JUSTO IMPEDIMENTO
REVELIA OPERANTE
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
Sumário

I - O justo impedimento constitui excepção à regra prevista no artigo 139º, n.º 3, do CPC, segundo a qual o decurso do prazo peremptório extingue o direito de a parte praticar determinado acto processual;
II - São requisitos cumulativos do «justo impedimento»: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, isto é, que não se deva a culpa sua (por não ser normalmente previsível ou, sendo-o, não terem aqueles actuado de forma censurável); e que o evento determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto.
III - Além disso, exige-se, em termos temporais, que o requerente do justo impedimento tenha que se apresentar a alegá-lo e a prová-lo logo que o mesmo cesse, devendo considerar tal acto como urgente.
IV - Não se pode reconhecer tal situação de justo impedimento, numa situação em que a parte, além de não ter logrado efectuar essa alegação e prova do impedimento, não apresentou o seu requerimento no momento em que o alegado impedimento cessou, mas sim mais tarde depois de ter efectuado outra intervenção no processo.
V - O dever previsto no art. 41º do CPC de prover, nas acções em é obrigatória a constituição de Advogado, pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, a que a lei adstringe o juiz, só ocorre nos casos em que o Réu tenha praticado actos reservados a profissionais forenses (ou seja, naqueles que não estão incluídos na previsão do nº 2 do art. 40º); se o réu não praticou qualquer um daqueles actos na acção pendente, não há qualquer fundamento para que o juiz providencie pelo suprimento da falta de patrocínio judiciário, mesmo nos casos em que aquele não apresentou contestação;
VI - Face à não apresentação de contestação – que é a peça processual onde o Réu poderia ter exercido o seu direito de defesa e o contraditório relativamente às alegações fácticas e de direito constantes da petição inicial – nunca se poderia exigir ao tribunal, mesmo naquelas situações em que o réu interveio na acção com a prática de actos não reservados a profissionais forenses, que diligenciasse oficiosamente no sentido de suprir aquela falta de constituição de Mandatário (e a falta de contestação do Réu), não podendo tal desiderato também ser atingido pela invocação do princípio da gestão processual ou da adequação formal, pois que “o modelo legal” assegura na sua plenitude os direitos de defesa do Réu (se ele os tivesse exercido)”.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 2349/20.7T8GDM.P1

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Sumário (elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca de Porto – Gondomar – Juízo local cível – J1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
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Recorrido: C…
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C… intentou a presente acção de despejo, sob a forma de processo comum contra B…, pedindo que:
i) Seja decretada válida a resolução do contrato de arrendamento a que se reportam os autos em face da mora no pagamento das rendas de Dezembro de 2019 a Setembro de 2020 e não pagamento da renda referente ao mês de Outubro de 2020 operada com a comunicação datada de 07/05/2020 e, declarar-se o contrato efectivamente resolvido;
ii) Se condene a Ré a despejar imediatamente o arrendado, entregando-o ao Autor livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação;
iii) Se condene a Ré a pagar ao Autor a título de rendas vencidas referentes ao mês de Outubro o valor de € 221,12, acrescidos de juros legais desde a citação;
iv) Se condene a Ré a pagar ao Autor as rendas que se vençam na pendência da acção à razão mensal de € 221,12, sem prejuízo das actualizações legais a que haja lugar;
v) Se condene a Ré a pagar ao Autor uma indemnização moratória relativa a todas as rendas vencidas pagas fora de tempo, à razão de 20% do seu valor;
vi) Se condene, ainda, aquando da entrega da chave a Ré a avisar o Autor a fim de conjuntamente procederem a vistoria quanto ao cumprimento do disposto na cláusula 10.ª do contrato;
vii) Subsidiariamente, que se considere válida e eficaz a denúncia do contrato operada pelo senhorio com efeitos a 30 de Abril de 2021.
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Regularmente citada para os termos da presente acção, conforme resulta documentado nos autos a fls. 22, a Ré não apresentou contestação.
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Foi proferido o despacho de fls. 38 a julgar confessados os factos alegados pelo Autor, nos termos do artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mais se determinou a notificação do Autor para apresentação de alegações nos termos e para os efeitos do citado artigo 567.º, n.º 2.
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O Autor apresentou as alegações de fls. 40.
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De seguida, foi proferida a seguinte sentença:
DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
Declara resolvido o contrato de arrendamento identificado nos autos e, por conseguinte, condena a Ré a despejar o arrendado entregando-o ao Autor livre de pessoas e bens e, em bom estado de conservação;
Condena a Ré a pagar ao Autor o montante mensal de € 221,12 (duzentos e vinte e um euros e doze cêntimos) desde Novembro de 2020 (inclusive) até à efectiva entrega do arrendado.
Custas a cargo da Ré ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Valor da acção - € 6.854,72 (artigo 298.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Notifique e Registe”.
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Veio justamente a recorrente interpor Recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
1.º Estamos perante uma situação em que há um contrato de arrendamento habitacional, sendo a Recorrente a inquilina e o Recorrido o senhorio, tendo o Autor peticionado contra a Ré/Recorrente a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas atempadamente.
