PORNOGRAFIA DE MENORES
Sumário


1 - Em matéria de pornografia de menores, o Código Penal Português tem acompanhado a evolução e a política criminal seguida pelo direito internacional, em relação a todos os comportamentos sexuais onde sejam intervenientes menores ou com aparência de menoridade, como aconteceu com o protocolo facultativo de 25.5.2000 sobre a Convenção dos Direitos da Criança (abrangendo a pornografia infantil) e com a reforma penal de 20072.
Pretendeu-se com esta orientação de política criminal uma tutela penal ainda mais antecipada da penalização dos crimes de pornografia quando estejam envolvidos menores (reais ou aparentes), criando-se, com o artigo 176.º do CP, um crime de perigo abstrato e de mera atividade.

2 - A lei, ao punir o crime como sendo de perigo abstrato, preocupou-se em punir o comportamento em causa de quem recebeu e depois divulgou as imagens, porquanto agiu com dolo de perigo ao praticar conduta punida como crime de divulgação de pornografia de menores.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo de Instrução n.º 1084/19.3TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro, Juiz 2, foi proferida decisão de não pronuncia do arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores agravada, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c) e n.º 8, 177.º, n.ºs 6 e 7 do CP e determinado o arquivamento do processo.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“O presente recurso vem interposta da decisão instrutória proferida a fls. 158/164 mediante a qual o Mmo. Juiz a quo decidiu não pronunciar o arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores agravada, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e 177.º, n.º 6 e 7, do Código Penal, de que vinha acusado;
2ª Nomeadamente quanto aos fundamentos invocados pelo Mmo. Juiz no sentido que ficou por apurar que o arguido tivesse conhecimento do concreto conteúdo do vídeo que partilhava.
3ª Tal decisão é contrariada pelos indícios carreados aos autos na fase de investigação, os quais não foram considerados na decisão pelo Mmo. Juiz a quo.
4ª O arguido foi interrogado em 22 de Setembro de 2020, tendo prestado declarações no sentido de “(…) recordar-se de ter visualizado tal ficheiro. Aditou que é parte integrante de diversos grupos em redes sociais como o Facebook e o WhatsApp, recebendo diversos conteúdos por dia, nomeadamente pornografia de adultos. Que, nesse âmbito partilhou esses ficheiros "por estupidez, por gozo, sem fundamento e não tendo noção nenhuma de que se tratava de um crime" (sic.). Não obstante, lamenta profundamente o sucedido. (…)”
5ª De onde, o arguido, nas mencionadas declarações, admitiu recordar-se daquele concreto vídeo por o ter visionado antes de proceder à sua partilha com terceiros por via do seu reencaminhamento.
6ª O arguido, em sede de instrução, veio apresentar versão diferente da das declarações iniciais, contudo, estas últimas declarações, surgem desacreditadas pelo próprio modo de funcionamento da rede social em que o arguido recebeu e partilhou o ficheiro em apreço nos autos.
7ª O arguido partilhou o ficheiro de vídeo via a rede social Facebook, na qual os ficheiros de vídeo são imediatamente apresentados pela respectiva primeira imagem ou o chamado thumbnail (imagem selecionada pelo publicador para tornar mais apelativo o vídeo);
8ª No caso dos autos o vídeo é imediatamente apresentado com a exibição da primeira imagem do ficheiro de vídeo, como pode verificado pela visualização da cópia do vídeo junta aos autos;
9ª Imagem esta na qual é imediatamente visível a presença de dois jovens, uma do sexo feminino e outro do sexo masculino; ambos desnudados; deitados numa cama, estando a jovem rapariga deitada de costas e o jovem rapaz deitado, face a face, sobre esta e encaixado no meio das suas pernas;
10ª Ou seja, a imagem inicial do vídeo imediatamente visível ao utilizador da rede social é uma típica posição de relação sexual;
11ª Mesmo sem visionar o conteúdo integral do vídeo, as imagens aparentes ao utilizador são de cunho marcadamente sexual e cariz pornográfico;
12ª Sendo de imediato apreensível pelo utilizador da rede social que o jovem desnudado representado naquelas imagens é menor de 14 anos.
13ª Tais circunstâncias de facto e objectivas desacreditam as declarações prestadas pelo arguido em sede de instrução;
14ª Pois que ele não poderia ter reencaminhado o vídeo sem percepcionar a representação de dois jovens desnudados, sendo pelo menos um menor de 14 anos, em imagens de cariz pornográfico;
15ª Ao juiz de instrução não é exigida uma plena convicção do modo de ocorrência dos factos e da responsabilidade penal pelos mesmos;
16ª Apenas lhe é exigida uma ponderação da verificação de indícios suficientes;
17ª E, mostrando-se estes reunidos, se deles resulta uma probabilidade razoável de, mantendo-se tais indícios em sede de produção de prova na fase de julgamento, vir a ser aplicada ao arguido uma pena.
