RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
EXCEÇÃO
EFEITOS DA SENTENÇA
LIMITES DO CASO JULGADO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
Sumário


Assentando os vários pedidos formulados pelo autor em matéria que já foi objecto de decisões transitadas em julgado proferidas em outras acções, onde o pedido, causa de pedir e as partes eram os mesmos, ou que produziram efeitos relativamente ao autor, verifica-se, respectivamente, as excepções de caso julgado e de autoridade do caso julgado, que impedem nova pronúncia do tribunal.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I. RELATÓRIO


1. AA (entretanto falecido e representado pelas herdeiras habilitadas BB e CC) intentou acção declarativa com processo ordinário contra:

DD,

EE,

FF,

GG,

HH (entretanto falecido, representado pelos herdeiros habilitados II, JJ, LL, MM, NN e OO).

PP,

QQ,

RR,

SS,

10º TT,

11º UU (entretanto falecido e representado pelos herdeiros habilitados VV e XX),

12º ZZ,

13º AAA (relativamente ao qual o autor apresentou desistência da instância, homologada por sentença),

14º BBB,

15º CCC,

16º DDD,

17º EEE,

18º TSF Cooperativa de Profissionais da Rádio, CRL,

19º Santander Gestão de Ativos – S.G.F.I. M., S.A.,

20º FFF,

21º GGG e HHH (entretanto falecido e representado pelos herdeiros habilitados III e JJJ).

22º LLL,

23º Georgia Enterprises Limited – EDITAL,

24º Global Noticias – Média Group, S.A. (antes Global Notícias Publicações, SA),

 25º Controlinvest Media, SGPS, S.A. (antes Lusomundo Media SGPS, SA),

26º Rádio Noticias – Produções e Publicidade, S.A.

alegando, em síntese, que o autor é sócio fundador da 18ª ré, Cooperativa TSF, que foi constituída em 6/3/81, existindo desde 1988 um conflito que opõe os cooperadores desta ré e que se prende com a legalidade da eleição dos seus órgãos sociais e de quem a representa, sendo o autor o seu presidente, apesar de essa qualidade ser questionada por alguns dos réus, tendo todos os 1º a 17º réus sido cooperadores da TSF, pelo menos durante um determinado período, tendo os 14º, 15º 16º e 17º réus pedido a sua demissão respectivamente em 6/7/88, 12/2/90, 11/10/94 e 29/1/86, sucedendo que, por acórdão do TRL de 24/11/94, transitado em julgado e que confirmou a sentença da 1ª instância, foram declaradas nulas as deliberações sociais das AG da TSF de 4/12/89 e de 29/8/91, o que criou um vazio que deixou a TSF sem órgãos sociais, pois, da última eleição de órgãos sociais não impugnada, de 15/4/85, já se haviam demitido de cooperadores o presidente e vice presidente da mesa da AG e o presidente e o vogal do conselho fiscal, havendo dúvidas sobre quem poderia convocar a AG, tendo então o 14º réu convocado AG para o dia 5/1/95, para eleição dos corpos sociais para 1995/97, apesar de já não ser cooperador por se ter demitido em 6/7/88, pelo que não tinha legitimidade para efectuar tal convocatória e, reunindo-se a referida AG de 5/1/95, foi eleito para presidente da direcção o 17º réu, quando este réu se havia demitido de cooperador em 29/1/86, sendo que em 14/6/95 foi proferida decisão judicial em providência cautelar que suspendeu a execução das deliberações da AG de 5/1/95 e, neste contexto, o 11º réu, eleito para a mesa da assembleia geral na última eleição não impugnada de 1985, convocou AG para 22/2/96, onde foram eleitos os corpos sociais para o triénio de 1996/98, sendo o autor o presidente da direcção e sendo esta a que se mantém em vigor, considerando a nulidade da AG de 5/1/95 e das outras que se seguiram, já que teve lugar AG em 12/3/96 sem que o autor e outros cooperadores fossem convocados, onde foram destituídos os órgãos sociais eleitos na AG de 22/2/96 e eleitos novos corpos sociais, com o 17º réu como presidente da direcção, o 1º réu como tesoureiro e a 10ª ré como secretária, a que se seguiram as AG de 16/5/96 e de 7/1/97, convocadas por quem não tinha competência legal para o fazer, nas quais foi deliberado renovar as deliberações de 12/3/96, deliberando-se ainda em 7/1/97 a expulsão do autor e de outros cooperadores e a eleição de novos corpos sociais, mantendo-se a mesma direcção e sendo nulas todas as referidas AG de 5/1/95, 12/3/96, 16/5/96 e 7/1/97.

Mais alegou que a Cooperativa TSF é dona de 432.374 acções do réu Rádio Notícias, das quais os 1º, 10º e 17º réus, alegando constituírem a direcção da TSF, se apropriaram e venderam aos 19ª e 20ª réus, ficando com o dinheiro respectivo, tendo o 20º réu transmitido acções aos 21º e 22º réus, que depois as venderam ao 23º réu, que também adquiriu acções do 19º réu, sendo nulas todas estas transmissões, pois os 1º, 10º e 17º réus não tinham legitimidade para vender, o que era do conhecimento de todos os compradores.

Alegou ainda que a Cooperativa TSF celebrou vários acordos, designadamente um acordo parassocial, com os outros accionistas da Rádio Notícias, as sociedades antecessoras das 24ª e 25ª rés, que vieram pôr em causa a validade desses acordos por a TSF ter vendido as acções que tinha na Rádio Notícias, não reconhecendo a legitimidade da direcção da TSF eleita em .../2/96, nem o autor como seu presidente, apesar de conhecerem os factos relativos à falta de legitimidade dos 1º, 10º e 17º réus para representarem a TSF.

Esclareceu que a presente acção tem como objectivos resolver, de uma vez por todas, a questão da legalidade da eleição dos órgãos sociais da TSF, e de quem a representa, definindo, num processo em que estejam presentes todos os interessados, quais são os órgãos legítimos da TSF e quem são os seus cooperadores, resolver a questão da titularidade do único acervo patrimonialmente relevante de que a TSF é dona, que corresponde às acções relativas à sua participação no réu Rádio Notícias, que é a entidade que explora comercialmente o produto radiofónico que é conhecido por TSF e resolver a validade dos acordos celebrados pela TSF com os outros accionistas da Rádio Notícias, que por eles foi posta em causa, bem como com o reconhecimento da Rádio Notícias acerca de quem representa o accionista TSF. Esclareceu ainda o autor que foi intentada acção idêntica a esta em 19 de Setembro de 2000 no Tribunal de Comércio de Lisboa que terminou com a absolvição dos réus da instância por incompetência material do tribunal e que transitou em julgado em Julho de 2005 por acórdão do STJ que julgou definitivamente que a matéria destes autos é da competência do tribunal cível.

Concluiu pedindo:

a) Que sejam declaradas nulas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais de 05/01/1995, 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997, bem como todos os actos praticados com base nessas deliberações, designadamente os actos praticados por órgãos sociais eleitos em qualquer dessas Assembleias, sendo ainda decretado o cancelamento das inscrições na Conservatória do Registo Comercial que assentaram em tais deliberações;

b) Que seja declarado nulo o cancelamento da inscrição da eleição dos órgãos sociais que foram objecto da deliberação tomada na Assembleia Geral de 22/02/1996;

c) Que seja declarada a validade da eleição dos órgãos sociais escolhidos nessa Assembleia Geral de 22/02/1996;

d) Que seja declarado que os RR. BBB, CCC, EEE e DDD deixaram de ser cooperadores da TSF a partir das datas supra referidas em que apresentaram os seus pedidos de demissão, situação que se mantinha aquando da convocatória e da realização das Assembleias de 05/01/1995 e das outras que se referem nas alíneas precedentes;

e) Que seja declarado que cooperadores efectivos da TSF são o A. e os 1º a 17º RR., com excepção dos indicados na alínea precedente, ou, caso assim se não entenda, quais são, entre os sujeitos processuais desta acção, cooperadores efectivos da TSF;

f) Caso se entenda, o que só por cautela vem admitido, que não foram válidas as deliberações tomadas na Assembleia de 22/02/1996, não havendo quem possa convocar legitimamente uma Assembleia Geral da TSF, que seja convocada pelo Tribunal tal Assembleia Geral, tendo por ordem de trabalhos a eleição dos órgãos sociais da TSF e sendo cooperadores da mesma o A. e os RR. que vierem a ser declarados cooperadores nos termos da alínea precedente.

g) Que seja declarada nula a transmissão das acções efectuadas a favor dos 19° a 23° RR.. bem como quaisquer outras que posteriormente tenham ocorrido;

h) Que seja declarado que as acções em apreço são da titularidade da TSF, que é legítima dona e possuidora das mesmas;

i) Que os 1°, 10° e 17° RR. sejam condenados a depositar à ordem do tribunal ou da Direcção da 18° R. que o tribunal venha a reconhecer como legítima a quantia ou as quantias que receberam por força da aludida transmissão de acções, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que as receberam.

j) Que seja reconhecida a qualidade da TSF enquanto accionista da Rádio Notícias;

k) Que seja reconhecida a validade do acordo parassocial celebrado relativamente à Rádio Notícias;

l) Que os 19º a 27º RR. sejam condenados a abster-se de aceitar os 1º, 10º e 17º RR. como representantes da TSF.


2. O réu Santander SGFIM contestou alegando, em síntese, que a anterior sociedade que veio a ser incorporada na contestante comprou à TSF em 4/6/96 15.000 acções da Sociedade Rádio Notícias, que vieram a ser vendidas em 31/3/98, como operação financeira entre muitas outras realizadas no âmbito de investimentos em valores mobiliários ditada exclusivamente por critérios de gestão de activos, pressupondo e aceitando a capacidade legal da entidade transmitente e a legitimidade representativa dos seus órgãos, desconhecendo a existência ou inexistência de litígios entre os cooperadores da vendedora.

Concluiu pedindo a improcedência da acção.


3. Os réus GGG e HHH arguiram a ilegitimidade passiva da contestante por não ter celebrado qualquer contrato de compra e venda das acções em causa, o qual só foi celebrado pelo contestante, seu marido e arguiram também a ilegitimidade passiva por violação do litisconsórcio obrigatório, em virtude de não estarem na acção os actuais titulares das acções, entretanto vendidas; por impugnação alegaram, em síntese que o negócio de aquisição de 141 187 acções da Rádio Notícias é válido e teve lugar através de uma sociedade de gestão de património, não conhecendo os contestantes o 20º réu que as vendeu, nem a entidade que depois as veio a adquirir e desconhecendo igualmente qualquer vício relativo à ilegitimidade da venda.

Concluíram pedindo a procedência das excepções de ilegitimidade com a absolvição da instância e, se assim não se entender, a improcedência da acção com a absolvição do pedido.


4. O réu LLL arguiu a ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio obrigatório em virtude de não estarem na acção os actuais titulares das acções entretanto vendidas; por impugnação, alegou, em síntese, que o negócio de aquisição de 141.187 acções ao 20º réu é válido e teve lugar através de uma sociedade gestora de património, não conhecendo o contestante este réu que as vendeu, nem a entidade que as veio a comprar, desconhecendo igualmente qualquer vício relativo à legitimidade da venda.

Concluiu pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade passiva com a absolvição da instância e, se assim não se entender, a improcedência da acção com a absolvição do pedido.


5. O réu DD contestou invocando a inutilidade superveniente da lide porque todos os pedidos formulados pelo autor pressupõem que a 18ª ré, TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio, CRL ainda existe como pessoa colectiva, acontecendo que esta ré foi dissolvida administrativamente e encerrada a sua liquidação em 2009, não sendo aplicável o artigo 162º, nº 1 do CSC, face às relações jurídicas controvertidas configuradas na petição inicial, invocando a excepção do caso julgado relativamente aos pedidos das alíneas a) a d) da petição inicial, por as questões em causa nestes pedidos já terem sido julgadas por decisões transitadas em julgado e arguindo a ilegitimidade do autor que, à data da propositura da acção, já não era cooperador da ré TSF por lhe ter sido imposta sanção disciplinar de expulsão na AG de 7/1/97 que o autor nunca impugnou; por impugnação alegou, em síntese, que as AG de 5/1/95, 13//96 e 7/1/97 foram regularmente convocadas, sendo válidas as respectivas deliberações, o que já foi reconhecido judicialmente quanto à primeira enquanto, ao contrário, a AG de 22/2/96 foi convocada por quem não tinha poderes para o fazer, o que também já foi reconhecido judicialmente, sendo a venda das acções da TSF na rádio Notícias válida por ter sido efectuada pela direcção legítima da cooperativa, com o acordo da maioria dos cooperadores, sendo vendidas ao 20º réu, desconhecendo o contestante os negócios posteriores feitos com as mesmas acções, pelo que não poderia continuar a vigorar em relação à ré TSF o acordo celebrado com os accionistas da Rádio Notícias e tendo as quantias recebidas com a venda sido depositadas e geridas pela ré TSF.

Concluiu pedindo a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ou ser julgada procedente a excepção de caso julgado com a absolvição dos respectivos pedidos e dos outros cuja procedência depende da procedência dos mesmos, ser julgada a procedência de ilegitimidade do autor ou ainda ser julgada a acção improcedente com a absolvição dos pedidos.


6. As rés Global Notícias Publicações, SA, Controlinveste Media SGPS, SA (anteriormente denominada Lusomundo Media SGPS, SA), Rádio Notícias – Produções e Publicidade, SA e ainda a sociedade Controlinveste Media II SGPS, SA (anteriormente denominada Lusomundo Serviços SGPS, SA) contestaram invocando a inutilidade superveniente da lide por a ré Cooperativa TSF ter sido dissolvida e encerrada a sua liquidação em 2009, não sendo aplicável ao caso o artigo 162º do CSC e invocando a ilegitimidade passiva das contestantes Global Notícias, que já não é accionista da Rádio Notícias e Controlinveste Media II que nunca foi accionista da mesma sociedade; por impugnação alegaram, em síntese, que a Controlinveste detém acções da Rádio Notícias mas nenhuma delas era propriedade da ré TSF e, tendo esta deixado de ser accionista da Rádio Notícias, o acordo parassocial extinguiu-se, não podendo a ré TSF reclamar qualquer direitos sociais relativos à Rádio Notícias. Concluíram pedindo a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ou, sem conceder, a procedência da excepção de ilegitimidade passiva das referidas réu com a sua absolvição da instância e, ainda sem conceder, a improcedência da acção e as contestantes absolvidas dos pedidos.