2.º A Ré/Recorrente foi citada para a acção de despejo, face a que o patrocínio era obrigatório, conforme resulta da notificação datada de 09.09.2020, a mesma requereu o pedido de apoio judiciário em 2.10.2020, tendo comunicado esse facto ao processo por email datado de 9.10.2020, tudo com a finalidade de lhe ser nomeado patrono para se poder defender e contradizer a petição, interrompendo, dessa forma, o prazo para contestar e ficou a aguardar o despacho da Segurança Social, o que demonstra inequivocamente que a Ré tinha todo o interesse em apresentar a sua defesa na acção.
3.º Houve despacho de indeferimento de concessão de apoio judiciário proferido pela Segurança Social por proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 23/10/2020, cuja notificação foi enviada à Recorrente e que houve falta de resposta da mesma, porquanto nessa ocasião a Recorrente estava impedida de o fazer por motivos de saúde, atento ao facto de ser doente oncológica e de padecer de uma incapacidade de 75%, devidamente documentada nos autos e que, na data em que a Segurança Social notificou a Ré, esta encontrava-se hospitalizada no D… em tratamentos, tendo-se mantido internada nesse hospital.
4.º Da douta sentença resulta a resolução do contrato de arrendamento identificado nos autos e, por conseguinte, condenou a Ré a despejar o arrendado entregando-o ao Autor livre de pessoas e bens e, em bom estado de conservação; bem como condena a Ré a pagar ao Autor o montante mensal de € 221,12 (duzentos e vinte e um euros e doze cêntimos) desde Novembro de 2020 (inclusive) até à efectiva entrega do arrendado.
5.º O Tribunal a quo face à decisão proferida entendeu pela falta de contestação e deu os factos articulados pelo autor como confessados, com o que se discorda.
Pois que,
6.º Atento o facto de a Ré/Recorrente ter realizado requerimento ao processo e ter feito pedido de apoio judiciário, a Ré/Recorrente mostrou interesse em defender-se e em exercer o contraditório pois não se conformou com o alegado na petição, pelo que o Tribunal a quo, deveria ter nomeado oficiosamente um advogado à Ré nos termos do art.º 2 n.º 2 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito, ou em alternativa ter convidado a Ré a pronunciar-se mediante nova notificação para constituir advogado.
7.º De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.10.2009, supra referido e seguindo o entendimento desta jurisprudência em matéria de revelia relativa, a Ré/Recorrente não incorreu em revelia absoluta porquanto enviou email ao Tribunal a comunicar o pedido de apoio judiciário quer para custas quer para nomeação de patrono, pelo que, é nítido que a Ré/Recorrente nunca se conformou com os factos alegados pelo Autor, Recorrido.
8.º Neste sentido, os factos alegados não se poderiam ter dado como confessados.
9.º Mais, nos presentes autos e aqui objecto do presente recurso, é a questão de aferir acerca da obrigatoriedade de patrocínio forense por advogado, que constitui ao nível processual, um elemento essencial na administração da justiça nos termos do art.º 12.º nº 1 da LOSJ.
10.º A obrigação de constituição de advogado tem fonte legal no artigo 20.º nº 2 da CRP e artigo 66.º nº 3 do EOA.
11.º No caso em apreço, atendendo a que estamos perante uma acção de despejo era obrigatório a constituição de advogado, tal como consta da citação, uma vez que se trata de uma causa que, pela natureza da matéria em apreço, admite recurso independentemente do valor nos termos do art.º 40º n.º 1, b) e art.º 629º n.º 3, a) do CPC, o que não aconteceu.
12.º Atendendo a que vigora o princípio da igualdade de partes no art.º 13º da CRP e art.º 4 do CPC, o Tribunal deve assegurar ao longo do processo um estatuto de igualdade substancial das partes nomeadamente no uso de meios de defesa.
13.º Atendendo às normas legais envolventes do CPC e uma vez que estavam cumpridos os requisitos da falta de inércia da Ré, o Tribunal deveria ter agido ex officio conforme ao abrigo do princípio do contraditório art.º 3 n.º 3 do CPC e do princípio de gestão processual art.º 6 do CPC e art.º 2 n.º 2 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito, que refere expressamente que os Tribunais devem solicitar a nomeação de patrono ou de defensor à Ordem dos Advogados sempre que, nos termos da lei, se mostre necessária, o que era aplicável para o caso concreto.
14.º Dispõe o art.º 3, n.º 3 do CPC, em conexão com o art.º 20 n.º 4 da CRP, que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo do processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir (…) sem que as partes tenham tido a oportunidade de sobre elas se pronunciar.
15.º Assim também se entende que a interpretação feita, pelo Tribunal a quo, do art.º 40 n.º 1 b) do CPC, colocou a Ré/Recorrente numa posição de desigualdade processual em relação ao Autor porque esse Tribunal não nomeou à Ré um patrono oficiosamente, que impossibilitou a Ré do livre exercício do contraditório e de se defender em juízo, em violação do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva conforme art.º 20 n.º 2 da CRP.
16.º Mais, a Ré jamais poderia ter sido colocada na posição de escolher entre o direito à saúde e o exercício do direito de participação em audição prévia, até porque esta só teve conhecimento da notificação da Segurança Social em data posterior a ter findado o impedimento de internamento hospitalar no D… do Porto.
17.º Pelo somatório de violações de direitos, cumprem-se os pressupostos da violação de um julgamento justo e equitativo nos termos dos art.º 6 CEDH, 14º n.º 1 PIDCP e 10º DUDH.