18ª No caso concreto verificam-se indícios suficientes da prática dos factos que são imputados ao arguido na acusação deduzida pelo Ministério Público e uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena.
19ª A decisão instrutória ora recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 308.º, n.º 1 e 2, e 283.º, n.º 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal, bem como o disposto nos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e 177.º, n.º 6 e 7, do Código Penal.
20ª Em consequência de todo o exposto deve a aludida decisão instrutória ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores, previsto e punível nos termos do artigo 176.º, n.º 1, alínea c), e 8, e agravado pelo artigo 177.º, n.º 6 e 7, ambos do Código Penal, tal como vinha acusado. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do arguido
Motivou o arguido defendendo o acerto da decisão recorrida, quanto às questões suscitadas pelo arguido concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“(…) II – Das declarações do arguido em sede de inquérito e instrução resulta que o mesmo se recorda de ter visualizado o ficheiro mas não o vídeo.
III – A imagem estática do ficheiro tem dois jovens, um do sexo masculino e outro feminino; desnudados em que a jovem do sexo feminino está deitada de costas com o jovem de sexo masculino entrelaçado no meio das suas pernas.
IV – Resulta da informação do NCMEC que o vídeo foi reencaminhado imediatamente depois de ter sido recebido “the following messages were sent immediately precedin and following the uploade CEI”, ou seja, não foi visionado/reproduzido.
V – Tal fato objetivo e técnico corrobora as declarações do arguido quando diz que reencaminhou o vídeo por brincadeira, parvoíce sem dar importância ao seu conteúdo.
VI – Em sede de inquérito, o órgão policial responsável pela investigação concluiu no sentido em que “os elementos acima expostos, pese embora configurarem, abstractamente, um crime de pornografia de menores carece, de acordo com as declarações do arguido, da cognoscibilidade de cometimento de tal conduta”.
Tanto assim que, o Arguido em sede de inquérito declarou “partilhei por estupidez, por gozo, sem fundamento e não tendo noção nenhuma de que se tratava de um crime.”
VII – Só deve ser levado a julgamento o arguido acusado por factos que num juízo de probabilidade razoável possam por eles ser condenados.
Ora
VIII – Face aos factos carreados para os autos considerou e bem o Mm. Juiz de instrução que “perante o exposto, o tribunal ficou com sérias dúvidas quanto ao facto de o arguido se ter apercebido do conteúdo do vídeo aquando da sua partilha. Tais dúvidas não carecem de ser sanadas em sede de julgamento, porquanto não há prova testemunhal a produzir que possa melhor atestar os factos constantes da acusação”.
IX – E na verdade nunca a douta acusação podia lograr completo sucesso em julgamento uma vez que no vídeo não se vê a introdução dum pénis na vagina, nem o vídeo tem o conteúdo pornográfico acentuado que lhe é atribuído.
X – Não havendo nenhuma outra prova a produzir nos autos, nomeadamente testemunhal que melhor pudesse atestar os factos constantes da acusação, outra não podia ter sido a decisão instrutória que não a de, em aplicação do principio do “in dúbio pro reo”, não pronunciar o arguido.
Termos em que pelas razões expostas e concluídas, deverá a decisão de não pronúncia ser mantida, por legal e corretamente aplicando o direito, assim fazendo esse Venerando Tribunal a tão costuma justiça.”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer cinge-se a saber se face aos indícios apurados deveria ter sido proferido despacho de pronúncia pelo crime de pornografia de menores, ao contrário do decidido pelo juiz de instrução no sentido de não existirem indícios do crime haver sido cometido pelo arguido e que o levaram a proferir despacho de não pronúncia.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.
“I– Relatório
Por decisão de 16/10/2020, a Digna Magistrada do Ministério Público acusou (...) da prática de um crime de pornografia de menores agravada, p. e p. pelos art.ºs 176.º, n.º 1, alínea c), e n.º 8, e 177.º, n.ºs 6 e 7, do Cód. Penal.
Para tal, baseou-se no teor do relatório de fls. 3 a 17 verso, da informação da Altice de fls. 26, do CD co ficheiro vídeo de fls. 32 e do auto de recolha de informação de fls. 42 a 45, bem como no teor dos depoimentos de (…).