7. O autor replicou opondo-se às excepções arguidas nas contestações e veio ainda alterar a causa de pedir e o pedido da acção, alegando que, em 2009, por acção de actos praticados pelos 1º, 10º e 17º RR., entre eles ou conluiados com terceiros, foram praticados actos que levaram à dissolução e liquidação da Cooperativa TSF, sendo tais actos nulos, porque foram praticados com base em supostas legitimidades provenientes de deliberações nulas, praticadas em assembleias gerais que são objecto do pedido de declaração de nulidade que consta da alínea a) do pedido formulado na p.i. e, mesmo que assim não fosse, os cooperadores da TSF podem substituir-se à TSF em tudo aquilo que releve para os efeitos da presente acção.

Concluiu ampliando os pedidos formulados na p.i., acrescentando os seguintes:

a) Que sejam declaradas nulas as deliberações e demais actos pelos quais foi declarada a dissolução e liquidação da TSF Cooperativa;

b) Que seja decretado o cancelamento das inscrições registrais que se reportam à dissolução e liquidação da TSF Cooperativa, declarando-se nulas tais inscrições;

c) Que, caso se entenda que é irreversível – ou não é reversível no âmbito desta acção – a dissolução e liquidação da TSF Cooperativa, seja declarado que os seus direitos – ora em causa nesta acção – passem para a titularidade de todos os seus cooperadores, particularmente o A. e os 1º a 17º RR., bem como outros a quem nesta acção venha a ser reconhecida essa qualidade;

d) Que, em particular, seja declarado que as acções que pertenciam à TSF Cooperativa – ora em causa nesta acção – passem a ser detidas pelo conjunto dos seus cooperadores.


8. Os réus GGG e LLL treplicaram, mantendo o já alegado na contestação.

As rés Global Notícias Publicações, S.A., Controlinveste Media SGPS, S.A. (anteriormente denominada Lusomundo Media SGPS, S.A.), Rádio Notícias – Produções e Publicidade, S.A. e a sociedade Controlinveste Media II SGPS, S.A. (anteriormente denominada Lusomundo Serviços SGPS, S.A.), treplicaram alegando que a dissolução e liquidação da cooperativa TSF resultaram de processo oficioso de dissolução, iniciado nos termos do disposto no artigo 5º do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, pelo que não foi a dissolução precedida de qualquer deliberação ou acto da direcção da TSF ou de algum dos seus cooperadores, inexistindo assim os supostos actos cuja declaração de nulidade ora é peticionada pelo Autor, devendo improceder os pedidos formulados em sede de ampliação do pedido.

O réu DD treplicou alegando, quanto aos pedidos a) e b), que a dissolução e liquidação da TSF e respectivo registo foram operadas por acto administrativo, devido à sua inactividade por vários anos, não tendo resultado de actos praticados pelos 1º, 10º e 17º RR e tratando-se assim de matéria insusceptível de ser apreciada nos presentes autos, por incompetência do Tribunal e, quanto aos pedidos constantes das alíneas c) e d), devem os mesmos ser julgados improcedentes, não só pelo que já se disse em sede de contestação, mas ainda porque não é possível nesta acção apurar quem sejam ou quem fossem (à data da propositura da acção) os cooperadores da TSF, não indicando o autor, para além dos 1º a 17º RR, quaisquer nomes de outras pessoas que pudessem ser cooperadores.


9. Foi então proferido despacho convidando o autor para concretizar os pedidos genéricos da alínea g) da petição inicial e da alínea a) da ampliação do pedido, (…) “indicando quais as concretas outras transmissões de acções ocorridas subsequentemente à transmissão das mesmas para a 23º Ré que pretende ver anuladas, bem como as concretas deliberações e actos que levaram alegadamente à dissolução e liquidação da TSF Cooperativa que igualmente pretende ver anuladas. Caso tenham ocorrido aquelas subsequentes transmissões de acções, convido o Autor, dentro daquele prazo de dez dias, a fazer intervir nos autos o(s) adquirente(s) daquelas acções, lançando mão do competente incidente de intervenção principal provocada. Caso aquelas transmissões não tenham ocorrido, convido o Autor, dentro daquele prazo de dez dias, a alterar a redacção daquele pedido, cingindo-o às transmissões que pretende ver anuladas.”


10. Na sequência deste despacho, o autor, veio responder, quanto ao pedido formulado na alínea g) da P.I., que não está em condições de saber se houve transmissão subsequente àquelas que ocorreram a favor do 23.º R., pelo que elimina do pedido a expressão “bem como quaisquer outras que posteriormente tenham ocorrido”, mas, para acautelar a eventualidade das acções terem sido entretanto transmitidas e como os 24.º a 27.º RR. terão seguramente conhecimento dessa situação – uma vez que a TSF continua a ser apresentada como detida pelo referido grupo –, requereu que tais RR. sejam notificados para virem informar aos autos se tais acções continuam ou não a ser detidas pelo 23.º R. (que não apresentou contestação) e, não sendo por este detidas, a identificação dos respectivos transmissários até ao actual detentor; quanto ao pedido aditado na alínea a) da ampliação do pedido da réplica, esclareceu que se pretende que seja declarado nulo “o ato que consubstanciou a dissolução e liquidação da TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio, dando lugar à apresentação n.º 236 de 10/12/2009, nos termos da respectiva certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial”.


11. Notificada para vir prestar informação sobre eventuais e subsequentes transmissões das acções em causa nos autos, Rádio Notícias – Produções e Publicidade, S.A. veio informar que as acções foram amortizadas por deliberação da Assembleia Geral da ré de 31 de Dezembro de 2012, deliberação essa que foi objecto da devida publicidade.


12. Em resposta a esta informação, vieram os AA concretizar o pedido nos seguintes termos:

“g) Que seja declarada nula a transmissão das acções efectuadas a favor das 19.ª a 23.ª RR., bem como que seja declarada a nulidade da deliberação da Assembleia Geral da 29.ª R., de 31/12/2012, através da qual foram amortizadas as acções detidas pela 23.ª R., mediante a extinção de 432.374 acções ordinárias nominativas.”.


13. Notificadas, vieram responder os RR. Global Notícias – Media Group, S.A., Controlinveste Media SGPS, S.A. e Rádio Notícias – Produções e Publicidade, SA., alegando que não existe qualquer facto alegado nos autos que permita fundar uma declaração de nulidade da amortização operada, nada tendo sido dito a respeito de quaisquer vícios da mesma, nem a nulidade dessa amortização decorre como consequência da nulidade da transmissão a favor da 23ª Ré, não existindo, pois, causa de pedir nos autos que suporte a alteração do pedido formulado, nem o mesmo constitui desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sendo certo que não se encontram reunidos os pressupostos legais da alteração da causa de pedir ou do pedido., para além da incompetência deste Tribunal para apreciar pedidos de declaração de nulidade de deliberações sociais relativas a sociedades anónimas, como seria o caso (cfr. artigo 128º, nº 1 al. d) da Lei da Organização do Sistema Judiciário).


14. Tendo sido dado notícia de que a sociedade Controlinveste Media II, SGPS, SA foi extinta, requereu o autor que os autos prosseguissem contra a sua sócia única, a sociedade Olivedesportos – Publicidade, Televisão e Media, SA, ao que as rés Global Notícias Media Group, SA, Controlinveste Media SGPS, SA e Rádio Notícias – Produções e publicidade, SA se opuseram.


15. Teve lugar a audiência prévia, onde foi indeferida a requerida ampliação do pedido e causa de pedir, foi fixada a factualidade já assente nos autos, e relevante para a decisão das excepções arguidas pelas partes, foi dado conhecimento às partes de que o tribunal entendia estar em condições de conhecer as excepções arguidas pelas partes, bem como da extinção da instância quanto à ré Controlinvest II, sendo ainda exposto o entendimento do tribunal quanto a excepção não arguida e que poderá determinar o insucesso da causa: a excepção de autoridade do caso julgado, bem como da procedência da arguida inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados em e), f), j), k) e l).


16. Atento o facto de a solução de direito proposta não decorrer de matéria já debatida nos autos, ao abrigo do princípio do contraditório foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem, por escrito, o que estas usaram.


17. Conclusos os autos, foi proferido despacho saneador sentença, que declarou extinta a instância relativamente a Controlinveste II, julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva da ré GGG, de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário e de ilegitimidade activa e entendeu verificar-se a excepção de autoridade de caso julgado relativamente a parte dos pedidos e inutilidade superveniente relativamente a outros e ainda a inutilidade superveniente da lide face à extinção da ré Cooperativa TSF, decidindo então no dispositivo: “Termos em que se conclui pela verificação da excepção de autoridade de caso julgado, a qual obsta à apreciação do mérito desta causa, no que concerne aos pedidos formulados em a), b), c) e d) e que determina a absolvição da instância quanto aos mesmos, (art.º 278º nº 1 al. e), art.º 576º nº 2, art.º 577º al. i), art.º 580º, art.º 581º, todos do Código de Processo Civil). Mais se conclui, relativamente aos pedidos formulados em e), f), g), h), i), j), k) e l), da respectiva inutilidade superveniente da lide, determinando-se a extinção da instância quanto aos mesmos”.


18. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o tribunal entendido que as questões a versar eram (i) O caso julgado, incluindo a autoridade de caso julgado e suas consequências; (ii) Ampliação do pedido e (iii) Extinção da instância relativamente à ré Controlinveste II.


19. O TR confirmou a sentença proferida com acórdão de 2021-03-25.


20. O A. não se conformou como acórdão pelo que apresentou recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

A. O acórdão ora recorrido julgou improcedente a apelação – quer relativamente aos pedidos formulados na PI, quer em relação às subsequentes ampliações de pedido, os quais haviam sido apreciados ou na audiência prévia de 9/11/2018, ou no saneador- sentença de 25/07/2019 –, com fundamento, antes de mais, na existência de caso julgado ou autoridade de caso julgado.

B. A questão do caso julgado foi colocada em relação ao pedido formulado de declaração de nulidade das deliberações da Assembleia de 5/01/1995 – a que se reporta a primeira parte do pedido formulado na PI sob a alínea a) –, relativamente à qual o acórdão recorrido decidiu que “não há como considerar verificada a excepção de caso julgado relativamente a este pedido de declaração de nulidade das deliberações da Assembleia de 5/01/1995”. As Recorrentes conformam-se com esse segmento do acórdão recorrido.

C. No mais, a tese do acórdão recorrido funda-se em três argumentos:

i) a autoridade do caso julgado relativamente aos pedidos formulados nas als. b) a d) da PI – relativos à validade/invalidade das deliberações da AG de 22/02/1996 –, com o fundamento na sentença judicial que homologara uma alegada confissão,no âmbitodeumaacção interpostapela 9.ªR. contraaTSF;

ii) a mera anulabilidade – entretanto já sanada, por se mostrar ultrapassado o prazo previsto no art. 59.º, do CSC – de eventual vício das AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997, a que se reporta parte do pedido formulado sob a al. a) da PI;

iii) a falta de interesse de agir do primitivo A. em relação aos restantes pedidos formulados, uma vez que, pela AG de 07/01/1997, lhe fora aplicada a sanção disciplinar de expulsão da TSF.

D. As Recorrentes não se conformam com esta parte do acórdão recorrido, a qual constitui objecto da revista excepcional, com os fundamentos adiante explicitados.

E. Finalmente, o acórdão recorrido considera prejudicada a questão da extinção da instância quanto à 27.ª RR – Controlinveste Media, SGPS II. E, nessa parte, as Recorrentes conformam-se com a decisão.

F. Deste modo, o objecto da revista versa sobre: i) a erroneamente invocada autoridade de caso julgado; ii) a alegada sanação dos vícios de mera anulabilidade ocorridos nas AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997; iii) a falta de interesse em agir por parte do primitivo A., considerando suposta a validade da AG de 07/01/1997.

--- DA INEXISTENTE AUTORIDADE DE CASO JULGADO ---

G. A autoridade do caso julgado assentaria na homologação judicial da confissão integral supostamente feita pela TSF – em acção que lhe foi movida pela 9.ª RR., precisamente uma das pessoas que se apropriou abusivamente das acções da TSF confissão essa subscrita, em nome da TSF, pelos 1.º e 10.º RR., outras das pessoas que se apropriaram fraudulentamente de tais acções.

H. Tal autoridade de caso julgado estender-se-ia aos pedidos formulados na PI sob as als. b) a d), no que diz respeito à nulidade da AG de 22/02/1996, que elegera AA como Presidente da sua Direcção, uma vez que, nessa acção movida pela 9.ª R., a TSF teria confessado o pedido de declaração dessa nulidade, o que teria sido objecto de homologação judicial.

I. Porém, a situação em apreço não se subsume ao regime dos arts. 619.º e 621.º, do CPC, nem ao art. 61.º, do CSC. Em primeiro lugar, porque é manifesta a falta de identidade das partes, já que nessa confissão / transacção apenas terão tido intervenção a 9.ª R. e a entretanto dissolvida TSF, alegadamente representada pelos 1.º e 10.º RR. (cfr. fls. 1122 e 1130 dos autos, para onde remete o facto provado n.º 20, de onde consta quem outorgou em nome da TSF).

J. Em segundo lugar, porque a sentença em apreço não apreciou o mérito da acção, pelo que não se pode constituir em autoridade de coisa nenhuma, já que se limitou a apreciar – e erroneamente – a validade formal de um negócio jurídico.

K. Em terceiro lugar, e em relação ao regime do art. 61.º, do CSC, porque tal transacção nunca foi comunicada aos restantes cooperadores, entre eles o primitivo A. (AA), razão pela qual não se pode estender a homologação dessa fraudulenta confissão ao universo dos cooperadores que a desconheciam.

L. Em quarto lugar, e de forma incontornável, porque a invocação da suposta confissão/ transacção celebrada em 26/02/1998 – entre a 9.ª R. e os 1.º e 10.º RR., enquanto representantes da TSF – consubstancia um abuso de direito de que tais RR. não se podem prevalecer, porquanto:

i) quando, em 26/02/1998, foi celebrada a suposta confissão/transacção, os 1.º e 10.º RR. não podiam arrogar-se na qualidade de representantes da TSF, uma vez que – como consta dos factos provados n.ºs 15 a 17 –, nesse período, estava suspensa a Direcção de que alegadamente fariam parte, eleita em 05/01/1995, situação que se manteve até ao acórdão da Relação de 12/05/2004;

ii) e não podiam igualmente invocar a eleição supostamente realizada em 12/03/1996, porque essa AG foi forjada através dos actos fraudulentos descritos nos arts. 57.º e ss. da PI, que são objecto desta acção;

iii) ademais, essa confissão/transacção nunca foi comunicada aos restantes cooperadores, designadamente ao primitivo A. (AA), que a desconheciam até que foram tardiamente confrontados com ela, já na pendência desta acção.