18.º Porquanto, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo deveria ter agido em conformidade com art.º 6º do CPC e art.º 2 n.º 2 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito (Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro).
19.º Em alternativa, salvo melhor opinião, entendemos que sempre cumpria ao Tribunal adoptar, ao abrigo do princípio do contraditório e dever de gestão processual nos termos do art.º 3º n.º 3 e art.º 6º n.º 1 do CPC, uma notificação da ora recorrente a conceder prazo para contestação.
Termos em que deverá o presente recurso ser considerado procedente, nos termos propugnados pela aqui recorrente, devendo a sentença produzida ser considerada nula com as demais consequências legais, ou em alternativa ser a sentença anulada sendo concedido novo prazo para contestar, agora que lhe foi nomeado patrono (…)”.
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Foram apresentadas contra-alegações, tendo o recorrido apresentado as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
- saber se pode ser reconhecida a existência de uma situação de justo impedimento;
- saber se o Tribunal recorrido, considerando tratar-se de uma acção em que a constituição de Advogado era obrigatória (arts. 40º, nº 1, b) e 629º, nº 3, a) do CPC), deveria ter nomeado oficiosamente um advogado à Ré nos termos do art. 2º, nº 2 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito ou, em alternativa, ter convidado a Ré a pronunciar-se mediante nova notificação para constituir advogado, ao abrigo do princípio do contraditório art. 3º, nº 3 do CPC e do princípio de gestão processual art. 6º do CPC.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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O tribunal recorrido quanto aos factos considerados provados desenvolveu as seguintes considerações:
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados.
Atento o regime aplicável ao processo comum não contestado e, tal como disposto no artigo 566.º e seguintes, todos do Código de Processo Civil, importa fixar os factos que se devam ter por reconhecidos e determinar se estes, tal como se encontram configurados, conduzem à procedência da acção.
Deste modo e, atento o disposto no artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, consideram-se reconhecidos os factos constantes na petição inicial, bem como, o teor integral dos documentos juntos aos presentes autos”.
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Com relevância para o caso concreto, importa ainda ter em atenção os seguintes factos:
- com data de entrada no processo de 9.10.2020 veio a Ré “… comunicar, que pedi apoio jurídico para este processo, sendo assim fico a aguardar nomeação de Advogado oficioso” – juntando recibo de entrega de documentos junto do Centro Distrital do Porto.
- em 9.12.2020 o Centro Distrital do Porto veio informar o seguinte: “vem, nos termos e para os devidos e legais efeitos, informar V. Ex.ª que o requerimento de protecção jurídica de B…, parte nos autos supra identificados, se encontra em sede de audiência prévia de acordo com o disposto no art. 23ª da Lei 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto”;
- em 11.1.2021 veio o CENTRO DISTRITAL DO PORTO, informar que o requerimento de apoio judiciário supra referenciado, “foi objecto de proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 23/10/2020, cuja notificação para o (a) requerente seguiu por correio registado. A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a acção judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 23º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto e do artº 119 do Código do Procedimento Administrativo. Decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o (a) requerente nada disse, pelo como expressamente refere o nosso ofício, foi o seu pedido considerado indeferido. Mais se informa que não foi interposto qualquer recurso de impugnação”.
- Na sequência foi proferida a seguinte decisão em 12.01.2021:
“Fls. 35. A Ré encontra-se pessoal e regularmente citada nos termos e para os efeitos da presente acção, conforme resulta documentado nos autos a fls. 22. Não se verifica a excepção a que alude o artigo 568.º, alínea d) do Código de Processo Civil, uma vez que se encontram juntos aos autos os documentos necessários para a prova dos factos vertidos na petição inicial que exigem prova documental (cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil – Anotado”, volume III, página 16, cuja doutrina, quanto a nós, se mantém inteiramente válida, não obstante a alteração legislativa). Assim, considero confessados os factos articulados pelo Autor, que não exigem prova documental, nos precisos termos do artigo 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Cumpra o disposto no artigo 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
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- apresentou o Autor as alegações a que alude o citado dispositivo legal.
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- já depois de proferida a sentença recorrida, veio a Ré ainda apresentar os seguintes requerimentos:
- em 17.2.2021 – informando que pediu (novamente) apoio jurídico no dia 16/02/2021;
- em 9.3.2021 - email em que envia o atestado de multiusos de 75% (datado de 29.1.2018) e informa que esteve internada em Outubro de emergência no D… do Porto e por isso não pode tratar e apresentar a minha defesa.
- requerimento renovado no email de 10.3.2021: informando que esteve internada em Outubro de emergência no D… do Porto e depois estive de recobro em casa. Por isso não pode tratar e apresentar a minha defesa.
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- o tribunal recorrido em 11.3.2021 proferiu o seguinte despacho:
“Fls. 62. Foi proferida sentença nestes autos de fls. 41 a fls. 45 no dia 28/01/2021.
Foi enviada a notificação da sentença à Ré no dia 01/02/2021, pelo que, se considera a Ré notificada da referida sentença no dia 4 de Fevereiro de 2021, atento o disposto no artigo 249.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade e, atento o disposto no artigo 638.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a Ré dispunha até ao dia 8 de Março de 2021 para interpor recurso da sentença.