Em consequência, veio o arguido, em 25/11/2020, requerer a abertura de instrução, invocando a nulidade da acusação, referindo não ter conhecimento do teor do vídeo e requerendo a aplicação da suspensão provisória do processo. Para o efeito, requereu a sua audição, bem como de duas testemunhas.
A requerida abertura de instrução foi deferida por despacho de 18/01/2021.
Procedeu-se à audição do arguido e das testemunhas, seguido de realização do debate instrutório, que decorreu sob observância de todo o formalismo legal, como da respectiva acta consta.

*
II– Despacho saneador
O Tribunal é o competente.
Questão prévia – da nulidade da acusação
Em sede de abertura de instrução, o arguido pugnou pela nulidade da acusação, em virtude de não se mostrarem imputados em tal peça processual todos os elementos típicos do crime em causa.
Vejamos.
O art.º 176.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Penal, estabelece que: “Quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior [fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte] é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
Por seu turno, o n.º 8 do mesmo diploma estabelece que “considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo”.
Ainda, o art.º 177.º, n.º 7, do Cód. Penal, agrava a conduta quando os menores tiverem menos de 14 anos.
Ora, do teor da acusação é imputado que o arguido partilhou com cinco utilizadores, na plataforma digital Facebook, um vídeo em que uma criança do sexo masculino com menos de 14 anos se encontra totalmente nua, visualizando-se o menor a introduzir o seu pénis na vagina de uma jovem do sexo feminino com menos de 18 anos de idade, friccionando o mesmo no interior, em movimentos sucessivos.
Mais se mostra descrito que o arguido tinha conhecimento do conteúdo do aludido vídeo e que, mesmo assim, quis partilhá-lo, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Deste modo, a factualidade constante na acusação permite concluir pelo preenchimento dos elementos típicos objectivos e subjectivos do crime imputado ao arguido.
Na verdade, dos factos resulta que o arguido disponibilizou uma gravação de teor pornográfico (já que os menores se encontram envolvidos em actividade sexual explícita), tendo inteiro conhecimento do teor de tal gravação e querendo reencaminhá-la.
Nada mais se mostra necessário para o preenchimento dos elementos típicos, sendo que os elementos referidos pelo arguido em sede de requerimento de abertura de Instrução instrução para fundamentar a nulidade por si arguida servem, quando muito, para fundamentar a prova dos factos.
Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade da acusação invocada pelo arguido.
Notifique.
*
Não existem outras nulidades ou questões prévias que importem conhecer.
*
III– Das finalidades da instrução
Estabelece o art.º 286.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Por seu turno, estatui o artigo 308.º que, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Nos termos do n.º 2 do art.º 283.º, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Conforme refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 1993, Verbo, Tomo II, págs. 85 e 86, “a prova indiciária (indiciação suficiente) permite a sujeição a julgamento, mas não constitui prova, no significado rigoroso do conceito, pois que aquilo que está provado já não carece de prova e a acusação e a pronúncia tornam apenas legítima a discussão judicial da causa. A natureza indiciária da prova significa que não se exige a prova plena, a «prova», mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal”.
*
IV– Dos factos
IV.1 – Dos factos indiciados
Em sede de instrução, encontram-se suficientemente indiciados os seguintes factos:
1. No dia 9 de Novembro de 2018, pelas 21h52, (...) enviou a cinco utilizadores do Facebook, através desta plataforma, um ficheiro de vídeo, onde surge um menor com idade inferior a 14 anos, do sexo masculino, e uma menor de idade inferior a 18 anos, do sexo feminino, encontrando-se ambos integralmente desnudos, e no qual se se visualiza o menor a introduzir o seu pénis na vagina da menor, friccionando-o no seu interior, em movimentos sucessivos.
2. Quis e conseguiu o arguido enviar a 5 utilizadores diversos o referido ficheiro.
*
IV.2– Dos factos não indiciados
Com relevo para a decisão, consideram-se não indiciados os seguintes factos:
1. Que o arguido soubesse que o ficheiro por si remetido continha um vídeo onde surgia um menor do sexo masculino, de idade inferior a 14 anos, a introduzir o seu pénis na vagina de uma menor de idade inferior a 18 anos, friccionando-o no seu interior em movimentos sucessivos.
2. Que o arguido tenha agido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
*
IV.3– Da fundamentação dos factos
Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal baseou-se na conjugação dos elementos de prova já referidos na acusação com as declarações do arguido e das testemunhas (…), ouvidos em sede de instrução.
A remessa do ficheiro de vídeo resulta desde logo de toda a conjugação dos elementos probatórios referidos em sede de acusação. Por sua vez, o arguido, nas declarações que prestou, igualmente admitiu ter enviado o aludido ficheiro.
