I - Numa impugnação da decisão da matéria de facto deve constar das conclusões a indicação dos concretos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados. Não se impõe que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa.
II - Tendo o tribunal da Relação identificado o ponto da matéria de facto impugnado, bem como a “resposta” (não provado) que o recorrente pretendia que lhe fosse dada e estando reunidos os demais requisitos exigidos pelo art. 640.º do CPC, não havia motivo para rejeitar (como não se rejeitou, dela se conhecendo) a impugnação.
III - Um tribunal superior pode sintetizar as conclusões, em vez de as reproduzir, designadamente quando são demasiado extensas ou repetitivas. O que importa é que o tribunal trate das questões nelas colocadas e definidoras do objecto do recurso.
IV - O tribunal da Relação, relativamente à matéria de facto, tem autonomia decisória, formando a sua convicção em face dos meios de prova indicados pelas partes ou disponíveis no processo, não sendo de concluir que se lhe imponha sempre, para decidir da impugnação de determinado ponto da matéria de facto, a ponderação de toda a prova produzida, designadamente a gravada. Pode, é certo, ouvir toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão, mas tal não significa que seja obrigado, em todos os casos, a ouvi-la. A ser assim, não faria sentido que as partes tivessem de indicar as passagens relevantes dos depoimentos. Estar-se-ia, então, em regra, perante um novo julgamento, não sendo isso que resulta da lei.
V - Em regra, não há contradição entre “respostas” positivas e negativas, pois, no que respeita a estas, seria como se não existissem ou tivessem sido alegadas. Mas, excepcionalmente, há casos em que pode haver contradição, como sucede na situação em que as respostas negativas não acolham facto que integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa ou a resposta negativa tenha conteúdo sobreponível ao da resposta positiva. Não ocorrendo nenhuma dessas situações, não há motivo para se concluir pela contradição.
VI - A regra da substituição prevista no art. 665.º do CPC não funciona na revista (tal artigo não figura na remissão feita pelo art. 679.º do CPC).
VII - Enquadra-se no n.º 2 do art. 684.º do CPC a omissão de pronúncia “relativamente a questões de direito ou quando estão em causa elementos de facto relevantes para a decisão: a baixa do processo destina-se a permitir a pronúncia por parte da Relação”, (Abrantes Geraldes, na obra citada na fundamentação deste acórdão), pois “enquanto a Relação conhece tanto da matéria de facto como de direito, já ao Supremo está fundamentalmente destinada à reapreciação das questões de direito, exigindo-se a prévia pronúncia da Relação e a estabilização dos elementos de facto e de direito relevantes” (ibid). A verificação da omissão de pronúncia implica a baixa do processo à Relação para reforma da decisão, nos termos do referido n.º 2 do art. 684.º.
VIII - Fenómenos como a ocorrência de infiltrações, existência de fissuras, degradação da pintura, problemas de escoamento de águas pluviais, degradação de pavimentos, num prédio destinado a habitação, não podem deixar, vista essa função, de afectar as supostas e normais qualidades que a coisa deve ter, de modo a enquadrá-la, como coisa defeituosa, na previsão do art. 913.º do CC.
IX - O Código Civil, no que tange à venda de coisa defeituosa, não distingue vícios ocultos de vícios aparentes, relevando uns e outros desde que se integrem numa das categorias de vícios previstos no art. 913.º, n.º 1.
X - A lei não impõe que a acção destinada a exigir a eliminação dos defeitos ou a indemnização seja intentada dentro do prazo de cinco anos da garantia a que se refere o art. 1225.º do CC. O que importa é que os defeitos ocorram (se revelem) nesse período.
XI - Na densificação do conceito de “entrega” (referido no n.º 1 do art. 1225.º), deve entender-se que a data de início de contagem do prazo de cinco anos deve ser associada àquela em que a assembleia de condóminos passa a dispor de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos, o que é incompatível com uma situação em que este tenha ainda poderes de administração relativamente ao prédio.
XII - O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos, traduzido em inventariação desses defeitos e subsequente passagem a concretos actos de reparação, é impeditivo da caducidade.
I
A Ré construiu e era a proprietária do prédio urbano sito na Rua ……, n.º 48 e 50 e Rua ……, n.ºs 88, 88-A, 88-B e 88-C, da Freguesia ……., Concelho …….
O referido prédio foi constituído em regime de propriedade horizontal e as fracções e as partes comuns inerentes foram vendidas pela Ré.
Por carta registada com AR, datada de 25 de Maio de 2016 e recepcionada no dia 30 do mesmo mês, o Autor notificou a Ré da existência de defeitos de obra nas áreas comuns. Assim, foram identificados e notificados à Ré os defeitos (que identifica) de obras nos pisos de estacionamento, na fachada poente e varandas, na sala do condomínio e nos contadores da água sitos nas entradas de ambos os corpos do prédio.
Em resposta à referida carta, a Ré procedeu à vistoria das partes comuns no dia 07 de Junho de 2016. Contudo, nada foi feito e os defeitos da obra mantiveram-se.
O Autor voltou a insistir com nova carta e, nessa sequência, a Ré agendou, por mais de uma vez, reunião com o administrador do Autor, a qual só veio a ter lugar no dia 07 de Novembro de 2016.
A 23 de Novembro de 2016, a Requerida deu início a intervenções nas fracções que também já haviam reclamado defeitos, mas os defeitos das partes comuns mantiveram-se, ainda que com a promessa da Ré de que os trabalhos de reparação nas partes comuns iriam ter início “em breve” e com a garantia de que em Fevereiro de 2017 tudo estaria reparado.
A partir de Janeiro de 2017, de forma inconstante e por período que o Autor não sabe precisar, a Ré procedeu aos trabalhos que o A. identifica.
Acontece que, em Maio de 2017, as pequenas intervenções cessaram sem qualquer pré-aviso, a Ré levou o seu material e deixou de enviar trabalhadores para o local.
Na sequência de e-mail remetido em Março de 2017, ao Engenheiro BB, director de obra da Ré, e da resposta obtida, o Administrador do Autor voltou a contactá-lo telefonicamente e aquele, como já havia referido por outras vezes, disse-lhe que ainda estava a preparar o plano para as intervenções mais trabalhosas, bem como a sua calendarização e que, em breve, entraria em contacto.
Como nada mais foi feito desde então, Abril de 2017, o Autor viu-se obrigado a proceder a notificação judicial avulsa, a fim de interpelar a Ré para, no prazo de 30 dias, proceder à reparação das anomalias que o A. elenca no art. 25º da petição.
Embora interpelada, a Ré não procedeu às reparações dos defeitos da obra da sua responsabilidade.
As reparações necessárias para colmatar os defeitos da obra têm um custo que ascende a €141.000,00.
Termina, pedindo:
- Que a Ré seja condenada a proceder às obras necessárias e adequadas à eliminação total e definitiva de todos os defeitos de obra existentes no imóvel, melhor elencados no artigo 24.º e conforme descrito no orçamento junto como Doc. 9, com início no prazo máximo de 30 dias após a condenação;
- Uma vez condenada à realização das obras descritas e sem que dê cumprimento às mesmas no prazo estipulado, subsidiariamente, pede que a R. seja condenada no pagamento do valor de 141.000,00€ (cento e quarenta e um mil euros) a título de danos emergentes.
Contestou a Ré, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em sede de excepção, invocou a ilegitimidade do A., a caducidade do direito de propor a presente acção e a ineptidão da petição inicial.
Em sede de impugnação, referiu, desde logo e entre o mais, não reconhecer a existência dos defeitos de obra alegados pelo Autor nos artºs 8º a 13º da petição inicial.
Questionou também a legitimidade do Condomínio para reclamar da Ré a eliminação de defeitos em partes não comuns, bem como defendeu a caducidade relativamente a defeitos que não foram atempadamente denunciados, razão por que, em seu entender, se tornou irresponsável pela respectiva eliminação.
Concluiu defendendo a procedência das excepções ou, em qualquer caso, a improcedência da acção, por não provada.
O A. veio exercer o contraditório, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.
Teve lugar audiência prévia, na qual se concluiu pela improcedência da invocação da ineptidão da petição inicial, bem como se considerou haver legitimidade por parte do A..
No que concerne à caducidade, remeteu-se o conhecimento para final.
Definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.
Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo-se a Ré do pedido.
Inconformada com esta decisão, dela recorreu o A. para a Relação ….., onde foi proferido acórdão que, julgando a apelação procedente, revogou a sentença, condenando, em conformidade, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. no pedido, sem prejuízo das reparações já realizadas.
Desta vez, foi a Ré quem, inconformada com o decidido, interpôs recurso para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«I. No recurso de apelação, o Autor não deu satisfação aos requisitos de admissibilidade do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto, exigidos pelas alíneas a) e c) do nº 1 do artº 640º do CPC.
II. Como tal, o recurso de apelação que interpôs deveria ter sido rejeitado, nesta parte.
III. A Ré, em sede de contra-alegações e nas respectivas conclusões alegou que o Autor não dera cumprimento aos requisitos de admissibilidade do recurso, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, exigidas pelas alíneas a) e c) do nº 1 do art.º 640º do CPC e que, em consequência, nessa parte (impugnação da matéria de facto, o recurso deveria ser rejeitado.
IV. O Tribunal da Relação não conheceu da questão invocada nas mencionadas conclusões I a VII das contra-alegações da Recorrida e não se pronunciou sobre se estavam ou não preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso quanto à matéria de facto.
V. A pronúncia sobre o preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à matéria de facto é compulsória para o Tribunal ad quem, ainda que a questão não tivesse sido arguida pela recorrida, como foi, pelo que o Tribunal de recurso não poderia deixar de se pronunciar sobre o tema.
VI. Assim sendo, o douto acórdão ora recorrido padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia (sobre os requisitos de admissibilidade do recurso quanto à matéria de facto), prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, nulidade que aqui expressamente se invoca.
VII. Impõe-se, assim, que seja declarada a referida nulidade e, consequentemente, ordenada a baixa do douto acórdão recorrido, para que seja reformado, nos termos do artº 684º, nº 2 do CPC.
IX. Não é admissível a substituição oficiosa das conclusões apresentadas pelo recorrente, pelo que o Tribunal, não tendo proferido convite ao aperfeiçoamento, deveria ter rejeitado o recurso de apelação ou, não o fazendo, deveria ter-se pronunciado sobre as conclusões formuladas pelo recorrente.
X. Ao fazê-lo, violou o disposto nos artºs 5º e 639º do CPC.
XI. Como tal, não podem ser aceites, pelo que devem ser revogadas, as decisões proferidas pela Veneranda Relação quanto às duas primeiras questões, com as epígrafes “Quanto ao invocado erro na apreciação da prova, que determina alteração da matéria de facto constante do ponto 23 dos factos provados” e “Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos”, do capítulo “C – Aplicação do direito aos factos” do douto acórdão recorrido.
XIII. Em determinadas circunstâncias, nomeadamente quando esteja em causa a verificação do respeito pela Relação pelos limites e pelas regras a que a mesma deve obediência quanto à modificação da decisão de facto, o Supremo Tribunal pode e deve ser chamado a intervir.
XIV. O Tribunal a quo, na decisão que proferiu sobre esta questão, não observou, nem deu cumprimento ao disposto no art. 662º do CPC, tendo ultrapassado os limites impostos pela referida norma, o que permite convocar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na sindicância da matéria de facto.
XV. O Tribunal recorrido não ponderou todos os elementos probatórios que foram produzidos nos autos, como lhe era imposto pelo art. 662º do CPC e como decorre da jurisprudência deste Supremo Tribunal, antes tendo realizado uma audição seleccionada e a análise de apenas uma parte da prova produzida, mormente de alguns depoimentos testemunhais, sem efectuar a indispensável ponderação de todos os meios probatórios à sua disposição no processo, sem confrontar os meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, e sem proceder à audição de toda a prova testemunhal gravada e à análise do teor dos documentos, examinando as provas e motivando a decisão de forma coerente e transparente.
XVI. Em especial, decorre claramente do teor do acórdão recorrido que o Tribunal não atentou ao teor do facto provado nº 15 e, sobretudo, do documento nº 8 da petição inicial, naquele incorporado e, por isso também, considerando provado.
XVII. Não pode alterar-se a matéria de facto em sentido contrário à que, não tendo sido impugnada, tenha ficado provada noutro ponto da matéria assente, como decorre do artº 607º, nº 4 e, a contrário, do nº 1 do art. 662º do CPC.
XVIII. Resultando do facto provado nº 15 (doc. nº 8 da petição inicial) que o administrador do condomínio acompanhou a vistoria realizada em 2012, na qual se identificaram os alegados defeitos reclamados nos presentes autos, não pode alterar-se a matéria de facto provada, no sentido de dar como não provado que o Autor conhecesse os defeitos desde 2012.
XIX. Resulta, assim, que o facto provado nº 23 não podia ser transmutado em facto não provado.
XX. Deverá ser revogado, nesta parte, o douto acórdão recorrido, declarando-se inadmissível e revogando-se a modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal recorrido, que, assim, deve manter-se com o teor seguinte: “23 – Desde, pelo menos, 12/11/2012 que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes”.
XXII. Assim, nos termos do artº 686º, nº 1 do CPC, deverá a referida nulidade ser declarada e, suprindo-a, deverá este Supremo Tribunal revogar, também nesta parte, o douto acórdão recorrido, quanto à modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal recorrido, mantendo inalterado o facto provado nº 23, tal como fixado pela 1ª instância.
XXIV. A questão privativa ou comum dos defeitos reclamados nos autos é determinante para o apuramento da legitimidade do Autor para o pedido formulado.
