RECLAMAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário


Só se pode afirmar que corre excesso de pronúncia quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso.

Texto Integral

          Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Notificados do Acórdão de fls. 1212/1254 (do processo físico), proferido a 7 de setembro de 2021, veio a Ré Victoria Seguros, S.A. suscitar a nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, invocando o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil.


2. Notificado, o Autor veio responder.


3. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto da reclamação

A Ré veio reclamar, arguindo a nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia.  

III. Fundamentação

1. Enquadramento preliminar

A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).


De harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº 2 do artigo 663º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas as questões processuais (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Seguidamente, devem ser conhecidas as questões de mérito (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.

Nesta linha, constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.

Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.

O excesso de pronúncia ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 2ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº 1, do mesmo diploma).

Como se refere no Acórdão do STJ, de 2 de novembro de 2017, “o vício do excesso de pronúncia constitui um vício de limites. O juiz deve, por um lado, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras; por outro lado, não pode ocupar-se senão das questões por elas suscitadas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, conforme decorre do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


2. O caso concreto


O Acórdão reclamado pronunciou-se sobre todas as questões que haviam sido suscitadas e não mais do que essas questões, como resulta, com toda a clareza do Acórdão proferido.


Ora, a Reclamante refere expressamente: “Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que este Tribunal considerou que o facto de a prótese ter “garantia de duração de 2 (dois) anos” é o mesmo que a sua durabilidade ser dois anos e, nesse sentido, decidiu que o Autor/Recorrente tem necessidade de substituí-la de 2 (dois) em 2 (dois) anos.

Sucede que garantia de duração não é o mesmo que durabilidade.

Para conhecer a durabilidade de um equipamento é preciso aferir, por exemplo, o seu desgaste, que advém, nomeadamente, do tipo de uso dado ao equipamento, o qual, no caso concreto, desconhecemos e não podemos aferir por prognose.

Não resulta, da matéria de facto provada, qualquer elemento que permita ao Tribunal aferir a durabilidade da prótese e decidir pela liquidação do valor das suas substituições, como, aliás, já havia sido decidido anteriormente.”


Resulta, assim, do que vem referido pela reclamante que a questão já havia sido discutida e era objeto de controvérsia nos autos, sendo uma questão a decidir: se o Tribunal tinha elementos para proceder à liquidação dos danos (no que concerne às próteses) ou não.

Deste modo, ao decidir dessa questão, o STJ resolveu uma questão que o Autor havia suscitado e, por outro lado, o que verdadeiramente a Reclamante manifesta é a sua discordância quanto ao decidido.


Assim, não se verifica a nulidade arguida.

         


IV. Decisão      

Posto o que precede, acorda-se, em conferência, indeferir a presente reclamação.

Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..       



Lisboa, 16 de novembro de 2021

                         


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fátima Gomes

Fernando Samões