A questão colocada pelo arguido em sede de abertura de instrução, e que importava demonstrar, relacionava-se com o conhecimento, por parte deste, que tinha remetido um vídeo de tal teor.
De facto, o arguido referiu que se encontra em vários grupos de amigos em plataformas como o Facebook e Whatsapp, sendo habitual haver troca de imagens e vídeos de foro cómico. O arguido mais salientou que, por vezes, não abre os ficheiros que reencaminha, apenas fazendo uma rápida análise se poderão ser engraçados para partilhar.
Embora o arguido tenha argumentado não se recordar do contexto do envio do vídeo em causa, o mesmo declarou que terá partilhado o mesmo sem o ter sequer aberto, face ao título do vídeo, que corresponderia a algo sobre uma “baby-sitter”.
Ora, consideradas as regras da experiência e da normalidade da vida, é plausível que o arguido não tenha efectivamente visto o vídeo antes de o reencaminhar.
Neste ponto, há que salientar que todas as testemunhas inquiridas em inquérito e instrução referiram que o arguido reencaminhava vários ficheiros e que nunca haviam recebido vídeos de pornografia infantil oriundos do arguido.
Para além do mais, é manifesta a facilidade actual na partilha de ficheiros recebidos através das plataformas electrónicas.
Por outro lado, não se afigura verosímil, de acordo com as regras da experiência e da normalidade da vida, que, caso o arguido tivesse quaisquer intenções libidinosas com o vídeo em causa, partilharia o mesmo com amigos e conhecidos, num total de cinco pessoas. De facto, a pedofilia, pela forte repulsa social que gera, não é divulgada, sendo que as pessoas que visualizam tal tipo de vídeos mantêm segredo sobre tal facto.
Perante o exposto, o Tribunal ficou com sérias dúvidas quanto ao facto de o arguido se ter apercebido do conteúdo do vídeo aquando da sua partilha. Tais dúvidas não carecem de ser sanadas em sede de julgamento, porquanto não há prova testemunhal a produzir que possa melhor atestar os factos constantes da acusação.
Assim, atento o princípio “in dubio pro reo”, foi dado como não indiciado que o arguido tivesse conhecimento do teor do vídeo que partilhava.
*
V– Da análise dos indícios
Dispõe o artigo 176.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Penal que:
Instrução
“Quem: (…) c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Por seu turno, o n.º 8 do mesmo diploma estabelece que “considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo”.
O tipo legal de pornografia de menores pode revestir qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 176.º, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido.
Tal preceito legal denota o objectivo do legislador de tutela antecipada do bem jurídico protegido, tratando-se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), conforme Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, sendo que a utilização de material pornográfico com representação realista de menor e a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva.
Por seu turno, o art.º 177.º, n.º 7, do Cód. Penal, determina que: “As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.”
Entende-se tal distinção, porquanto é entendido que o limite etário dos 14 anos surge como a fronteira entre a infância e a adolescência. A partir de tal idade, o indivíduo não só começa a adquirir maturidade, como igualmente obtém normalmente consciência da sua sexualidade. Assim, previamente a tal faixa etária, a prática de tal tipo de crimes reveste uma censurabilidade que justifica o agravamento da respectiva moldura penal.
No caso em apreço, resulta indiciado que no dia 9 de Novembro de 2018, pelas 21h52, (...) enviou a cinco utilizadores do Facebook, através desta plataforma, um ficheiro de vídeo, onde surge um menor com idade inferior a 14 anos, do sexo masculino, e uma menor de idade inferior a 18 anos, do sexo feminino, encontrando-se ambos integralmente desnudos, e no qual se se visualiza o menor a introduzir o seu pénis na vagina da menor, friccionando-o no seu interior, em movimentos sucessivos e que o arguido quis e conseguiu o arguido enviar a 5 utilizadores diversos o referido ficheiro.
Ficou, porém, por apurar que o arguido tivesse conhecimento do concreto conteúdo do vídeo que partilhava.
Assim, face à matéria de facto dada como indiciada e não indiciada, poder-se-ia, quando muito, concluir que a conduta do arguido teria sido negligente.
Não obstante, o crime em causa tem natureza dolosa, não sendo punida a conduta quando a mesma ocorra a título negligente.
Perante o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, por não se mostrarem preenchidos todos os elementos típicos do crime imputado ao arguido, forçoso se mostra concluir pela não pronúncia do arguido. (…)”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público
Por decisão instrutória proferida em 8.6.2021 decidiu o Mm.º Juiz de Instrução Criminal não pronunciar o arguido (...) pela prática de um crime de pornografia de menores agravada, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, c) e n.º 8 e 177.º, n.º 6 e 7 do CP.