XXV. Do título constitutivo da propriedade horizontal resulta literalmente que as varandas integram cada uma das fracções autónomas, sendo assim partes privativas e não partes comuns, tendo, portanto, natureza privativa os defeitos reclamados relativamente às varandas (fissuras ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento)
XXVI. Considerando que a constituição da propriedade horizontal apenas se pode provar por documento, que a mesma se mostra assente no facto provado nº 2 e que o respectivo título constitutivo consta de fls. 7v a 15 dos autos (doc. 1 da p.i.), bem como, por outro lado, que a questão (natureza privativa ou comum dos defeitos reclamados) é de direito e não de facto, não existem obstáculos para que o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar sobre a mesma, suprindo a nulidade incorrida pelo douto acórdão da 2ª instância.
XXVII. Em consequência, deverá ser declarada a ilegitimidade do Autor para o pedido formulado quanto aos defeitos relativos às varandas (fissuras ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento) e a Ré absolvida do pedido, na parte correspondente.
XXVIII. Caso assim não seja entendido, por se considerar que, por ter ocorrido omissão de pronúncia, compete ao Tribunal recorrido fazê-lo, deve ser declarada a referida nulidade e ordenada a baixa do douto acórdão recorrido, para que seja reformado, nos termos do artº 684º, nº 2 do CPC.
XXX. A natureza aparente ou oculta dos mesmos é fundamental para determinação quer da irresponsabilidade da Ré, nos termos dos artºs 1218º e 1219º do CC, quer do dies ad quo da contagem do prazo de denúncia e, consequentemente, para a decisão a proferir quanto à excepção de caducidade deduzida.
XXXI. Por se tratar de defeito aparente não imediatamente denunciado aquando da entrega do imóvel e não tendo sequer sido alegado e muito menos provado ter sido a recepção efectuada com reserva do direito à reparação do alegado defeito de falta de pavimento cerâmico na sala de condomínio, pelo mesmo tornou-se a Ré irresponsável (artº 1219º do CC) e, subsidiariamente, caducou o direito à respectiva denúncia pelo Autor decorrido que foi um ano sobre a data de entrega do edifício (ou seja, em 25.09.2013).
XXXII. A Veneranda Relação não emitiu qualquer juízo sobre a natureza aparente ou oculta dos defeitos denunciados, mormente os identificados pela Ré, respeitantes ao terraço de cobertura das garagens (orientação para escoamento de águas) e à sala do condomínio (falta de pavimento cerâmico).
XXXIII. Não tendo tal sido feito, o acórdão da Relação padece de nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).
XXXIV. Por isso, também relativamente a esta questão deve ser declarada a referida nulidade, o douto acórdão ser revogado e ordenado o suprimento da nulidade, com a baixa do douto acórdão recorrido, para que seja reformado, nos termos do artº 684º, nº 2 do CPC.
XXXVI. A fundamentação da decisão da matéria de facto dos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados não fornece a identificação dos meios probatórios concretos nos quais o Tribunal terá alicerçado a sua convicção, nem as razões pelas quais entendeu que as intervenções a que aquela matéria de facto se reporta se traduzem em intervenções próprias da Ré, ainda que indirectamente, através do empreiteiro que havia contratado para realizar a obra.
XXXVII. A fundamentação dos termos das respostas de facto dadas quanto à matéria dos pontos 19, 20 e 22 da matéria de facto provada é deficiente e obscura.
XXXVIII. A douta sentença em crise incorreu, assim, na nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c) do CPC (concomitantemente, com a do artº 662º, nº 2, al. c) do CPC), a qual se entende que deverá ser sanada expurgando-se dos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados a expressão “a Ré, através da”.
XXXIX. Não se trata de uma questão de impugnação da decisão de facto, mas de deficiência e obscuridade da fundamentação da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, questão que se coloca a montante da impugnação da factualidade provada e não provada, pois a fundamentação antecede, necessária, lógica e funcionalmente, a decisão, seja esta da questão de facto, seja da de direito.
XL. Para o efeito, deverá este Supremo Tribunal considerar que ocorreu, por parte do Tribunal da Relação, erro de julgamento, revogar, nesta parte, o douto acórdão recorrido e, declarando verificada nulidade apontada à sentença da 1ª instância, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 615º, nº 1, al. c) e 662º, nº 2, al. c) do CPC, promover o respectivo suprimento nos termos do artº 684º, nº 1 do CPC ou, se assim não for entendido, a aplicação do disposto no 662º, nº 2, al. c) e d) e nº 3 do CPC.
XLII. Tendo resultado provados, relativamente a defeitos do edifício, apenas os factos constantes do concreto ponto 18 dos factos provados, impunha-se à Veneranda Relação que relativamente a estes, e apenas relativamente a estes, a cada um deles individualmente considerado, emitisse pronúncia quanto à aplicação do direito aos factos, incluindo sobre a questão da caducidade do direito do Autor e a da responsabilidade da Ré, alegados a título de excepção.
XLIII. O Tribunal recorrido tratou indistintamente as deficiências, como um todo, independentemente do que resultou provado e não provado, e decidiu condenar a Ré no pedido, com desrespeito pela factualidade provada, nomeadamente a fundamentação de facto, com o que eivou o douto acórdão de nulidade nos termos da al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC (por ambiguidade e oposição entre a fundamentação e a decisão), ou, quando muito, de erro de julgamento.
XLIV. Assim, nos termos do artº 686º, nº 1 do CPC, deverá a referida nulidade ser declarada e suprida, ou, caso se entenda que o vício incorrido foi de erro de julgamento, deverá este Supremo Tribunal revogar, também nesta parte, o douto acórdão recorrido, substituindo-o, em qualquer dos casos, por outra decisão que considere apenas os defeitos dados como provados e, destes, apenas os não aparentes e comuns.
XLVI. Ora, não obstante a denúncia de defeitos, não fica o empreiteiro a saber se o dono da obra lhe exige a eliminação dos defeitos dela, a redução do preço ou indemnização, nem se o contrato é resolvido, não havendo, por isso, não-cumprimento por parte do empreiteiro, e bem podendo até acontecer que o dono da obra renuncie a esses direitos ou se abstenha pura e simplesmente de os exercer.
XLVII. Exige-se, pois, que depois de efectuada ou apesar da denúncia, o dono da obra (tal como o terceiro adquirente) exija a eliminação dos defeitos, através da respectiva acção judicial, devendo fazê-lo no prazo de um ano a contar da denúncia, sob pena da caducidade do direito.
XLVIII. O prazo para instauração de acção judicial para exercício do direito à eliminação de defeitos, quer contra o empreiteiro, quer contra o vendedor-construtor é de cinco anos a contar da entrega.
XLIX. O referido prazo de cinco anos é um prazo de caducidade (vd. 916º, 1224º e 1225º do CC) e conta-se desde a data da entrega do prédio.
L. O prazo de cinco anos iniciou-se em 24.08.2012, data em que foi constituído o condomínio, ou, quando muito, em 25.09.2012, data em que foi eleito o novo administrador do condomínio e a Ré deixou de pertencer aos órgãos do condomínio.
LI. Tendo a acção dado entrada em juízo em 27.11.2017, forçoso é concluír que, nesta data, já tinha decorrido o referido prazo de cinco anos e, consequentemente, tinha caducado o direito que o Autor pretende exercer, quer o mesmo se conte desde 24.08.2012, quer se conte desde 25.09.2012.
LII. As anomalias elencadas no facto provado nº 18 apenas foram denunciadas à Ré pela carta do Autor de 25.05.2016, recebida a 30.05.2016.
LIII. Tal denúncia não foi efectuada no ano posterior ao descobrimento daquelas anomalias, como se exige – sob pena de caducidade – nos artºs 916º, 1220º e 1225º do CC –, uma vez que o Autor delas tomou conhecimento em 12.11.2012 – factos provados nºs 15 e 23 -, ou seja, mais de três anos antes de efectuada a denúncia.
LIV. Por outro lado e por maioria de razão, entre a data do conhecimento dos defeitos (12.11.2012) e a propositura da acção (27.11.2017) decorreu mais de um ano, pelo que se esgotou o prazo previsto nos artºs 916º, 1224º e 1225º, nºs 2 e 3 do CC e, consequentemente, caducou, também por este motivo, o direito de eliminação de defeitos que o Autor pretende fazer valer através da presente acção, caducidade que ocorreu em 12.11.2013, por falta de denúncia de defeitos conhecidos.
LV. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite como hipótese de raciocínio, sempre haveria que considerar que o Autor também não respeitou o prazo de um ano, subsequente à denúncia dos defeitos, para intentar a acção, como resulta do confronto das datas constantes dos factos provados nº 16 (30.05.2016, data de denúncia) e nº 25 bis (27.11.2017, data da propositura da acção).
LVI. O Autor não respeitou nenhum dos três prazos de caducidade que a lei lhe impõe:
i. O prazo de garantia de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente, que começou em 24.08.2012, ou, quando muito, em 25.09.2012 e terminou em 24.08.2017 ou, quando muito, em 25.09.2017, tendo a acção sido intentada apenas em 27.11.2017;
ii. O prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia, que começou em 12.11.2012 e terminou em 12.11.2013, tendo a denúncia sido efectuada em 30.05.2016;
iii. O prazo de um ano, subsequente à denúncia, dentro do qual deveria ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos, que começou em 30.05.2016 e terminou em 30.05.2017, tendo a acção sido intentada apenas em 27.11.2017.
LVII. Tendo ocorrido a caducidade, extinguiu-se o direito, o qual não pode renascer ou ser repristinado, ficando definitivamente extinto e precludido.
LVIII. A lei equivale o reconhecimento do defeito à respectiva denúncia, tornando-a desnecessária.
LIX. Porém, tal estipulação não afasta a necessidade do dono da obra (ou do terceiro adquirente) exigirem do empreiteiro (ou do vendedor que a tenha construído) a eliminação dos defeitos, pois (reitera-se):
LX. Pelo que o reconhecimento da existência de defeitos por parte do empreiteiro apenas impede a caducidade do direito previsto nos artºs 1220º e 1225º, nº 2 (1ª parte), começando a correr, a partir do reconhecimento, não um novo prazo de caducidade para exercício do mesmo direito – o que seria próprio do regime da prescrição -, mas um outro prazo, para exercício de um outro direito, previstos nos artºs 1221º e 1225º, nº 2, 2ª parte e nº 3, do CC: o prazo para e o direito de exigir a eliminação dos defeitos.
LXI. Por isso, o alegado reconhecimento do direito do Autor que o acórdão recorrido defende ter existido – mas que não se concede, nem se aceita e apenas se admite para efeitos de raciocínio – sempre seria putativo, inoperante e ineficaz.
LXII. Com efeito, à data do alegado reconhecimento da existência dos defeitos já os seus efeitos (equivalência à denúncia dos defeitos, nos termos do artº 1220º, nº 2 do CC) se tinham produzido, com a recepção da carta do Autor, ocorrida em 30.05.2016, e estava já em curso o prazo previsto nos artºs 1221º e 1225º, nº 2, 2ª parte e nº 3, do CC, para o Autor exigir a eliminação dos defeitos.
LXIII. Assim, por um lado, uma vez que a caducidade ocorreu em 12.11.2013 e os actos de alegado reconhecimento invocados pelo Recorrente lhe são posteriores, nomeadamente, posteriores a Maio de 2016, os mesmos nunca possuiriam eficácia impeditiva da caducidade ou repristinadora do direito do Autor.
LXIV. E por outro, uma vez que os efeitos do reconhecimento já se tinham produzido em 30.05.2016, o alegado reconhecimento não seria susceptível de introduzir qualquer alteração aos prazos de caducidade em causa e aos respectivos direitos, tendo-se esgotado em 30.05.2017 o prazo de caducidade do direito de eliminação dos defeitos.
LXV. A descrição dos factos alegadamente demonstrativos do reconhecimento dos defeitos (facto provado nº 17) é excessivamente genérica e indeterminada, não preenchendo os requisitos de clareza e precisão indispensáveis para que se possa concluir que ocorreu um reconhecimento concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade dos direitos do Autor.
LXVI. Como tal, impõe-se concluir que não ocorreu, por parte da Ré, qualquer comportamento que possa ser considerado reconhecimento impeditivo dos direitos do Autor, nem se impediu a caducidade, nem o direito renasceu.
LXVIII. O Tribunal recorrido deveria ter rejeitado o recurso de apelação quanto à impugnação da matéria de facto, negado provimento ao recurso e confirmado a douta sentença da 1ª instância.
Termina, dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, suprindo as respectivas nulidades e ordenando a baixa dos autos para que possa seja reformado, se assim for entendido necessário, e, em qualquer caso, julgando-se a acção totalmente improcedente e absolvendo-se a Ré do pedido.
Não houve contra-alegações.
Recebido o processo neste Supremo Tribunal, foi proferido despacho pelo relator, ordenando-se que os autos voltassem ao Tribunal da Relação ….. para que fosse emitida pronúncia sobre as nulidades arguidas pela Recorrente relativamente ao acórdão, por se verificar que o Tribunal a quo não o fizera antes da subida da revista, de acordo com o disposto nos arts. 617º, nº 1, 641º, nº 1, e 666º do CPC.
Na sequência do determinado, o Tribunal da Relação proferiu acórdão, em conferência, no dia 25-03-2021.
A Recorrente veio apresentar alegações complementares, concluindo o seguinte:
«I. O douto acórdão da Veneranda Relação ….., aqui recorrido, apenas se pronunciou relativamente às nulidades invocadas nas conclusões I a VII (suprindo-a) e nas conclusões XXI e XXII (que considerou inexistente).
II. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre as restantes nulidades por omissão de pronúncia, conforme lhe fora ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, (i) sobre a nulidade por omissão de pronúncia quanto à natureza privativa ou comum dos defeitos relativos às varandas (conclusões XXIII a XXVIII), (ii) sobre a nulidade por omissão de pronúncia quanto à natureza aparente ou oculta dos defeitos relativos à falta de pavimento cerâmico na sala de condomínio (conclusões XXIX a XXXIV), e (iii) sobre a nulidade por ambiguidade e contradição entre a decisão e a fundamentação (conclusões XLI a XLIV).