No dia 18 de Fevereiro a Ré juntou aos autos cópia do requerimento apresentado na Segurança Social a pedir apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de Patrono.
Dispõe o artigo 24.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Como se vê, no decurso do prazo para interposição de recurso, a Ré juntou aos autos a cópia do requerimento apresentado na Segurança Social de pedido de protecção jurídica, entre outras, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de Patrono, pelo que, o prazo que se encontrava em curso, a que alude o citado artigo 638.º, n.º 1 interrompe-se. Por todo o exposto e, abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, declaro interrompido o prazo de interposição de recurso da sentença proferida nestes autos a que alude o artigo 638.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Notifique.”
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- o recorrido instaurou em 15.3.2021 incidente de despejo imediato por falta de pagamento das rendas no decurso da acção, nos termos do disposto no art. 14°, nº 4 do NRAU, no âmbito da acção de despejo por falta de pagamento de rendas;
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- em 6.4.2021 o Centro Distrital da Segurança Social informou do deferimento do pedido de Apoio Judiciário, nomeando Sr. Advogado para o seu patrocínio.
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- Na sequência de requerimentos da Ré, veio ainda o tribunal recorrido esclarecer, entre outras questões, o seguinte:
“(…) Quanto ao prazo para interposição de recurso da sentença nos autos, já começou a correr, pois de acordo com o ofício junto aos autos 79, o Ilustre Patrono da Ré e a Ré foram notificados da nomeação de Patrono no dia 6 de Abril de 2021.
Ora nos termos do artigo 24.º, n.º 5, alínea a) da Lei do Apoio Judiciário “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação”.
Ora, nos termos do artigo citado 24.º, n.º 4 (o número anterior) e, tal como declarado no despacho datado de 11/03/2021, o prazo para interposição de recurso tinha sido interrompido e, cessa a interrupção do prazo (ou seja, começa a contar novamente) nos termos do ora transcrito artigo 24.º, n.º 5, alínea a).
Repete-se: não se compreende o requerimento apresentado e, informa-se que o prazo de interposição de recurso da sentença já começou a contar e encontra-se em curso.
Notifique”.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Já se referiram as questões que a recorrente coloca.
Quanto ao justo impedimento invocado é manifesto que o mesmo se mostra invocado de uma forma totalmente extemporânea (desde logo, porque a recorrente apenas o invoca em sede de recurso e não, como iremos ver, no momento em que teria alegadamente cessado o impedimento invocado).
No caso dos autos, o justo impedimento mostra-se invocado para efeitos do prazo de pronúncia sobre a proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 23/10/2020 proferida pelo Centro Regional de Segurança Social, cuja notificação teria sido enviada à Recorrente no momento em que alegadamente a recorrente estaria impedida de o fazer por motivos de saúde (sendo doente oncológica e padecendo de uma incapacidade de 75%, na data em que a Segurança Social notificou a Ré, esta, segundo alega, encontrar-se-ia hospitalizada no D… em tratamentos, tendo-se mantido internada nesse hospital).
Sucede que, tendo sido notificada dessa decisão administrativa, a Ré nada veio dizer na altura, acrescendo o facto de na primeira intervenção que teve no presente processo (quando foi notificada da sentença recorrida), nada ter vindo referir quanto a essa arguição (requerimento de 17.2.2021).
Nesta conformidade, face à referida ausência de resposta (à decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono), o tribunal recorrido em cumprimento do disposto na al. b) do nº 5 do art. 24º da Lei do Apoio judiciário (Lei 34/2004 de 29 de Julho), considerou reiniciado o prazo da contestação e, tendo este prazo decorrido integralmente, considerou existir uma situação de revelia da Ré, revelia essa operante, uma vez que não se verificava qualquer uma das situações previstas no art. 568º do CPC.
Como é consabido, o decurso de um prazo peremptório, em conformidade com a regra prevista no artigo 139º, n.º 3, do CPC, importa a extinção do direito de praticar o acto.
Reconhece-se que os “prazos são uma fatalidade em Direito. Eles traduzem fortes limitações substantivas aos direitos subjectivos das pessoas com a agravante de muitas vezes não estarem patentes. Não obstante, eles são necessários: na sua falta toda a administração da justiça se tornaria impossível. Trata-se de um curioso efeito de retorno: os próprios direitos das pessoas ficariam, afinal, imersos em incerteza. Há, pois, que respeitar os prazos sob diversas cominações” - Ac. da RC, de 30.06.2015, Henrique Antunes, Processo nº 39/14.9T8LMG-A.C1, disponível in dgsi.pt.
Contudo, e reconhecendo a mesma lei a necessidade, pontualmente, se atenuar a rigidez dos prazos, bem como o efeito preclusivo inevitavelmente associado ao seu esgotamento, veio consagrar alguns mecanismos de salvaguarda excepcional dos direitos de outro modo assim afectados.
Assim, a lei processual civil, ciente dos referidos efeitos preclusivos associados ao decurso de tal tipo de prazo, prevê três excepções àquela regra.
A primeira refere-se à possibilidade de prorrogação do prazo por acordo das partes, caso em que o prazo é estendido por uma única vez e por igual período – artigo 141º, n.º 2, do CPC – situação que não tem aplicação no caso concreto.