Discordando de tal decisão, interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público pretendendo a revogação da decisão de não pronúncia e sua substituição por outra que pronuncie o arguido pela prática do crime pelo qual vinha acusado.
O arguido respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do decidido.
Apreciemos, então, a questão colocada.

3.2.1. O crime de pornografia infantil previsto no artigo 176.º do CP insere-se no capítulo dos crimes contra a autodeterminação sexual de crianças. Neste âmbito é de salientar a evolução legislativa da política criminal nesta matéria, no sentido da penalização mais acentuada e de uma maior abrangência das condutas criminalizadas. A perspetiva do legislador é a de fiscalização e punição de comportamentos atentatórios da autodeterminação sexual, quando estão em causa menores e a prática “de atos sexuais de relevo, atos de contacto sexual, atos exibicionistas ou apenas a sua presença física no meio dos outros intervenientes no espetáculo[1] .
O Código Penal Português, nesta matéria, tem acompanhado a evolução e a política criminal seguida pelo direito internacional, em relação a todos os comportamentos sexuais onde sejam intervenientes menores ou com aparência de menoridade, como aconteceu com o protocolo facultativo de 25.5.2000 sobre a Convenção dos Direitos da Criança (abrangendo a pornografia infantil) e com a reforma penal de 2007[2].
Pretendeu-se com esta orientação de política criminal uma tutela penal ainda mais antecipada da penalização dos crimes de pornografia quando estejam envolvidos menores (reais ou aparentes), criando-se, com o artigo 176.º do CP, um crime de perigo abstrato e de mera atividade. Criminaliza-se, designadamente, o perigo que suscita a produção e a difusão desse tipo de pornografia envolvendo a prática de crimes sexuais contra crianças.
Entende-se, de acordo com esta orientação de política criminal, que a prática de atos sexuais por menores (ou com a aparência de menores) e a sua divulgação é contrária aos princípios de proteção da infância e da juventude e violadora do superior interesse da criança.
Os defensores desta criminalização referem inclusivamente que a disseminação de pornografia infantil está diretamente ligada ao tráfico e exploração sexual de crianças[3]. Salientando que através da difusão da pornografia coisifica-se a criança, podendo o material pornográfico ser usado para encorajar menores à participação em atos sexuais e proporcionar e desencadeamento de processos de imitação patológica. Defendendo, ainda, que a difusão da pornografia infantil consolida e reforça nas pessoas com tendências pedófilas a noção de que as relações sexuais entre adultos e crianças são aceitáveis, contribuindo para nelas enfraquecer a natural inibição que impediria essas relações e promovendo, criando ou reforçando nos seus consumidores a convicção de normalidade das relações sexuais entre adultos e menores[4].
O legislador de 2007 criminalizou os atos respeitantes a material pornográfico com menores, mas foi mais além ao fazê-lo, ainda, quando ocorre uma representação realista de menor sendo que “Esta representação realista inclui não apenas a ficção integral ou parcial da imagem de um menor, como a utilização de pessoa real com aspeto de menor, com vista a criar a impressão no consumidor do material de que se representa um menor[5] [6].
Visou o legislador conferir às crianças e jovens menores, grupo particularmente vulnerável, uma proteção especial.
O bem jurídico protegido é o da “protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas[7].
O tipo objetivo do crime de pornografia de menores do artigo 176.º do CP consiste, designadamente, na divulgação de material pornográfico onde sejam utilizados menores (reais ou aparentes) que pratiquem atos de natureza sexual em fotografias, espetáculos filmes ou gravações.
Já o tipo subjetivo do crime admite qualquer forma de dolo, não tendo que haver um resultado do ato, mas apenas a verificação do perigo de prática de crimes sexuais contra crianças que a produção e difusão desse tipo de pornografia suscita.
A divulgação de tais atos sexuais praticados por menores, sejam eles de cópula completa ou outros, permite ou potencia a desproteção das crianças e jovens, numa altura da vida em que estes ainda não têm o domínio e consciência da plenitude dos efeitos de tais práticas sexuais e das respetivas consequências.
O perigo abstrato que se quis punir com a divulgação de vídeos ou outro tipo de imagens com esse cariz, não carece da identificação pessoal do menor, desde que pela imagem seja evidente ou aparente essa sua condição de menoridade. Daí consumar-se o crime pela simples atividade de divulgação das imagens, conquanto a pessoa que as divulga conheça o seu conteúdo previamente à difusão, pois o ato é portador por si só de um dano potencial. Pune-se o perigo criado pelo comportamento em causa, como forma antecipada de prevenção dos danos pretendidos evitar e proteger[8].