III. O Tribunal recorrido não deu, pois, integral cumprimento ao douto despacho do Senhor Conselheiro Relator, que ordenou a baixa do recurso nos termos e para os efeitos do art. 617º, nº 1, 641º, nº 1 e 666º do CPC.
IV. Com o que omitiu, novamente, pronúncia sobre questões que está obrigado a conhecer.
V. Consequentemente, por um lado, o acórdão aqui recorrido viola o douto despacho do Supremo Tribunal de Justiça e, pelo outro, é nulo, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, o que aqui expressamente de invoca.
VI. Nos termos do disposto nos artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, o âmbito dos recursos é definido pelo teor das conclusões apresentadas pelo Recorrente.
VII. Por outro lado, quando esteja em causa a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, a Lei estabelece, no art.º 640º do CPC, ónus a cargo do recorrente, os quais devem ser obrigatoriamente respeitados sob pena de rejeição do recurso.
VIII. O Autor, então recorrente e agora recorrido, não deu cumprimento aos requisitos de admissibilidade do recurso, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, exigidas pelas alíneas a) e c) do nº 1 do art.º 640º do CPC, pelo que, em consequência, nessa parte (impugnação da matéria de facto), o recurso deveria ser rejeitado.
IX. Com efeito, na apelação não se mostram especificados nem os concretos pontos de facto que o Autor considerou incorrectamente julgados, nem a decisão que, no seu entendimento, deveria ter sido proferida sobre os referidos pontos.
X. A especificação concreta, em sede de conclusões, de cada um dos pontos impugnados (factos provados e não provados constantes da decisão da matéria de facto) constitui requisito de admissibilidade do recurso, o que resulta literalmente da norma em causa, uma vez que na mesma se comina a sua violação com a rejeição do recurso.
XI. Pelo que, nessa parte, a apelação deveria ter sido rejeitada.
XII. Ao não rejeitar a apelação na parte respeitante à alteração da matéria de facto, o Venerando Tribunal da Relação ….. violou, entre outros, o disposto nos artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 e 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC.
TERMOS EM QUE, e nos mais que V. Exas. Mui doutamente suprirão, admitindo o alargamento do âmbito do recurso ao abrigo do disposto do nº 2 do art. 617º do CPC, concedendo provimento ao recurso e, em consequência, revogando o douto acórdão recorrido, suprindo as respectivas nulidades e, em qualquer caso, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo a Ré do pedido, em conformidade com as presentes conclusões, farão, como sempre, boa e sã JUSTIÇA.»
«1 – A Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. é uma sociedade comercial, que tem como objeto social a compra e venda de imóveis para revenda e todas as demais operações legalmente admitidas sobre imóveis, investimentos, promoções, gestão imobiliária e construção de edifícios em imóveis que possua ou adquira para o efeito, serviços de consultadoria na área de coordenação e controlo de projetos e construção;
2 – No dia 17 de abril de 2012, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. procedeu à constituição da propriedade horizontal do prédio denominado ........., composto por 9 pisos e 35 frações autónomas, sendo 30 destinadas a habitação e 5 destinadas a aparcamento;
3 – Por despacho de 31 de julho de 2012, pelo Presidente da Câmara Municipal ……, foi autorizada a utilização para habitação do edifício e ocupação de garagens, titulada pelo alvará de utilização n° 69…..., de 31 de dezembro de 2012;
4 – No dia 6 de agosto de 2012, teve lugar a primeira reunião da assembleia de condóminos, com a seguinte ordem de trabalhos: deliberar sobre a constituição do condomínio, a eleição do órgão administrativo e a deliberação da forma de obrigar o condomínio;
5 – Na mencionada reunião, foi deliberada, além do mais, a eleição da Ré Efimóveis imobiliária, S.A., como administradora do prédio denominado .........;
6 – No dia 8 de agosto de 2012, após a constituição da propriedade horizontal, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. iniciou a comercialização e venda das diversas frações autónomas, sendo, nesse mesmo dia, realizadas 5 escrituras de compra e venda;
7 - No dia 21 de agosto de 2012, o Autor Condomínio do Edifício .........- requereu ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas o seu registo, como entidade equiparada a pessoa coletiva;
8 – No dia 24 de agosto de 2012, a referida entidade procedeu ao registo requerido, emitindo para o efeito o respetivo cartão;
9 – No dia 3 de setembro de 2012, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 68,24% da totalidade do prédio;
10 – No dia 9 de Outubro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 77,88% da totalidade do prédio;
11 – No dia 29 de Outubro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 81,36% da totalidade do prédio;
12 – No dia 4 de dezembro de 2012, já tinha procedido à venda de frações, que correspondiam a 84,78% da totalidade do prédio;
13 – No dia 7 de março de 2014, procedeu à venda da 30ª e última fiação autónoma do prédio, perfazendo 97,64% do valor total do mesmo;
14 – No dia 25 de setembro de 2012, realizou-se uma assembleia de condóminos do edifício ........., onde, além do mais, foi nomeada na nova administração, que ficou a cargo de CC, assessorada por DD e AA;
15 - O eng. EE, na sequência de uma vistoria efetuada no dia 12 de novembro de 2012, elaborou, em 4 de junho de 2013, o relatório junto com a petição inicial, como documento n° 8, do qual consta, além do mais, que:
(…) 5.6 – Infiltrações de água
Na inspeção efetuada na zona de estacionamento verificou-se a existência de entrada de água na zona da junta de dilatação entre os dois corpos do edifício (…). No cunhal nordeste do edifício na zona de estacionamento verifica-se uma entrada de água que eventualmente terá como causa a má impermeabilização e drenagem da parede enterrada (…).
5.7 – Pavimento das Garagens
O pavimento na zona de estacionamento encontra-se bastante degradado por má execução e utilização de sistema de execução de pavimentos com estas exigências deficiente.
5.8 – Consolas (Varandas)
A inspeção visual e de acordo com fotografia anexa verifica-se um deslocamento por corte no interface entre o betão armado (consola) argamassas de enchimento do piso, fissuras no topo da consola. (…) o fenómeno é mais acentuado na orientação oeste (…)”;
16 – O Condomínio do Edifício ......... enviou à Ré Efimóveis, S.A. carta registada com aviso de receção, datada de 25 de maio de 2016, e por esta rececionada no dia 30 seguinte, junta de fls. 28 verso a 30 dos autos, constando da mesma, além do mais, o seguinte: que “(…) vimos pela presente informar as patologias atualmente detetadas no imóvel a saber:
Na zona de estacionamento
I) Infiltrações de água na zona da junta de dilatação entre os dois corpos do edifício
ii) Infiltrações de água nas paredes e solo (nas partes subterrâneas), e tetos
iii) Infiltrações de água na zona das caixas dos elevadores
iv) Pavimento degradado e com fissuras (piso-1)
v) Pintura exterior degradada
Nas varandas
i) Fissuras ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento
ii) Fissuras junto da zona de esgoto das águas pluviais (tubos dos algerozes)
iii) Pavimento com orientação deficiente para escoamento das águas (incluindo o piso do terraço da sala do condomínio)
iv) Fissuras acentuadas na zona de dilatação entre os dois corpos do edifício
Na sala do condomínio
i) teto, fissurado
Na zona dos contadores de água
27) Falta isolamento das paredes de ambos os corpos do edifício, o que causa ruído nos quartos contíguos das frações …, …, do n° 48 do ..o ... do nº 50 (…)”
17 – Na sequência desta missiva, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., na pessoa do eng. FF, deslocou-se ao prédio, a fim de averiguar a situação e fazer um levantamento das deficiências existentes;
18 – As anomalias existentes no prédio denominado ......... consistiam na infiltração de água garagem no piso 1, pela junta de dilatação, pelo teto e paredes, pavimento da garagem do piso 1 a desfazer-se, com fissuras e buracos, degradação da pintura exterior, fissuras na zona da junta de dilatação dos dois corpos, fissuras junto dos tubos de algerozes, fissuras no teto da sala de condomínio, problema ao nível do escoamento das águas pluviais no terraço de cobertura da garagem, fissuras/deslocamentos ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento, falta de cerâmico na sala de condomínio;
19 – Na sequência da deslocação ao prédio do eng. FF, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., através da sociedade Ferreira Build Power Ferreira efetuou trabalhos de reparação das deficiências ao nível das fissuras, pintura, infiltrações de águas nas garagens;
20 – Em data não concretamente apurada, mas posterior a 2015, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. colocou painéis metálicos, no teto das garagens piso – 1, para reencaminhamento das infiltrações de água;
21- A Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. cometeu a execução da obra de construção do edifício denominado ......... à sociedade Ferreira Build Power;
22 – A Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., através da sociedade Ferreira Build Power, suspendeu os trabalhos, sem mais concluir as obras de correção das restantes deficiências;
23 - [Eliminado, pelo Tribunal da Relação, do elenco dos factos provados, passando para não provado e verificando-se que a redacção que lhe tinha sido dado na 1ª Instância era a seguinte:
23. Desde, pelo menos, 12 de novembro de 2012, que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes].
24 – Na ata n° 8 da reunião da assembleia de condóminos de 16 de fevereiro de 2017, ficou consignado que “(…) tendo a assembleia sido informada pelo Dr. GG que a Câmara Municipal …… havia intervencionado a conduta de alimentação de água junto ao prédio, junta a entrada …., tendo aparentemente sido solucionada a infiltração que há vários meses se verificava no piso 1 e 2;
25 - Na reparação das deficiências existentes no prédio, o Autor Condomínio do Edifício ......... terá de despender quantia que não se logrou concretamente apurar;
26 - No dia 7 de abril de 2017, o Autor Condomínio do Edifício ......... entregou, no Tribunal Judicial da Comarca......, uma notificação judicial avulsa, a fim de a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. proceder à reparação dos defeitos existentes no prédio, no prazo de 30 dias;
27 - A presente ação deu entrada em juízo, no dia 29 de novembro de 2017.»
Defende a Recorrente que o acórdão que, em conferência, apreciou as nulidades suscitadas no recurso (na sequência do despacho do ora relator, acima referido, por se ter verificado que o Tribunal a quo não o fizera antes da subida da revista, de acordo com o disposto nos arts. 617º, nº 1, 641º, nº 1, e 666º do CPC), é nulo, por não ter conhecido de todas as nulidades invocadas.
Dispõe o art. 617º, nºs 1 a 3, do CPC:
«Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.»
O Tribunal da Relação ….. centrou-se, em primeiro lugar, sobre a nulidade apontada na conclusão XXI, na qual se alega que «[a]o converter o facto provado 23 em facto não provado, na medida em que, deste modo, o mesmo passa a estar em contradição com o facto provado nº 15, o acórdão recorrido incorre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, uma vez que a mesma realidade não pode ser considerada, simultaneamente, provada e não provada, nulidade que aqui expressamente se invoca», entendendo que a invocada contradição é inexistente e, ainda que existisse, tratar-se-ia de um erro de julgamento e não de nulidade do acórdão, visto não haver contradição entre os fundamentos e a decisão.
Debruçou-se, em seguida, sobre a alegada omissão de pronúncia a respeito de o Autor não ter dado cumprimento aos requisitos de admissibilidade do recurso, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, de acordo com o exigido pelas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, o que deveria ter motivado a rejeição do recurso, tal como a ora Recorrente invocara nas contra-alegações da apelação.
Neste aspecto, o Tribunal da Relação concordou com a Recorrente quanto a não ter havido conhecimento da questão em causa no acórdão recorrido, passando, por isso, ao suprimento da nulidade e concluindo o seguinte:
«No caso dos autos, considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode afirmar-se que os recorrentes cumpriram formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nºs 1 e 2, do CPC, nomeadamente os referidos nas alíneas a) e c) do nº 1.
É certo que relativamente à indicação dos concretos pontos da matéria de facto, o autor/apelante não indicou expressamente que considerava incorretamente julgado o ponto 23 do elenco dos factos provados, mas resulta inequívoco do corpo alegatório e das conclusões do recurso de apelação, que era esse o facto que o autor entendia estar mal julgado, sendo que também nenhuma dúvida subsiste quanto ao autor pretender que se considere como provado esse concreto ponto da matéria de facto.
Assim, contrariamente ao defendido pela ora recorrente, nada obstava ao conhecimento da apelação no tocante à impugnação da matéria de facto.»
O Tribunal da Relação referiu, ainda, relativamente às conclusões VIII a XI, o seguinte:
«No que respeita ao teor das conclusões VIII a XI do recurso de revista nada há a suprir, por não se tratar de um caso de nulidade do acórdão, não podendo, porém, deixar de se assinalar que a recorrente confunde manifestamente “substituição oficiosa das conclusões apresentadas pelo recorrente”, com a enunciação sintética das conclusões efetuada no acórdão.»
Verifica-se, pelo exposto, que o Tribunal da Relação apreciou as nulidades que entendeu enquadrarem-se no art. 615º do CPC e nos termos que teve por adequados, suprindo a da omissão de pronúncia quanto à questão do preenchimento, na apelação, dos requisitos do art. 640º do CPC.
Tendo em conta a natureza da pronúncia sobre as nulidades, destinada ao suprimento de alguma que se julgue verificada, antes da apreciação e decisão pelo Tribunal ad quem, e não havendo recurso da decisão de indeferimento, entende-se que, obtida que foi essa pronúncia, nos termos que o Tribunal a quo teve por adequados, cumpriu-se o determinado no despacho do relator, não havendo que decretar a nulidade do acórdão proferido na conferência por eventual omissão relativamente a algum segmento que a Recorrente entenda assumir-se como nulidade prevista no art. 615º. A análise a levar a cabo por este Supremo Tribunal passa a centrar-se nos eventuais vícios do acórdão recorrido, agora complementado com o suprimento de uma das nulidades invocadas (nº 2 do art. 617º), com as consequências que, nos termos legais, daí possam resultar.