A segunda hipótese contende com a possibilidade de o acto ser praticado em algum dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sujeitando-se, no entanto, a validade da prática do acto (para lá do prazo legal) ao imediato pagamento da multa prevista no artigo 139º, n.º 5, do CPC, multa que se vai agravando à medida que o prazo é ultrapassado - também esta hipótese não se coloca no presente recurso.
A terceira hipótese é a do denominado justo impedimento, previsto no artigo 140º, do CPC, sendo esta a hipótese que se coloca no presente recurso.
Este normativo dispõe o seguinte:
“1. Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
2. A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Resulta, assim, do normativo em causa que o justo impedimento supõe a verificação de um evento normalmente imprevisível, isto é que não seja susceptível de previsão pela generalidade das pessoas medianamente cuidadosas e previdentes, supõe que o evento seja estranho à vontade das partes (do sujeito processual ou do respectivo mandatário), não lhes podendo, pois, ser assacado a título de culpa (dolo ou negligência) e supõe, ainda, que o evento obste/impeça à prática do acto dentro do prazo, no sentido de causar uma impossibilidade objectiva e razoável à prática atempada do acto em causa, directamente ou por mandatário, mesmo usando a diligência devida.
Nessa apreciação casuística deve o juiz pautar-se pelo critério da diligência de um bom pai de família (artigo 487º, nº 2, do CC), tendo em atenção que a ocorrência do justo impedimento exclui sempre a existência de uma conduta inerte, inconsiderada ou imprevidente (culpa ou negligência) por banda da parte ou do seu mandatário na ultrapassagem do prazo peremptório.
Nesta perspectiva, pode-se concluir que, encontrando-se, segundo o que consta do atestado de multiusos de 75% (datado de 29.1.2018) junto aos autos, a Ré doente, o evento em causa, apesar disso (atenta também a data do atestado) não pode constituir, segundo se nos afigura, um justo impedimento, pois que não resulta demonstrado, à luz do dito atestado, que a Ré na data em que a Segurança Social a notificou da decisão de indeferimento, se encontrasse hospitalizada no D… em tratamentos, tendo-se mantido internada nesse hospital (e a recorrente não apresentou qualquer outro meio de prova dessa factualidade).
Mas, mesmo a admitir-se que a doença que acometeu a Ré seria impeditiva da apresentação de defesa no procedimento administrativo (e no processo judicial), ainda assim não ocorrem sequer, no caso dos autos e em nosso julgamento, os pressupostos (temporais) para a aplicação do instituto do justo impedimento, o que sempre nos conduziria à improcedência do recurso com este fundamento.
Vejamos.
Como resulta do que já referimos, a invocação do justo impedimento tem em vista permitir à parte, por si ou através do seu mandatário, praticar um determinado acto processual fora do prazo que a lei lhe concede.
O actual artigo 140º contém uma previsão bem mais flexível do que a vigente até à reforma introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12., em que só era considerado justo impedimento o evento normalmente imprevisível e estranho à vontade da parte que a impossibilitasse de praticar o acto por si ou por mandatário. Por isso, no domínio do anterior Código de Processo Civil e até à reforma introduzida pelo citado DL n.º 329-A/95 a doutrina entendia que só ocorria justo impedimento quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever[1].
Neste sentido, as linhas orientadoras da reforma introduzida pelo aludido DL n.º 329-A/95 sinalizaram “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria”[2].
O novo Código de Processo Civil manteve intocado texto da norma e, para a verificação de justo impedimento, basta que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte, por ter tido culpa na sua produção, podendo a mesma ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, isso não envolva um juízo de censurabilidade.
Portanto, independentemente do evento imprevisível, o requerente não pode beneficiar da excepcionalidade do justo impedimento quando, apesar disso, tenha actuado com negligência, culpa ou imprevidência, caso em que o atraso na prática atempada do acto não decorre do próprio evento imprevisível, antes lhe é imputável e exclui o justo impedimento.
Ora, dito isto, com o devido respeito, cremos, no caso dos autos, ser evidente que não ocorre uma situação de justo impedimento que consinta a prática do acto em apreço impugnação da decisão da Segurança Social (com reflexos no oferecimento da contestação) para além do prazo legal.
Com efeito, se é indiscutida a doença de que padece a Ré, a verdade é que não resulta minimamente demonstrado (e era à Ré, enquanto interessado na demonstração dos pressupostos do justo impedimento, que incumbia demonstrar essa factualidade) que, naquele período temporal, a Ré estivesse incapaz de exercer o seu direito de defesa.
Ora, não estando demonstrada esta incapacidade da Ré, a nosso ver, a ultrapassagem do prazo concedido para reagir à decisão de indeferimento da segurança social e a não apresentação de contestação só pode ser assacada à própria negligência ou imprevidência da Ré, segundo o critério de um homem normalmente cuidadoso e diligente - «bonus pater familias» (artigo 487º, n.º 2, do Cód. Civil).
Destarte, não podemos reconhecer a existência de uma situação de justo impedimento para efeitos de apresentação da contestação pela Ré e, logicamente, só se pode concluir que bem andou o tribunal recorrido, em face da não apresentação de contestação, em considerar operativa a situação de revelia em que se colocou a Ré.
