará origem à constituição de diversas frações autónomas, detendo a licença de construção de obras de edificação com o n°. .../2017 de 28.07.2017 (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

11- Declarou, ainda, prometer vender, e o autor declarou prometer comprar, a fração autónoma que vier a corresponder ao apartamento da tipologia T2, sito na Rua ..., e com acabamentos melhor identificados nos anexos I e II, incluindo a instalação de dois ares condicionados, designada por Fração D (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

12- Ficou acordado que o preço da venda prometida seria de €410.000,00, a ser pago pelo promitente comprador à promitente vendedora nos seguintes prazos e condições: a) o valor correspondente a 30% do valor global do contrato acordado de €123.000,00 (cento e vinte mil euros), como princípio de pagamento e sinal, através de transferência bancária para o IBAN ......., a ser entregue no prazo de 10 dias após a assinatura do escrito; b) o valor remanescente de €287.000,00 (duzentos e oitenta e sete mil euros), a ser pago com a celebração da escritura pública de compra e venda da fração D, através de cheque bancário ou visado (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

13- E que se, por qualquer motivo, independentemente se for ou não imputável à promitente vendedora, não se encontrarem preenchidas as condições para a outorga da escritura de compra e venda até 01.07.2019, nomeadamente a fração prometida não se encontrar concluída em consonância com o contratualmente estabelecido e/ou não existirem ainda os documentos necessários para a outorga da escritura de compra e venda, o acordo considerar-se-ia automaticamente resolvido, sem necessidade de interpelação, obrigando-se a promitente vendedora a reembolsar em singelo o valor recebido a título de sinal e princípio de pagamento, acrescido de um valor de indemnização de €10.000,00, no prazo de 10 dias (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

14- Mais ficou acordado que seriam realizadas, a pedido do autor, alterações na fração autónoma a adquirir, como levantamento do teto da sala em forma de pagode, rebaixamento do teto da cozinha para dará espaço de armazenagem/dispensa até à sala, mudança do quadro de eletricidade para fora da casa de banho (cfr. doc. de fls.34/35 e de fls.36/36vº, cujo teor se dá por reproduzido).

15- Em 27.08.2018 o autor efetuou o pagamento do valor estipulado de €123.000,00 através de transferência bancária para a conta referida (cf. doc. de fls.18/18vº, cujo teor se dá por reproduzido).

16- A sociedade ré iniciou os trabalhos acordados, os quais o autor acompanhou, visitando a fração autónoma e discutindo os pormenores de construção com o encarregado responsável.

17- Numa dessas visitas o autor deparou-se com a chaminé de um restaurante no telhado do prédio urbano contíguo que se encontrava a trabalhar, da qual provinham cheiros e ruído.

18- Em outubro de 2018 o autor informou a sociedade ré que não pretendia prosseguir com a aquisição, devido à existência daquela chaminé próxima do terraço da fração autónoma prometida vender.

19- Em 09.11.2018 a ré sociedade solicitou à Câmara Municipal de ..... informação sobre a altura permitida da chaminé que se encontra na cobertura e a sua legalidade, devido aos cheiros e fumos que se faziam sentir na cobertura do prédio urbano identificado em 4. (cf. doc. de fls.330/342, cujo teor se dá por reproduzido).

20- A sociedade ré indicou ao autor outros imóveis em alternativa para aquisição.

21- Propondo-lhe em troca a aquisição de outra fração autónoma propriedade desta, na Praça ......, ou de outra fração autónoma, designada pela letra E, a construir no prédio urbano identificado em 4..

22- O autor e a sociedade ré não chegaram a acordo quanto à troca.

23- Em fevereiro de 2019 o autor visitou a fração autónoma prometida vender para verificar o impacto do trabalhar da chaminé do restaurante.

24- A sociedade ré entregou-lhe as chaves dessa fração autónoma, deixando-o efetuar a verificação.