III.2.
A Recorrente continua a defender que a apelação, no que tange à impugnação da decisão da matéria de facto, devia ter sido rejeitada, já que o Autor não deu cumprimento aos requisitos de admissibilidade do recurso, não se mostrando especificados os concretos pontos de facto que o Autor considerou incorrectamente julgados, nem a decisão que, no seu entendimento, deveria ser proferida sobre os referidos pontos.
O Tribunal da Relação entendeu, como se viu, no suprimento da omissão de pronúncia sobre essa questão, não haver razões para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto e nada obstar, por isso, ao respectivo conhecimento. Citou, a propósito, o Ac. do STJ de 03-10-2019, Rel. Rosa Tching, Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, publicado em www.dgsi.pt, no qual se exarou, a dado passo:
«(…) como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal [8], «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.»
O Tribunal a quo, no acórdão recorrido, considerou resultarem das conclusões do A./Apelante que:
«- O ponto 23 dos factos provados está mal julgado;
Deveria ter sido considerado não provado;
A modificação requerida fundamenta-se nos elementos probatórios indicados no corpo das alegações».
Deu-se por provado, no dito ponto 23 da sentença, o seguinte:
«23 – Desde pelo menos, 12/11/12 que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes.»
No corpo das alegações da apelação, o A. referiu:
«6. O tribunal a quo concluiu ainda que, desde pelo menos 12/11/12, o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes (artigo 23.º das Factos Provados)
7. E que não se mostrou provado que o Autor na carta de 25/05/2016 reclamava apenas os defeitos conhecidos aquela data.
Ora,
8. Atendendo a toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, entende o Autor que a mesma não foi devidamente valorada, não podendo por isso concordar com as conclusões do tribunal a quo quanto à data em que o Autor tomou conhecimento das deficiências existentes e reclamadas na carta de 25/05/2016, nem quanto ao impedimento da caducidade por reconhecimento dos defeitos.»
Após esta introdução, reportou-se aos depoimentos de algumas testemunhas, com a transcrição de passagens desses e concluiu não poder aceitar que os defeitos eram do seu conhecimento desde Novembro de 2012.
Nas conclusões, referiu, entre o mais, que:
«V. Entendeu o tribunal a quo que o Autor tomou conhecimento dos defeitos em momento muito anterior, há mais de um ano, considerada a data em que efectuou a reclamação, mais concretamente, no ano de 2012, aquando de uma vistoria para elaboração de um relatório pericial relativo a uma fração
VI. Face à prova testemunhal produzida, a qual não foi devidamente valorada, não pode o Autor concordar com tal conclusão
VII. Não houve prova bastante de que as deficiências denunciadas na reclamação de 25/05/2016 são as mesmas que constam do relatório de novembro de 2012
VIII. Antes pelo contrário, quer o depoimento de algumas testemunhas, quer os documentos juntos aos autos, revelam que as deficiências das partes comuns que constam do relatório de 2012 não são as mesmas do reclamado em 2016
IX. Não houve prova bastante de que o então administrador do condomínio, AA, teve conhecimento em 12/11/2012 das anomalias constantes do relatório elaborado e entregue em 2013 à Testemunha II
X. Antes pelo contrário, não foi sequer feita prova de que o Administrador AA acompanhou toda a vistoria em 2012 e foi feita prova de que o referido relatório só foi dado a conhecer ao condomínio (Autor) pela Testemunha HH aquando da assembleia geral no início de 2016
XI. Não foi feita prova bastante de que as deficiências ao nível das infiltrações de água, acumulação de água no terraço, fissuras e descolamentos das varandas com a fachada, degradação/desgaste do piso das garagens eram, em 2012, significativas e facilmente cognoscíveis ou identificáveis por um leigo em construção civil
XII. Antes pelo contrário, quer pela análise do próprio relatório de 2012, quer pelo depoimento das testemunhas, provou-se que os defeitos indicados eram percetíveis apenas na visão técnica de um engenheiro»
O ponto 23 foi claramente identificado no corpo das alegações e o sentido do alegado é o de que o facto nele contido não podia ser considerado provado.
Nas conclusões, o A. não fez expressa referência ao número 23, mas o Tribunal recorrido considerou que a sua discordância quanto à matéria de facto dizia respeito a esse ponto e, na verdade, é isso que se retira da conjugação entre as alegações e as conclusões.
Importa ter em atenção que, na indicação do ponto que se pretende impugnar, não é exigível que se faça menção ao número que lhe foi atribuído no elenco factual. Essencial é que resulte com clareza que matéria se quer pôr em causa.
Se devem ser indicados nas conclusões os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, já no se refere à decisão a proferir sobre esses pontos basta que ela conste da motivação (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 196-197).
O Tribunal da Relação, entendendo que a impugnação da matéria de facto se limitou à questão do conhecimento, por parte do Autor, desde pelo menos 12 de Novembro de 2012, das deficiências existentes, não teve dúvidas em identificar o ponto 23 como aquele que foi objecto dessa impugnação e acabou por considerar não provada a matéria nele contemplada, eliminando-a da matéria assente.
Como se viu, o mesmo Tribunal, em conferência, confirmou o entendimento de que era essa a matéria que o Recorrente, de acordo com o corpo alegatório e as conclusões do recurso de apelação, considerava não poder subsistir como provada.
Concorda-se com o Tribunal da Relação. Na verdade, embora a impugnação não se apresente, salvo o devido respeito, como modelar, resulta da conjugação das conclusões e da motivação da apelação que o Recorrente (aqui Recorrido) impugnou a matéria vertida no ponto 23 dos factos provados, carreando prova no sentido da demonstração da sua tese.
É de concluir que foram, minimamente, observados os requisitos do art. 640º do CPC, de modo que a R., que não deixa de denotar que nas «conclusões I a 13, na senda das respectivas alegações, o Autor tenta defender entendimento segundo o qual a decisão da matéria de facto foi erradamente proferida», pudesse exercer o contraditório sobre essa matéria e não se impondo a rejeição da impugnação.
Improcede a revista nesta parte.
III.3.
A Recorrente defende que a Relação entendeu desconsiderar as conclusões vertidas no recurso de apelação interposto pelo Autor, por as ter por prolixas, e substituí-las por outras conclusões por si formuladas, não sendo admissível a substituição oficiosa das conclusões apresentadas pelo recorrente, pelo que o Tribunal, não tendo proferido convite ao aperfeiçoamento, deveria ter rejeitado o recurso de apelação ou, não o fazendo, deveria ter-se pronunciado sobre as conclusões formuladas.
Conclui, dizendo que, ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 5º e 639º do CPC e, como tal, não pode ser aceite, pelo que deve ser revogada a decisão proferida pela Relação quanto às duas primeiras questões, com as epígrafes “Quanto ao invocado erro na apreciação da prova, que determina alteração da matéria de facto constante do ponto 23 dos factos provados” e “Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos”, do capítulo “C – Aplicação do direito aos factos”.
Vejamos:
O Tribunal da Relação entendeu sintetizar as conclusões do A./Apelante, por considerá-las prolixas (conforme se extrai da nota de rodapé nº 2).
Sintetizar as conclusões não significa substituí-las por outras. As conclusões estão adquiridas nos autos, tal como foram apresentadas, e, se é comum reproduzi-las nos acórdãos, não se impõe que assim seja, sucedendo muitas vezes que se procede a um apanhado das suas linhas fundamentais, maxime quando são demasiado extensas ou repetitivas. O que importa é que o tribunal de recurso trate das questões nelas colocadas e definidoras do objecto do recurso (conforme se dispõe no art. 663º, nº 2, do CPC, o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso).
Não há, assim, razões para a revogação de quaisquer aspectos do acórdão só porque, em vez de reproduzir as conclusões, o Tribunal alinhou as questões que entendeu delas resultarem.
III.4.
Considera a Recorrente que não se mostram reunidos os requisitos para que pudesse ser alterada a decisão da matéria de facto respeitante ao facto provado nº 23, não tendo, em sua opinião, o Tribunal a quo, na decisão que proferiu sobre essa questão, cumprido o disposto no art. 662º do CPC, ultrapassando os limites impostos pela referida norma.
Entende, assim, que o Tribunal recorrido não ponderou todos os elementos probatórios que foram produzidos nos autos, como lhe era imposto pelo art. 662º do CPC e como decorre da jurisprudência deste Supremo Tribunal, antes tendo realizado uma audição seleccionada e a análise de apenas uma parte da prova produzida, mormente de alguns depoimentos testemunhais, sem efectuar a indispensável ponderação de todos os meios probatórios à sua disposição no processo, sem confrontar os meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, e sem proceder à audição de toda a prova testemunhal gravada e à análise do teor dos documentos, examinando as provas e motivando a decisão de forma coerente e transparente.
Apreciemos:
O Tribunal da Relação, relativamente à matéria de facto, tem «autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pela partes e ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia» (Abrantes Geraldes, op. cit., p. 332), não sendo de concluir que se lhe imponha sempre, para decidir da impugnação de determinado ponto da matéria de facto, a ponderação de toda a prova produzida, designadamente a gravada. Pode, é certo, ouvir toda a gravação «se esta se revelar oportuna para a concreta decisão» (ibid., p. 339), mas tal não significa que seja obrigado, em todos os casos, a ouvi-la. A ser assim, não faria sentido que as partes tivessem de indicar as passagens relevantes dos depoimentos. Estar-se-ia, então, em regra, perante um novo julgamento. Ora «a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter» (ibid., p. 346).
A lei obriga, de facto, a que o impugnante especifique os concretos meios de prova que impunham decisão diversa e, quando esteja em causa prova gravada, indique as passagens da gravação em que se funda (art. 640º, nºs 1, b), e 2, a), do CPC), cabendo ao recorrido, por sua vez, indicar os meios de prova susceptíveis de infirmar as conclusões do recorrente, bem como, no caso de se estribar em depoimentos gravados, as concretas passagens desses depoimentos (nº 2, al. b), do mesmo artigo).
Sucede que a R./Recorrida, na apelação interposta pelo A., não apresentou, nas suas contra-alegações, os meios de prova susceptíveis de contrariar os que foram oferecidos pelo Apelante, relativamente ao ponto em discussão, limitando-se a defender a rejeição da impugnação.
O Tribunal da Relação referiu ter procedido «à audição, na íntegra, dos depoimentos prestados pelas testemunhas II, II e EE, elementos probatórios que serviram para a fundamentar a impugnação em causa, sem que, por parte da recorrida/demandada Efimóveis Imobiliária, S.A. tenham sido aditados, nas contra-alegações, quaisquer outros.»
Na verdade, o Apelante estribou-se, na sua impugnação, no depoimento das testemunhas mencionadas neste trecho e, como se disse, a Apelada não contrapôs meios de prova, designadamente de prova gravada.
Refere, agora, nas alegações da revista, que o Tribunal recorrido não procedeu à audição, nomeadamente, do depoimento de AA, que exerceu funções de Administrador do Condomínio à data de 2012.
Na sentença proferida na 1ª Instância, no que concerne à motivação da matéria de facto, o método utilizado não passou pela associação de cada ponto dessa matéria aos meios de prova analisados, antes se procedendo a uma apreciação mais global, tendo em conta, primeiro, os factos provados e, depois, os não provados.
Verifica-se, de qualquer modo, que, a dado passo, se referiu o seguinte:
«No tocante à matéria dos defeitos e momento em que o Autor deles tomou estas testemunhas JJ, II, HH e ainda AA apresentam um relato similar orientando-se no sentido de fazer crer que esta só teve conhecimento no finais de 2015 ou talvez início de 2016, não obstante a testemunha II afirmar que algumas anomalias, concretamente ao nível da fachada, fissuras, degradação do pavimento da garagem, já eram conhecidas em momento anterior a 2015/2016, mas eram quase imperceptíveis, contudo, o teor do parecer contradiz tal versão. Aliás, pela visualização das fotografias insertas no parecer são notórios os defeitos ao nível da infiltração de humidade pelas paredes e tecto, as fissuras e degradação do pavimento da garagem.
E é também certo ter a testemunha engº. EE asseverado que aquando da visita, realizada no dia 12/11/2012 para detectar as anomalias no prédio, esteve acompanhado pelo AA, assim, não se considera aceitável nem é normal que este tenha permanecido junto daquele - que andou a detectar e a tirar fotografias dos defeitos – e não tenha visto tais deficiências.
Neste particular, não é de crer que esses defeitos só se manifestaram ou tornaram perceptíveis nos anos de 2015/2016, pois, o parecer e os registos fotográficos, efectuados no ano de 2012, dão conta de “um estado de coisas” com relevância ao nível das anomalias que não se podem considerar imperceptíveis são facilmente visíveis para qualquer leigo - (fissuras, infiltração de água no tecto e na parede, desgaste do pavimento com buracos, acumulação de água) - e não podiam deixar se ser percepcionadas.»
O Tribunal da Relação, reportando-se à “resposta” constante do ponto 23 e depois de fazer referência aos depoimentos das testemunhas II, II e EE, ponderou o seguinte:
«Embora não o refira, expressamente, o Tribunal recorrido alicerça esta resposta, na circunstância de, conforme se alude na "fundamentação da matéria de facto", a testemunha EE ter salientado, que, na "visita", realizada, no dia 12 de novembro de 2012, "esteve acompanhado pelo AA", administrador, nessa altura, do condomínio.
Ora, de acordo com o depoimento da testemunha antes citada, não tem a mesma a certeza desse facto.