E não se diga que a sobredita interpretação do artigo 140º do CPC é inconstitucional, confrontando os princípios constitucionais da igualdade ou do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, previstos nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Como é consabido, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação e conformação do processo, cabendo-lhe, designadamente, ponderar, os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes – seja os das partes, seja ainda o interesse público na organização e disciplina do processo enquanto meio de garantir a obtenção de uma decisão num prazo razoável -, e, em conformidade, disciplinar v.g., o âmbito do processo, a legitimidade das partes, os poderes de cognição do tribunal, os recursos admissíveis e os próprios prazos para a prática dos actos processuais.
Por isso, como a nossa jurisprudência constitucional tem reconhecido não é incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça ou do direito à defesa/contraditório o estabelecimento pelo legislador ordinário de prazos peremptórios para a prática de actos processuais ou estabelecimento de determinados ónus processuais a cargo das partes [3].
Ponto é que, como afirma a doutrina constitucional, a solução encontrada pelo legislador ordinário não se mostre arbitrária ou desproporcionada.
Ora, sendo assim, com o devido respeito, em nosso ver, não se mostra arbitrária, nem desproporcionada e, portanto, não confronta a constituição e os seus princípios da igualdade (artigo 13º) e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º), a solução legislativa prevista no artigo 140º, n.º 1, do CPC e a sua interpretação quando nela se exige, para efeitos de justo impedimento para a prática extemporânea de um determinado acto processual, a demonstração pelo respectivo interessado de que essa prática extemporânea do acto não se ficou a dever a culpa ou negligência sua ou do seu representante ou mandatário, sendo certo, não só que uma tal solução se mostra justificável de um ponto de vista de regulação do processo civil (e sob pena de absoluta desregulação temporal dos actos a praticar no processo e consequente insegurança/incerteza), como, ainda, depende ela da verificação de factos que o interessado está, à partida, em plenas condições de demonstrar, pois que são factos do seu estrito conhecimento pessoal.
E, com o devido respeito, não se vê em que medida esta interpretação e aplicação do preceituado no artigo 140º, do CPC, pode confrontar os normativos constitucionais invocados pela apelante.
Aqui chegados, podemos, pois, concluir que, exigindo-se que o requerente do justo impedimento tenha que se apresentar a alegá-lo e a prová-lo logo que o mesmo cesse, devendo considerar tal acto como urgente - Ac. da RP, de 06.06.1990, Sousa Guedes, Processo nº 0124128, e também in B.M.J. nº 398, p. 584, a verdade é que a recorrente, além de não ter logrado ter efectuado essa alegação e prova do impedimento, não apresentou o seu requerimento no momento em que o alegado impedimento cessou (“logo que ele cessou”)
O que tudo, em síntese final, vem a conduzir à improcedência da pretensão da recorrente, com este fundamento, por não verificação dos pressupostos de aplicação do instituto de justo impedimento.
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Negada esta hipótese de reconhecimento da existência de uma situação de justo impedimento, importa entrar na segunda questão que era a de saber se o tribunal recorrido, ainda assim, constatando a não apresentação da contestação por parte da Ré, não deveria oficiosamente nomear um Patrono a esta, porque, no caso concreto, estamos no âmbito de uma acção em que é obrigatória a constituição de Mandatário.
Como decorre do relatório elaborado, a questão que se coloca tem a ver com os efeitos da revelia retirados pelo tribunal recorrido da ausência de apresentação de contestação por parte da Ré/recorrente (designadamente, quando se considerou que, “atento o disposto no artigo 567º, nº 1 do Código de Processo Civil, consideram-se reconhecidos os factos constantes na petição inicial, bem como, o teor integral dos documentos juntos aos presentes autos”).
Na verdade, como decorre da decisão que constitui aqui objecto de recurso, o fundamento, para se terem considerado confessados os factos, foi o de a Ré não ter apresentado contestação, no prazo que lhe era concedido pela lei processual (art. 569º do CPC).
E não há dúvidas que assim é, tendo o tribunal recorrido cumprido integralmente a lei processual no que respeita à citação e à conclusão da existência de uma situação de revelia operante (arts. 566º a 568º do CPC).
“Por princípio, a revelia é operante, isto é, a falta de contestação do réu leva a que se considerem confessados os factos articulados pelo autor, sendo que este regime tem lugar quando o réu, apesar de não contestar, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na própria pessoa, mesmo que não tenha intervenção no processo, permanecendo em revelia absoluta. Também se aplica este regime quando, dentro do prazo da contestação, o réu haja juntado procuração a mandatário judicial ou tenha intervindo de qualquer forma no processo (v. g. pedindo a prorrogação do prazo para contestar – art. 569º, nº 5), casos em que teremos uma revelia relativa e em que é possível ter por seguro que o réu tem conhecimento da acção que pende contra si.
O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada confissão tácita ou ficta, a qual se distingue da confissão judicial expressa, traduzida numa declaração de ciência, em que o confitente reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (arts. 355º e ss. do CC). Já a confissão a que conduz a revelia operante não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando a própria inércia do demandado.
Nos termos legais e sem prejuízo das excepções referidas no art. 568º, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa conforme for de direito” (nº 2 in fine)”[4].
Para ser ainda mais claro, podemos assim dizer que o facto de a Ré ter intervindo nos autos (juntando o comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono) tem por efeito que “o preceito (o nº 1 do art. 567º) aplica-se sem que o juiz tenha de verificar a regularidade da citação (pessoal ou edital) do réu”[5].