25- Por mensagem telefónica enviada em 15.02.2019, o autor comunicou ao réu “Olá BB, estou a informar sobre as coisas escuras (bolor) no teto do apartamento maior, e vou contatá-lo a partir da .... De momento deixo-o na sua pausa de almoço. Meti a chave dentro da caixa que diz “correio” do lado esquerdo da sua porta” (cf. doc. de fls. 229vº (tradução a fls.272), cujo teor se dá por reproduzido).

26- Por mensagem telefónica enviada em 22.02.2019, o réu comunicou ao autor “Olá AA. Tem alguma novidade? BB” (cf. doc. de fls.229vº (tradução a fls.272), cujo teor se dá por reproduzido).

27- Por mensagem telefónica enviada em 27.02.2019, o autor comunicou ao réu “Olá BB, como te disse (e também ao FF) eu irei abandonar o projeto por causa da chaminé, do cheiro e do barulho. Só para que perceba. A minha seguradora tomou conhecimento e vai assumir tudo. Eu irei comunicar à sociedade de advogados para trabalharem um pouco mais rápido” (cf. doc. de fls.230 (tradução a fls.270), cujo teor se dá por reproduzido).

28- Em 06.05.2019 o réu BB enviou comunicação eletrónica ao autor, na qual declarou que não conseguiram encontrar uma solução, que dessa forma cancelaram o acordo e que iriam continuar a atividade de construção na sua propriedade sem ter em consideração aquele acordo (cf. doc. de fls.371/371vº (tradução a fls.78), cujo teor se dá por reproduzido).

29- Em 10.09.2019 a sociedade ré comunicou ao autor que havia parado os trabalhos de construção que vinha realizando, que considerava incumprido pelo autor o acordo e que teria direito a ficar com o depósito (cf. doc. de fls.210/369 (tradução a fls.78vº), cujo teor se dá por reproduzido).

30- Em 20.09.2019 o técnico superior da Câmara Municipal de ..... informou que se verificou a omissão relativa ao sistema de exaustão de fumos da chaminé (cf. doc. de fls.330/342, cujo teor se dá por reproduzido).

31- E em 18.11.2019 informou que, após deslocação ao local, verificou que a chaminé e tubagens encontram-se no terraço de cobertura do prédio e confinante com o prédio do reclamante, em que a mesma se eleva acima do telhado cerca de 2 metros e os vãos de compartimentos e terraços desse prédio estão em piso inferior (cf. doc. de fls.330/342, cujo teor se dá por reproduzido).

32- Em 14.09.2020 o técnico superior daquela edilidade informou que aquele sistema cumpre as exigências estipuladas pelo art.º 113.º do RGEU (cf. doc. de fls.330/342, cujo teor se dá por reproduzido).

33- A chaminé do restaurante instalada no prédio contíguo encontra-se a um nível acima do terraço da fração autónoma prometida vender.

34- E emite cheiros, fumos e ruído quando se encontra a trabalhar, sendo visível para quem se encontra no terraço daquela fração autónoma.

35- Por carta datada de 20.08.2019, recebida em 02.09.2019, a mandatária do autor comunicou à sociedade ré que o acordo celebrado se encontrava automaticamente resolvido e solicitou a devolução do montante pago a título de sinal e princípio de pagamento, no valor de €123.000,00, acrescido do montante de €10.000,00 devido a título de indemnização (cf. doc. de fls.22/23 e 80/80vº), cujo teor se dá por reproduzido).

36- Por carta datada de 10.09.2019 os réus comunicaram à mandatária do autor que não entendiam o conteúdo da carta, uma vez que a mesma estava escrita em língua portuguesa e solicitaram que fosse remetida na língua ..., por entenderem que é nessa língua que as notificações devem ser remetidas (cf. doc. de fls.24 (tradução a fls. 266), cujo teor se dá por reproduzido).

37- A sociedade ré parou os trabalhos de construção que realizava na fração autónoma após o autor comunicar que não pretendia prosseguir com o projeto.

38- A fração autónoma prometida vender não se encontra concluída, não tendo sido emitida a correspondente licença de utilização.