--- DA NULIDADE DAS AG’S DE 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997 ---

M. Admita-se, todavia, por cautela de raciocínio, que não é assim, e que haveria autoridade de caso julgado relativamente à declaração de nulidade das deliberações tomadas na AG de 22/02/1996 (além do caso julgado em relação às deliberações tomadas na AG de 05/01/1995).

N. Nesse caso, tal autoridade de caso julgado nunca poderia abranger as deliberações tomadas na suposta AG de 12/03/1996 – em que ocorreram os actos fraudulentos descritos nos arts. 57.º e ss. da PI –, as quais foram determinantes para a matéria relevante em discussão nestes autos, particularmente os actos praticados pelos corpos sociais da TSF investidos nessa AG, através do embuste descrito na PI, entre os quais a venda das acções detidas pela TSF na 26.ª R., em benefício de alguns cooperadores, que assim se locupletaram com o produto da venda do património da COOPERATIVA. É que, nas acções convocadas pelo acórdão recorrido, em que se fundariam os pretensos caso julgado e autoridade de caso julgado, não se julgou a validade nem da AG de 12/03/1996, nem das subsequentes.

O. Na sentença da 1.ª instância, o obstáculo é “torneado” com base na argumentação de que as deliberações tomadas na fraudulenta AG de 12/03/1996 teriam sido renovadas nas AG’s de 16/05/1996 e de 07/01/1997, pelo que qualquer nulidade teria sido suprida por essas subsequentes AG’s, as quais teriam sido convocadas por quem teria competência legal para o efeito.

P. Porém, esse argumento é insubsistente, não tendo sequer sido perfilhado pelo acórdão recorrido. De qualquer forma, reproduzem-se as ordens de razão já alegadas na apelação quando se sustentou o vício dessa argumentação.

Primeiro, nem SS, a 9.ª R., nem nenhum dos outros titulares dos órgãos da AG de 05/01/1995, poderia ter convocado as AG’s renovatórias de 16/05/1996 e de 07/01/1997, já que, nessa altura, os corpos sociais eleitos na AG de 05/01/1995 estavam suspensos por via do procedimento cautelar decretado pelo … Juízo Cível da Comarca de …. em 14/06/1995, que determinara a suspensão das deliberações tomadas na AG de 05/01/1995 e decidira suspender a inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais dessa AG, decisão essa que produziu imediatamente efeitos, tendo transitado em julgado em 30/06/1995 – cfr. factos provados n.ºs 13 a 17 e certidão de 03/11/1995, que integra o doc. 1 junto à PI (fls. 82 e ss. dessa certidão, fls. 149 dos autos).

Segundo, em 16/05/1996 e em 07/01/1997, os órgãos sociais registados na Conservatória eram os que tinham sido designados na AG de 22/02/1996, como decorre da certidão junta à PI como doc. 1. E não pode uma AG considerar-se validamente convocada por órgãos eleitos em deliberações suspensas por sentença transitada em julgado, ademais estando então registados outros corpos sociais.

Q. De qualquer forma, o acórdão recorrido não convocou essa argumentação da sentença da 1.ª instância, tendo-se limitado a considerar que a arguida invalidade das AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997 constituiria eventual causa de anulabilidade e não de nulidade, razão pela qual qualquer vício que tivesse existido nas tomadas dessas deliberações estaria sanado.

R. Todavia, e ressalvado o devido respeito, nesse segmento, o acórdão recorrido aplicou erroneamente à situação dos autos o regime dos arts. 56.º a 59.º, do CSC, uma vez que as deliberações das AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997 não são anuláveis, mas sim nulas.

S. Segundo a tese da PI, os factos são os seguintes:

-   A AG de 12/03/1996 foi um embuste forjado, entre outros, pelos 1.º, 9.º, 10.º e 17.º RR., tendo sido a sua convocatória substituída por uma operação de simulação assente em sobrescritos endereçados aos titulares dos órgãos eleitos na AG de 22/02/1996, mas que estavam em branco;

-   As AG’s de 16/05/1996 e 07/01/1997, que renovaram as deliberações da AG de 12/03/1996 e expulsaram o AA da TSF, foram convocadas por quem não as podia convocar, nos termos supra descritos nos n.ºs 38 a 41.

T. Ora, as situações em que não há convocatória (na AG de 12/03/1996) ou em que a convocatória é subscrita por quem não tinha competência para o efeito (nas AG’s de 16/05/1996 e 07/01/1997) geram a nulidade de todas as deliberações tomadas nesse âmbito, como expressamente decorre do art. 56.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CSC.

U. Pelo exposto, falece de validade o pressuposto do acórdão recorrido no sentido de que estão sanados os vícios apontados na PI àsAG’sde12/03/1996,16/05/1996 e 07/01/1997, uma vez que as nulidades arguidas não se podem considerar sanadas.

V. Por último, estando em causa a validade da AG de 07/01/1997, onde teria sido adoptada a deliberação de expulsar AA da TSF, está impugnada essa deliberação de expulsão. E, assim, soçobra também a argumentação do acórdão recorrido quanto à alegada falta de interesse de agir das AA. em relação aos restantes pedidos formulados, uma vez que assenta noutro pressuposto que não ocorre.

W. Deste modo, devem:

i) ser julgadas improcedentes as excepções acolhidas;

ii) baixarem os autos à Relação para ser apreciada a ampliação do pedido, nos termos formulados nas conclusões A. a L. da apelação;

iii) prosseguirem os autos para apreciação de todos os pedidos formulados.

--- DA REVISTA EXCEPCIONAL ---

X. Os temas versados – acerca da existência (ou não) de autoridade do caso julgado e acerca da anulabilidade ou nulidade das AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997, por vícios relativos à sua convocatória – justificam o recurso à revista excepcional, uma vez que estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, impõem a intervenção do STJ para assegurar uma melhor aplicação do direito.

Y. Quanto à questão da autoridade do caso julgado, porque trata-se de matéria que tem vindo a ser objecto de grande debate doutrinal e jurisprudencial, como bem se explana no artigo de LEBRE DE FREITAS, “Um Polvo chamado Autoridade do Caso Julgado”, ROA, III/IV, 2019. Relativamente à abrangência do art. 61.º, do CSC, particularmente quando existe um concluio com vista a prejudicar o direito de acção pelos demais sócios, veja-se JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA, “O âmbito subjectivo do caso julgado e o sentido da decisão do contencioso de invalidade de deliberações sociais”, THEMIS, ano XII, n.ºs 22/23, pág. 145 e ss.

Z. Quanto à nulidade das deliberações tomadas em AG’S não convocadas ou convocadas por quem não tem competência para o fazer, o acórdão recorrido – e ressalvado o devido respeito – adoptou uma posição claramente divergente do sentido claramente maioritário da doutrina e da jurisprudência, como supra se refere no n.º47. De resto, quase que se poderia dizer que o entendimento adoptado é contra legem.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente julgando improcedentes as excepções acolhidas, deferindo”.


21. Foram apresentadas contra-alegações pelas Rés: GLOBAL NOTÍCIAS MEDIA GROUP, S.A., CONTROLINVESTE MEDIA SGPS, S.A. e RÁDIO NOTÍCIAS – PRODUÇÕES E PUBLICIDADE, S.A., (ref. Citius ...941), contestando a admissibilidade da revista excepcional porquanto “10. O nº 3 do artigo 671º do CPC, que prevê o regime recursivo decorrente da dupla conforme decisória, não é aplicável aos presentes autos, atento o disposto no artigo da Lei 41/2013, de 26 de Junho, que a acção foi intentada antes de 1 de Janeiro de 2008” e aduzindo que, caso seja admitido, deve a decisão recorrida ser confirmada.

Nos termos do Artº 12º nº 1 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, a mandatário MMM, através de NNN, veio declara a sua adesão ao conteúdo material da Peça Processual nº ...941.


22. Também o R. DD apresentou contra-alegações, nas quais conclui (transcrição):

1ª - Antes de mais, convém começar por “contar a história” sobre o chamado “conflito na TSF cooperativa”, que nos finais da década de 80 e década de 90 do século passado foram amplamente mediatizados;

2ª- Para o que agora nos interessa a história começa com a decisão judicial, transitada em julgado, em 15 de Dezembro de 1994, em que foram declaradas nulas todas as decisões das Assembleias Gerais da TSF Cooperativa, realizadas desde 1988, pelo que retomaram funções os Orgãos Sociais que nesta data tinham terminado o mandato.

3ª - Por isso, em 19 Dezembro de 1995 foi convocada Assembleia Geral Eleitoral para 5 de Janeiro de 1995, a qual veio a realizar-se, com a eleição de novos corpos sociais para o triénio 1995-1997.

4ª - Não se conformando com a realização desta AG, o primitivo A, propôs em de Janeiro de 1995, no … Juízo Cível .... uma Providência Cautelar visando a suspensão das deliberações tomadas nessa assembleia;

5ª - Posteriormente, foi proposta acção de declaração de nulidade das deliberações da referida Assembleia Geral, a qual com o nº 102/95…. foi distribuída ao … Juízo Cível ..., …Secção:

6ª – À época, era titular daquele juízo e secção o Dr. OOO, por coincidência, irmão do primitivo A., que se veio a declarar impedido, nos termos legais;

7ª - A referida acção transitou então para … Secção … Juízo Cível..., mantendo-se, porém, administrativamente, na … Secção de que era titular o irmão do primitivo A.

8ª - Na sequência da tramitação processual, a providência cautelar que corria no …Juízo Cível foi junta ao processo nº 102/95……. do … Juízo Cível passando a ser o proc. nº 102/95……;

9ª- Em Junho de 1995 foi proferida decisão favorável ao Autor, no âmbito desta providência cautelar, determinando a suspensão das deliberações da Assembleia Geral de 5 de Janeiro de 1995.

10ª - Tal decisão foi enviada por correio registado ao mandatário da R. TSF em 16 de Junho de 1995, entendendo-se notificada a 19 de Junho de 1995;

11ª- Em 26 de Junho de 1995, quinto dia seguinte, a Ré (TSF) requereu alguns esclarecimentos à decisão, sendo tal pedido sido despachado em 28 de Junho de 1995 e enviado por correio registado ao mandatário da TSF em 29 de Junho de 1995;

12ª - A 7 de Julho de 1995, a TSF requereu a concessão de apoio judiciário, que foi liminarmente admitido, decisão que foi notificada por duas vezes ao mandatário do A. e não chegou a ser notificada ao mandatário da R.

13ª - À cautela, embora considerando que, à data, o pedido de apoio judiciário mantinha a instância suspensa, a Ré (TSF) recorreu da decisão proferida na providência cautelar;

14ª - Entretanto, antes da concessão do apoio judiciário na providência cautelar o mandatário do Autor no referido processo (nestes autos primitivo A.) requereu a passagem de Certidão da decisão proferida pedindo que dela constasse o trânsito em julgado da mesma.

15ª - Tal Certidão foi passada, certificando que a decisão de suspensão foi proferida em 14 de Junho de 1995, tendo transitado em 30 de Junho de 1995.

16ª -Esta certidão foi passada por funcionário … secção …Juízo Cível, de que era titular o Dr. OOO, irmão do primitivo A;

17ª - Tal certidão também serviu para registar na Conservatória do Registo Comercial  ....., a suspensão dos órgãos sociais eleitos em 1995;

18ª - O recurso da TSF contra a decisão de suspender as deliberações da AG de 05 de Janeiro de 1995, subiu para o Tribunal da Relação de Lisboa vindo a ser revogada no final de 1995 ou início de 1996.

19ª - Resolvida a questão da providência cautelar com a anulação da suspensão dos órgãos sociais eleitos em 1995 estes não mais pensaram na questão ou em reagir contra o funcionário judicial que emitiu a certidão, convictos de que era o menos responsável por esse facto.

20ª - Decorridos cerca de quinze anos, o recorrido confessa que não tem na sua posse os documentos que possam confirmar o que acima se descreve e que só agora em sede de recurso parece ter importância.

21ª - De qualquer maneira, há neste recurso (e no processo em geral) factos que não se compaginam com o nº 14 dos factos provados em que se afirma que o procedimento cautelar nº 102/95….. mereceu provimento por sentença de 14/06/1995, tendo transitado em julgado em 30/6/95 .

22ª - Mas que assim não foi resulta, claramente, da acção proposta contra a TSF pela 9ª R, pedindo a nulidade da AG de 22/02/1996 e que terminou com confissão da aludida TSF, representada pelo ora recorrido e 1ºR e pela 10ªR TT, os quais representaram a aludida TSF, confessando o pedido de nulidade (ver conclusões das recorrentes com as letras G e H)

23ª - Naturalmente, para serem admitidos a praticar o acto em representação da TSF e obterem a homologação judicial por sentença, aqueles RR tiveram que apresentar certidão comercial, da qual constasse a sua qualidade de membros da Direcção da cooperativa e ainda que esta se obrigava com a assinatura de dois membros da Direcção.

24ª - Alem disso e pelo que se deixa dito, noutras AG realizadas posteriormente, mas antes de 2004, como aconteceu com as assembleias de 12/03/1996, 16/05/96 e 07/01/97, as respectiva convocações foram feitas por quem exercia as funções de presidente da MAG e tinha a respectiva competência;

25ª- Seja como for e a finalizar, importa realçar que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2004 veio considerar válida a AG de 05/01/1995;

26ª.- Esta decisão judicial produziu efeitos “ex tunc”, ou seja, a partir da data da realização da assembleia, pelo que tudo o que esteja em contradição com o seu conteúdo é nulo ou anulável.

27ª - E assim, também por esta via as conclusões das recorrentes são perfeitamente inócuas e ineficazes, tendo também tal efeito mesmo quando tentam assacar a alguns dos RR a prática de embustes e actos fraudulentos, que nunca foram provados.

Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer deve ser negado provimento ao recurso de revista, mantendo-se integralmente o douto acórdão recorrido como é de inteira justiça.”


23. O recurso foi admitido no tribunal recorrido, com o seguinte despacho:

“Admito o recurso interposto pelas autoras habilitadas do primitivo autor, por terem legitimidade e estarem em tempo.

O recurso é de revista (artigo 671º nº 1 do CPC e artigo 7º nº 1 da Lei 41/2013 de 26/6), sobe imediatamente, nos autos e tem efeito devolutivo.”