Acresce, ainda, que a resposta em causa decorre do alegado pela recorrida/demandada Efimóveis Imobiliária, S.A., no artigo 57 da contestação, onde se alude que "o Autor tomou conhecimento dos alegados defeitos nas partes comuns, elencados na sua carta de 25.05.2016, em data anterior a 25.05.2016, ou seja, mais de um ano antes da denúncia". Ou seja: situa no tempo o conhecimento, através de uma forma essencialmente genérica, o que não aponta para uma segura convicção.
Depois, é razoável pensar que, em termos de preocupação para os condóminos, uma coisa é a "fissurinha" de 2012 e outra a fissura, "muito pior", de 2016.
Assim sendo, a não certeza da testemunha EE, quanto à circunstância de ter sido acompanhada, na vistoria que efetuou, em 12 de dezembro de 2012, pelo administrador do condomínio, AA, conduz esta Relação a um "non liquet", quanto à realidade vertida no ponto 23 dos factos provados.
Deste modo, e considerando, ainda, que competia à recorrida/demandada Efímóveis Imobiliária, S.A. a sua prova, declara-se a mesma não provada, com a consequente eliminação da matéria assente.»
Retira-se da motivação feita pela 1ª Instância, relativamente ao depoimento de AA, que este apresentou um relato similar aos de JJ, II e II, orientado no sentido de fazer crer que só teve conhecimento dos defeitos nos finais de 2015 ou talvez no início de 2016.
Decisivo não terá sido, pois, na perspectiva da 1ª Instância, o depoimento de AA para a prova de que o conhecimento ocorreu em 12-11-2012, mas, tal como observou o Tribunal da Relação, o de EE, que fez uma vistoria ao prédio nessa data e que, segundo o vertido na sentença, teria «asseverado que aquando da visita, realizada no dia 12/11/2012 para detectar as anomalias no prédio, esteve acompanhado pelo AA, assim, não se considera aceitável nem é normal que este tenha permanecido junto daquele - que andou a detectar e a tirar fotografias dos defeitos – e não tenha visto tais deficiências.»
Ora, o Tribunal da Relação, tendo ouvido o depoimento de EE, deixou exarado o seguinte:
«Testemunha EE - elaborou o relatório antes mencionado, a solicitação da testemunha II; em 2012, "não fez relatório para o prédio", mas para "as coisas da II"; colaborou na elaboração, em 2016, do orçamento junto a fls. 48 e 49; em novembro de 2012, as fissuras eram "fissurinhas"; em 2016, estavam "muito pior"; perguntado se o administrador do condomínio, em novembro de 2012, AA, o acompanhou, na vistoria que realizou ao edifício, nomeadamente a garagem, localizada no piso -1, respondeu: "Acho que sim, não tenho a certeza que ele estava".»
Divergindo da apreciação da 1ª Instância, concluiu a Relação, como se viu, que esta testemunha revelou não ter a certeza de ter sido acompanhada por AA, para além de se sublinhar que «em termos de preocupação para os condóminos, uma coisa é a "fissurinha" de 2012 e outra a fissura, "muito pior", de 2016».
O Tribunal da Relação agiu dentro dos seus poderes de apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, tendo procedido à audição dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo impugnante, sendo certo que a contraparte, a quem competia o ónus da prova no que tange à caducidade, não indicou, conforme se referiu, como podia, nas contra-alegações da apelação, outros depoimentos, pugnando tão-só pela rejeição da impugnação, por razões formais.
Refere a Apelante que o Tribunal a quo não atentou no teor do facto provado nº 15 e, sobretudo, no doc. nº 8 (da petição inicial) nele incorporado, resultando desse ponto que o administrador do condomínio acompanhou a vistoria realizada em 2012, na qual se identificaram os alegados defeitos reclamados nos presentes autos, não podendo alterar-se a matéria de facto provada, no sentido de dar como não provado que o Autor conhecesse os defeitos desde 2012.
Salvo o devido respeito, não resulta deste ponto que a vistoria tenha sido solicitada pelo condomínio (aliás extrai-se da motivação, quer da sentença quer do acórdão, que o foi a pedido da condómina II) nem que o administrador deste a tenha acompanhado. O que dele se fez constar foi a menção a um relatório, reproduzido em parte, elaborado por Eng. EE, em 4 de Junho de 2013, na sequência de uma vistoria efectuada em Novembro de 2012.
Como já se disse, a 1ª Instância, no que concerne a ter o administrador do condomínio acompanhado a realização da vistoria EE, baseou-se no depoimento de EE, o autor do dito relatório, mas o Tribunal da Relação, tendo ouvido esse depoimento, não concluiu da mesma forma, considerando não se extrair, seguramente, aquele facto e concluindo não poder subsistir o ponto 23 como provado.
Não se podem olvidar os poderes do Tribunal da Relação, quanto à apreciação da matéria de facto, previstos no art. 662º, nºs 1 e 2, do CPC.
Dispõe o art. 674º, nº 3, do CPC:
«O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.»
É patente não estar em causa algum meio probatório que se enquadre na segunda parte deste preceito.
Importará, ademais, ter em conta que não cabe recurso das decisões da Relação previstas no art. 662º, nºs 1 e 2 do CPC (nº 4 do mesmo artigo).
É certo que pode o STJ entender que a decisão de facto deve ser ampliada ou que ocorrem contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (art. 682º, nº 3, do CPC).
No caso presente, a contradição invocada ocorreria entre um facto provado e um facto não provado. Ora, sempre se entendeu que, em regra, não há contradição entre “respostas” positivas e negativas, pois, no que respeita a estas, seria como se não existissem ou tivessem sido alegadas. Mas tem-se admitido que, excepcionalmente, há casos em que pode haver contradição. Assim, exarou-se no Ac. do STJ de 20-05-2010, Rel. Alves Velho, Proc. 2655/04.8TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, o seguinte:
«- As contradições na matéria de facto só relevam, em sede de recurso de revista, quando inviabilizem a solução jurídica do pleito.
- A contradição entre factos não provados e factos provados não merece, em regra, relevância, por não determinar colisão entre respostas positivas e negativas, pois que estas últimas nenhuns juízos permitem formular sobre os factos indagados, tudo se passando como se o mesmos não existissem ou não tivessem sido alegados.
- Apesar disso, a contradição poderá existir, excepcionalmente, se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa.
- Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.»
Igualmente no Ac. do STJ de 18-02-2014, Rel. Fonseca Ramos, Proc. 489/10.0TBMDL.P1.S1, em www.dgsi.pt, se concluiu que:
«A consideração de que não se pode conceber, como processualmente possível, a contradição entre respostas negativas – uma espécie de “nada factual” – e respostas afirmativas, pode não ser de acolher em casos muitos contados: se a resposta negativa e a prova de um facto colidem lógica e factualmente com um outro facto, que se considerou não provado, mas que, no confronto com o facto provado com ela relacionado, tem um nexo incindível em termos de inteligibilidade, podendo, assim, encerrar contradição ou obscuridade.»
In casu, pelas razões expostas, não se verificando uma situação de colisão lógica e factual entre o facto não provado e o facto provado, não havendo um conteúdo sobreponível nos dois pontos, tal como eles foram redigidos, não é de concluir pela invocada contradição.
E essa contradição, se existisse, não preencheria a nulidade do art. 615º, 1, al. c), do CPC, como defende a Recorrente, assumindo-se como um vício atinente à matéria de facto e a ser resolvido nesse âmbito, expurgando-se a contradição, o que passaria pela devolução dos autos ao Tribunal recorrido (citado art. 682º, nº 3, do CPC), o que não se justifica, nesta situação, pelo que já se deixou exposto.
III.5.
Considera a Recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), por não ter procedido à qualificação da natureza privativa ou comum de cada um dos defeitos reclamados nos presentes autos, sucedendo que do título constitutivo da propriedade horizontal, junto aos autos, resulta que as varandas integram cada uma das fracções autónomas, sendo assim partes privativas e não partes comuns, tendo, portanto, natureza privativa os defeitos reclamados relativamente a elas: fissuras ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento.
Defende que, tendo em conta que a constituição da propriedade horizontal apenas se pode provar por documento, a mesma se mostra assente no facto provado nº 2 e o respectivo título constitutivo consta de fls. 7v a 15 dos autos (doc. 1 da p.i.), bem como, por outro lado, que a questão (natureza privativa ou comum dos defeitos reclamados) é de direito e não de facto, não existem obstáculos para que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre ela, suprindo a nulidade em que incorreu o acórdão da Relação.
Acrescenta que, entendendo-se que tal compete ao Tribunal recorrido, deverá ser declarada a nulidade por falta de pronúncia e ordenada a baixa do processo, para que seja reformado o acórdão, nos termos do artº 684º, nº 2 do CPC.
Vejamos:
Na petição inicial, os defeitos alegados foram-no a título de defeitos das partes comuns, sendo que a legitimidade, enquanto pressuposto processual, se afere pelo modo como o autor desenha a relação controvertida (art. 30º, nº 3, do CPC).
As partes comuns vêm previstas no art. 1421º do C. Civil.
A administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos e ao administrador (art. 1430º, nº 1, do C. Civil).
Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence (art. 1420º, nº 1, do C. Civil) e, perante um defeito existente nessa fracção, será ele quem terá legitimidade para reclamar a reparação desse defeito ou os restantes direitos que lhe possam assistir (Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 213).
A R., na contestação, alegou que as varandas são parte integrante das fracções autónomas, não sendo partes comuns, por ser isso que resulta, com clareza, do título constitutivo da propriedade horizontal junto como doc. nº 1 da petição inicial.
Concluiu que, tratando-se de alegados defeitos em partes privativas, não tem o Condomínio legitimidade para reclamar da Ré a sua eliminação.
No despacho saneador, o A. foi considerado parte legítima, incidindo a concreta apreciação desse pressuposto na questão de saber se o Administrador do condomínio se mostrava autorizado (e nesse sentido se concluiu) pela assembleia de Condóminos para propor a acção.
A questão ora em apreciação, dependente da definição da natureza – comum ou privativa do local em que se situam os defeitos, em face da matéria de facto atinente – assume-se como um problema de procedência/improcedência relativamente ao que é reclamado pelo A. (Condomínio).
Na sentença proferida em 1ª Instância fez-se referência, entre o mais, a fissuras e descolamentos das varandas com a fachada, não se distinguindo das restantes partes comuns, na apreciação feita a propósito da excepção de caducidade, que foi julgada procedente.
A procedência da referida excepção fez com que, naturalmente, ficasse prejudicado o conhecimento das restantes questões que se poderiam colocar.
Mas, a Relação, como já se viu, revogou a sentença, considerando improcedente a excepção de caducidade.
Ora, importa ter em atenção a regra da substituição prevista no art. 665º do CPC, desde logo o que se preceitua no seu nº2:
«Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.»
A improcedência da caducidade reabriu, no Tribunal da Relação, a discussão sobre as matérias que tinham ficado prejudicadas pela decisão da 1ª Instância.
Diga-se que, de acordo com o preceituado no art. 679º do CPC, a regra da substituição não funciona na revista. Na verdade, o art. 665º apresenta-se como uma das excepções no que concerne à aplicabilidade a este recurso das disposições relativas ao julgamento da apelação.
Neste sentido, vejam-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 820, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª dição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 483-484 e 498-499, e, por exemplo, Acs. do STJ de 28-09-2015, Proc. 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, Rel. Pinto de Almeida, e de 04-0-42017, Proc. nº 5371/15.1T8OAZ.P1.S1, Rel. Fonseca Ramos, publicados em www.dgsi.pt, bem como a fundamentação do AUJ nº 11/15, Rel. Lopes do Rego, datado de 02-07-2015 e publicado no Diário da República n.º 183/2015, Série I, de 18-09-2015, aí se referindo, entre o mais, que:
«Face ao estatuído na parte final do art. 679º do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art. 665º, não podendo, deste modo, o STJ - não apenas, como sempre sucedeu (cfr. art. 684º), suprir a nulidade de omissão de pronúncia cometida pela Relação - mas também apreciar, pela primeira vez, questões que as instâncias deixaram de apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litígio.»
[…]
Sucede que o novo CPC, no art. 679º, tomou expressa posição sobre esta problemática, passando a prever e regular, para este efeito, em termos idênticos e indistintos, as situações em que existe efectiva nulidade por omissão de pronúncia (decorrente de o tribunal a quo ter indevidamente omitido a apreciação de certa questão relevante) - nº 1 do art. 665º - e de mera (e legítima) não pronúncia sobre questões, anteriormente suscitadas no processo, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio - nº 2 do art. 665º do CPC em vigor.»
In casu, está em causa uma invocada omissão de pronúncia no acórdão recorrido.
Dispõe o art. 684º, nºs 1 e 2 do CPC:
«1 - Quando for julgada procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ou quando o acórdão se mostre lavrado contra o vencido, o Supremo Tribunal de Justiça supre a nulidade, declara em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso.
2 - Se proceder alguma das restantes nulidades do acórdão, manda-se baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível.»
Enquadra-se no nº 2 deste artigo a omissão de pronúncia «relativamente a questões de direito ou quando estão em causa elementos de facto relevantes para a decisão: a baixa do processo destina-se a permitir a pronúncia por parte da Relação», (Abrantes Geraldes, op. cit., p. 498), pois «enquanto a Relação conhece tanto da matéria de facto como de direito, já ao Supremo está fundamentalmente destinada à reapreciação das questões de direito, exigindo-se a prévia pronúncia da Relação e a estabilização dos elementos de facto e de direito relevantes» (ibid).
No acórdão da Relação, não se abordou, na verdade a questão de saber se os defeitos relativos às varandas respeitavam às partes privativas ou comuns.
Não se subscreve a alegação de que a Relação tinha de proceder à qualificação da natureza privativa ou comum de cada um dos defeitos reclamados nos autos. O que a Relação tinha de conhecer era de algum concreto problema que, nesse domínio, se suscitasse relativamente a algum defeito e a R. cingiu a questão levantada às varandas.