Ou seja, nestas circunstâncias, o legislador nem sequer impõe ao Juiz a verificação da regularidade da citação (como sucede nos casos em que o Réu nem sequer intervém no processo), aplicando-se, em regra, como consequência que os factos alegados pelo autor se consideram provados.
O que significa que a intervenção da Ré nos presentes autos não tem a relevância que lhe pretende atribuir a recorrente (no sentido de concluir que, uma vez que interveio no processo, então o tribunal estava obrigado a nomear-lhe um Patrono).
Uma vez que interveio (apenas com a junção do comprovativo do pedido de apoio judiciário) e não apresentou depois contestação, a consequência é a de considerarem-se confessados os factos alegados pelo autor.
Efectuadas estas distinções, não há dúvidas – nem a Recorrente põe isso em causa - que efectivamente não foi deduzida contestação dentro do aludido prazo, pelo que se pode concluir que existe uma situação de revelia que se tornou operativa, por não estarem verificadas as situações previstas nas alíneas do art. 568º do CPC.
A recorrente, além da referida questão do justo impedimento indevidamente invocada, veio defender que, apesar de não ter apresentado contestação, tendo o tribunal necessariamente se apercebido disso porque interveio no processo, deveria ter oficiosamente diligenciado no sentido de ser nomeado um Patrono à Ré (nos termos do art. 2º, nº 2 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito), pois que a presente acção é um processo em que a constituição de Advogado era obrigatória (arts. 40º, nº 1, b) e 629º, nº 3, a) do CPC) ou, em alternativa, devia ter convidado a Ré a pronunciar-se mediante nova notificação para constituir advogado, ao abrigo do princípio do contraditório art. 3º, nº 3 do CPC e do princípio de gestão processual art. 6º do CPC.
Julga-se que a recorrente não tem qualquer razão.
Qual a base legal de tal construção jurídica?
Vejamos:
A Ré foi citada para os termos da causa nos termos normais e requereu a junção aos autos de documento comprovativo da formulação de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
Neste contexto, a Ré requereu à Segurança Social apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, mas tal pedido foi indeferido por aquela.
Por esta via, mostrava-se integralmente satisfeito o acesso ao direito no âmbito da Lei nº 34/2004, tendo em conta, no entanto, que esse acesso à protecção jurídica só é concedido às pessoas que tenham esse acesso impedido ou dificultado em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos – cfr. art. 1º, nº 1.
Na sequência, foi cumprido o disposto na Lei do Apoio Judiciário que estabelece nestes casos que o prazo interrompido com aquele pedido se inicia a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (citada al. b) do nº 5 do art. 24º).
Ora, a verdade é que uma vez reiniciado o prazo para contestar, a Ré não o veio fazer (não exercendo o contraditório).
Defende a recorrente que ainda assim devia o tribunal recorrido ter oficiosamente diligenciado no sentido de a Ré ser defendida por Patrono, ou em alternativa devia ter sido notificado para constituir advogado, ao abrigo do princípio do contraditório art. 3º, nº 3 do CPC e do princípio de gestão processual art. 6º do CPC.
Invoca em abono da sua tese o facto de ser obrigatória a constituição de Advogado na presente acção (art. 40º do CPC) e aponta, nesse sentido, o ac. da RP de 6.10.2009, Henrique Antunes, disponível em dgsi.pt, que, no entanto, não permite a interpretação que o Exmo. Patrono efectuou nas alegações do presente recurso - veja-se o sumário: “I- Numa acção em que seja obrigatória a constituição de advogado se a parte não constituir advogado, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, notificá-lo-á para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, se a falta for do autor, ou de não ter seguimento a defesa, se a falta for do réu (art° 33 do CPC). II- Todavia, o dever de prover pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, a que a lei adstringe o juiz, só ocorre nos casos em que o réu não se tenha constituído na situação de revelia absoluta, e haja praticado qualquer acto no processo pendente, maxime, quando oferece o articulado em que deduz a defesa, subscrito por ele mesmo. III- Como a consequência da inactividade do réu é a ineficácia dos actos praticados na acção pendente, se o réu não praticou qualquer acto na acção pendente, não há qualquer fundamento para que o juiz providencie pelo suprimento da falta de patrocínio judiciário. IV- O requerente do apoio judiciário, na vertente de nomeação de patrono, caso queira beneficiar da interrupção do prazo judicial que estiver em curso, tem, portanto, o ónus de documentar no processo judicial, a promoção do processo administrativo de concessão daquela / modalidade de protecção jurídica”.
De resto, como se refere no ac. da RL de 26.2.2013, Gouveia de Barros, in dgsi.pt[6]:
“É manifesta a confusão da Ré (e do seu Exmo. Patrono), pois a situação não é subsumível à previsão do artigo 33º (actual art. 41º do CPC), que tem em vista os casos em que a própria parte pratica actos reservados a profissionais forenses (ou seja, não incluídos na previsão do nº 2 do artigo 32º - actual nº 2 do art. 40º), impondo a lei nessas circunstâncias a notificação, em conformidade com o disposto no artigo 33º (actual, art. 41º do CPC)”.
Ou seja, o dever previsto no art. 41º do CPC de prover, nas acções em é obrigatória a constituição de Advogado, pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, a que a lei adstringe o juiz, só ocorre nos casos em que o Réu tenha praticado actos reservados a profissionais forenses (ou seja, naqueles que não estão incluídos na previsão do nº 2 do art. 40º); se o réu não praticou qualquer um daqueles actos na acção pendente, não há qualquer fundamento para que o juiz providencie pelo suprimento da falta de patrocínio judiciário, mesmo nos casos em que aquele não apresentou contestação.
Nesta conformidade, face à não apresentação de contestação – que é a peça processual onde o Réu poderia ter exercido o seu direito de defesa e o contraditório relativamente às alegações fácticas e de direito constantes da petição inicial – nunca se poderia exigir ao tribunal, mesmo nas situações em que o réu interveio na acção com a prática de actos não reservados a profissionais forenses (que o caso foi apenas um requerimento a comprovar o pedido de apoio judiciário), que diligenciasse oficiosamente no sentido de suprir aquela falta de contestação da Ré (e a falta de constituição de Mandatário).
Como se disse, o dever previsto no art. 41º do CPC de prover pela sanação, no tocante ao réu, pela falta de constituição de advogado, só ocorre nos casos em que o Réu tenha praticado actos reservados a profissionais forenses nas acções em é obrigatória a constituição de Advogado (art. 40º do CPC).
Nada disso sucede nos presentes autos, pois é óbvio que o referido requerimento não é um acto processual que tenha essa natureza e, nessa medida, tais preceitos processuais não têm campo de aplicação.
Ou seja, como a Ré não apresentou contestação, “só por absurdo se pode sustentar (como aqui faz a recorrente) que o tribunal o (a) deveria notificar para constituir advogado depois de precludido o prazo para o oferecimento da contestação!” - como se refere no citado ac. da Relação de Lisboa.
Além disso, como se referiu, o (único) requerimento apresentado pela Ré antes da sentença (junção de comprovativo de pedido de apoio judiciário) não se inclui naqueles que exigiriam a constituição obrigatória de mandatário.
Essa nomeação de patrono também não se impõe por força do invocado art. 2º, nº 2 da Regulamentação da Lei do Apoio Judiciário, pois que, como decorre do exposto, a presente situação não se inclui nas situações aí previstas (solicitação à Ordem dos Advogados de nomeação de patrono ou de defensor “sempre que, nos termos da lei, se mostre necessária”).
Assim, no fundo, pode-se dizer que o tribunal recorrido não providenciou pela sanação do vício da falta de patrocínio judiciário, porque a lei não lhe impunha que provesse pelo suprimento dessa falta.
Nessa mesma ordem de ideias, também não colhe qualquer argumento que se funde no princípio do contraditório (art. 3º do CPC) ou da gestão processual (art. 6º do CPC) ou da adequação formal (art. 547º do CPC).
Como é sabido, o princípio da adequação formal previsto no art. 547º do CPC, estabelece que “O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, em cumprimento de um dever de gestão processual, nos termos do art. 6º do CPC.
Todavia, este relevante instrumento processual não serve para resolver situações como as dos autos em que a Ré não apresentou contestação (nem constituiu Mandatário).
Aliás, este poder de adequação formal é “um poder a usar só quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo” - ac. da RC de 14.10.2014, Carvalho Martins, in dgsi.pt.
Assim, face à não apresentação de contestação – que é a peça processual onde a Ré poderia ter exercido o seu direito de defesa e o contraditório relativamente às alegações fácticas e de direito constantes da petição inicial – nunca se poderia exigir ao tribunal recorrido que diligenciasse oficiosamente no sentido de suprir aquela falta de contestação da Ré (e a falta de constituição de Mandatário), não podendo tal desiderato também ser atingido pela invocação do princípio da gestão processual ou da adequação formal, pois que “o modelo legal” assegura na sua plenitude os direitos da Ré (se ela os tivesse exercido).
Ou seja, nenhum dos normativos legais e princípios processuais invocados pela recorrente, impunha essa solução no caso concreto.
Improcede, sem necessidade de mais alongadas considerações, o recurso apresentado também com este fundamento.
*
III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o Recurso.
*
Custas pela recorrente (art. 527º do CPC) - sem prejuízo do Apoio Judiciário.
Notifique.
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Porto, 28 de Outubro de 2021
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Vide, neste sentido, por todos, RODRIGUES BASTOS, in “Notas ao Código de Processo Civil”, I volume, pág. 321.
[2] Vide, neste sentido, Prof. Lebre de Freitas, in “CPC Anotado”, I volume, pág. 257.
[3] Vide, neste sentido, por todos, com indicação de vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional, JORGE MIRANDA, RUI MEDEIROS, “ Constituição Portuguesa Anotada ”, UCE, I volume, 2ª edição, 2017, pág. 321 e segs.
[4] A. Geraldes/P. Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, págs. 629 e 630.
[5] Profs. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. 2º, pág. 533.
[6] Com o seguinte sumário: “I) Tendo o réu em acção cível comprovado a dedução de pedido de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento da compensação de defensor oficioso, mas não de nomeação de patrono, o prazo para oferecimento da contestação não se interrompe e, consequentemente, carece de fundamento a pretendida notificação do mesmo réu nos termos do artigo 33º (actual art. 41º) do CPC (…)”.