39- A sociedade ré despendeu quantia não concretamente apurada com os trabalhos de construção realizados a pedido do autor.

40- A sociedade ré não comunicou ao autor data e local para realização da escritura pública.

41- O autor não enviou comunicação à sociedade ré fixando-lhe um prazo para celebração da escritura pública.

Estamos face a um contrato promessa de compra e venda de imóvel, tal como o mesmo nos é definido pelo artigo 410º, nº 1 do CCivil, havido entre o Autor, como promitente comprador e a Ré Birgitta & Ake Hamber, Lda, como promitente vendedora, cujo objecto é a feacção autónoma a edificar no ao prédio urbano situado em Rua ......, União de Freguesias de ..... (... e ...), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º......05, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...27, propriedade desta.

Como deflui da materialidade assente:

«12- Ficou acordado que o preço da venda prometida seria de €410.000,00, a ser pago pelo promitente comprador à promitente vendedora nos seguintes prazos e condições: a) o valor correspondente a 30% do valor global do contrato acordado de €123.000,00 (cento e vinte mil euros), como princípio de pagamento e sinal, através de transferência bancária para o IBAN ......., a ser entregue no prazo de 10 dias após a assinatura do escrito; b) o valor remanescente de €287.000,00 (duzentos e oitenta e sete mil euros), a ser pago com a celebração da escritura pública de compra e venda da fração D, através de cheque bancário ou visado (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

13- E que se, por qualquer motivo, independentemente se for ou não imputável à promitente vendedora, não se encontrarem preenchidas as condições para a outorga da escritura de compra e venda até 01.07.2019, nomeadamente a fração prometida não se encontrar concluída em consonância com o contratualmente estabelecido e/ou não existirem ainda os documentos necessários para a outorga da escritura de compra e venda, o acordo considerar-se-ia automaticamente resolvido, sem necessidade de interpelação, obrigando-se a promitente vendedora a reembolsar em singelo o valor recebido a título de sinal e princípio de pagamento, acrescido de um valor de indemnização de €10.000,00, no prazo de 10 dias (cf. doc. de fls.11vº/16, cujo teor se dá por reproduzido).

14- Mais ficou acordado que seriam realizadas, a pedido do autor, alterações na fração autónoma a adquirir, como levantamento do teto da sala em forma de pagode, rebaixamento do teto da cozinha para dará espaço de armazenagem/dispensa até à sala, mudança do quadro de eletricidade para fora da casa de banho (cfr. doc. de fls.34/35 e de fls.36/36vº, cujo teor se dá por reproduzido).

15- Em 27.08.2018 o autor efetuou o pagamento do valor estipulado de €123.000,00 através de transferência bancária para a conta referida (cf. doc. de fls.18/18vº, cujo teor se dá por reproduzido).

16- A sociedade ré iniciou os trabalhos acordados, os quais o autor acompanhou, visitando a fração autónoma e discutindo os pormenores de construção com o encarregado responsável.».

Quer dizer, as partes negociaram entre si, livremente, diversos contornos do negócio, nomeadamente, estipularam de forma expressa e inequívoca, a possibilidade de resolução automática do contrato – cláusula 5ª, nº2 – por qualquer motivo, se não se encontrassem preenchidas as condições para a efectivação da escritura até ao dia 1 de Julho de 2019 e, como deflui do facto dado como assente no ponto 35. «Por carta datada de 20.08.2019, recebida em 02.09.2019, a mandatária do autor comunicou à sociedade ré que o acordo celebrado se encontrava automaticamente resolvido e solicitou a devolução do montante pago a título de sinal e princípio de pagamento, no valor de €123.000,00, acrescido do montante de €10.000,00 devido a título de indemnização (cf. doc. de fls.22/23 e 80/80vº), cujo teor se dá por reproduzido).».

Ora, entre aquela data de 27 de Agosto de 2018, em que foi efectuado o pagamento do sinal pelo Autor, aqui Recorrido, à Ré promitente vendedora e o subsequente inicio dos trabalhos acordados por esta, ocorreram vários eventos que perturbaram o processo negocial em curso, isto é, numa das visitas efectuadas ao prédio para se inteirar do estado dos trabalhos, o Autor deparou-se com a chaminé de um restaurante no telhado do prédio urbano contíguo que se encontrava a trabalhar, da qual provinham cheiros e ruído (facto 17.); o que o fez dar conta em Outubro de 2018 à Sociedade Ré que não pretendia prosseguir com a aquisição, devido à existência daquela chaminé próxima do terraço da fração autónoma prometida vender (facto 18); essa circunstância provocou um pedido de informações junto da autarquia, por parte da Ré, com vista a inteirar-se sobre a bondade da instalação da sobredita chaminé (facto 19); tendo as partes entrado em conversações com vista a uma possível modificação do objecto negocial o que se veio a gorar, (factos 20. a 22.); posteriormente, em Fevereiro de 2019, o Autor ainda visitou de novo o imóvel para verificar o impacto da chaminé sobre o imóvel (facto 23.); entre Fevereiro e Maio de 2019 o Autor e o Réu BB, trocaram correspondência, em que ambos, mutuamente, declararam que não estariam interessados em continuar com o negócio (factos 25. a 28.); e, finalmente, em 10.09.2019 a sociedade ré comunicou ao autor que havia parado os trabalhos de construção que vinha realizando, que considerava incumprido pelo autor o acordo e que teria direito a ficar com o depósito (facto 29.).

Certo é, precisamos de acentuar, que nem a sociedade Ré comunicou ao Autor data e local para realização da escritura pública, nem tão pouco o Autor enviou comunicação à sociedade Ré fixando-lhe um prazo para celebração da escritura pública, sendo certo que o prazo se encontrava estabelecido a favor de ambas as partes e, nestas circunstâncias, qualquer uma delas poderia interpelar a outra para cumprir até à data designada no contrato para o efeito, isto é, o dia 1 de Julho de 2019, nem subsequentemente ocorreu qualquer interpelação para o efeito.

O normativo inserto no artigo 777º do CCivil, pressupõe no que ao incumprimento do contrato concerne, duas situações: uma a decorrente do seu nº1, isto é, a possibilidade de qualquer das partes exigir da outra o cumprimento da obrigação; a segunda situação é a que decorre dos nº2 e 3, a de solicitarem ao Tribunal a fixação de um prazo para o cumprimento, sendo certo que só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato promessa e a exigência do sinal em dobro nos termos do artigo 442º, nº2 do CCivil.

Inexistindo tal interpelação, e estando o prazo estabelecido a favor de ambos os contraentes, não se pode falar de incumprimento definitivo originador da resolução contratual, pois só a impossibilidade culposa confere este direito potestativo, cfr Antunes Varela, CCivil Anotado, 3ª edição, vol II, 71.

Além do mais «O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.», nº1 do artigo 805º do Ccivil, e aqui o cumprimento traduzia-se na efectivação do contrato prometido, de onde a interpelação teria de ser sempre para a realização do mesmo.

Em segundo lugar, também não resulta que os Réus tivessem solicitado ao Tribunal, em processo especial autónomo nos termos dos artigos 1456º e 1457º do CPCivil, qualquer fixação judicial de prazo para o cumprimento do contrato promessa.

É que, só com o incumprimento por banda do Apelado na sequência das supra indicadas interpelações admonitórias é que poderíamos concluir pelo incumprimento definitivo do contrato, cfr no sentido da necessidade da interpelação admonitória, entre outros, os Ac STJ de 7 de 7 de Março de 2006 (Relator Borges Soeiro), de 29 de Junho de 2006 (Relator Salvador da Costa), de 25 de Junho de 2009 (Relator Sebastião Póvoas), de 27 de Outubro de 2009 (Relator Hélder Roque) e de 12 de Janeiro de 2010 (Relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt.