Também se discorda da alegação da Recorrente no sentido de que este Supremo Tribunal deva suprir a nulidade do acórdão, por um lado, porque a problema se resolve pela análise do título constitutivo da propriedade horizontal constante dos autos e mencionado no ponto 2 dos factos provados e, por outro, porque a questão é meramente de direito. Ora, a omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), do CPC) pode referir-se, pelo que se deixou exposto, também a questões de direito que a Relação deva (previamente) apreciar e, além disso, no que concerne às varandas, a resolução do problema não reside, necessariamente, apenas na leitura do título constitutivo (importando, designadamente, saber se estamos perante deficiências de construção das paredes externas (Ac. da Rel. de Lisboa de 07-05-1985, Rel. Calixto Pires, Proc. 0021338, publicado (sumário) em www.dgsi.pt), ou seja, problemas que respeitem à fachada/estrutura do prédio.
Entende-se, assim, que é matéria que o Tribunal da Relação devia ter abordado, sendo certo que se trata de omissão que não foi suprida aquando do retorno, determinado pelo ora relator, dos autos àquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 617º, nºs 1 e 6, ex vi dos arts. 666º e 679º do CPC.
III.6.
Considera a Recorrente que também houve omissão de pronúncia no que concerne à qualificação da natureza aparente ou oculta de cada um dos defeitos reclamados nos autos, matéria relevante quanto à excepção de caducidade deduzida, no que tange à contagem do prazo de denúncia.
Refere-se a Recorrente, em concreto, nas conclusões XXXI e XXXII da revista, aos respeitantes ao terraço de cobertura das garagens (orientação para o escoamento das águas) e à sala de condomínio (falta de pavimento cerâmico).
A R., na contestação, alegou, relativamente à matéria dos defeitos aparentes, o seguinte:
«74. Ao que acresce que, no que se refere à alegada deficiência da orientação para escoamento das águas pluviais – admitindo a Ré que o Autor se refere às pendentes, afigura-se tratar-se de defeitos que, a existirem - o que não se concede -, seriam defeitos aparentes, dos quais o Autor e os proprietários das fracções em causa terão necessariamente conhecimento desde a data de aquisição ou, quando muito, desde o primeiro inverno (2012/2013).
75. Assim, sendo defeitos aparentes, os mesmos não foram imediatamente denunciados, tendo os condóminos e o Condomínio recebido e aceite as fracções sem qualquer reserva na data dos contratos de compra e venda e da sua ocupação – vd. doc. nº 5 -,
76. Pelo que a Ré se tornou irresponsável pela sua eliminação (artºs 1218º e 1219º do CC),
77. Ou, quando muito, caducou o direito de denúncia dos mesmos, porque apenas efectuada em 30.05.2016, sendo os defeitos conhecidos desde 2012, e consequentemente caducou também o direito de exigir a sua eliminação – o que aqui expressamente se invoca.
78. No que se refere aos alegados defeitos da sala do condomínio, haverá que considerar, em qualquer caso, que a alegada falta de acabamento (pavimentação cerâmica), a existir - o que não se concede -, seria também um defeito aparente, do qual o Autor terá necessariamente conhecimento desde a data de entrega ou, quando muito, desde a eleição do novo administrador, na assembleia de 25.09.2012.
79. Assim, sendo defeito aparente, o mesmo não foi imediatamente denunciado, tendo o Condomínio recebido e aceite a sala de condomínio sem qualquer reserva,
80. Pelo que a Ré se tornou irresponsável pela sua eliminação (artºs 1218º e 1219º do CC),
81. Ou, quando muito, caducou o direito de denúncia dos mesmos, porque apenas efectuada em 30.05.2016, sendo o defeitos conhecido desde 2012, e consequentemente caducou também o direito de exigir a sua eliminação – o que aqui expressamente se invoca.»
Na resposta, o A. aludiu a intervenções da Ré, relativamente aos defeitos que elenca, especificando que essas intervenções ocorreram entre o final de Novembro de 2016 e o final de Fevereiro de 2017, sucedendo que as obras ficaram muito aquém de concluídas e tendo sido durante essas intervenções que:
«o Autor teve pela primeira vez conhecimento, pelos funcionários da própria Ré, da existência de defeitos não aparentes, nomeadamente:
15.º
O chão da sala de condomínio, entregue ao Autor em betão supostamente “tratado” e por isso finalizado, afinal tinha em falta o pavimento cerâmico que nunca foi colocado;
16.º
E o chão da garagem do piso -1, que aparentava (e devia) ser igual ao chão da garagem do piso – 2 (microbetão projetado), afinal era feito em betão simples, com uma durabilidade e resistência muito inferior à do microbetão.»
Na sentença, fez-se menção a defeitos aparentes e, nas conclusões do recurso de apelação, o A. assinalou que:
«XI. Não foi feita prova bastante de que as deficiências ao nível das infiltrações de água, acumulação de água no terraço, fissuras e descolamentos das varandas com a fachada, degradação/desgaste do piso das garagens eram, em 2012, significativas e facilmente cognoscíveis ou identificáveis por um leigo em construção civil
XII. Antes pelo contrário, quer pela análise do próprio relatório de 2012, quer pelo depoimento das testemunhas, provou-se que os defeitos indicados eram percetíveis apenas na visão técnica de um engenheiro».
Nas contra-alegações, a R. referiu que:
«VIII. De entre as anomalias elencadas no ponto 18 da matéria de facto provada, seria detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência a falta de pavimento cerâmico na sala de condomínio.
IX. Por se tratar de defeito aparente não imediatamente denunciado aquando da entrega do imóvel e não tendo sequer sido alegado e muito menos provado ter sido a recepção efectuada com reserva do direito à reparação de tal defeito, pelo mesmo tornou-se a Ré irresponsável».
Conforme se exarou no citado Ac. do STJ de 27-01-2010, Proc. 1696/04.0TBCBR.C1.S1, Rel. Silva Salazar, em www.dgsi.pt (acórdão que incide sobre um caso de empreitada de edificação de uma moradia):
«I - Os vícios aparentes são os que se revelam por sinais visíveis, a ponto de ter de se entender que o dono da obra deles se deveria ter apercebido se tivesse usado diligência normal. Inversamente, têm de ser considerados ocultos os defeitos não detectáveis por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência».
A situação a que se referem os presentes autos inscreve-se na venda de coisa defeituosa, como se considerou quer na sentença proferida em 1ª Instância quer no acórdão recorrido, que se estribaram, desde logo, no art. 913º do C. Civil, no qual se estabelece o seguinte:
«1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.»
Conforme escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 205, são destacadas no art. 913º do C. Civil quatro categorias de vícios:
«a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.»
Calvão da Silva, observa, em Compra e Venda de Coisas Defeituosas: Conformidade e Segurança, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 41, que:
«(…) a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera.
Daí a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente — função negocial concreta programada pelas partes — ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913°, n° 2).»
Não é posto em causa que fenómenos como a ocorrência de infiltrações, existência de fissuras, degradação da pintura, problemas de escoamento de águas pluviais, degradação de pavimentos, num prédio destinado a habitação, não podem deixar, vista essa função, de afectar as supostas e normais qualidades que a coisa deve ter, de modo a enquadrá-la, como coisa defeituosa, na previsão do art. 913º do C. Civil.
Tratando-se de imóvel de longa duração é aplicável o disposto no art. 1225º do C. Civil, nos termos do nº 4 desse artigo, quando esteja em causa o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado, devendo entender-se como construtor, para os efeitos do nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, o vendedor do imóvel que, no âmbito da sua profissão, teve o domínio da respectiva construção (Ac. do STJ de 19-04-2012, Proc. 9870/05.5TBBRG.G1.S1, Rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, publicado em www.dgsi.pt). Ora, in casu, não é discutida essa qualidade relativamente à Ré, não se pondo em causa a aplicação do art. 1225º.
Já no que concerne a defeitos ocultos ou aparentes, há quem defenda que, embora uma tal distinção seja tratada apenas no âmbito da empreitada (art. 1219º do C. Civil) não será de deixar de a ponderar também no caso da compra e venda. Assim o entende Romano Martinez, explicando que há o dever de o comprador verificar a qualidade da coisa adquirida aquando da entrega, pois, de outro modo, estar-se-ia a premiar a sua negligência. Considera, assim, que a responsabilidade derivada da venda de coisas defeituosas só existe em caso de defeitos ocultos (“Compra e venda e empreitada”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora 2006, p. 247), e Direitos das Obrigações (Parte Especial): Contratos, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 132-133.
Na sentença proferida em 1ª Instância, esta foi a linha adoptada.
No Tribunal da Relação, não se estabeleceu a distinção entre defeitos ocultos e apresentes. Alterou-se a matéria de facto, dando-se por não provado o ponto 23, do qual constava que desde, pelo menos, 12 de Novembro de 2012, que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes.
Aglutinaram-se todos os defeitos nessa ampla designação, concluindo-se que a R., que tinha o ónus da prova relativamente à invocada caducidade, não logrou demonstrar que o A., diversamente do decidido na 1ª Instância, tivesse conhecimento dos defeitos nessa data.
Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça, reportando-se ao art. 913º do C. Civil, entendeu no Acórdão de 17-12-2014, Proc. 10514/11.1T2SNT.L1.S1, Rel. Orlando Afonso, publicado em www.dgsi.pt, o seguinte (com destaque nosso):
«Para efeito deste artigo (anulação e indemnização) só são atendíveis os seguintes vícios: os defeitos que desvalorizem a coisa; os que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada, atendendo-se quando esse fim não resulte do contrato, à função normal das coisas da mesma categoria; a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; a falta de qualidades necessárias para a realização do fim constante do contrato ou, se deste não constar o fim a que se destina, do que corresponde à função das coisas da mesma categoria. O nosso código não distingue vícios ocultos de vícios aparentes ou reconhecíveis, relevando uns e outros desde que se integrem numa das categorias de vícios previstos no citado art. 913º nº 1.»
De igual forma se concluiu no Ac. do STJ de 06-10-2016, Proc. 6637/13.0TBMAI-A.P1.S2, também relatado por Orlando Afonso, publicado em www.dgsi.pt.
No sentido de que o Código Civil não faz referência à necessidade de os defeitos serem ocultos, não tendo esse aspecto relevância autónoma na aplicação do regime de compra e venda de coisa defeituosa, veja-se Pedro Albuquerque, Direito das Obrigações: Contratos em Especial, vol. I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 423, e, ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 205 (anotação nº 2 ao art. 913º).
Não havendo razão para que nos desviemos da citada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, face ao regime legal vigente, entende-se que, independentemente da natureza dos vícios, o que importa é que, em cada caso, o vendedor prove, ao abrigo do disposto no art. 342º, nº 2, do C. Civil, em que data se verificou o conhecimento daqueles (sendo que a natureza de aparentes pode ser controversa, podendo até haver casos em que o que está à vista é a consequência ou resultado de defeitos ocultos, conforme se pondera no citado Ac. do STJ de 27-01-2010), para que se determine se ocorreu ou não a caducidade, quando esta, como no caso que nos ocupa, é invocada.
No que concerne à omissão de pronúncia, ensinava José Alberto dos Reis que o Tribunal deve tratar das questões que se coloquem (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1952, p. 143).
Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, p. 670, referem, a este propósito (no âmbito do CPC-61, mas com inteira aplicação aqui), o seguinte:
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar "linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado».
In casu, verifica-se que o Tribunal da Relação conheceu da excepção de caducidade e a própria Recorrente defende que a matéria atinente aos vícios aparentes é relevante quanto a essa excepção.
Da circunstância de a Relação não ter, na análise que fez, estabelecido a destrinça entre defeitos aparentes ou não, aglutinando todas as deficiências na apreciação efectuada, não há que retirar que houve omissão de pronúncia, tendo em conta a questão central que estava em jogo: a da caducidade.
Assim, é de concluir que não houve, neste aspecto, omissão de pronúncia.
III.7.
Considera a Recorrente que a fundamentação da decisão da matéria de facto dos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados não fornece a identificação dos meios probatórios concretos nos quais o Tribunal terá alicerçado a sua convicção, nem as razões pelas quais entendeu que as intervenções a que aquela matéria de facto se reporta se traduzem em intervenções próprias da Ré, ainda que indirectamente, através do empreiteiro que havia contratado para realizar a obra. Considera, por isso, que a fundamentação, quanto a tais pontos, é deficiente e obscura e, assim, a sentença incorreu na nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c) do CPC, concomitantemente com a do artº 662º, nº 2, al. c) do CPC), a qual entende que deverá ser sanada expurgando-se dos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados a expressão “a Ré, através da”.
Entende a Recorrente que não se trata de impugnação da decisão de facto, mas de deficiência e obscuridade da fundamentação, devendo este Supremo Tribunal suprir a nulidade nos termos do art. 684º, nº 1, do CPC ou, assim não se entendendo, com aplicação do art. 662º, nº 2, als. c) e d), e nº 3 do CPC.
Verifica-se que a Recorrente, nas contra-alegações do recurso de apelação, invocou a nulidade da sentença relativamente aos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados, referindo, nas conclusões, o seguinte:
«XXV. Pretende a Recorrida que, a título subsidiário, para a hipótese de vir a ser entendido que a caducidade não ocorreu e que o direito não se extinguiu antes dos actos de reconhecimento a que a douta sentença se refere ou que os referidos actos produziram efeitos repristinadores do direito caducado, a Veneranda Relação .….. se conheça da nulidade da sentença por contradição entre a decisão da matéria de facto e a respectiva fundamentação, ou, pelo menos, ambiguidade, quanto aos concretos pontos 19, 20 e 22 da matéria de facto provada, nos termos do artº 615º, nº 1, al. c) do CPC.