24.  Em resposta à questão da não admissibilidade da revista excepcional, disse o A.: “admite-se a posição das Recorridas quanto à questão em pauta, uma vez que a presente acção foi efectivamente interposta antes de 2008 (o que não se teve presente, por lapso, ora assumido, do mandatário signatário); b) porém, assim sendo, a única consequência – de resto, mais favorável para as Recorrentes – é a de que a revista deve ser admitida como normal, uma vez que a natureza excepcional é um “plus” de exigência que não altera a natureza do recurso; c) de qualquer forma, havendo erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte, tal erro deve ser corrigido oficiosamente pelo juiz, nos termos do art. 193.º, n.º 3, do CPC; d) ademais, não sendo admissível a revista excepcional, mas sendo admissível a revista normal – como manifestamente acontece no caso dos autos, uma vez que se trata de uma acção anterior a 2008 –, nada obstaria à admissão da revista nos termos gerais, como prevê o art. 672.º, n.º 5, do CPC.”


II. Fundamentação

FACTOS

25. Conforme vem dados por demonstrados das instâncias, e que se transcrevem:

1) Em Assembleia Geral realizada no dia 6 de Julho de 1988, foi deliberada a eleição dos órgãos sociais da TSF para o triénio de 1988/90, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral: - Presidente, FF; - Secretários, DDD e RR;

- Direcção - Presidente, AA; - Secretários, UU e HH;

- Conselho Fiscal - Presidente, GG, - Secretários, QQ e PP (cf. fls.326 a 330 dos autos).

2) Em Assembleia Geral que teve lugar a 29 de Agosto de 1991, foi efectuada a eleição dos órgãos sociais para o triénio de 1991/1993, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral: - Presidente, FF, - Secretários, PPP e GGG;

- Direcção: Presidente, AA, Tesoureiro, UU, Secretário, HH;

- Conselho Fiscal: Presidente, QQQ, Secretários, DDD e PP (cf. fls. 348 a 351 dos autos).

3) Em Assembleia Geral que teve lugar a 5 de Janeiro de 1995, foi efectuada a eleição dos órgãos sociais para o triénio de 1995/1997, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral: Presidente, SS, Vice-Presidente, EE, Secretário, RR;

- Direcção: Presidente, EEE, Tesoureiro, DD, Secretário, TT;

- Conselho Fiscal: Presidente, BBB, Vogais, QQ e DDD (cf. fls. 130 a 132 dos autos).

4) Em Assembleia Geral que teve lugar em 22 de Fevereiro de 1996, procedeu-se a eleição dos corpos sociais para o triénio de 1996/98, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral – Presidente, FF, Vice-Presidente, HH, Secretário, RR;

- Direcção – Presidente, AA, Tesoureiro, GG, Secretário, PP;

- Conselho Fiscal - Presidente: UU, Secretários, AAA e QQ (cf. fls. 216 a 218 dos autos).

5) Em Assembleia Geral que teve lugar em 12 de Março de 1996 foi deliberado proceder à destituição dos corpos sociais eleitos na Assembleia Geral de 22/02/1996 e proceder à eleição de outros corpos sociais para o triénio de 1996/98, com a seguinte composição:

- Direcção: EEE, Presidente, DD, Tesoureiro, TT, Secretária;

- Mesa da Assembleia Geral: SS, Presidente, EE, Vice-Presidente, RR, Secretária;

- Conselho Fiscal: BBB, Presidente; QQ e DDD, vogais (cf. fls. 120 a 125 dos autos).

6) Em Assembleia Geral que teve lugar em 16 de Maio de 1996, foram renovadas as deliberações tomadas na Assembleia de 12/03/1996 (cf. fls. 103 a 110 dos autos).

7) Em Assembleia Geral que teve lugar em 7 de Janeiro de 1997, foi deliberada a expulsão dos cooperadores AA, UU, HH, GG e FF, (cf. fls. 84 a fls. 93 dos autos, ata nº25)

8) Mais se deliberou manter a destituição dos corpos sociais eleitos em 22/02/1996; revogar a deliberação de 09/08/1996.

9) Em Assembleia Geral que teve também lugar em 7 de Janeiro de 1997, procedeu-se a eleição dos corpos sociais para o triénio de 1997/99, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral: SS, Presidente, EE, Vice-Presidente, RR, Secretária;

- Direcção:  EEE, Presidente, DD, Tesoureiro, TT, Secretária;

- Conselho Fiscal: BBB, Presidente; QQ e DDD, vogais (cf. fls. 78 a fls. 81 dos autos, ata com o nº26).

10) SS intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos sob o nº….43 no então … Juízo Cível da Comarca …, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas nas AG de 27/06/1988 e 28/06/1988, continuadas em 01/07/1988, e 06/07/1988, a qual mereceu provimento por sentença de 13/10/1989 (cf. fls. 275 dos autos).

11) SS intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos sob o nº…83 no então … Juízo Cível da Comarca …, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas nas AG de 04/12/1989 e 29/08/1991.

12) Por sentença de 29/12/1993, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/11/1994, foi dado provimento ao pedido, sendo declaradas nulas as deliberações da TSF tomadas nas AG realizadas em 04/12/1989 e 29/08/1991 (cf. fls. 230 a 246 dos autos).

13) AA intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que correu termos no então … Juízo Cível da Comarca …, sob o nº 102/95……, pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 05/01/1995, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG (cf. fls. 149 dos autos).

14) O supra referido procedimento cautelar mereceu provimento por sentença de 14/06/1995, tendo transitado em julgado em 30/6/95 (fls. 149 a 178).

15) AA intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos no então 16º Juízo Cível da Comarca ..., sob o nº 102/95…., pedindo para serem declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 05/01/1995, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, com fundamento em a assembleia ter sido convocada por quem não tinha poderes para o efeito e a falta de qualidade de cooperadores que votaram e foram eleitos para os corpos sociais (documento de fls 1081 e sgts).

16) A supra referida acção foi julgada procedente por sentença de 15/07/2003, na qual se declarou nulas as deliberações tomadas na AG de 05/01/1995, sendo, no entanto, tal decisão revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2004, (cf. fls. 1081 e ss. dos autos).

17) No referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2004, mais foi decidido que a AG de 05/01/1995 foi validamente convocada pelo então vice-presidente da mesa da assembleia geral, BBB; e que DDD e EEE mantinham, à data daquela AG, a qualidade de cooperadores, e legitimidade para participar da referida AG.

18) SS intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, eleição dos corpos sociais para o triénio 1996/1998, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial ... dos corpos sociais eleitos nessa AG.

19) SS intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos no então …Juízo Cível da Comarca …, sob o nº… do ano de 1996, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, (cf. fls. 1122 e ss. dos autos).

20) A supra referida acção foi intentada em Março de 1996 e terminou por confissão integral do pedido pela TSF, homologada por sentença de 26/02/1998 que condenou a ré no pedido e transitou em julgado (cf. fls. 1122 e 1130 dos autos).

21) FF intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que correu termos no então … Juízo Cível ..., sob o nº 430/96…., pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 12/03/1996, eleição dos corpos sociais para o triénio 1996/1998, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, (cf. fls. 112 a fls. 117 dos autos).

22) RR intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos no então … Juízo Cível da Comarca ..., sob o nº… do ano de 2002, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 28/08/1989, (cf. fls. 1131e ss. dos autos)

23) A supra referida acção terminou por transacção, mediante a qual a ré TSF reconhece que a AG de 28/08/1989 foi convocada por FF, cuja eleição foi declarada nula por decisão transitada em julgado; aceitando assim a ré TSF o pedido, transacção esta homologada por sentença de 16/05/2002, (cf. fls. 1138 e 1139 dos autos).

24) Em Assembleia Geral da TSF realizada em 16/05/1996 a direcção informou os cooperadores da intenção de alienar a participação que detinha no capital social da Rádio Notícias, decisão esta que a assembleia ratificou por unanimidade.

25) Por apresentação …/20091210, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação e em 14/12/2009 o cancelamento da matrícula da ré Cooperativa TSF (documento de fls 1193).


De Direito

26. Questão prévia: da admissibilidade do recurso de revista

O valor do recurso e da acção, esta intentada a 7/11/2005, é de 14.963,95 (euros).


Na data da PI a alçada do TR era a seguinte


 Artigo 24.º Alçadas

1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 14963,94 e a dos tribunais de 1.ª instância é de (euro) 3740,98.
2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso.
3 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção.

Redacção dada pelo seguinte diploma: Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro


Não se verificam obstáculo relativos ao valor da causa que impeçam a revista.


O recorrente, habilitado pela intervenção das suas duas filhas, tem legitimidade para recorrer e fê-lo atempadamente, tendo ficado vencido na decisão de que pretende recorrer, confirmatória da sentença.


A Lei 41/2013 de 26/6 entrou em vigor a 1/9/2013 e no seu art.º 7º (Outras disposições) vem estabelecido o seguinte:

1 — Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

2 — O Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, não é aplicável aos procedimentos cautelares instaurados antes da sua entrada em vigor.


Esta norma tem sido entendida como consagrando as seguintes regras, conforme acórdão do STJ de 21-05-2014, proc. 44/1999-A.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

I - O novo regime dos recursos, constante do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, aplica-se a todas as decisões proferidas após 01-09-2013, independentemente da data da propositura da acção.

II - O objectivo do art. 7.º, n.º 1, da Lei 41/2013 – ao estabelecer o princípio da aplicabilidade imediata – foi o de uniformizar regimes de recurso, excluindo apenas o obstáculo da dupla conforme à admissibilidade do recurso de revista.
III - Sendo a acção anterior a 01-01-2008 e a decisão recorrida posterior a 01-09-2013, é de 30 dias o prazo de apresentação do requerimento de interposição de recurso, o qual já deverá conter a própria alegação de recurso.


No mesmo sentido é a posição da doutrina – cf. Armindo Ribeiro Mendes, A REGULAMENTAÇÃO DOS RECURSOS NO FUTURO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, disponível em

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_comunicacao_Armindo_Mendes.pdf – onde se afirma:

Fica excluída a aplicação aos processos antigos da regulamentação da “dupla conforme” introduzida em 2007 e em que agora passa a exigir-se que a decisão da Relação, além de não conter voto de vencido, não disponha de fundamentação essencialmente diferente. (p. 6)


Assim, antes da reforma de 2007 não existia uma norma a reportar-se à revista excepcional, sendo a revista apenas prevista no art.º 721.º do CPC, que dizia:

1. Cabe recurso de revista do acórdão da relação que decida do mérito da causa.

2. O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma jurídica aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos art.º 588.º e 716.º.

3. (…)


Não se fala em dupla conforme e por isso “a admissibilidade da revista estava unicamente dependente da verificação de uma situação de inconformismo perante o acórdão da relação que tivesse decidido do mérito da causa” – Abrantes Geraldes, Dos recursos em processo civil, 6ªed, p. 393-4.


Com a reforma de 2007, que entrou em vigor em 1/1/2008, passou a vigorar o regime do art.º 721.º, n.º 3 do CPCv, que estabelecia:

não é admitida revista do acórdão do Tribunal da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.


E o art.º 721º-A do CPCv passou a prever a revista excepcional, por norma que foi aditada pelo Dl 303/2008, de 24 de Agosto, em termos próximos do actual regime do art.º 672.º do CPC.


Isto significa que ao se aplicar ao presente processo o regime vigente anteriormente, será esse regime o que vigorava antes da entrada em vigor da reforma de 2007, i.e, o art.º 721.º na versão anterior ao DL 303/2007[1].

Sendo assim de concluir, como no acórdão do STJ que se indica:

I - Ao recurso de revista interposto em processo instaurado antes de 01-01-2008, não se aplica a regra da “dupla conforme”, pressuposto da revista excecional – art. 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

II - Face ao exposto, não pode ser admitido o recurso de revista excecional, devendo os autos ser remetidos à distribuição como revista normal.

09-11-2017, Revista excepcional n.º 772/04.3TBABF.E1.S1


27. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


27.1. Na revista o recorrente coloca as seguintes questões:

i) a erroneamente invocada autoridade de caso julgado;

ii) a alegada sanação dos vícios de mera anulabilidade ocorridos nas AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997;

iii) a falta de interesse em agir por parte do primitivo A., considerando suposta a validade da AG de 07/01/1997.

28. Entrando no conhecimento do objecto do recurso, com análise da questão i).


28.1. Na questão i) as recorrentes consideram que houve erro de julgamento, não podendo ser invocada a AUTORIDADE DE CASO JULGADO.


No caso dos autos, as decisões das instâncias assentaram na verificação de caso julgado quanto às deliberações tomadas em 05.01.1995 e em 22.02.1996, por considerarem que a validade ou invalidade das referidas deliberações se encontra decidida por decisões transitadas em julgado, tornando inútil o conhecimento do pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais que tiveram lugar em 12.03.1996, 16.05.1996 e 07.01.1997 e dos demais pedidos formulados.

Os argumentos das recorrentes quanto à questão i) são os seguintes:

- A suposta autoridade do caso julgado assentaria na homologação judicial da confissão integral supostamente feita pela TSF – em acção que lhe foi movida pela 9.ª RR:

- A confissão judicial teria sido subscrita, em nome da TSF, pelos 1.º e 10.º RR.;

- Tal autoridade de caso julgado estender-se-ia aos pedidos formulados na PI sob as als. b) a d), no que diz respeito à nulidade da AG de 22/02/1996;

- A autoridade de caso julgado não podia ser declarada porque não havia identidade de partes no processo judicial em que ocorreu a homologação quando comparado com o presente processo;

- A autoridade de caso julgado não podia ser declarada porque a sentença em apreço não apreciou o mérito da acção, limitando-se a homologar a transacção, apenas apreciando – e a seu ver mal – a validade formal de um negócio jurídico;

- O regime do art.º 61.º do CSC impede que a indicada homologação produza efeitos em relação a todos os cooperadores, por não lhes ter sido comunicada;

- A referida transacção (celebrada em 26/02/1998 – entre a 9.ª R. e os 1.º e 10.º RR., enquanto representantes da TSF) – consubstancia um abuso de direito de que tais RR.


O aludido abuso de direito resultaria das seguintes circunstâncias:

- Quando a transacção celebrada em 26/02/1998 – entre a 9.ª R. e os 1.º e 10.º RR., enquanto representantes da TSF (membros da Direcção) – consubstancia um abuso de direito de que tais RR, porque os 1.º e 10.º RR. não podiam arrogar-se na qualidade de representantes da TSF, uma vez que – como consta dos factos provados n.ºs 15 a 17 –, nesse período, estava suspensa a Direcção de que alegadamente fariam parte, eleita em 05/01/1995, situação que se manteve até ao acórdão da Relação de 12/05/2004;

- E não podiam igualmente invocar a eleição supostamente realizada em 12/03/1996, porque essa AG foi forjada através dos actos fraudulentos;

- Essa confissão/transacção nunca foi comunicada aos restantes cooperadores, designadamente ao primitivo A. (AA), que a desconheciam até que foram tardiamente confrontados com ela, já na pendência desta acção.