Não estamos face a um qualquer incumprimento contratual típico, como deflui daquele ínsito, que conduza à resolução peticionada pelos Réus/Recorrentes, havendo antes que interpretar o contexto em que as partes produziram, ao longo do tempo, as respectivas declarações.

Assim, durante o processo, como deixamos extractado supra, o Autor, agora Recorrido, constatou que a existência da chaminé do prédio contíguo produzia cheiros e ruídos que perturbaram a sua intenção de compra, a qual foi de imediato comunicada à Ré, tendo havido entre as partes algumas démarches no sentido de regularizar a situação que foram goradas, tendo em 10 de Setembro de 2019 a Ré comunicado ao Autor que tinha parado os trabalhos de construção depois de lhe ter sido enviada por este uma carta, datada de 20 de Agosto de 2019, a comunicar que o acordo estava automaticamente resolvido.

Ora, estas missivas mostram-se ter sido enviadas em datas subsequentes ao prazo acordado para a efectivação da escritura - 1 de Julho de 2019 – e a situação objectivamente ocorrida entretanto entre as partes, conhecida de ambas, foi  determinante para que o Autor não quisesse prosseguir com as negociações até ao final, e a Ré não tivesse concluído os trabalhos a que se tinha obrigado, sendo que esta situação, aceite por ambas as partes, foi determinante para o desinteresse contratual ocorrido, desinteresse esse justificado, quer pelos eventos que se sucederam ao processo negocial, quer pelo facto de as partes terem previsto que se a escritura não pudesse ser realizada até ao dia 1 de Julho de 2019, o contrato considerar-se-ia automaticamente resolvido.

In casu existe uma convenção resolutiva expressa, nos termos do artigo 432º, nº 1, do CCivil, decorrente da aludida cláusula, sendo que o efeito resolutivo pode igualmente encontrar justificação na falta de interesse objetivo de ambas as partes no cumprimento do contrato, embora tal falta de interesse não possa consubstanciar uma situação de incumprimento nos termos do artigo 808º, nº1, primeira parte do CCivil, porquanto inexiste mora de qualquer das partes, mas apenas uma perda de interesse negocial por uma falha imprevisível dos pressupostos de facto em que o contrato assentou, isto é, a superveniência inopinada do funcionamento da chaminé do prédio contíguo, cfr Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 109/111.

A qualificação da aludida cláusula, como legitimadora do direito de resolução, por referida a uma prestação e a uma modalidade de adimplemento determinadas com precisão, eleita pelas partes, na regulação do regime de incumprimento, mediante a prévia definição da importância desse facto para fins de resolução - não se encontrarem preenchidas as condições para a outorga da escritura – condições essas constituídas pela circunstância de não ser negocialmente ultrapassável o obstáculo atinente aos incómodos decorrentes do funcionamento da chaminé, cfr. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento - Obra Dispersa, Volume I, 186/1877.

Existem situações de incumprimento ligadas ao escopo ou fim primário da mesma prestação, ou seja, ao fim do programa obrigacional, entre outras, que originaram o surgimento de um conceito alargado de «prestação», «Nestes casos em que a prestação é uma «prestação de fim infungível» ou «prestação finalizada» e em que, portanto, o devedor aceita vincular-se a uma prestação individualmente talhada em função de um escopo único (ou em que a prestação, de sua natureza, só pode servir a um fim determinado e único), dir-se-ia que as partes compartilham entre si o risco de o plano negocial se frustrar, por contingências que não sejam imputáveis a qualquer delas.», como nos adianta Baptista Machado, in Risco contratual e mora do credor, RLJ 116/171 e nota de pé de página (16), podendo esta hipótese configurar uma situação de «impossibilidade de efectivação do resultado da prestação («ou impossibilidade de cumprimento»)»,cfr Baptista Machado, l.c., 194.

Foi esta a situação dos autos, em que as partes aceitaram que o negócio não poderia ser concluído.

Improcedem pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 17 de Novembro de 2021

 

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).