XXVI. A inclusão da identificação da Ré nos pontos 19, 20 e 22 da matéria de facto provada contraria a respectiva fundamentação, uma vez que da mesma não decorre qual tenha sido a posição da Recorrida relativamente a cada uma das anomalias identificadas pelo Autor e muito menos que a mesma tenha efectuado ou transmitido qualquer decisão ou entendimento, ao Autor ou ao empreiteiro.
XXVII. O Tribunal considerou provado que a obra de construção do prédio do Autor foi executada pela sociedade Ferreira Build Power (facto provado nº 22) e que foi esta sociedade quem executou os trabalhos de reparação mencionados nos factos provados nºs 19, 20 e 22.
XXVIII. Não existe, na fundamentação da decisão da matéria de facto, qualquer elemento ou referência que permita perceber qual o raciocínio efectuado pelo Tribunal para que tenha concluído, nos pontos nºs 19, 20 e 22 dos factos provados, que as intervenções efectuadas o foram pela Ré, através da Ferreira Build Power.
XXIX. O que a fundamentação permite é apenas o entendimento de que Ferreira Build Power executou os trabalhos e não que a Ré os executou através daquela sociedade.
XXX. Trata-se de uma afirmação conclusiva, que contém um pressuposto jurídico não explicitado e não perceptível, e não um facto propriamente dito, que, sobretudo, não tem suporte na fundamentação apresentada.
XXXI. Sabendo-se que obra foi executada em regime de empreitada (facto provado nº 21), normal seria que fosse o empreiteiro a executar quaisquer trabalhos de reparação cuja necessidade houvesse sido comunicada à Ré (dona da obra) e por esta à sociedade empreiteira.
XXXII. O que se sabe, foi dado como provado e resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto é que foi a sociedade empreiteira quem executou as obras e foi ela quem efectuou as intervenções referidas nos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados.
XXXIII. Daí não resulta, no entanto, que a intervenção efectuada pela sociedade empreiteira seja, afinal, imputada ao dono da obra (a Recorida) e muito menos que este tenha aceite quer a necessidade das intervenções reclamadas, quer a obrigação de as realizar.
XXXIV. Não sabem os autos, nem o Tribunal o sabe, ou, pelo menos, não refere, na fundamentação, como chegou à expressão, que deu como provada, de terem sido executadas intervenções pela Ré, através da (Ferreira Build Power).
XXXV. A douta sentença em crise incorreu, assim, na nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c) do CPC, a qual deverá ser sanada expurgando-se dos pontos 19, 20 e 22 dos factos provados a expressão a Ré, através da, os quais, em consequência, deverão passar a ter a redacção seguinte:
19. Na sequência do referido em 17) a sociedade Ferreira Build Power efectuou trabalhos de reparação de deficiências ao nível das fissuras, pintura, infiltrações de água nas garagens;
20. Em data não concretamente apurada mas posterior a 2015, a sociedade Ferreira Build Power colocou painéis metálicos no tecto das garagens piso -1 para reencaminhamento das infiltrações de água;
22. A sociedade Ferreira Build Power suspendeu os trabalhos sem mais concluír as obras de correcção das demais deficiências.»
O Tribunal a quo apreciou a nulidade apontada nas transcritas conclusões, considerando que:
«É (…) manifesto que os factos que alicerçam a invocada nulidade coincidem com um erro de julgamento da matéria de facto, o qual, mesmo o ocorrendo, não conduz à nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por ininteligibilidade.
O meio adequado para ultrapassá-lo coincide, apenas, com a sua impugnação.
A nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, localiza-se, apenas, no segmento subsequente à fixação dos factos, se a solução a partir daí apontada for de sentido oposto ou divergente ao decidido.
Pelo exposto, improcede esta parte da apelação.»
A Recorrente estribou-se, no recurso de apelação, no disposto no art. 615º, nº 1, c), do CPC, invocando, em primeira linha, a contradição entre a decisão da matéria de facto e a respectiva fundamentação ou, em segunda linha, a ambiguidade. E acabou por se bater pela alteração da decisão, entendendo dever expurgar-se dos pontos da matéria de facto visados a expressão “a Ré, através da” (contida expressamente em dois deles e pressuposta noutro), ou seja, pretendendo afastar a Ré dos trabalhos de reparação mencionados nos aludidos pontos da matéria de facto.
Ora, a contradição entre os fundamentos e a decisão ou a ambiguidade, previstas na al. c) do nº 1 do art. 615º, assumem-se como uma nulidade de sentença.
Segundo Alberto dos Reis, a contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» (Código do Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1952, Vol. V., pág. 141). Não se confunde com um eventual erro de julgamento, «que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente» (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 2018, p. 738).
A obscuridade ou a ambiguidade respeitam à ininteligibilidade da decisão, que se verifica quando «não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal» (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 333).
Conforme entendeu a Relação, no caso, não estava em causa a nulidade de sentença prevista no nº 1, al. c), do art. 615º, pois a Recorrente visou alterar a matéria de facto, considerando haver uma contradição entre a fundamentação dessa matéria e as “respostas” contempladas nos aludidos pontos. O problema coloca-se, assim, ao nível da impugnação da decisão matéria de facto e uma eventual nulidade haveria de buscar-se na previsão do art. 662º, nº 2, c), do CPC, sucedendo que a Recorrente não requereu sequer, na apelação, que se determinasse que a 1ª Instância fundamentasse a decisão proferida (al. d) do nº 2 do dito art. 662º), tudo matérias da competência da Relação e de cuja decisão não cabe recurso para o STJ (nº 4 do art. 662º).
A Recorrente veio, na revista, insistir na nulidade do art. 615º, nº 1, c), já não sob o ponto de vista da contradição, mas aludindo a deficiência e obscuridade da fundamentação, pretendendo que o Supremo Tribuna supra tal nulidade, desde logo, ao abrigo do disposto no art. 684º, nº 1, do CPC.
Há que acentuar que as nulidades a que o art. 684º, nº 1, se refere são nulidades de sentença (as previstas no art. 615º (als. c) e e) e segunda parte da al. d) do nº 1 ou quando o acórdão se mostre lavrado contra o vencido).
A questão levantada na apelação – e é pelos termos em que aí foi deduzida que se deve aferir a decisão da Relação aqui posta em causa – acaba por se traduzir na invocação de erro de julgamento da matéria de facto, tal como se considerou no acórdão recorrido e, por isso mesmo, a Recorrente concluiu pedindo a alteração da redacção dos pontos em causa. Assim, o meio adequado para o efeito seria o da impugnação (art. 640º do CPC), como também se entendeu naquele acórdão.
Dispõe o art. 682º do CPC:
«1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.
3 - O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.»
Relembra-se que, nos termos do nº 3 do art. 674º, (já acima citado), o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Como se retira da conjugação destas normas, o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a matéria de facto, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674. Ora, não está em causa alguma das situações a que este preceito se refere. Por outro lado, também não está em causa uma «contradição ou incongruência no quadro factual subjacente ao litígio», que se verifica, por exemplo, quando a mesma matéria surja como provada ou não provada, de modo a inviabilizar a solução jurídica do pleito (Ac. do STJ de 17-05-2017, Proc. 217480/10.6YIPRT.P2.S1, Rel. Lopes do Rego, publicado em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, é de concluir que não se impõe a revogação da decisão do Tribunal da Relação neste segmento e que não tem este Supremo Tribunal, de acordo com os seus poderes, que suprir a invocada nulidade.
III.8.
Defende a Recorrente que não aceitou na contestação ou em qualquer outra peça a existência, nas partes comuns do Edifício ........., de defeitos susceptíveis de reparação, por, nomeadamente, coincidirem com vícios que desvalorizam o mencionado edifício e que, tendo resultado provados, relativamente a defeitos, apenas os factos constantes do ponto 18 dos factos provados, impunha-se à Relação que, relativamente a estes, e apenas quanto a estes, a cada um deles individualmente considerado, emitisse pronúncia quanto à aplicação do direito aos factos, incluindo sobre a questão da caducidade do direito do Autor e a da responsabilidade da Ré, alegados a título de excepção.
Acrescenta que o Tribunal recorrido tratou indistintamente as deficiências, como um todo, independentemente do que resultou provado e não provado, e decidiu condenar a Ré no pedido, com desrespeito pela factualidade provada, nomeadamente a fundamentação de facto, fazendo com o que o acórdão padecesse de nulidade nos termos da al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC (por ambiguidade e oposição entre a fundamentação e a decisão), ou, quando muito, de erro de julgamento.
Entende, assim, que deverá, nos termos do art. 686º, nº 1, do CPC (por certo, pretendia referir-se ao art. 684º, nº 1), a referida nulidade ser declarada e suprida, ou, caso se entenda que o vício incorrido foi de erro de julgamento, deverá este Supremo Tribunal revogar, também nesta parte, o acórdão recorrido, substituindo-o, em qualquer dos casos, por outra decisão que considere apenas os defeitos dados como provados e, destes, apenas os não aparentes e comuns.
Vejamos:
O Tribunal da Relação entendeu que a Ré «situou a sua defesa, essencialmente, na caducidade do direito à reparação dos defeitos, invocado pelo referido comprador/recorrente», equivalendo «isto a dizer que aceita a existência, nas partes comuns do Edifício ........., de defeitos suscetíveis de reparação, por, nomeadamente, coincidirem com vícios que desvalorizam o mencionado edifício».
Estamos perante um juízo feito pelo Tribunal a quo com o qual não se está inteiramente de acordo, já que se considera que a R., na sua contestação, para além da arguição da caducidade, se defendeu por impugnação nos arts. 67º e segs., relativamente aos defeitos alegados pelo Autor.
Em seguida a esse juízo, o Tribunal recorrido tratou da questão da caducidade, extraindo efeitos da alteração do ponto 23, que passou de provado para não provado, concluindo que a Ré não logrou provar, como lhe competia, que a denúncia, acontecida em Maio de 2016, não tenha sido atempada.
Tomou, depois, em consideração o facto de a R. ter reconhecido os defeitos, na sequência da denúncia, tendo efectuado trabalhos de reparação.
Não se vê que haja aqui nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, c), do CPC, designadamente pelo tratamento dos defeitos em conjunto, quando o que se fez foi extrair as consequências da “resposta” negativa ao ponto 23, sem excepcionar este ou aquele defeito, pois seria à R. que incumbiria demonstrar que algum deles teria sido objecto, em data diversa daquela que se deu por não provada, de um efectivo conhecimento que pudesse acarretar a caducidade antes daquela denúncia.
Independentemente de se concordar ou discordar do exposto no acórdão, entende-se não existir ambiguidade que acarrete a sua nulidade.
III.9.
Defende a Recorrente que, como decorre do disposto artº 1220º do CC, o facto de o dono da obra ter denunciado defeitos desta ao empreiteiro não é o mesmo que exigir-lhe a eliminação dos defeitos, mas apenas o cumprimento de um ónus de que depende a não caducidade dos direitos que lhe são conferidos nos arts. 1221.º e ss. do CC e que, não obstante a denúncia de defeitos, não fica o empreiteiro a saber se o dono da obra lhe exige a eliminação dos defeitos dela, a redução do preço ou indemnização, nem se o contrato é resolvido, não havendo, por isso, não-cumprimento por parte do empreiteiro e bem podendo até acontecer que o dono da obra renuncie a esses direitos ou se abstenha pura e simplesmente de os exercer. Impõe-se, por isso, que, efectuada ou apesar da denúncia, o dono da obra (tal como o terceiro adquirente) exija a eliminação dos defeitos, através da respectiva acção judicial, devendo fazê-lo no prazo de um ano a contar da denúncia, sob pena da caducidade do direito.
Acrescenta que o prazo para instauração de acção judicial para exercício do direito à eliminação de defeitos, quer contra o empreiteiro, quer contra o vendedor-construtor, é de cinco anos a contar da entrega, sucedendo que esse prazo, no caso, se iniciou em 24.08.2012, data em que foi constituído o condomínio, ou, quando muito, em 25.09.2012, data em que foi eleito o novo administrador do condomínio e a Ré deixou de pertencer aos órgãos daquele. Tendo a acção dado entrada em juízo em 27.11.2017, forçoso é concluir que, nesta data, já tinha decorrido o referido prazo de cinco anos e, consequentemente, tinha caducado o direito que o Autor pretende exercer, quer o mesmo se conte desde 24.08.2012, quer se conte desde 25.09.2012.
Vejamos.
Sendo aqui aplicável o disposto no art. 1225º do C. Civil, como já se referiu, resulta do nº 1 que, no decurso do prazo de cinco anos a contar da entrega, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou ao terceiro adquirente.
Conforme se exarou no Ac. do STJ de 28-04-2009, Proc. 08B3604, Rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, publicado em www.dgsi.pt:
«2. O vendedor de um prédio urbano que o construiu responde pelos defeitos que se revelarem no prazo de garantia.»
Ora, os defeitos podem revelar-se no fim do prazo de garantia. Daí que, no Ac. do STJ de 14-01-2014, Proc. 378/07.5TBLNH.L1.S1, Rel. Moreira Alves, também publicado em www.dgsi.pt, se tenha entendido que:
«V - Se o defeito apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio, após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da acção.
VI - Se, ao contrário, o defeito apenas se tornar conhecido no período final do prazo de garantia, mas antes deste se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de acção.»
Tem-se por seguro que a lei não impõe que a acção seja intentada dentro do prazo de cinco anos da garantia, como defende a Recorrente. O que importa é que os defeitos ocorram (se revelem) nesse período (podendo, neste sentido, ver-se, ainda, os Acs. do STJ de 03-11-2009, Proc. 4073/04.9TBMAI.P1, Rel. Salazar Casanova, e de 06-06-2013, Proc. nº 8473/07.4TBCSC.L1.S1, Rel. Granja da Fonseca, publicados em www.dgsi.pt).