28.2. Para análise do objeto do recurso, nomeadamente para a questão i), importa ter em consideração factos demonstrados nos autos, que aqui se dão por reproduzidos-

28.3. Analisando.

Para que se pudesse decidir no sentido da existência de autoridade de caso julgado – conforme entendimento do STJ sobre o sentido da autoridade e sua distinção face à excepção de caso julgado, ter-se-ia de encontrar duas decisões judiciais com elementos comuns, nomeadamente a identidade dos sujeitos.

28.3.1. Quanto à deliberação de 05/01/1995, vem dado como provado que:

AA intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que correu termos no então …Juízo Cível da Comarca .., sob o nº 102/95…., pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 05/01/1995, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG (cf. fls. 149 dos autos).

O referido procedimento cautelar mereceu provimento por sentença de 14/06/1995, tendo transitado em julgado em 30/6/95 (fls. 149 a 178).

AA intentou, contra a TSF, ação declarativa, que correu termos no então … Juízo Cível da Comarca ..., sob o nº 102/95, pedindo para serem declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 05/01/1995, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, com fundamento em a assembleia ter sido convocada por quem não tinha poderes para o efeito e a falta de qualidade de cooperadores que votaram e foram eleitos para os corpos sociais (documento de fls. 1081 e ss.).

A referida acção foi julgada procedente por sentença de 15/07/2003, na qual se declararam nulas as deliberações tomadas na AG de 05/01/1995.

Tal decisão foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2004, (cf. fls. 1081 e ss. dos autos).

No referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2004, mais foi decidido que a AG de 05/01/1995 foi validamente convocada pelo então vice-presidente da mesa da assembleia geral, BBB; e que DDD e EEE mantinham, à data daquela AG, a qualidade de cooperadores, e legitimidade para participar da referida AG.


Houve assim uma primeira acção judicial (sob o nº 102/95…), em que o A. na presente acção pedia a declaração de nulidade da AG de 5/01/1995. Por decisão transitada em julgado (proferida a 12/05/2004) o tribunal não decretou a nulidade e ainda decidiu: i) a assembleia foi validamente convocada; ii) DDD e EEE mantinham, à data daquela AG, a qualidade de cooperadores, e legitimidade para participar na indicada assembleia.

Na presente acção o A. pretende que se reaprecie a questão da validade da deliberação da AG de 5/01/1995, tendo a acção sido  intentada pelo referido autor contra 26 réus, na qual se peticiona, nos quais se inclui a TSF, requerendo que sejas declaradas nulas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais de 05/01/1995, bem como todos os atos praticados com base nessas deliberações, designadamente os atos praticados por órgãos sociais eleitos em qualquer dessas Assembleias, sendo ainda decretado o cancelamento das inscrições na Conservatória do Registo Comercial que assentaram em tais deliberações [pedido da alínea a) da presente acção].

Ainda que na presente acção sejam demandados outros RR, que não haviam sido demandados na acção sob o n.º 102/95….., porque o pedido é de declaração de nulidade de deliberações adoptadas em AG de uma cooperativa, acção esta que segue o regime da impugnação das deliberações societárias do CSC, é de concluir que a visada pela declaração de nulidade é a própria entidade que vê a deliberação impugnada – i.e., a cooperativa TSF (art.º 60.º do CSC, aplicável ex vi regime do Código Cooperativo) e os efeitos da declaração de nulidade decretada por decisão judicial são eficazes contra e a favor de todos os cooperadores e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte na acção ou nela não tenham intervindo (art.º 61.º, n.º 1 do CSC, aplicável ex vi regime do Código Cooperativo), não tendo se ser comunicadas aos cooperadores para lhes serem oponíveis, até porque a ressalva dos efeitos da invalidade só estão referidos na lei para os “terceiros de boa fé”, nos quais não se incluem os cooperadores.

E esta é a justificação para que os próprios recorrentes se conformem com a decisão adoptada pelo tribunal a quo, que considerou não poder voltar a apreciar este pedido, por estar abarcado pelo caso julgado da anterior decisão judicial proferida no processo n.º 102/95…, e por isso não arvorarem esta questão como matéria a ser reanalisada por este STJ.

Com o que os recorrentes não se conformam é com decisões implícitas e prévias a esta, que foram decididas no indicado processo n.º 102/95…, mas que o foram como antecedente lógico e prévio do objecto da indicada acção. E essas questões eram a de saber se a assembleia havia sido bem convocada e se alguns dos cooperadores que nela participaram tinha direito a isso (convocação por quem não tinha competência para o efeito e ainda se DDD e EEE podiam participar naquela assembleia geral).

E o desfecho do processo 102/95…. envolveu a resposta às questões, traduzindo-se em afirmar:

i) a convocação para a assembleia geral foi realizada por quem tinha competência para o efeito,

ii) BBB, CCC, EEE e DDD mantinham a qualidade de cooperadores, em 05.01.1995, e que, por esses motivos

iii) inexistia qualquer vício que inquinasse tal deliberação.


28.3.2. Por força da autoridade de caso julgado deste processo 102/95…. e das decisões aí adoptadas pelo tribunal, não pode deixar de se entender que nos presentes autos não pode o tribunal voltar a reapreciar a mesma problemática, sob pena de poder haver contradição de decisões judiciais, o que o legislador não quis ao consagrar o instituto da autoridade do caso julgado.


29. Qualidade de cooperadores e participação em várias AG


29.1. AG de 5/1/1995

Sabendo que nos presente autos se formula o pedido da alínea d), onde se pede:

d) Que seja declarado que os RR. BBB, CCC, EEE e DDD deixaram de ser cooperadores da TSF a partir das datas supra referidas em que apresentaram os seus pedidos de demissão, situação que se mantinha aquando da convocatória e da realização das Assembleias de 05/01/1995 e das outras que se referem nas alíneas precedentes - (1.º segmento da al. d) do pedido);

cumpre questionar se fará sentido discutir nesta acção se BBB, CCC, EEE e DDD mantinham a qualidade de cooperadores, em 05.01.1995?


Recorde-se que, quanto a este pedido, o fundamento invocado pelo autor, no âmbito dos presentes autos, se reconduz ao envio das cartas de demissão em 29.01.1986, 06.07.1988, 12.02.1990 e em 11.10.1994 (cfr. artigo 31.º da petição inicial).

Contudo é de referir que este fundamento foi, igualmente, apreciado no âmbito do processo n.º 102/1995… (cfr. fls. 1092 e ss, vol. V dos autos físicos) e que determinou o desfecho daquela acção, pelo que é forçoso concluir que a análise daquelas questões concretas integrou o silogismo judiciário realizado e determinou a decisão a que ali se chegou – validade da deliberação; manutenção da qualidade de cooperadores na data da AG.

E para assim concluírem, quer a 1.ª instância, quer o tribunal da Relação pronunciaram-se de forma definitiva quanto à não produção de efeitos das missivas enviadas como é possível extrair da leitura de tais decisões. Tais questões foram apreciadas como questões prejudiciais face ao pedido e causa de pedir, reportado à AG de 5/1/1995, e o caso julgado tem de as abranger, projectando os seus efeitos na presente acção.

Pode até ir-se mais longe no sentido de estarem abarcadas pela própria excepção de caso julgado, se se admitir que os pedidos e causa de pedir em análise, confrontadas as 2 acções – a 102/95….. e a actual – são, nesta parte substancialmente iguais.

É por isso de confirmar a decisão recorrida.


29.2. AG de 12.03.1996, 16.05.1996 e 07.01.1997

Vejamos agora o segundo segmento do pedido constante da al. d) (declaração de que BBB, CCC, EEE e DDD não mantinham a qualidade de cooperadores aquando das deliberações tomadas em 12.03.1996, 16.05.1996 e 07.01.1997).

Fazendo o confronto entre a acção n.º 102/95… e o actual processo conclui-se que a pretendida não qualidade de cooperadores resultaria do facto de estas pessoas terem enviados as missivas indicadas em ambos os processos e que são as mesmas.

Ora, no processo n.º 102/95…. houve uma referência ao envio das missivas, e aí foi feita uma apreciação dos efeitos das missivas na perda da qualidade de cooperador. Assim, quanto a BBB, no ponto 1.1., fls. 1103, explica-se que BBB subscreveu e entregou uma carta em 6/7/88, dirigida ao Presidente da Direcção, solicitando a sua demissão de cooperador e no dia seguinte (a 7/7/88) retirou o pedido, por carta, entregue em mão própria na sede da Ré, e ainda que se provou que o pedido de demissão nunca chegou ao conhecimento da Direcção da ré. E porque o Código Cooperativo continha o regime da demissão, com aqueles factos provados, o tribunal concluiu que tal declaração não foi eficaz – art.º 224.º, n.º 1, 1ª parte a contrario do CC – e decidiu que BBB tinha a qualidade de cooperador em 20/12/1994.

Houve assim uma apreciação específica dos factos provados e dos seus efeitos jurídicos, no sentido de dizer que a missiva de 6/7/88 não foi eficaz no sentido de produzir a perda da qualidade de cooperador.

Isso significa que o teor da missiva e os factos relativos ao seu envio, recepção, conhecimento e efeitos foram apreciados; essa apreciação foi fundamental para a decisão de saber se a AG havia sido bem convocada – funcionando como questão prejudicial; e deve entender-se que foi prejudicial também para qualquer finalidade reportada aos efeitos da missiva para o futuro, na medida em que apenas estivesse em causa a mesma missiva.


Quanto à situação de CCC – ponto 1.2. da sentença, a fls. 1104, vol. V.

Para a situação de cooperador de CCC foi tida em conta a carta de 22/02/90, através da qual apresentou a sua demissão ao presidente da mesa da assembleia geral, mas não ficou demonstrado que essa declaração tenha chegado ao poder do presidente ou ao seu conhecimento; considerou-se que a declaração devia ter sido dirigida à Direcção da TSF e que como não o foi, em conjugação com o anteriormente referido, decidiu-se que tal declaração não foi eficaz, não tendo CCC perdido a qualidade de cooperador (a fls. 1105, vol. V).


Quanto à situação de DDD e EEE – ponto 4 da sentença, a fls. 1106, vol. V:

Para a situação de cooperador de DDD foi tida em conta a carta de 11/10/94, dirigida à Direcção da TSF, contendo a indicação de que se pretendia demitir de cooperador, carta esta que foi recebida por AA, seguida de uma outra carta, datada de 19/12/94 na qual aquele primeiro declarava que se desejava manter como cooperador da TSF; esta segunda carta foi recebida pela Direcção da TSF.

A apreciação do tribunal foi a seguinte: a carta de demissão chegou ao poder e ao conhecimento do A, AA, Presidente da Direcção da TSF, pelo que se tornou eficaz – e por isso perdeu a qualidade de cooperador, não podendo esse efeito ser revertido pela segunda missiva, impondo-se que requeresse a sua admissão novamente. Porque assim não actuou, disse o tribunal que não podia participar na AG e não podia ter sido eleito para o Conselho Fiscal, o que determinou a declaração de nulidade de tal deliberação (fls. 1107).


Para a situação de cooperador de EEE foi tido em conta que efectuou uma declaração em 29/01/96, apresentando a sua demissão à Ré, e que esta a aceitou (fls. 1107), conjugada com várias certidões juntas aos autos; em face disto o tribunal concluiu que também este sujeito não tinha a qualidade de cooperador, não podendo ser eleito presidente da Direcção, pelo que é declarada a nulidade de tal deliberação.


A sentença indicada, onde estas questões foram analisadas, reporta-se à AG de 5/1/95 e declarou a nulidade da deliberação, tendo sido proferida em 15/7/2003.


Esta sentença foi objecto de recurso para o TR, que a revogou, julgando improcedente a acção e absolvendo a Ré TSF do pedido, o que aconteceu em 12 de Maio de 2004.


No acórdão do TR houve uma pronúncia específica sobre a participação na AG de DDD e EEE, relativa à sua qualidade de cooperadores, pessoas a quem a sentença havia negado a qualidade de cooperadores.

O caso de DDD foi assim analisado e decidido:

- este senhor escreveu uma carta dirigida à Direcção da TSF, em 11/10/94, diezmdo que pretendia demitir-se; essa carta foi recebida pelo A. (AA); em 19/12/94 DDD dirigiu uma nova carta à Direcção da TSF na qual declarava que se desejava manter como cooperador; esta segunda carta foi recebida pela Direcção;

- a carta de demissão de cooperador só se pode considerar eficaz quando é recebida ou chega ao conhecimento do órgão Direcção, órgão colegial, e não ao Presidente da Direcção;

-DDD tinha então a qualidade de cooperador e legitimidade para participar na AG de 5 de Janeiro de 1995.


O caso de EEE foi assim analisado e decidido:

- EEE foi admitido como cooperante em 19/4/88;

- a admissão como cooperante foi anulada em AG de 27/6/88;

- as deliberações da AG de 27/6/88 foram consideradas inválidas por decisão transitada em julgado em 14/01/93;

- na AG de 28/8/89 a TSF deliberou manter a não admissão de EEE;

- a AG de 28/8/89 foi impugnada invocando-se a sua nulidade, por acção judicial;

- a acção judicial terminou por transacção em que se reconheceu a nulidade das deliberações;

- a sentença do proc 102/95…. errou ao não retirar do desfecho da indicada acção as necessárias consequências no que se reporta à nulidade, devendo ter reconhecido que EEE tinha a qualidade de cooperador.


29.2.1. Do exposto parece resultar o seguinte:

Quanto a DDD, tendo em conta o exposto, ainda que na referida acção judicial (acórdão do TR) não se tenha afirmado que ele mantinha ou tinha já perdido a qualidade de cooperador aquando das deliberações de 12.03.1996, 16.05.1996 e 07.01.1997, porque os fundamentos da perda/manutenção da qualidade de cooperador assentam nas mesmas missivas, analisadas pelo tribunal, e agora se pretende que as mesmas sejam reapreciadas para efeito de saber se produziram efeitos de manutenção/perda da qualidade de cooperador para datas posteriores, mas sem factos posteriores a sustentar o pedido, estamos em crer que a questão não pode voltar a ser reapreciada neste processo, por força da autoridade de caso julgado do indicado acórdão do TRL.