3.2.2. No caso específico do crime previsto e punível pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c) do CP pune-se como crime de pornografia a divulgação ou cedência a qualquer título de filmes ou gravações pornográficas, independentemente do seu suporte.
Tal será o caso reportado de alguém que divulga e cede uma gravação de conteúdo pornográfico, recebida através do computador e da plataforma do Facebook, onde está registada a imagem de uma criança com idade bem inferior a catorze anos (a pessoa que surge na imagem tem uma estatura diminuta e corpo de criança), completamente desnudada, a fazer movimentos em cima de uma pessoa do sexo feminino e mais velha (muito maior em estatura e com seios bem desenvolvidos), também ela nua, que sugerem a introdução do pénis na vagina e, que, quando muito, podem suscitar dúvidas sobre ser ou não, esta última pessoa, de idade inferior a dezoito anos.
De acordo com a acusação deduzida pelo MP o respetivo ficheiro (contendo o vídeo pornográfico) havia sido, depois de recebido pelo arguido enviado a cinco utilizadores da mesma plataforma (…), tendo o arguido agido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida pela lei.
Como resulta, também, dos indícios que comprovariam o cometimento do crime a título doloso há a considerar o teor de fls. 13 verso dos autos de onde resulta ter o arguido carregado (uploaded) e enviado (sent) o vídeo no dia 9 de novembro de 2018. Tendo nessa sequência os cinco utilizadores carregado (uploaded) o vídeo.
A este propósito cumpre assinalar, ainda, resultar indiciado da leitura do expediente constante do processo que em relação a um dos utilizadores, juntamente com o vídeo, foi enviada uma mensagem a acompanhá-lo com a seguinte redação “Hoje recuperei um vídeo do tempo em que a babá cuidava de mim, que saudades desse tempo!!!” que mereceu as seguintes respostas (todas do mesmo utilizador): “Não metas essa merda aqui” “Isso é pedofilia Caralho. Ganha Juízo” “Podes ser preso por merdas dessas” (fls. 14 verso).
Em resumo: Não só está indiciado ter o arguido visionado o referido conteúdo pornográfico, como admitiu e assumiu tê-lo divulgado (em sede de inquérito), ainda que tenha afirmado tê-lo feito por “mero gozo brincadeira ou estupidez, sem ter noção nenhuma de que se tratava de um crime”, como ainda que foi repreendido por um dos utilizadores como estando a praticar pedofilia e estar a habilitar-se a ser preso pela divulgação das imagens.
A consciência ou não da ilicitude por parte do arguido de estar a difundir um vídeo de cariz pornográfico com intervenção de menor de idade alcança-se com recurso à análise dos atos objetivos por si praticados e às palavras por si utilizadas nomeadamente quando faz referência ”ao tempo em que a babá cuidava de mim ”, sendo o conceito de ”babá” o de uma mulher que cuida de crianças (ama)[9], face ao visionamento e divulgação das imagens pornográficas, indiciando ter tido o arguido consciência de estar em causa um vídeo relativo a criança, que como depois referiu, divulgou por “gozo, brincadeira”.
Acresce que a tese apresentada pelo arguido em sede de instrução quanto a não ter visualizado a imagem (para além de contrariar a informação constante da documentação de fls. 12 a 17, as declarações prestadas pelo arguido em sede de inquérito, a mensagem reportando-se “ao tempo em que a babá tomava conta de mim” bem como a resposta dada por um dos destinatários) cai ainda por terra por virtude de um outro aspeto, também assinalado pelo MP. Quando se recebe uma mensagem vídeo através de uma plataforma informática (ex: facebook; WhatsApp, Instagram, etc) independentemente de o utilizador não chegar a visualizar o conteúdo do vídeo (o que indiciariamente não parece ter sido o caso) surge no ecrã o designado thumbnail que permite àquele usuário ver uma imagem estática inicial, antecipar o conteúdo do vídeo e naturalmente a possibilidade de só carregar as imagens ou conteúdos em que está interessado. O thumbnail consiste, assim, numa imagem comprimida que prevê a imagem original e tem como função trazer uma informação ao usuário de uma forma rápida, mostrando pequenas imagens que antecipam o seu conteúdo integral.
Assim, o arguido teria sempre visionado tal imagem onde surge uma pessoa do sexo masculino de tenra idade (face à sua pequena estatura e parco desenvolvimento físico) desnudada a mover-se em cima de uma pessoa do sexo feminino desnudada e mais velha, pois mais desenvolvida fisicamente (muito maior em estatura e com seios grandes).