No que concerne ao começo do prazo de cinco anos e à (associada a isso) densificação do conceito de “entrega”, quando esteja em causa um prédio constituído em propriedade horizontal, refere Cura Mariano, em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 222, o seguinte:
«Competindo à assembleia de condóminos e não a estes, individualmente considerados, decidir sobre o exercício dos direitos previstos no artº 1221º e 1223º do C.C. (apenas quanto aos danos sofridos pelo condomínio), não releva, para o desfecho da questão colocada, o momento em que são entregues aos condóminos as diversas frações autónomas, mas sim o momento em que esses órgãos passam a estar em condições para poderem exercer os referidos direitos. Decisiva deve ser, pois, a data em que o construtor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quando estes construíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.»
Na 1ª Instância, entendeu-se que se deve considerar o momento em que foi eleita a primeira administração com plena autonomia para denunciar defeitos existentes no prédio, ou seja, em 25-09-2012 (ponto 14 dos factos provados) e a Relação também teve em conta essa data, concluindo que entre ela e a denúncia dos vícios não decorreram mais de 5 anos.
No citado Ac. do STJ de 06-06-2013, considerou-se que «tendo por referência a própria letra da lei e os princípios lógico-jurídicos a observar, a data de início de contagem deste prazo de cinco anos deve ser reportada à data em que a Assembleia de Condóminos dispõe já de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos».
No caso dos autos, deve entender-se que foi a partir de 25-09-2012 que se marcou uma situação de autonomia em relação à Ré, que não existia antes disso, sendo a própria Ré administradora do prédio (pontos 4 e 5).
Conclui-se, assim, que não merece reparo a conclusão a que se chegou na decisão recorrida quanto a não se ter desrespeitado o prazo de 5 anos entre a “entrega” do imóvel e a denúncia dos defeitos, por carta datada de 25-05-2016.
Entende a Recorrente que esta denúncia dos defeitos não foi efectuada no ano posterior ao descobrimento das anomalias, que situa em 12-11-2012.
Importa recordar que o ponto 23, no qual se dera como provado que desde, pelo menos, 12 de novembro de 2012, que o Autor tinha conhecimento das deficiências existentes, foi dado como não provado.
Assim, recaindo sobre a R., que invocou a caducidade, o ónus de provar em que data ocorreu o conhecimento dos defeitos, sejam eles quais forem, a verdade é que não resulta dos factos apurados que tal conhecimento – que passa, necessariamente, pela completa elucidação sobre o alcance e potencial ou real dimensão das anomalias que se revelem (sendo que, como se refere no acórdão recorrido, as fissurinhas que tenham surgido em dado momento não são necessariamente equivalentes às fissuras que, mais tarde, se hajam, com outra amplitude ou fonte de preocupação ou incómodo para os condóminos, manifestado) – tenha ocorrido, no que ao Autor respeita, quer na data que constava do ponto 23, quer noutra concreta data, razão por que não se pode concluir que a denúncia tenha sido feita mais de um ano depois do conhecimento dos defeitos apontados na comunicação que foi realizada em 25-05-2016 e que se reportava às (com destaque nosso) «patologias atualmente detectadas no imóvel» (ponto 16).
Outro problema que se coloca é o de saber se a acção foi intentada no ano subsequente à denúncia (art. 1225º, nºs 2 e 3, do C. Civil).
Tendo a denúncia ocorrido por carta de 25-05-2016, recebida no dia 30 seguinte, verifica-se ter sido a acção intentada em Novembro de 2017, razão por que, quando foi proposta, já decorrera um ano sobre aquela.
Não se olvidará, no entanto, que se considerou, no acórdão recorrido, o seguinte:
«De referir, por outro lado, a dita demandada/recorrida, na sequência da antes referida denúncia, realizou trabalhos de reparação dos defeitos denunciados, razão pela qual os reconheceu. Tornou, por isso, certa a situação jurídica em causa, com a inerente inaplicabilidade, ao caso dos autos, do instituto da caducidade do direito à reparação.
Assim sendo, não se verificam motivos para subscrever a alegada caducidade.
Como tal, e reconhecendo a recorrida/demandada Efimóveis Imobiliária, S.A. a defeitos denunciados e a sua natureza, importa que os repare, na íntegra, de modo a, ainda, se obter a "justiça comutativa subjacente a todos os contratos onerosos, em geral, e à compra e venda, em especial", recorrendo-se, como é evidente e se necessário, à ação executiva, circunstância que dispensa a fixação de requerido prazo para o fazer.
É, pois, de subscrever este segmento da pretensão do recorrente Condomínio do Edifício ........., veiculada através do recurso.»
Nos termos do art. 331º, nº 2, do C. Civil, estando em causa direito disponível, impede (…) a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Conforme explicam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 296:
«O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida» (Vaz Serra, Prescrição e caducidade, cit., n.° 118). O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr., por ex., os arts. 916.° e 917.°). Quando tal se não verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível.»
No Ac. do STJ de 08-03-2007, Proc. 07B372, Rel. Alberto Sobrinho, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que:
«A proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para, nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade».
No Ac. do STJ de 28-04-2009, Proc. 08B3604, Rel. Maria dos Prazeres Beleza, também disponível em www.dgsi.pt, concluiu-se que:
«O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos impede a sua extinção por caducidade.»
No caso presente, deu-se por provado que:
«16 – O Condomínio do Edifício ......... enviou à Ré Efimóveis, S.A. carta registada com aviso de receção, datada de 25 de maio de 2016, e por esta rececionada no dia 30 seguinte, junta de fls. 28 verso a 30 dos autos, constando da mesma, além do mais, o seguinte: que “(…) vimos pela presente informar as patologias atualmente detetadas no imóvel a saber» [dá-se aqui por reproduzido o conteúdo do ponto 16 dos factos provados];
17 – Na sequência desta missiva, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., na pessoa do eng. FF, deslocou-se ao prédio, a fim de averiguar a situação e fazer um levantamento das deficiências existentes;
18 – As anomalias existentes no prédio denominado ......... consistiam na infiltração de água garagem no piso 1, pela junta de dilatação, pelo teto e paredes, pavimento da garagem do piso 1 a desfazer-se, com fissuras e buracos, degradação da pintura exterior, fissuras na zona da junta de dilatação dos dois corpos, fissuras junto dos tubos de algerozes, fissuras no teto da sala de condomínio, problema ao nível do escoamento das águas pluviais no terraço de cobertura da garagem, fissuras/deslocamentos ao longo das varandas, na zona de ligação do betão à argamassa de enchimento, falta de cerâmico na sala de condomínio;
19 – Na sequência da deslocação ao prédio do eng. FF, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., através da sociedade Ferreira Build Power Ferreira efetuou trabalhos de reparação das deficiências ao nível das fissuras, pintura, infiltrações de águas nas garagens;
20 – Em data não concretamente apurada, mas posterior a 2015, a Ré Efimóveis Imobiliária, S.A. colocou painéis metálicos, no teto das garagens piso – 1, para reencaminhamento das infiltrações de água;
[…]
22 – A Ré Efimóveis Imobiliária, S.A., através da sociedade Ferreira Build Power, suspendeu os trabalhos, sem mais concluir as obras de correção das restantes deficiências».
A Recorrente defende que já ocorrera a caducidade em 12-11-2013. Mas, obviamente, tem como referência a data que constava do ponto 23 como sendo a do conhecimento dos defeitos (12-11-2012). Ora, como se viu, essa matéria foi dada como não provada. Daí que a data a ter em conta passe a ser a da denúncia e o que imediatamente se lhe seguiu, estando provado que, na sequência da carta do A., a R. se deslocou ao prédio, a fim de averiguar a situação e fazer um levantamento das deficiências existentes, não se vendo, desde logo aí, outro intuito senão o de reparar tais deficiências, como se demonstra, a seguir, pela realização de diversas reparações.
A posterior suspensão dos trabalhos não constitui obstáculo a que se conclua que a Ré reconheceu a existência das deficiências elencadas no ponto 18 e a consequente obrigação de as reparar, sendo certo, por outro lado, que a Recorrente não alega que esse reconhecimento não tenha acontecido dentro do ano subsequente à denúncia efectuada pela carta de 25-05-2016.
Entende-se, por isso, que deve ter-se por impedida a caducidade relativamente aos defeitos mencionados no ponto 18, ou seja, aqueles que foram inventariados e reconhecidos pela própria Ré, não colhendo a afirmação desta de que os factos relativos a esse reconhecimento são vagos e imprecisos, crendo-se que estão minimamente identificados os defeitos e, ainda mais, para quem, tendo tido o domínio da construção do prédio em causa, é conhecedor das características da obra realizada e em que aspectos se impõem as necessárias correcções.
Importa referir que, já na 1ª Instância, se entendeu ter existido esse reconhecimento dos defeitos por parte da Ré, com a comparência de um colaborador da Ré no local para se inteirar da situação e a realização de algumas obras de reparação, não se retirando daí, contudo, consequências, por se concluir que, já nessa altura, ocorrera a caducidade, visto que se dera por provado que o A. tinha conhecimento das anomalias desde o ano de 2012 (o que a Relação veio, como se tem referido, a dar por não provado).
III.10.
Entende-se, pelo que ficou dito, que, na procedência parcial da revista, se devem ter por reconhecidas as anomalias referidas no ponto 18, o que impede a caducidade quanto a elas, nos termos explanados, sem prejuízo do que se venha a decidir quanto às que respeitam às varandas, visto que, relativamente a estas, por não se ter conhecido da questão atrás identificada, terão os autos de baixar à Relação, nos termos do art. 684º, nº 2, do CPC, para que, conhecendo-se de tal questão, se decida em conformidade.
1. Numa impugnação da decisão da matéria de facto deve constar das conclusões a indicação dos concretos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados. Não se impõe que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa.
2. Tendo o Tribunal da Relação identificado o ponto da matéria de facto impugnado, bem como a “resposta” (não provado) que o recorrente pretendia que lhe fosse dada e estando reunidos os demais requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC, não havia motivo para rejeitar (como não se rejeitou, dela se conhecendo) a impugnação.
3. Um tribunal superior pode sintetizar as conclusões, em vez de as reproduzir, designadamente quando são demasiado extensas ou repetitivas. O que importa é que o tribunal trate das questões nelas colocadas e definidoras do objecto do recurso.
4. O Tribunal da Relação, relativamente à matéria de facto, tem autonomia decisória, formando a sua convicção em face dos meios de prova indicados pelas partes ou disponíveis no processo, não sendo de concluir que se lhe imponha sempre, para decidir da impugnação de determinado ponto da matéria de facto, a ponderação de toda a prova produzida, designadamente a gravada. Pode, é certo, ouvir toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão, mas tal não significa que seja obrigado, em todos os casos, a ouvi-la. A ser assim, não faria sentido que as partes tivessem de indicar as passagens relevantes dos depoimentos. Estar-se-ia, então, em regra, perante um novo julgamento, não sendo isso que resulta da lei.
5. Em regra, não há contradição entre “respostas” positivas e negativas, pois, no que respeita a estas, seria como se não existissem ou tivessem sido alegadas. Mas, excepcionalmente, há casos em que pode haver contradição, como sucede na situação em que as respostas negativas não acolham facto que integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa ou a resposta negativa tenha conteúdo sobreponível ao da resposta positiva. Não ocorrendo nenhuma dessas situações, não há motivo para se concluir pela contradição.
6. A regra da substituição prevista no art. 665º do CPC não funciona na revista (tal artigo não figura na remissão feita pelo art. 679º do CPC).
7. Enquadra-se no nº 2 do artigo 684º do CPC a omissão de pronúncia «relativamente a questões de direito ou quando estão em causa elementos de facto relevantes para a decisão: a baixa do processo destina-se a permitir a pronúncia por parte da Relação», (Abrantes Geraldes, na obra citada na fundamentação deste acórdão), pois «enquanto a Relação conhece tanto da matéria de facto como de direito, já ao Supremo está fundamentalmente destinada à reapreciação das questões de direito, exigindo-se a prévia pronúncia da Relação e a estabilização dos elementos de facto e de direito relevantes» (ibid).
A verificação da omissão de pronúncia implica a baixa do processo à Relação para reforma da decisão, nos termos do referido nº 2 do art. 684º.
8. Fenómenos como a ocorrência de infiltrações, existência de fissuras, degradação da pintura, problemas de escoamento de águas pluviais, degradação de pavimentos, num prédio destinado a habitação, não podem deixar, vista essa função, de afectar as supostas e normais qualidades que a coisa deve ter, de modo a enquadrá-la, como coisa defeituosa, na previsão do art. 913º do C. Civil.
9. O Código Civil, no que tange à venda de coisa defeituosa, não distingue vícios ocultos de vícios aparentes, relevando uns e outros desde que se integrem numa das categorias de vícios previstos no art. 913º, nº 1.
10. A lei não impõe que a acção destinada a exigir a eliminação dos defeitos ou a indemnização seja intentada dentro do prazo de cinco anos da garantia a que se refere o art. 1225º do C. Civil. O que importa é que os defeitos ocorram (se revelem) nesse período.
11. Na densificação do conceito de “entrega” (referido no nº 1 do art. 1225º), deve entender-se que a data de início de contagem do prazo de cinco anos deve ser associada àquela em que a assembleia de condóminos passa a dispor de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos, o que é incompatível com uma situação em que este tenha ainda poderes de administração relativamente ao prédio.
12. O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos, traduzido em inventariação desses defeitos e subsequente passagem a concretos actos de reparação, é impeditivo da caducidade.
- Custas conforme fixação final.
Tibério Nunes da Silva (relator)
Maria dos Prazeres Beleza
Maria de Fátima Gomes