Como se sabe a autoridade de caso julgado não exige a identidade completa do pedido nas acções em confronto, pelo que o facto de na presente acção se pretender a apreciação da validade das deliberações de outras datas, não é impedimento a que considere que a autoridade de caso julgado funcione nesta acção, impedindo que o tribunal tenha de voltar a pronunciar-se sobre questão já decidida e que constitui questão prejudicial na presente acção.

É assim de confirmar o acórdão recorrido na parte em que decidiu estar a questão abrangida pela autoridade de caso julgado (fls. 1379, vol. VI, do processo físico).


29.2.2. Quanto ao caso de EEE, o acórdão do TRL não assentou a sua decisão na análise da missiva de 86, que fora usada pela sentença, mas noutro tipo de argumentação superveniente, reportada à relação de cooperador da TSF, objecto de litígio judicial que só pode ser entendido como tendo reconhecido a EEE a qualidade de cooperador, e sem que a missiva de 86 pudesse impedir esse resultado.

É assim de concordar com a decisão recorrida, que se confirma.



30. AG de 22/2/1996

30.1. Avancemos agora para a análise das questões suscitadas a propósito da deliberação tomada em 22.02.1996.

Vem decidido pela 1ª instância e confirmado pelo tribunal recorrido que esta questão está já resolvida, por força do processo judicial relativo à acção n.º …/1996, que declarou a nulidade da deliberação tomada em 22.02.1996, decisão que se projectaria sobre a matéria em discussão nos presentes autos.

As recorrentes contestam a legalidade desta decisão, argumentando que:

a) Na primeira acção visou-se a declaração da nulidade da deliberação tomada em 22.02.1996;

b) A acção foi proposta por SS;

c) A acção terminou com homologação judicial de confissão do pedido pela Ré TSF/transacção;

d) A confissão do pedido pela Ré TSF/transacção foi subscrita por DD e TT, em representação da TSF;

e) DD e TT haviam sido eleitos, respetivamente, presidente da assembleia geral da TSF e membros da direção da TSF, pela deliberação tomada em 12.03.1996, um mês depois da AG cuja impugnação vinha questionada em Tribunal;

f) O desfecho da acção interessava aos representantes eleitos, reforçando a legitimidade da sua eleição;

g) A admitir-se a extensão dos efeitos da homologação judicial aos presentes autos haveria uma situação de injustificado benefício em proveito dos que actuaram em representação da TSF mas com interesse próprio, eventualmente não equivalente ao interesse da cooperativa que representavam.

Na PI as recorrentes pediram, quanto à AG de 22/2/1996, que:

“c) Que seja declarada a validade da eleição dos órgãos sociais escolhidos nessa Assembleia Geral de 22/02/96”.


30.2. No despacho saneador-sentença de 25/07/2019, o Tribunal tomou as seguintes decisões:

b) A verificação da excepção da autoridade de caso julgado, a qual obstaria à apreciação do mérito da causa no que concerne aos pedidos formulados na p.i. sob as als. a), b), c) e d), com a consequente absolvição da instância, a que acresceria a inutilidade superveniente da lide quanto aos restantes pedidos formulados na p.i., o que determinaria a extinção da instância quanto a eles.


O acórdão recorrido julgou improcedente a apelação – quer relativamente aos pedidos formulados na PI, quer em relação às subsequentes ampliações de pedido, os quais haviam sido apreciados ou na audiência prévia de 9/11/2018, ou no saneador- sentença de 25/07/2019 –, com fundamento, antes de mais, na existência de caso julgado ou autoridade de caso julgado.


O acórdão recorrido considera que a autoridade de caso julgado em que se sustentam as instâncias assenta nos factos provados sob os nºs 18, 19 e 20 do probatório, a saber:

18) SS intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, eleição dos corpos sociais para o triénio 1996/1998, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG.

19) SS intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos no então … Juízo Cível da Comarca ..., sob o nº… do ano de 1996, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, (cf. fls. 1122 e ss. dos autos).

20) A supra referida acção foi intentada em Março de 1996 e terminou por confissão integral do pedido pela TSF, homologada por sentença de 26/02/1998 que condenou a ré no pedido e transitou em julgado (cf. fls. 1122 e 1130 dos autos).


Dos autos decorre ainda que a confissão/transacção foi celebrada em 26/02/1998, numa altura em que a deliberação da AG de 22/2/1996 já havia sido suplantada, na prática, quanto aos titulares dos órgãos eleitos por uma nova deliberação da AG adoptada em 12/3/1996, e na qual vieram a ser eleitos os seguintes membros, para o triénio 1996/1998:

Direcção:

– EEE, Presidente,

– DD, Tesoureiro,

– TT, Secretária;

Mesa da Assembleia Geral:

– SS, Presidente,

– EE, Vice-Presidente,

– RR, Secretária;

-Conselho Fiscal:

– BBB, Presidente;

– QQ e DDD, vogais (cf. fls. 120 a 125 dos autos).

Foi nesta mesma assembleia que se decidiu igualmente proceder à destituição dos corpos sociais eleitos na Assembleia Geral de 22/02/1996, nos quais figuravam:

Mesa da Assembleia Geral:

 – Presidente, FF,

– Vice-Presidente, HH,

– Secretário, RR;

Direcção:

 – Presidente, AA,

– Tesoureiro, GG,

– Secretário, PP;

Conselho Fiscal:

– Presidente: UU,

– Secretários, AAA e QQ (cf. fls. 216 a 218 dos autos).


A acção a impugnar a validade da deliberação de 22/2/96 foi proposta por SS, cooperadora, que não integrou nenhum dos órgãos eleitos nesta AG, mas veio a integrar a Mesa da AG na deliberação de 12/3/1996;

A confissão/transacção foi outorgada pela TSF através da intervenção de DD e TT, a quem foi conferida procuração, e que não integravam os órgãos eleitos na AG de 22/2/1996, mas já integravam a Direcção da TSF ao abrigo da deliberação de 12/3/1996.

Não consta dos autos qualquer facto provado que permita concluir que a sentença homologatória foi colocada em causa, nem por via de acção, nem por via de excepção, nem houve qualquer pedido de invalidação da transacção (nulidade ou anulação), seguidade reacção contra a indicada sentença homologatória.


30.3. Tendo em consideração estes elementos provados nos autos pode suscitar-se a dúvida relativa ao motivo pelo qual a transacção/confissão foi realizada e aos moldes da mesma – como fazem as recorrentes -, mas importa explicitar como se pode realizar essa impugnação, o que passará por responder à questão de saber como se pode colocar em causa uma confissão/ transacção homologada por sentença.


A este propósito já tivemos oportunidade de subscrever acórdão (STJ, de 13/11/2018, Proc. 97/15.9T8MGR.C1.S1)  onde consta o seguinte sumário:

I - A existência de concessões recíprocas constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.

II - A transação pode ir além da mera natureza declarativa – esta, a situação regra –, e produzir efeitos, também translativos, com a atribuição de direitos de uma parte à outra, devendo para tanto colher-se um mínimo de correspondência no texto do documento.

III - Tratando-se de transação judicial, objeto de homologação por sentença transitada e pretendendo-se a declaração de invalidade da mesma, dever-se-á, em um primeiro momento, intentar ação anulatória; obtido ganho de causa, em um segundo momento, pedir a revisão da sentença homologatória.


No mesmo sentido há outra jurisprudência deste STJ:

Sobre a transação e a sentença homologatória veja-se a posição assumida no recente acórdão do STJ, de 3 de Março de 2020, in acórdão do STJ 2020, relativo ao processo n.º 2056/14.0TBGMR-A.G2.S1, onde vem defendido o efeito de caso julgado da sentença:

(início de citação)

19. Independentemente da respetiva forma, destinando-se a transação a pôr termo a um litígio judicial, segue-se-lhe, a sentença homologatória (arts. 290.º, n.os 2, 3 e 4, e 152.º, n.º 2, do CPC). A transação judicial celebrada pelas partes, homologada pelo tribunal, conduziu à extinção da instância. Essa homologação consubstanciou-se, pois, numa sentença, nos termos da qual, na sequência da respetiva análise, o tribunal aprovou o contrato celebrado, nos seus precisos termos. Nesta transação, judicialmente homologada, ocorreu a junção de um ato de autonomia privada (contrato) e de um ato do tribunal (sentença). O tribunal decidiu a causa principal, ainda que não se pronunciasse sobre o respetivo mérito; não dirimiu o conflito aplicando o Direito à matéria de facto. Aprovou antes um ato negocial privado, por ser válido, de modo a que produzisse o efeito de pôr termo ao litígio. Tratando-se de um juízo sobre um negócio, incide sobre o que foi acordado pelas partes.

20. Ficando a instância definitivamente extinta, com a prolação da sentença homologatória, deixa de poder ser apreciado qualquer facto ou circunstância respeitante à transação. A sentença homologatória transitada em julgado permitirá, prima facie, a qualquer dos transigentes, confrontados com a propositura de uma nova ação judicial sobre o conflito que foi objeto da transação homologada, a defesa por meio da exceção de transação judicial homologada. É uma exceção que tem por fonte uma transação que pôs fim à contenda, e que visa obstar à repetição da mesma contenda.

21. A circunstância de a transação judicial ser objeto de uma sentença homologatória, ulteriormente transitada em julgado, parece ser uma exceção dilatória de caso julgado (arts. 577.º, al. i), in fine, 580.º e 581.º, do CPC) ou, pelo menos, uma exceção que produz os mesmos efeitos que a exceção de caso julgado perante uma nova ação sobre o conflito objeto da transação homologada. A questão controvertida já foi decidida por sentença transitada em julgado, sentença absolutória ou condenatória nos precisos termos da transação. De acordo com a doutrina, a exceção de caso julgado é uma exceção material, assente numa decisão do mérito da causa, id est, sobre a relação material controvertida (art. 619.º, n.º 1, do CPC). Subjaz-lhe a necessidade de certeza do direito e de segurança das relações jurídicas, que seriam postas em causa se fossem admitidas duas decisões de mérito sobre a mesma causa (art. 580.º, n.º 2, do CPC). De um lado, afigura-se discutível considerar que a sentença homologatória de transação judicial seja uma sentença de mérito sobre a causa, na medida em que o seu objeto é o mérito do negócio e, de outro lado, pode dizer-se que é já uma decisão de mérito da causa, equiparada à que julga aplicando o Direito aos factos, pois condena e absolve as partes, nos precisos termos do acordo (art. 290.º, n. os3 e 4, in fine, do CPC). Mesmo que assim se não entenda, na eventualidade de uma nova ação sobre o litígio objeto de transação homologada, a decisão nela contida será a primeira decisão de mérito sobre a causa. Existe identidade das partes que são confrontadas, relativamente ao mesmo objeto, com duas decisões de mérito: a primeira, sobre o mérito do negócio jurídico que compôs o litígio; a segunda, sobre o mérito da causa que decidiu o mesmo litígio. Verifica-se, assim, uma grande semelhança com a exceção de caso julgado.

22. Alguma jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça e de algumas Relações, considerou-a como exceção atípica: exceção de transação ou exceptio litis per transactionem finitae. É que a exceção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se repita posteriormente a mesma causa, circunstância que não se verifica na sentença homologatória da transação, pois esta não tem por função decidir a relação material controvertida, visando apenas fiscalizar a validade do acordo celebrado. Muito diferentemente, outra jurisprudência, também do Supremo Tribunal de Justiça e de algumas Relações, reconhece que a transação homologada produz o efeito de caso julgado material, pois que a sentença homologatória de transação não se traduz apenas e tão somente num mero controlo judicial do acordo celebrado. Deste modo, após o trânsito em julgado da sentença homologatória, a transação reveste-se da força obrigatória correspondente à decisão sobre a relação material controvertida.

23. Por seu turno, segundo a doutrina dominante, aplica-se a exceção dilatória de caso julgado à sentença homologatória de transação. A ratio da previsão da exceção de caso julgado encontra-se também na propositura de uma nova ação judicial sobre os factos objeto de transação judicial homologada: evitar uma nova decisão judicial sobre uma questão já decidida, prevenindo decisão contraditória sobre a mesma causa ou repetição da mesma. Importa igualmente levar em linha de conta que, no seu juízo de mérito sobre a transação, o tribunal, além de conferir a sua validade, decide, quando seja caso disso, condenar as partes a observar o acordo nos precisos termos em que foi celebrado. Isto é, a sentença homologatória da transação chama a si, ainda que em necessária concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. Sem a sentença homologatória, a instância manter-se-ia.

(fim de citação)


Ac. do STJ de 02 Junho 2021, Processo 2381/19.3T8CBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde está sumariado:

I. A questão da alegada ofensa do caso julgado configura uma das situações em que, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, centrado na apreciação dessa questão e das nulidades do acórdão recorrido que com ela se conexionem.
II. Uma decisão «constitui caso julgado nos precisos termos em que julga» (art. 621º do CPC). Daí que não seja de concluir pela existência de caso julgado, relativamente à obrigatoriedade (ou não) da devolução de quantias penhoradas numa acção executiva, se o despacho proferido considerou que o meio indicado para dirimir o litígio entre as partes seria um acção declarativa.

III. Uma sentença homologatória de uma transacção, condenando ou absolvendo as partes nos termos acordados, é susceptível de constituir caso julgado material.
Sendo interposto um recurso com invocação da ofensa do caso julgado relativamente a uma tal sentença, não pode o Tribunal da Relação deixar de interpretar, à luz do disposto nos arts. 236º e 238º do C. Civil, os termos da transacção homologada, de modo a aferir da procedência de um pedido assente nos efeitos dessa transacção.

IV. No que tange à autoridade do caso julgado (vertente positiva, baseada numa relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira, surgindo esta como pressuposto daquela), não é exigível a tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC, diversamente do que sucede com a excepção (vertente negativa do caso julgado).

V. Prevendo o art. 291º do CPC meios (acção ou recurso de revisão) para obter a declaração de nulidade ou anulação de uma transacção, não podem eles ser substituídos por uma mera alegação, ex novo, no âmbito de um recurso de revista, invocando a existência de erro enquadrável no art. 247º do C. Civil.


Ac. STJ de 17-11-2016, processo 311/13.5TTEVR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde está sumariado:

1. A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem como finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.2. A força e autoridade do caso julgado caracterizam-se pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respetivo trânsito em julgado

3. A transação, embora sujeita a homologação judicial, é um contrato que, como tal, constitui a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram, limitando-se a sentença homologatória a apreciar a validade da transação, reconhecendo e declarando os direitos e obrigações que nela foram constituídos e nos exatos termos em que o foram.

4. Inexistindo nos termos duma transação, homologada por sentença transitada em julgado, efetuada num Processo de Insolvência requerida por alguns trabalhadores contra a sua empregadora, qualquer cláusula ou qualquer referência, explícita ou implícita, sobre a resolução com justa causa dos seus contratos de trabalho e nem sobre os créditos relativos às indemnizações devidas por essa resolução, não há ofensa de caso julgado, ou da sua força e autoridade, entre ela e uma ação comum, emergente de contrato de trabalho, instaurada pelos mesmos trabalhadores contra a mesma empregadora, em data posterior ao do trânsito daquela, e em pedem que, em consequência da resolução, lhes seja paga a indemnização respetiva.


Ainda que o acórdão se reporte a matéria de direito laboral, as disposições legais relativas ao caso julgado e à transacção, integram o direito comum (processual e civil), sendo de aplicação ainda a processos de impugnação de deliberações sociais.


Esta orientação é sufragada pela doutrina, conforme podemos verificar no blog do ippc, em anotação ao Ac. do TRG 26/3/2015 (2454/14.9TBBRG.G1) com o seguinte sumário, e onde Miguel Teixeira de Sousa  diz-se:

“Anotação

2. Suponha-se que, após a homologação de uma transacção (cf. art. 290.º, n.º 3, CPC), é proposta por uma das partes desse negócio uma nova acção. São possíveis duas situações:
-- Na acção posterior, a parte pede o mesmo que consta da transacção e da sentença homologatória;
-- Na acção posterior, a parte pede algo que já tinha sido pedido na acção na qual foi celebrada a transacção, mas sobre o qual nada foi estipulado naquele negócio.
No primeiro caso, é claro que, na segunda acção, opera a excepção de caso julgado (cf. art. 580.º e 581.º CPC). É indubitável que a sentença homologatória de uma transacção adquire valor de caso julgado material e fundamenta a excepção de caso julgado. De acordo com o disposto no art. 290.º, n.º 3, CPC, o tribunal deve verificar se a transacção celebrada entre as partes é válida e, em caso afirmativo, deve condenar ou absolver nos precisos termos do negócio concluído entre as partes. Isto significa que a sentença homologatória da transacção é também uma sentença condenatória e absolutória.
Esta sentença homologatória é recorrível por qualquer das partes, nomeadamente se não corresponder ao sentido da transacção concluída entre elas. Sendo assim, não pode deixar de se entender que aquela sentença -- como qualquer outra sentença -- transita em julgado quando deixar de ser impugnável (cf. art. 628.º CPC). Aliás, a entender-se que, apesar de transitada, a sentença homologatória não adquiriria valor de caso julgado, isso implicaria que o que nela é decidido não beneficiaria nem do conhecimento oficioso da excepção de caso julgado (cf. art. 578.º CPC), nem da protecção que, quanto à recorribilidade, é concedido a esse caso julgado (cf. art. 629.º, n.º 2, al. a), CPC).
A formulação que consta do sumário do acórdão quanto à excepção de caso julgado -- que reflecte o afirmado na sua fundamentação -- é, assim, algo equívoca. É indiscutível que a sentença homologatória de uma transacção -- bem como, de uma desistência ou de uma confissão do pedido -- é susceptível de fundamentar a excepção de caso julgado.
3. A segunda das situações acima referidas -- aquela em que parte repete um pedido que foi formulado na primeira acção, mas que não foi objecto da transacção celebrada entre as partes nessa acção -- pode ser exemplificado com o caso sub iudice: foi proposta uma acção em que o autor pedia a resolução de um contrato de utilização de uma loja num centro comercial e a sua restituição com as benfeitorias que o réu nela realizara; as partes acabaram por celebrar uma transacção em que nada ficou estipulado sobre estas benfeitorias; o anterior réu instaurou uma providência cautelar destinada a obter do anterior autor o pagamento das benfeitorias que realizara na loja que entretanto lhe restituira. Pergunta-se se o réu ainda pode vir a pedir o pagamento destas benfeitorias.
Impõe-se certamente uma resposta negativa. A transacção destina-se a compor definitivamente um determinado litígio (cf. art. 1248.º, n.º 1, CC), pelo que, na falta de qualquer restrição constante da transacção, há que entender que a mesma compõe todo o litígio que existia entre as partes (aliás, se assim não suceder, a acção terá necessariamente de continuar para apreciação das questões não abrangidas pela transacção). Fica assim precludida qualquer acção -- e, naturalmente, qualquer procedimento cautelar -- com um objecto parcialmente coincidente com o do objecto da acção na qual foi celebrada a transacção (e cuja instância se extinguiu depois da transacção, precisamente porque este negócio pôs termo ao litígio existente entre as partes).
É neste contexto que o acórdão, com apoio em Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil III (1946), 499), entende que a sentença homologatória de uma transacção não é susceptível de fundamentar a excepção de caso julgado, mas antes a excepção de transacção. O que realmente se verifica é uma excepção (dilatória) de preclusão: após a celebração da transacção, fica precludido qualquer pedido que já tivesse sido formulado na acção em que foi celebrada a transacção, mesmo quando sobre ele nada conste nesta transacção”.

30.4. Olhemos assim para a sentença homologatória do processo de impugnação da AG de 22/2/1996, a fls. 1130 dos autos físicos (vol. 5), onde consta, com data de 26 de fevereiro de 1998:

“Decisão

O tribunal olhando à natureza disponível do objecto da causa e à qualidade dos intervenientes, homologa a confissão e condena a ré no pedido, art.º 293.º, 297.º e 300.º do CPC”.


Em 1998, vigorava a versão do CPC, com a versão dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, onde os art.ºs 293.º, 297.º e 300.º diziam:

Artigo 293.º Liberdade de desistência, confissão e transacção
1 - O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido.
2 - É lícito também às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objecto da causa.

Artigo 297.º - Desistência, confissão ou transacção das pessoas colectivas, sociedades, incapazes ou ausentes
Os representantes das pessoas colectivas, sociedades, incapazes ou ausentes só podem desistir, confessar ou transigir nos precisos limites das suas atribuições ou precedendo autorização especial.
Artigo 300.º - Como se realiza a confissão, desistência ou transacção

1- A confissão, desistência ou transacção podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo.

2 - O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.

3 - Lavrado o termo ou junto o documento, examinar-se-á se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, desistência ou transacção é válida, e no caso afirmativo, assim será declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.

4 - A transacção pode também fazer-se em acta, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz. Em tal caso, limitar-se-á este a homologá-la por sentença ditada para a acta, condenando nos respectivos termos.

5 - (Revogado.)



Das citadas normas resultava uma equiparação de regime (quase) completa entre a confissão e a transacção, não obstante serem realidades diferentes.

No caso em análise o tribunal aludiu a confissão e a mesma veio a ser homologada, envolvendo a condenação no pedido da Ré TSF, que incluía:

a) Declaração de nulidade das deliberações tomadas da AG da Ré de 22/2/1996, e

b) Cancelamento da inscrição na CRC de Lisboa dos corpos sociais eleitos na mesma assembleia.


Não tendo sido colocada em causa o valor da sentença homologatória da declaração de nulidade da deliberação da AG de 22/2/1996, e vindo a repetir-se o mesmo pedido de declaração de nulidade na presente acção, na medida em que a acção é proposta também contra a TSF (e seus cooperadores, por essa via), os efeitos do decidido projectam-se na presente acção por efeito do caso julgado, funcionando aqui a excepção de caso julgado.

Por isso andou bem o tribunal recorrido ao decidir que há verificação da excepção da autoridade de caso julgado, a qual obsta à apreciação do mérito da causa no que concerne ao pedido formulado na p.i. sob a c) e d), com a consequente absolvição da instância.


31. Vejamos agora a situação colocada pela segunda questão do recorrente, relativa à alegada sanação dos vícios de mera anulabilidade ocorridos nas AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997.


31.1. O Tribunal recorrido disse:

“Quanto às assembleias de 12/3/96, 16/5/96 e de 7/1/97, cuja nulidade é pedida na mesma alínea a) da petição inicial, não existem decisões anteriores que tenham decidido com igual pedido, causa de pedir e sujeitos, tendo o autor apresentado como causa de pedir para a nulidade da AG de 12/3/96 a falta de convocação para a assembleia e, para a nulidade das AGs de 16/5/96 e de 7/1/97, a convocação por quem não tinha poderes para o efeito.

As deliberações da AG de 12/3/96 foram renovadas nas AGs de 16/5/96 e de 7/1/97, ficando assim sanada eventual falta de convocação da AG de 12/3/96, alegando, porém o autor apelante que, quanto a estas duas últimas assembleias se mantém a invalidade, já que foram convocadas por membros de órgãos sociais que à data se encontravam inibidos de o fazer, uma vez que estava em vigor a decisão proferida na providência cautelar referida nos pontos 13) e 14) dos factos, a qual só veio a caducar com o acórdão do Tribunal da Relação referido no ponto 16) e 17) dos factos, de 12/5/2004, que julgou a acção improcedente, defendendo o apelante que nessa altura eram os órgãos sociais eleitos na AG de 22/2/96 (que o apelante integrava, na qualidade de presidente da direcção) os que teriam legitimidade para convocar uma assembleia geral.

Sucede que, como se vê dos factos provados dos pontos 18), 19) e 20), a ré SS intentou acção contra a ré cooperativa TSF em Março de 1996, quando o autor era cooperador da TSF, pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na AG de 22/2/96 com a suspensão da inscrição na C.R. Com. dos corpos sociais eleitos nessa AG., tendo esta acção terminado por confissão do pedido pela ré TSF, homologada por sentença que condenou a ré no pedido e transitou em julgado, com efeitos relativamente aos cooperadores por força do artigo 61º do CSC, aplicável por via subsidiária e que estabelece que a sentença que declarar a nulidade ou anular uma deliberação é eficaz relativamente a todos os sócios, mesmo que não tenham tido intervenção na acção.

Deste modo, constituindo a invalidade invocada pelo apelante relativamente às referidas AGs de 12/3/96, 16/5/96 e 7/1/97 eventual causa de anulabilidade e não de nulidade (artigos 56º e 58º do CSC), não tendo o autor impugnado as mesmas AGs, tendo decorrido há muito o prazo de 30 dias previsto no artigo 58º CSC, haverá que ponderar que, independentemente do cumprimento ou incumprimento da decisão proferida na providência cautelar, o certo é que improcedeu a respectiva acção principal, onde se pedia a nulidade das deliberações da AG de 5/1/95, tendo, pelo contrário, obtido procedência a acção em que se pediu a declaração de nulidade das deliberações da AG de 22/2/96.

Perante estas decisões transitadas em julgado, que julgaram legítima a eleição dos corpos sociais integrados pelos réus e não legítima a eleição dos corpos sociais integrados pelo autor, conclui-se necessariamente que as mesmas têm autoridade de caso julgado por terem decidido definitivamente matéria que é pressuposto das decisões que se pretende obter na presente acção e, como tal, impedem o conhecimento de mérito relativamente aos pedidos de declaração de nulidade das deliberações das AGs de 13 [rectius 12] /3/96, 16/5/96 e 7/1/97, bem como dos pedidos formulados na alínea b), ou seja, declaração de nulidade do cancelamento da inscrição da eleição dos órgãos sociais objecto da deliberação da AG de 22/2/96, na alínea c), ou seja, declaração de validade da eleição dos órgãos sociais escolhidos nessa AG de 22/2/96 e na alínea d), ou seja, declaração de que algum dos réus não tinham a qualidade de cooperadores aquando da convocação e realização da AGs em causa.

Devem, pois, os réus ser absolvidos da instância, ao abrigo do artigo 576º nº 2 do CPC.

“Por outro lado, não sendo inválida a AG de 7/1/97, em que foi aplicada ao autor a sanção disciplinar de expulsão da cooperativa TSF (sanção esta que o autor não discutiu, limitando-se a impugnar as deliberações desta AG com fundamentos formais) tem de se concluir que o autor, deixando de ser cooperador a partir de então, não tem interesse em agir relativamente a todos os outros pedidos formulados nas alíneas e) a l) da petição inicial, o que leva à absolvição dos réus da instância igualmente relativamente a estes pedidos.”


31.2. Contrapõe o recorrente a sua visão do problema, indicando que:

1- o acórdão recorrido aplicou erroneamente à situação dos autos o regime dos arts. 56.º a 59.º, do CSC, uma vez que as deliberações das AG’s de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997 não são anuláveis, mas sim nulas;

2- as situações em que não há convocatória (na AG de 12/03/1996) ou em que a convocatória é subscrita por quem não tinha competência para o efeito (nas AG’s de 16/05/1996 e 07/01/1997) geram a nulidade de todas as deliberações tomadas nesse âmbito, como expressamente decorre do art. 56.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CSC.


31.3. Analisando.


Os factos provados relevantes reportados a estas AG de 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997 são os seguintes:

5) Em Assembleia Geral que teve lugar em 12 de Março de 1996 foi deliberado proceder à destituição dos corpos sociais eleitos na Assembleia Geral de 22/02/1996 e proceder à eleição de outros corpos sociais para o triénio de 1996/98, com a seguinte composição:

- Direcção: EEE, Presidente, DD, Tesoureiro, TT, Secretária;

- Mesa da Assembleia Geral: SS, Presidente, EE, Vice-Presidente, RR, Secretária;

- Conselho Fiscal: BBB, Presidente; QQ e DDD, vogais (cf. fls. 120 a 125 dos autos).

6) Em Assembleia Geral que teve lugar em 16 de Maio de 1996, foram renovadas as deliberações tomadas na Assembleia de 12/03/1996 (cf. fls. 103 a 110 dos autos).

7) Em Assembleia Geral que teve lugar em 7 de Janeiro de 1997, foi deliberada a expulsão dos cooperadores AA, UU, HH, GG e FF, (cf. fls. 84 a fls. 93 dos autos, ata nº25)

8) Mais se deliberou manter a destituição dos corpos sociais eleitos em 22/02/1996; revogar a deliberação de 09/08/1996.

9) Em Assembleia Geral que teve também lugar em 7 de Janeiro de 1997, procedeu-se a eleição dos corpos sociais para o triénio de 1997/99, com a seguinte composição:

- Mesa da Assembleia Geral: SS, Presidente, EE, Vice-Presidente, RR, Secretária;

- Direcção: EEE, Presidente, DD, Tesoureiro, TT, Secretária;

- Conselho Fiscal: BBB, Presidente; QQ e DDD, vogais (cf. fls. 78 a fls. 81 dos autos, ata com o nº26).

18) SS intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, eleição dos corpos sociais para o triénio 1996/1998, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial ... dos corpos sociais eleitos nessa AG.

19) SS intentou, contra a TSF, acção declarativa, que correu termos no então … Juízo Cível da Comarca ..., sob o nº… do ano de 1996, pedindo sejam declaradas nulas as deliberações tomadas em AG de 22/02/1996, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, (cf. fls. 1122 e ss. dos autos).

20) A supra referida acção foi intentada em Março de 1996 e terminou por confissão integral do pedido pela TSF, homologada por sentença de 26/02/1998 que condenou a ré no pedido e transitou em julgado (cf. fls. 1122 e 1130 dos autos).

21) FF intentou, contra a TSF, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, que correu termos no então … Juízo Cível ..., sob o nº…./96, pedindo seja decretada a suspensão da execução das deliberações tomadas em AG de 12/03/1996, eleição dos corpos sociais para o triénio 1996/1998, e seja decretada a suspensão da inscrição na Conservatória do Registo Comercial de ... dos corpos sociais eleitos nessa AG, (cf. fls. 112 a fls. 117 dos autos).


31.4. Quanto às AG de 12/03/1996, 16/05/1996, é de concordar com o acórdão recorrido no sentido de a validade de tais deliberações sociais não ter sido apreciada pelos tribunais, antes da presente acção, por não ter sido solicitada.

É também de concordar com a eventual sanação da invocada e suposta invalidade das deliberações adoptadas em 12/3/96, reportada à falta de convocação, por via da renovação das deliberações nas assembleias subsequentes, por via das disposições conjugadas do art.º 56.º, n.º 1, al. a) e 62.º, n.º 1 do CSC, aplicável às cooperativas.

Na presente acção o que o A. quer é que o tribunal diga se para a mesma foram convocados os respectivos cooperadores, nomeadamente o A. e os 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 11.º, 12.º e 13.º réus.

Mas terá isso utilidade considerando a renovação das deliberações em momentos posteriores?

A resposta está dada já – é uma apreciação inútil, relativamente à deliberação de 12/3/1996, por via da sanação da nulidade reportada à eventual falta de convocação.


31.5. Se entendermos, como se disse, que o problema está sanado quanto à falta de convocação da AG de 12/3/1996, o problema passará para a AG seguinte – a de 16/5/1996.

Nesta AG renovaram-se as deliberações adoptadas em 12/3/1996 e o A. invoca apenas que não foi convocada por quem tem poderes para o fazer, mas já não a sua não convocação para a mesma.

Mas a questão dos poderes para a convocação desta AG, que não foi impugnada nem objecto de apreciação judicial, encontra nos elementos disponíveis nos autos a sua resposta: por força das anteriores decisões judiciais e seus efeitos sobre o presente processo, em 16/5/96 os órgãos sociais da cooperativa TSF eram compostos, no que à mesa da AG se reporta, por SS, na qualidade de presidente, e foi ela quem convocou a AG (facto da PI, art.º 65.º).

Deve por isso improceder o pedido de declaração de invalidade da AG de 16/5/96 por ter sido convocada por quem tinha poderes para o fazer.


31.6. O mesmo raciocínio é aplicável à AG de 07.01.1997, pelas mesmas razões.

Deve por isso improceder o pedido de declaração de invalidade da AG de 07.01.1997 por ter sido convocada por quem tinha poderes para o fazer.


 31.7. Por outro lado, também se verifica que da decisão judicial relativa ao processo …/96, com homologação de confissão/transacção, resultou decretada a nulidade da deliberação de 22/2/96, não podendo atribuir-se à mesma deliberação os efeitos pretendidos de designar novos titulares de órgãos sociais; porque a eleição efectuada na deliberação declarada nula não subsistiu na ordem jurídica, os órgãos sociais da TSF eram, na data desta assembleia, os eleitos em 5 de Jan de 1995, para o triénio 95/97.

E seria a partir desses eleitos que se poderia aferir da legitimidade para convocar as AG de 12/3/96, e das de 16.05.1996 e 07.01.1997.

É de assim concordar com a decisão recorrida quando não dá razão ao recorrente no argumento que aduz no sentido de quem convocou a AG não ter poderes para o efeito, por estarem inibidos de o fazer, uma vez que estava em vigor a decisão proferida na providência cautelar referida nos pontos 13) e 14) dos factos, a qual só veio a caducar com o acórdão do Tribunal da Relação referido no ponto 16) e 17) dos factos, de 12/5/2004, que julgou a acção improcedente, defendendo o apelante que nessa altura eram os órgãos sociais eleitos na AG de 22/2/96 (que o apelante integrava, na qualidade de presidente da direcção) os que teriam legitimidade para convocar uma assembleia geral.

Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação, ainda que proferido mais tarde, não pode deixar de produzir os seus efeitos para o momento anterior; se aí se decidiu que a deliberação era inválida, dela decorreu a ilegitimidade dos órgãos eleitos (no qual o recorrente figurava como presidente), e a legitimação para a convocação da AG, com os anteriores órgãos designados da Ré – questão que só com o acórdão do TR ficou encerrada.

A questão foi já desenvolvida anteriormente, pelo que não cumpre reanalisá-la.


31.8. Considerando que o A. também questiona o tipo de vícios das AG de 12/3/96,16/5/96 e 7/1/97 – se geradores de nulidade ou anulabilidade – sempre importaria dizer que a questão só deve ser objecto de pronúncia expressa pelo tribunal na medida em que a mesma assuma relevância para a resolução da presente acção, e isso não sucede; na medida em que a questão releva está a mesma apreciada por reporte ao fundamento de invalidade invocado pelo A., e tipo por não procedente, com o que a questão se encontra resolvida (conforme supra se justificou a propósito de cada uma das deliberações).


31.9. O argumento do recorrente no sentido de que o tribunal recorrido não replicou a fundamentação da 1ª instância é incoerente com o próprio recurso em que se assumiu existir dupla conformidade e por isso se lançou mão da revista excepcional. Como se justificaria essa opção se a fundamentação do acórdão recorrido não tivesse assumido a decisão da 1ª instãncia, na parte em que não entendeu dela afastar-se expressamente – ainda que com argumentos adicionais viesse a confirmá-la?


32. Entrando agora na análise da terceira questão recurso – a da falta de interesse em agir por parte do primitivo A., considerando suposta a validade da AG de 07/01/1997.


32.1. No acórdão recorrido foi dito:

“Por outro lado, não sendo inválida a AG de 7/1/97, em que foi aplicada ao autor a sanção disciplinar de expulsão da cooperativa TSF (sanção esta que o autor não discutiu, limitando-se a impugnar as deliberações desta AG com fundamentos formais) tem de se concluir que o autor, deixando de ser cooperador a partir de então, não tem interesse em agir relativamente a todos os outros pedidos formulados nas alíneas e) a l) da petição inicial, o que leva à absolvição dos réus da instância igualmente relativamente a estes pedidos.

(…)


32.2. Pelos motivos expostos anteriormente em relação ao objecto deste recurso não há qualquer razão para considerar que a decisão recorrida esteja errada, uma vez que a deliberação de 7/1/97 envolveu para o A. a perda da sua qualidade de cooperador, qualidade que o legitimava a intentar as acções judiciais que entendesse relativamente ao período em que foi cooperador, mas já não em relação a circunstâncias da vida da organização da qual não é membro, sobretudo se posteriores a essa data ou posteriores a deliberações tidas por válidas por decisão judicial, ou não susceptíveis já de impugnação.

A falta de interesse do A. determina que não se deve entrar no conhecimento do pedido, que assim fica prejudicado, conforme também vem decidido pelo tribunal a quo.


32.3. Quanto ao argumento do A. no sentido de ter impugnado a sua expulsão de cooperador, sempre se diria que parece um raciocínio “circular”, atento o entendimento formulado quanto à validade das indicadas deliberações supra expostas, por referência à não convocação e convocação por quem não tinha poderes.


33. São estas duas as razões de decidir adoptadas no acórdão recorrido relativamente à questão suscitada na apelação – reportada à ampliação do pedido (negada na 1ª instância) e com a qual se concorda igualmente: falta de interesse em agir; questão prejudicada.


No acórdão recorrido foi dito:

 II) Ampliação do pedido.

Entendeu também a sentença recorrida que haveria igualmente fundamento para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, face à dissolução e liquidação da ré Cooperativa TSF, que implica a extinção da personalidade jurídica e judiciária desta ré, não sendo aplicável ao caso o artigo 162º do CSC.

Esta decisão não foi directamente impugnada nas alegações de recurso, mas sim indirectamente, pois o apelante impugna a decisão de não admissão da ampliação do pedido formulada na réplica e as concretizações posteriormente efectuadas, sendo todos os pedidos formulados neste âmbito relacionados com a extinção da ré Cooperativa TSF e pressupondo a utilidade do prosseguimento da acção apesar dessa extinção.

Contudo, pelos mesmos motivos pelos quais o autor não tem interesse em agir relativamente aos pedidos das alíneas e) a l) da petição inicial, não os terá também para os pedidos formulados em sede de ampliação do pedido, ficando prejudicada esta questão. (…)


III. Decisão

Pelos fundamentos expostos é negada a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa,16 de Novembro de 2021


Fátima Gomes (relatora)

Fernando Samões

Maria João Vaz Tomé, que vota vencida, nos termos da declaração junta.


Com todo o respeito, voto vencida com os seguintes fundamentos.

Importa recordar que, no que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito que tanto a doutrina  como a jurisprudência têm lhe têm reconhecido duas dimensões distintas: a) a primeira, que desempenha uma função negativa, reconduz-se à exceção de caso julgado que obsta a que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;  b) a segunda, que desenvolve uma função positiva, designada como autoridade do caso julgado, conduz a que a solução nele compreendida se torne vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

No caso em apreço, parece verificar-se a exceção de caso julgado da decisão contida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de maio de 2004 (proc n.º .../95), no sentido da validade das deliberações adotadas a 5 de janeiro de 1995. Ela obsta a que a questão da invalidade destas deliberações, com os mesmos fundamentos, volte a ser discutida entre as mesmas partes. Na verdade, na presente ação repete-se causa idêntica, verificando-se a tríplice identidade:  dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.

Contudo, quanto ao âmbito objetivo do caso julgado,“[t]ransparece do regime legal a opção por um sistema restritivo (não extensão do caso julgado), embora sejam atraentes as vantagens de economia e harmonização de julgados emergentes de um sistema que estenda a indiscutibilidade aos fundamentos[2]. Ao lado da sua maior adequação ao princípio dispositivo dominante no processo civil[3], também uma noção de proporcionalidade enquanto graduação de esforços no processo pela extensão dos interesses que nele são postos em causa[4], assim como o sistema da substanciação da causa de pedir, depõem a favor de um sistema restritivo[5]. Na verdade, “só deve revestir força de caso julgado a solução da questão central do processo, para cujo esclarecimento convirjam todos os esforços, que seja no processo o tema primário, absoluto, de investigação; não as soluções de questões que no processo só interessem relativamente, como simples meio de esclarecimento daquela[6]. Por isso, os motivos esgotam a sua função enquanto servem para explicar o conteúdo e âmbito da decisão.   O valor de caso julgado da decisão não se estende à respetiva fundamentação (nem de direito nem, naturalmente, de facto). Assim, o caso julgado não abrange as resoluções prévias à decisão adotada no proc. n.º .../95: que a AG foi validamente convocada pelo então vice-presidente da mesa da assembleia geral, BBB; que DDD e EEE mantinham, à data daquela AG, a qualidade de cooperadores e tinham legitimidade para participar na referida AG.

Por conseguinte, não pode também proceder a autoridade do caso julgado (figura que não tem consagração legal) da decisão absolutória proferida na primeira ação (proc. n.º .../95) para impedir a discussão e a decisão da pretensão formulada pelo Autor nesta ação de declaração da nulidade das deliberações adotadas nas AGs de 12 de março de 1996, de 16 de maio de 1996 e de 7 de janeiro de 1997. A autoridade de caso julgado não pode abranger os fundamentos da decisão transitada que condiciona a apreciação do objeto de uma ação subsequente.

Note-se, aliás, que  a relação de correspetividade entre as duas ações se restringe à proibição da contradição que, no caso em apreço, não pode verificar-se: uma decisão que declarasse a nulidade das deliberações de 10 de março de 1996, de 16 de maio de 1996 e de 7 de janeiro de 1997 não contradiria a decisão que declarou a validade das deliberações tomadas na AG de 5 de janeiro de 1995 (questão diferente é a de se saber se os factos alegados pelo Autor permitem a obtenção do efeito jurídico pretendido como forma de tutela do seu interesse). O mesmo se diga a propósito da relação entre a ação que correu termos sob o n.º 1180)1996 e a presente ação: uma decisão que declarasse a nulidade das deliberações de 10 de março de 1996, de 16 de maio de 1996 e de 7 de janeiro de 1997 não contradiria a decisão que declarou a nulidade da deliberação adotada na AG de 22 de fevereiro de 1996 (questão diferente é a de se saber se os factos alegados pelo Autor permitem a obtenção do efeito jurídico pretendido como forma de tutela do seu interesse).

A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Não conduz à absolvição da instância.

Por último, não me parece pacífico que a sentença homologatória de uma confissão do pedido produza (reconhecimento da nulidade das deliberações adotadas na AG de 22 de fevereiro de 1996) – proc. n.º 1180/1996 -, sem mais, os mesmos efeitos que a sentença homologatória de transação. Além do mais, in casu, a confissão do pedido visou interesses próprios dos confitentes e não o interesse social da TSF.

___________

[1] Não se trata de nenhuma das situações reguladas autonomamente em legislação avulsa para a qual a dupla conforme impedisse a revista, como era possível já naquela época com certas temáticas – cf. nota 592, p. 411, Abrantes Geraldes, Dos recursos em processo civil, 6ªed.
[2]  Cf. MARIA JOSÉ CAPELO, A Sentença entre a Autoridade e a Prova – Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Almedina, Coimbra, 2016, pp.51-52; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado” (jurisprudência crítica), RDES, ano XXIV, 1977, pp.304-307.
[3] Cf. JOÃO DE CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa, 1968, p.110. 
[4] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado” (jurisprudência crítica), RDES, ano XXIV, 1977, pp.304 e ss, pp.309-310.
[5] Cf. MARIA JOSÉ CAPELO, A Sentença entre a Autoridade e a Prova – Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Almedina, Coimbra, 2016, pp.62-63; JOÃO DE CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa, 1968, pp.119 e ss.
[6]   Cf. JOÃO DE CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa, 1968, p.117.