Pode, pois, concluir-se, existirem indícios suficientes de o arguido ter tido consciência, ao divulgar o vídeo em causa com um conteúdo flagrantemente pornográfico onde intervinha uma criança do sexo masculino menor, de estar a contribuir, pelo menos perante as cinco pessoas por quem o divulgou, de publicitar imagens que o legislador quis impedir ao configurar tal ato como um crime de perigo abstrato e de mera atividade.
A circunstância de o arguido achar “o vídeo cómico e sem sentido libidinoso”, não afasta a ilicitude dos seus atos, pois assumiu um comportamento de perigo perante a divulgação de pornografia de menores, acrescendo que “a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva[10].
Atentos os indícios apontados e o envio do respetivo ficheiro não a um mas a cinco utilizadores diversos não se compreende como tenha o Tribunal, depois referido como não indiciado que o arguido soubesse que o vídeo tinha conteúdo pornográfico, quando basta a simples visualização do thumbnail para resultar claro o conteúdo pornográfico do mesmo em relação ao menor envolvido. A indiciada visualização por parte do arguido do thumbnail , independentemente de ter sido visualizado o conteúdo do vídeo (o que indicia ser contrariado pelo relatório emitido pelo National Center for Missing & Exploited Children de fls. 11 a 17), conjugado com a circunstância de ter sido enviada uma mensagem onde é referido “Hoje recuperei um vídeo do tempo em que a babá cuidava de mim, que saudades desse tempo!!!” e recebido como resposta de um dos utilizadores, com quem partilhou o vídeo, “Não metas essa merda aqui” “Isso é pedofilia Caralho. Ganha Juízo” “Podes ser preso por merdas dessas” (fls. 14 verso) são de molde a considerar-se indiciada a ilicitude da conduta.
O arguido, ainda que tivesse feito uma rápida análise apenas do thumbnail e não tivesse anteriormente recebido vídeos pornográficos relativos a menores, aceitou partilhar o mesmo com outras pessoas, admitindo com tal conduta o perigo e a possibilidade de o mesmo circular sendo interpretado como imagem pornográfica. É verdade que o arguido, em sede de recurso, desvalorizando o conteúdo do vídeo refere apenas que se visualizam movimentos sucessivos de fricção entre dois corpos dando apenas a aparência de simulação de ato sexual. No caso do crime pelo qual o arguido foi acusado é irrelevante se a criança que surge no vídeo introduziu ou não o pénis na vagina da pessoa do género feminino que também surge na imagem. Para a prática do crime basta efetivamente que tenha sido divulgada imagem onde surge uma criança (real ou aparente) nua em cima de uma pessoa do género feminino também ela nua deitada de barriga para cima, a friccionar-se nela simulando a introdução do pénis na vagina.
Todos os indícios recolhidos apontam no sentido de o arguido ter visionado o vídeo e no mínimo a imagem estática do mesmo (thumbnail), bem sabendo estar a partilhar com os outros utilizadores pornografia infantil.
A lei, ao punir o crime como sendo de perigo abstrato, preocupou-se em punir o comportamento em causa de quem recebeu e depois o divulgou as imagens, porquanto agiu com dolo de perigo ao praticar conduta punida como crime de divulgação de pornografia de menores.
Daí não serem adequadas as afirmações contidas no despacho de não pronúncia quanto a classificar a conduta do arguido como meramente negligente e da extrema relevância dada às afirmações realizadas pelo arguido em sede de instrução no sentido de não se ter apercebido do conteúdo do vídeo, não só pelo comentário que fez sobre o mesmo, como também porque a sua simples divulgação, depois de visionado, e pelo perigo criado com a sua divulgação, independentemente do alcance e resultado da mesma, é desde logo objeto de punição.
Ao divulgar o vídeo, face ao seu conteúdo pornográfico e ao sentido da política criminal de punição como crime de perigo abstrato da pornografia infantil, contribuiu o arguido para a divulgação de atos pornográficos sobre crianças, independentemente da interpretação dada pelas pessoas por quem divulgou o seu conteúdo. O arguido ao divulgar aquelas imagens aceitou, em termos de dolo de perigo, que a interpretação dada por outras pessoas fosse a do caráter libidinoso e pornográfico do vídeo (sendo certo que tudo indicia que um dos destinatários o entendeu como um ato pedófilo e tratar-se de um crime).
Estando em causa material pornográfico a natureza indiciária da prova para efeitos dos indícios suficientes a que se refere o artigo 283.º n.º 2 do CPP não significa exigir-se a prova plena do crime, mas a mera probabilidade, fundada nos elementos de prova colhidos pelo MP.
Esses indícios do crime cometido sendo suficientes, deveriam ter levado o juízo de instrução à convicção de o arguido poder ser condenado em audiência de julgamento.
Na fase de instrução não está em causa a exigência de uma prova plena ou que assegure a certeza de ter sido praticados os elementos descritivos do tipo de crime de pornografia de menores; ou que perante a dúvida sobre a prova produzida deva ser absolvido o arguido dos factos de que é acusado.
Como se disse anteriormente, a prevenção dos crimes de pornografia de menores exige severidade na punição de tais crimes e a consciencialização por parte das pessoas que utilizam as plataformas digitais, que a divulgação de imagens de pornografia de menores prejudica-os, havendo, sem mais, de ter consciência do perigo criado com a divulgação de tais imagens. Daí a punição de tais crimes, como crime de perigo abstrato.
Visionar, divulgar e publicitar imagens de pornografia infantil, ainda que não admitindo o seu caráter libidinoso, como alega o arguido, constitui um conjunto de indícios suficientes sobre o perigo das condutas adotadas e da consciência da ilicitude, perante o manifesto conteúdo sexual explícito do vídeo em causa e a sua divulgação por cinco outras pessoas, para que o arguido seja submetido a julgamento e como tal seja emitido juízo de pronúncia sobre os factos acusados pelo MP.
O referido não contende, nem tem de ver, com um eventual juízo de absolvição ou de condenação do arguido perante as provas apresentadas e o juízo que delas se fizer em julgamento e a convicção sobre a certeza ou a dúvida sobre os factos praticados, apurados em julgamento, e esses sim, provados ou não provados, funcionarem de acordo com o princípio in dubio pro reo.
Termos em que se dando provimento ao recurso interposto se revoga a decisão recorrida devendo o arguido (...) ser pronunciado pelo crime de pornografia de menores previsto e punível pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c) agravado pelo artigo 177.º n.º 6 e 7 do CP, tal como consta da acusação deduzida pelo MP em 1.ª instância.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos dá-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência:
1. Revoga-se a decisão recorrida, devendo o arguido (...) ser pronunciado pelo crime de pornografia de menores previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c) do CP, agravado pelo artigo 177.º, nºs 6 e 7 do mesmo Código.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas signatárias.
Évora, 22 de novembro de 2021.
Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo

__________________________________________________
[1] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 3.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 701. ISBN 978-972-54-0489-8.
[2] O artigo 176.º do CP na versão original da Lei n.º 48/95, de 15/03 tinha inicialmente como epígrafe “Lenocínio de Menores” tendo sido alterada pela Lei 65/98 de 2 de setembro (passando a ter como epígrafe “Lenocínio e tráfico de Menores”), pela Lei 99/2001 de 25 de agosto (mantendo a mesma epígrafe), pela Lei 59/2007 de 4 de setembro (passando a ter como epígrafe pornografia de menores) e pelas Leis 103/2015 de 24 de agosto e 40/2020 de 18.8 (mantendo a mesma epígrafe).
[3] Cf. neste sentido Acórdão da RE de 14-07-2020, proferido no processo n.º 649/19.8TELSB-A.E1, relatado por Renato Barroso e disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtre.
[4] Cf. Patto, Pedro Maria Godinho Vaz – “Pornografia Infantil Virtual”. Revista Julgar n.º 12 (2010). P. 183-194.
[5] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 3.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 702. ISBN 978-972-54-0489-8.
[6] Ainda a este propósito cf. Patto, Pedro Maria Godinho Vaz – “Pornografia Infantil Virtual”. Revista Julgar n.º 12 (2010). P. 183-194, disponível para consulta em file:///C:/Users/MJ01820/Downloads/183-194-Pornorgrafia-infantil-virtual.pdf onde se afirma que “Da revisão do Código Penal de 2007 resulta a criminalização da conduta de quem produz ou distribui pornografia infantil virtual, isto é, da que não é efectivamente produzida com crianças, mas se serve de uma representação realista das mesmas (artigo 176.º, n.os 1 e 3). Esta criminalização vem na linha de normas internacionais e europeias que vinculam o Estado português: o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil e a Decisão--Quadro do Conselho Relativa à Luta Contra a Exploração Sexual de Crianças e Pornografia Infantil.”
[7] Acórdão da RE de 17.3.2015, proferido no processo 24/13.0JDLSB.E1, relatado por Carlos Jorge Berguete e disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtre.
[9] Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea: A-F. Vol. I. Academia das Ciências. Verbo. P. 450. ISBN 972-22-2046-2.
[10] Acórdão da RE de 17.3.2015, proferido no processo 24/13.0JDLSB.E1, relatado por Carlos Jorge Berguete e disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtre.