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HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
RECURSO
Sumário
Ao recurso do defensor oficioso interposto da decisão que lhe indeferiu o pedido de pagamento de honorários aplica-se a norma do nº 2 do artº 400 do CPP.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I
1. No inquérito n.º ..../04.8GBPNF dos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Penafiel, o Ministério Público deduziu acusação contra B...... imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea a), do Código Penal (CP).
2. Nomeou defensor oficioso ao arguido o Sr. Dr. D...... .
3. E...... requereu a sua constituição como assistente, deduziu acusação contra o arguido, pelos factos constantes da acusação pública, e pedido de indemnização civil, com base nesses mesmos factos.
4. Distribuído como processo comum ao 2.º juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, foi designado dia para julgamento.
5. Entretanto, o arguido constituiu mandatário.
6. Por despacho de 14/02/2005, declarou-se a cessação das funções do defensor nomeado e não se lhe fixaram honorários, «sem prejuízo de eventual nota» de despesas que viesse a apresentar, «por não resultar dos autos a prática de quaisquer serviços forenses que o justifiquem».
7. O defensor oficioso veio, então, apresentar uma nota de honorários de € 244,75, correspondentes a:
- notificação pela Ordem dos Advogados da nomeação como defensor do arguido,
- notificação do tribunal da nomeação de defensor e da acusação,
- estudo da decisão,
- consulta do processo,
- notificação do requerimento para constituição como assistente,
- elaboração e apresentação em tribunal do requerimento de não oposição à constituição de assistente,
- notificação da marcação da data para julgamento,
- elaboração e apresentação em tribunal da contestação,
- notificação da exoneração de defensor e da constituição de mandatário judicial,
- elaboração e entrega em tribunal do requerimento da nota de despesas e honorários.
8. Por despacho de 23/02/2005, foi indeferido o pagamento de honorários ao defensor «por não terem sido prestados serviços que o justifiquem».
9. Desse despacho foi interposto recurso de apelação pelo Sr. Dr. D......, no qual concluiu:
«D) Conclusões
«O douto despacho recorrido não foi conforme à lei, pelo que deve ser dado total provimento ao presente recurso, atentos os respectivos normativos – n.º 5 do artigo 66.º do CPP e n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, e Ac. Relação de Coimbra de 17/03/2004.
«Devem assim ser pagos os respectivos honorários a que o recorrente tem direito.»
10. O recurso foi admitido a subir como de agravo, com o primeiro que haja de subir imediatamente, e foi mantida a decisão recorrida.
11. Por sentença de 17/03/2005, foi decidido, no que ora releva:
- julgar a acusação pública parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) absolver o arguido B....... da prática de um crime de ofensa à integridade física grave;
b) condenar o arguido B...... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a multa de € 1.300,00.
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/requerente civil E....... e condenar o arguido/requerido civil, a pagar-lhe a quantia de € 1.401,56, a título de indemnização e compensação pelos danos sofridos.
12. O arguido veio interpor recurso da sentença e rematou a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:
«I – A actuação do Ministério Público, no presente caso, prejudicou a defesa do arguido pois o inquérito é deficiente, as acusações públicas nos dois processos contraditórias e por isso nulas.
«II – Ao dar como provados os factos constantes dos n.os 1 (parte final), 3, 4, 5 e 6 o tribunal a quo realizou uma errada apreciação da prova produzida em julgamento.
«III – Pelo contrário, face às regras da experiência comum e aos depoimentos do arguido e do assistente só poderia o tribunal ter dado como provado que foi o assistente quem iniciou a contenda, a luta entre ambos.
«IV – Ainda que tal não se entenda, os factos dados como provados não permitem estabelecer um nexo de causalidade entre as agressões do assistente (agressões mútuas do arguido e do assistente) e as lesões por este sofridas.
«V – Ora, sem nexo de causalidade não pode existir responsabilidade criminal nem responsabilidade civil por falta dos pressupostos legalmente exigíveis.
«VI – De qualquer modo, o arguido não agiu com dolo directo e, assim sendo, não está preenchido o tipo legal de crime pelo qual foi punido.
«A sentença de que ora se recorre viola o disposto nos artigos 483.º e 566.º do Código Civil, 410.º do CPP, 14.º, 34.º e 143.º do Código Penal e 29.º da Constituição da República Portuguesa.»
13. Admitido o recurso, foram apresentadas respostas pelo Ministério Público e pelo assistente, ambas no sentido de dever ser julgado improcedente.
14. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer:
- quanto ao recurso do defensor oficioso, de que lhe devem ser fixados honorários de 1/3 daqueles que lhe seriam devidos se interviesse na globalidade do processo;
- quanto ao recurso do arguido, de que o mesmo não merece provimento.
Pronunciou-se, ainda, no sentido de ser qualificado o crime praticado pelo arguido (artigo 144.º, alínea a), do CP), mantendo-se, porém, por força do que resulta do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), a condenação que resulta da 1.ª instância.
15. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não houve resposta.
16. Nos termos do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foi o recorrente Sr. Dr. D...... notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão da inadmissibilidade do recurso.
Na sequência, veio aos autos esclarecer as razões que o determinaram a interpor o recurso mas não constestando, segundo conseguimos perceber, a inadmissibilidade do recurso, em função do valor.
17. No exame preliminar, a relatora, por razões de economia e celeridade processual, entendeu remeter para a audiência o conhecimento dos dois recursos interpostos nos autos – o do Sr. Dr. D...... e o do arguido.
Colhidos os vistos, realizou-se a audiência, com observância do formalismo legal, como a acta documenta.
As alegações orais, exclusivamente relativas ao recurso do arguido, mantiveram-se no âmbito do objecto do recurso.
II
Cumpre decidir.
A) Começaremos pelo recurso interposto pelo defensor oficioso nomeado ao arguido, Sr. Dr. D......, do despacho que não lhe reconheceu o direito ao recebimento de honorários.
O recorrente foi nomeado defensor oficioso ao arguido, no cumprimento da imposição que decorre do n.º 3 do artigo 64.º do CPP, e manteve essa posição até ao momento em que o arguido constituiu mandatário, nos termos do artigo 62.º, n.º 2, do CPP, e 43.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Por despacho de 14/02/2005, declarou-se a cessação das funções do defensor nomeado e não se lhe fixaram honorários, «sem prejuízo de eventual nota» de despesas que viesse a apresentar, «por não resultar dos autos a prática de quaisquer serviços forenses que o justifiquem».
O defensor oficioso veio, então, apresentar uma nota de honorários de € 244,75.
Por despacho de 23/02/2005, foi indeferido o pagamento de honorários ao defensor «por não terem sido prestados serviços que o justifiquem».
Desse despacho foi interposto recurso de apelação pelo Sr. Dr. D.......
O recurso veio a ser admitido (“com dúvidas”...) pelo despacho de fls. 168, como de agravo, a subir com o primeiro recurso que houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 733.º, 735.º, 736.º e 740.º, a contrario, do Código de Processo Civil (CPC).
O recorrente apresentou as suas alegações de agravante (fls. 203 e ss.).
Isto significa que não se trata de um recurso que seja regido pelas normas do processo penal (e se o fosse não poderia ser admitido porque o requerimento de interposição de recurso não foi motivado – artigo 411.º, n.º 3, do CPP).
Tratando-se de um recurso civil em processo penal, foi o próprio recorrente quem configurou a decisão de que recorre como a decisão de um “incidente” civil no processo penal, tendo por objecto o pagamento de honorários.
Assim, o “valor do incidente” (o “valor da causa”) não pode deixar de ser o valor dos honorários reclamados pelo recorrente e é o mesmo o valor da sucumbência.
Portanto, não só o “valor da causa” é inferior à alçada do tribunal de que recorre como a decisão impugnada foi desfavorável para o recorrente em valor inferior a metade da alçada do tribunal de que recorre (o artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, fixou em 3 000 000$ a alçada dos tribunais da relação e em 750 000$ a dos tribunais de comarca [O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, que procedeu à conversão de valores expressos em escudos para euros em legislação da área da justiça, alterou a redacção do artigo 24.º, fixando a alçada dos tribunais da Relação em € 14963,94 e a dos tribunais de 1.ª instância em € 3740,98]).
Nos termos do artigo 678.º, n.º 1, do CPC, só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal.
Como tal, o recurso não é admissível, o que implica que dele não se tome conhecimento.
B) Passando a conhecer do recurso da decisão final.
1. No caso, não se tendo verificado renúncia ao recurso em matéria de facto, este tribunal conhece de facto e de direito (artigo 428.º, n.os 1 e 2, do CPP).
São, porém, as conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação que definem e delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, e 403.º do CPP).
Ora, tendo em vista as conclusões formuladas pelo recorrente B......, no que se referem à impugnação da sentença, já que da questão prévia que suscitou na conclusão 1.ª não retirou quaisquer consequências em termos de se verificarem vícios do julgamento ou da própria sentença, o objecto do recurso reconduz-se à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
Nesse âmbito, pretendendo que se encontram incorrectamente julgados os pontos de facto que especifica, todos os que preenchem os elementos objectivo e subjectivo do crime por que foi condenado, acaba por reconduzir a sua impugnação aos factos:
- de o tribunal dever dar por provado que foi o assistente quem iniciou a contenda,
- de não haver nexo de causalidade entre a agressão e as lesões sofridas pelo assistente,
- de não ter agido com dolo directo.
2. Quanto à questão prévia.
O recorrente poderia e deveria ter, oportunamente, suscitado expressamente a questão de se verificar conexão de processos, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do CPP, entre este e aquele a que deu origem a queixa que apresentou contra o assistente, tanto mais que, pelo documento que juntou com a contestação – cópia da acusação no processo originado pela queixa que apresentou – não decorre que houvesse ou, pelo menos, tivesse havido sempre, obstáculo a que a conexão operasse, por os processos se encontrarem em fases distintas (cfr. n.º 2 do referido artigo 24.º).
E, sendo-lhe indeferida a pretensão (sem fundamento no referido n.º 2 do artigo 24.º), reagir ao indeferimento.
Nada disto tendo feito, a questão prévia que levanta, sem que a faça repercutir num vício do julgamento ou da própria sentença, não passa de um “desabafo” desprovido de sentido útil, em termos de recurso da decisão final.
3. Para a decisão das questões objecto de recurso, importa começar por ver o que consta da sentença e releva nessa perspectiva.
3.1. Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos:
«1. No dia 06 de Agosto de 2004, cerca das 22 horas, na Travessa ....., Penafiel, o arguido, na sequência de um desentendimento relacionado com o estacionamento do seu veículo automóvel, desferiu diversos murros em várias partes do corpo do assistente E......, empurrando-o e projectando-o ao solo.
«2. O assistente igualmente desferiu vários murros ao arguido, tendo inclusive agarrado este por trás, fazendo-o cair ao solo.
«3. Mercê dessa agressão, o assistente sofreu as lesões descritas nos autos de exame médico das fls. 6 a 9, 11 a 14, designadamente cicatriz linear, oblíqua com 3,5 cm de comprimento, localizada na metade esquerda da região frontal, interessando a extremidade interna da sobrancelha esquerda; amputação do bordo posterior, inferior e helix do pavilhão auricular esquerdo, com uma cicatriz de 7 cm, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, 11 (onze) dias de doença com incapacidade para o trabalho.
«4. Resultaram da agressão lesões estéticas que desfiguram o ofendido, na sua orelha, mas sem repercussão funcional relevante.
«5. O arguido quis atingir corporalmente E......, como efectivamente atingiu, tendo perfeito conhecimento de que a forma como o fez era susceptível de lhe causar lesões físicas.
«6. Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida por lei.
«7. Em consequência dos tratamentos médicos [a] que o assistente teve que se sujeitar, despendeu a quantia de 101,56 euros.
«8. O assistente sentiu-se rebaixado, perturbado, tendo sentido dores físicas, vexame e humilhação.
«Mais se provou:
«9. O arguido trabalha por conta de F......, Lda, com sede na rua ..., na Maia, auferindo um rendimento que ronda os 500 euros mensais.
«10. A esposa é doméstica.
«11. Tem uma filha de 4 anos de idade.
«12. Desconhecem-se anteriores condenações em juízo ao arguido, constando do seu certificado do registo criminal junto aos autos que as não tem.»
3.2. Consignou-se, não se terem provado «quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente:
«1. Quem, entre arguido e assistente, iniciou a discussão e as agressões físicas ao outro.
«2. Se o arguido levantou o assistente e lhe desferiu uma mordedura na orelha esquerda.
«3. Se as agressões em causa foram amplamente divulgadas no meio onde vive o assistente.
«4. Se o assistente se sentiu lesado e ofendido na sua honra e consideração pessoal.»
3.3. A convicção do tribunal mostra-se explicitada nos seguintes termos:
«O Tribunal formou a sua convicção, na parte respeitante à essencialidade dos factos consubstanciadores da prática do crime de ofensa à integridade física, com base na conjugação das declarações prestadas pelos próprios arguido e assistente, aliadas aos registos clínicos e relatórios médicos juntos aos autos e às regras da experiência comum.
«Ambos, face às qualidades que assumem nos autos, não mereceram grande credibilidade ao Tribunal, pelo que o Tribunal só fez fé nas suas declarações na parte em que confessaram mutuamente as agressões e na parte em que as suas declarações foram corroboradas por outros meios de prova, essencialmente documental (registos clínicos).
«Por um lado, o arguido não estando adstrito ao dever de verdade, afirmou que efectivamente deu murros ao ofendido, mas que se limitou a defender-se.
«Nesta parte, existiram as contradições com a testemunha de defesa apresentada pelo arguido, a sua sogra G....., na parte em que arguido e testemunha afirmaram que a luta teve lugar, pois o arguido deu a entender que a luta começou na rua e a testemunha disse que foi dentro da casa do assistente.
«Ora, para além da contradição, se o arguido se limitou a defender-se, porque o foi fazer dentro da casa do assistente?
«Por outro lado, o assistente apresentou um depoimento duvidoso, contraditório, pouco claro, titubeante, igualmente não merecendo grande credibilidade.
«Por fim, a única testemunha presencial dos factos, sogra do arguido, claramente veio a juízo tomar partido a favor do genro, tendo sido tendenciosa, parcial e nada objectiva, pelo que não mereceu credibilidade.
«Quanto a todas as outras testemunhas, não presenciaram os factos, pelo que nessa parte nada valeram.
«Assim, restaram os registos clínicos onde constam as lesões apresentadas pelo assistente, tendo o Tribunal ficado com a convicção que todas elas foram consequência das agressões perpetradas pelo arguido, sendo que a questão concreta da orelha, ficou sem se ter certezas quanto a saber se foi em virtude de uma mordida ou de um corte de um ferro ou outro objecto cortante.
«Seja como for, a lesão ocorreu em consequência das agressões, pois se resultou da queda, igualmente foi em virtude dos murros e empurrão do arguido.
«Ainda quanto a esta questão da orelha, o Tribunal não ficou com a certeza inequívoca da mordida, pese embora os esclarecimentos do perito médico, que afirmou que o aspecto da orelha é mais compatível com uma mordida do que um corte num objecto.
«A convicção do Tribunal, nesta parte, é que muito provavelmente foi o arguido que mordeu, mas não ficou com a certeza absoluta, pelo que restou dar como não provado essa matéria, em obediência ao princípio in dubio pro reu.
«Nesta parte temos ainda entretanto remetidos aos autos os registos clínicos do Hospital Padre Américo - Vale do Sousa onde é feita referência a uma transferência do arguido para o Hospital de S. João, no Porto, para ser tratado por cirurgia plástica e reconstrutiva, ficando sem se saber se esta foi feita ou não e, na afirmativa, se foi antes ou depois do exame pericial do dia 09/08/2004 (relatório das fls. 6 a 9).
«Contudo, sempre se deixa dito e reiterando-se o já referido que, seja em virtude de uma mordida, seja em virtude da queda, sempre resultou a lesão na orelha da conduta do arguido, o que lhe atribui a responsabilidade por tal dano, pois ele resultou em virtude das agressões em causa.
«No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente, serviu-se o Tribunal dos depoimentos do próprio e das testemunhas do pedido cível, H....., I..... e J...., as quais convenceram que sofreu os danos que se deram como provados.
«No que concerne à situação social, familiar e económica do arguido, valeu o declarado por este, na falta de qualquer outro meio de prova.
«Relativamente aos antecedentes criminais do arguido serviu-se o Tribunal do seu certificado do registo criminal junto na fl. 23.»
4. Passando ao conhecimento das questões postas no recurso.
Como antes assinalámos, o recorrente visa, exclusivamente, a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
Pretende que se encontram incorrectamente julgados todos os pontos de facto relativos ao preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do crime por que foi condenado, mas acaba por centrar a sua impugnação nos pontos:
- de o tribunal dever dar por provado que foi o assistente quem iniciou a contenda,
- de não haver nexo de causalidade entre a agressão e as lesões sofridas pelo assistente,
- de não ter agido com dolo directo.
4.1. Tem vindo a ser repetidamente afirmado que o recurso em matéria de facto perante as relações não se destina a um novo julgamento mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância [Germano Marques da Silva, «A aplicação das alterações ao Código de Processo Penal», Forum Iustitiae, Maio de 1999, p. 21].
Como não pode deixar de ser. O tribunal de recurso não dispõe da relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão, que só o princípio da imediação, intrinsecamente ligado ao da oralidade, assegura.
Sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe, em face da transcrição da prova produzida em audiência e da análise das provas examinadas em audiência, averiguar se existe um erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por essa transcrição ou essa análise evidenciarem ou que foram valoradas provas não admissíveis ou que as provas (admissíveis) foram valoradas com violação das regras que regem a apreciação da prova.
4.2. O recorrente começa por insurgir-se por o tribunal não ter dado por provado que foi o assistente «quem iniciou a contenda, a luta entre ambos».
Não invocando que outros factos devessem ter sido dados por provados, que pudessem conformar, por exemplo, a causa de justificação da legítima defesa, nem se alcança o sentido e relevância da impugnação da decisão, nesse ponto.
Com efeito, ainda que fosse dado por provado que foi o assistente quem iniciou a contenda, a resposta do arguido, consubstanciada em dar também murros ao assistente, sempre preencheria o elemento objectivo do tipo de crime de ofensa à integridade física, ainda que se limitasse a exercer retorsão.
O próprio recorrente reconhece que, no caso, houve agressões recíprocas («Claro está que andaram ao murro um ao outro ...» - ponto 6 da motivação, p. 5 do recurso).
Ainda que se tivesse limitado a exercer retorsão, o facto só poderia ter relevância em sede de pena (cfr. artigo 143.º, n.º 3, do CP). Ora, o recorrente não extraiu qualquer consequência, no âmbito da espécie ou mesmo medida da pena.
Seja como for, neste concreto ponto, relevaram as declarações do arguido e do assistente, cuja apreciação se rege pelo princípio da livre apreciação da prova acolhido expressamente no artigo 127.º do CPP.
Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal [O princípio é válido em todas as fases do processo penal] aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal, com observância das regras da experiência e dos critérios da lógica que são, obrigatoriamente, pressupostos valorativos da prova livre.
Das versões diferentes fornecidas pelo arguido e pelo assistente em relação ao concreto ponto de saber quem iniciou a contenda, sendo certo que ambos confirmam as agressões recíprocas, e não havendo, pelas regras da experiência comum, razão que impusesse que fosse acolhida a tese do arguido de que foi o assistente quem a iniciou, não se mostra procedente a censura da decisão por não dar por provado que foi o assistente quem iniciou a contenda.
4.3. No aspecto de que os factos provados não permitem estabelecer um nexo de causalidade entre as agressões e as lesões sofridas pelo assistente, o recurso não prima pela clareza.
Admitimos que o recorrente quer questionar a imputação a acção sua da lesão sofrida pelo assistente consistente no corte do bordo posterior, inferior e helix do pavilhão auricular esquerdo, o que configura uma lesão estética, e isto por não se ter dado por provado que o arguido tenha mordido a orelha esquerda do assistente.
Com efeito, não se vê que, em relação à lesão localizada na metade esquerda da região frontal, se possa pôr em causa que ela possa, directa e imediatamente, resultar de uma agressão a murro.
4.3.1. Quanto à imputação ao arguido da lesão consistente na mutilação de parte da orelha esquerda, a tese sustentada na sentença levanta, efectivamente, dificuldades em sede de imputação objectiva e, até, imputação subjectiva.
Mesmo a admitir-se que essa lesão resultou da queda, como se diz na sentença, e ainda que a queda tivesse sido causada por acção do recorrente não se poderá afirmar, no âmbito objectivo, a imputação do resultado produzido à conduta de causar a queda, por um murro ou empurrão desferido pelo recorrente ao assistente.
É que nem toda a causa é juridicamente relevante para efeitos de fundamentar a responsabilidade penal; nem toda a condição do resultado concreto é causa juridicamente relevante para efeitos de fundamentação da responsabilidade penal.
De acordo com a teoria da adequação ou causalidade adequada - a consagrada na nossa lei (artigo 10.º do Código Penal) - não se identifica com a causa juridicamente relevante qualquer condição do resultado, mas apenas aquela condição que, em abstracto, de acordo com a experiência geral, é idónea para produzir o resultado típico.
A teoria da causalidade adequada recorre a um critério limitador – a previsibilidade objectiva do resultado. Uma acção será adequada para produzir o resultado quando uma pessoa normal, colocada na mesma situação do agente, pudesse prever que, em circunstâncias normais, o resultado se produziria; só deve afirmar-se a previsibilidade objectiva do resultado quando o resultado seja uma consequência normal, típica da acção, o que requer, a idoneidade abstracta da acção para produzir o resultado.
Ora, de acordo com a experiência geral, se de um murro ou de um empurrão é previsível a queda da vítima, já se afasta de toda a previsibilidade uma lesão consistente na amputação de parte de uma orelha, em consequência da queda.
Por isso, a acção do recorrente de empurrar o assistente não seria uma acção adequada para produzir tal resultado.
Por outro lado, e ainda na tese da sentença, a aceitar-se que a amputação de parte da orelha foi consequência da queda, não se vê como se pode afirmar o dolo do recorrente em relação a essa lesão, mesmo a título de dolo eventual. Não se tratando de um resultado abstractamente previsível, de acordo com a experiência comum, sempre teria de ser demonstrado que o recorrente, ao causar a queda do assistente, o previu como resultado possível da sua conduta e se conformou com ele.
4.3.2. Todavia, neste ponto, tem de se reconhecer que houve um incorrecto julgamento da matéria de facto ao não se dar por provado que a amputação de parte da orelha do assistente resultou de uma mordedela do recorrente.
Na verdade, da conjugação das declarações do assistente com a informação clínica de fls. 184, os relatórios médicos de fls. 6 a 10 e 12 a 14 e o depoimento em audiência do perito médico que os elaborou – C...... – decorre prova consistente que permite, para além de qualquer dúvida razoável, afirmar que o recorrente mordeu o assistente na orelha esquerda, provocando-lhe ferida do rebordo do pavilhão auricular esquerdo, com 7 cm de comprimento e com perda de substância (amputação do bordo posterior, inferior e helix do pavilhão auricular esquerdo).
É o que resulta das declarações do assistente e não se detectam razões para as pôr em causa, sobretudo quando, segundo o perito médico, as lesões que nele observou são, efectivamente, compatíveis com uma mordedela e já não se adequam à acção nem de um instrumento contundente nem de um instrumento cortante. Sendo totalmente de excluir que a lesão tivesse resultado da acção de um instrumento cortante quer por o tipo de lesão não ser compatível quer por, em nenhum momento, o assistente ou o recorrente se referirem a que, no decorrer da contenda, foi usado ou exibido um instrumento cortante, é também de excluir a possibilidade de ter resultado de um traumatismo resultante, por exemplo, do embate, na queda, num objecto sólido, tipo pedra ou ferro, como decorre dos esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr. Perito Médico.
A posição do recorrente, de negar ter mordido o assistente e de sugerir que a lesão na orelha resultou do embate do assistente, quando caiu, num ferro, não é, perante a prova produzida, particularmente as características da lesão e os esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr. Perito Médico, de molde a suscitar dúvidas sobre a veracidade das declarações do assistente, neste ponto.
Por outro lado, na diferença de estatura e de compleição física entre o recorrente e o assistente (argumento de que o recorrente se socorre na motivação) não se manifesta qualquer impossibilidade prática de o recorrente ter praticado os factos, nomeadamente, ter mordido o assistente. A diferença de cerca de 20 cm de altura entre o recorrente e o assistente não é obstáculo a que o recorrente (o mais baixo) tivesse mordido o assistente, até porque, numa contenda, o comum é que os contendores não se mantenham hirtos. Aliás, esse modo de actuação (ferradela) é, de acordo com a experiência comum, preferencialmente seguido pelas pessoas fisicamente mais débeis.
4.4. No aspecto de o recorrente não ter agido com dolo directo, há que começar por clarificar que o tipo de crime por que o recorrente foi condenado, sendo um crime doloso, admite qualquer das modalidades de dolo (directo, necessário ou eventual).
4.4.1. Quanto a dar por provado que o recorrente agiu com dolo directo, a decisão não merece censura.
A convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando.
Desde logo, é legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do CPP) e o artigo 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do CC).
As presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, meios lógicos de apreciação das provas, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
No particular aspecto da prova de factos que respeitam à esfera íntima de cada um – como o dolo -, é evidente que eles não são susceptíveis de ser apreendidos directamente através da produção dos meios de prova, salvo no caso de uma confissão livre que não suscite quaisquer dúvidas ou reservas. Mas podem ser inferidos de factos que claramente os revelem. A prova deles obtém-se, assim, pela valoração, de acordo com as regras da lógica e da experiência, de factos materiais e objectivos, comprovadamente verificados.
Tendo-se dado por provado que o recorrente se envolveu em confronto físico com o assistente, contra quem, voluntariamente, desferiu murros, a prova de que agiu com intenção de atingir corporalmente o assistente e de lhe causar lesões físicas decorre, necessariamente, da pura objectividade dos factos.
4.4.2. Por outro lado, entendendo nós que se deve dar por provado que o recorrente mordeu a orelha esquerda do assistente, também o dolo, relativamente a esta ofensa, se infere da actuação do recorrente. E a consideração da lesão que produziu com a mordedela (perda de substância) demonstra uma intensidade da agressão da qual se pode inferir o dolo em relação ao próprio resultado.
5. Como decorre do exposto, entendemos que a decisão proferida sobre matéria de facto deve ser alterada, mas não nos termos pretendidos pelo recorrente.
Assim:
O ponto n.º 1 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
«1. No dia 06 de Agosto de 2004, cerca das 22.00horas, na Travessa do ....., Penafiel, o arguido, na sequência de um desentendimento relacionado com o estacionamento do seu veículo automóvel, desferiu diversos murros em várias partes do corpo do assistente E....., empurrou-o, projectou-o ao solo e mordeu-o na orelha esquerda.»
O ponto 5 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
«5. O arguido quis ofender corporalmente o assistente e causar-lhe lesões físicas e o corte de parte da orelha esquerda, sabendo que, com essa mutilação, desfigurava o assistente.»
6. A questão que, agora, se coloca é a de saber se os factos provados integram o crime por que o recorrente foi condenado ou se a mutilação de parte da orelha esquerda se integra no conceito de desfiguração grave e permanente, para efeitos da alínea a) do artigo 144.º do Código Penal.
No conceito cabem os danos estéticos que alteram substancialmente a aparência da vítima.
No caso, trata-se de uma mutilação que importa diminuição significativa do tamanho do pavilhão auricular esquerdo, como decorre do exame médico de fls. 11 a 14. Por isso, e dando-se, ainda, relevância à localização da mutilação e ao facto de o assistente ser um indivíduo jovem (nascido em 1978), tal mutilação consubstancia uma desfiguração grave.
A possibilidade de ser eliminado esse dano estético, através de cirurgia reconstrutiva, não se mostra confirmada. Aliás, esse aspecto não foi devidamente esclarecido na audiência – surpreendendo a passividade do tribunal - e, em relação a ele, apenas a mulher do assistente referiu: «... ele anda agora neste momento no Hospital de São João a tratar-se e vão ..., vai realizar uma operação plástica por causa de reconstituir a orelha, que ficou danificada, um bocado, e a médica disse que não é uma operação muito fácil.» [Cfr. p. 57 da transcrição]
O que significa que a lesão deve considerar-se permanente, uma vez que a «permanência não vale aqui como exigência de perpetuidade, mas apenas pretende significar que os efeitos da lesão sofrida são duradouros, sendo previsível que perdurem por um período de tempo indeterminado» [Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 227].e a possibilidade de o dano ser afastado através de uma intervenção médica não se mostra confirmada.
Entendemos, portanto, que a actuação do recorrente, de acordo com os factos que demos por provados, alterando os pontos 1. e 5. da matéria de facto dada por provada na decisão recorrida, preenche os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea a), do Código Penal, crime por que o recorrente tinha sido acusado.
Não obstante, a pena cominada na primeira instância deve ser mantida por força da proibição de reformatio in pejus (artigo 409.º do CPP).
7. Afirmada a responsabilidade penal do recorrente, a condenação em indemnização civil, fundada na prática do crime, não pode deixar de ser mantida.
III
Termos em que, pelos fundamentos expostos:
1. Não conhecemos do recurso interposto pelo defensor oficioso Sr. Dr. D......, por inadmissibilidade.
Custas do recurso a cargo do recorrente, com taxa de justiça de um quarto (artigo 18.º, n.º 3, do CCJ).
2. Negamos provimento ao recurso do arguido B...... .
Por ter decaído, vai condenado – sem prejuízo do apoio judiciário concedido (cfr. fls. 259) - em 5 UC de taxa de justiça e nas custas (artigos 513.º e 514.º do CPP, 87.º, n.º 1, alínea b), 89.º e 95.º, n. os 1 e 3, do CCJ).
3. Alteramos a matéria de facto constante da decisão da 1.ª instância, nos termos indicados em II 5. e a qualificação jurídica dos factos, nos termos indicados em II 6., mantendo-se, porém, a pena em que o recorrente foi condenado em 1.ª instância, por força do disposto no artigo 409.º do CPP.
Honorários à Exmª defensora, nomeada em audiência, neste tribunal, de acordo com o ponto 6 da tabela anexa à portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, e sem prejuízo do disposto no artigo 5, nº 1, da mesma.
Porto, 22 de Fevereiro de 2006
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro (vencido quanto aos fundamentos, pelas razões que vão em anexo)
José João Teixeira Coelho Vieira
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
Voto vencido o acórdão quanto aos fundamentos na parte em que decidiu pela inadmissibilidade do recurso do defensor oficioso do arguido quanto à questão dos honorários, pelas razões que passo a expor:
Estabelece o n.º2 do art. 400.º do C. P. Penal que, sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
O valor dos honorários pretendidos pelo recorrente é inferior ao do valor da alçada do tribunal recorrido.
Acontece que aquela disposição legal, como decorre do seu teor, tem aplicação quando está em causa o decaimento de um pedido cível, ou seja, tem em vista a interposição de recurso de uma sentença em que o valor do pedido cível seja superior ao da alçada do tribunal recorrido e em que a decisão quanto a tal pedido seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada.
Se de verdadeiras “partes” se pudesse falar no processo penal, teríamos que um advogado nomeado no âmbito do processo penal, seja como defensor do arguido, seja como advogado do assistente, do demandante cível ou do demandado, não é “parte” no processo, já que não representa o M.º P.º, não é arguido, ofendido, assistente, demandante cível ou demandado.
A sua intervenção no processo é meramente acidental, estando relacionada com a sua actividade profissional, não se podendo, por isso, equiparar a um demandante cível.
Nos termos do art. 399.º do C. P. Penal, é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Estabelece esta disposição legal o princípio geral da admissibilidade de recurso das sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a irrecorribilidade não esteja prevista na lei.
A decisão recorrida não se enquadra em qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º1 do art. 400.º daquele código como não admitindo recurso, não lhe é aplicável o seu n.º2 e a sua irrecorribilidade não está prevista em qualquer outra disposição legal. Logo, é recorrível.
Trata-se, quanto a nós, de uma situação em tudo semelhante à dos despachos interlocutórios, ou então da fixação da remuneração dos peritos, prevista no art. 162.º do C. P. Penal, o qual, no seu n.º3, prevê expressamente a recorribilidade daquelas decisões. Em tais situações é admissível recurso independentemente do valor das quantias que estão em causa.
No acórdão foram aplicadas as normas do Código de Processo Civil no que diz respeito aos recursos interpostos das acções cíveis.
Como já acima foi dito, entendemos que se trata de um incidente em processo penal, devendo, como tal, ser-lhe aplicadas as normas do Código de Processo Penal.
Mas ainda que se aceite que lhe são aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, sempre a questão deveria ser tratada como um incidente inominado e não como um recurso de uma decisão numa acção cível ou num dos vários incidentes processuais expressamente previstos naquele código.
Vejamos.
Estabelece o art. 678.º do C. P. Civil que só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior ao da alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal. A par desta norma de carácter geral, estabelece aquela disposição legal algumas excepções, nas quais não se enquadra a situação sub judice.
Tem esta disposição legal em vista o recurso interposto de decisões sobre o objecto da acção, dizendo respeito, por isso, aos autores ou réus em qualquer acção cível, ou aos requerentes ou requeridos em incidentes previstos no Código de Processo Civil.
O senhor advogado não é autor ou réu, requerente ou requerido no processo. A fixação de honorários não tem a ver com a sua intervenção no processo na qualidade de parte, sendo antes uma decisão tomada em virtude das funções exercidas no exercício da sua actividade profissional.
Quanto aos recursos interpostos de despachos, têm os mesmos um tratamento diferente, no caso, previsto no art. 679.º, o qual estatui que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário, pelo que, a contrario, tem de se entender que os demais despachos admitem recurso.
A questão dos honorários foi decidida por despacho, aliás muito sucinto, que não é um despacho de mero expediente nem foi proferido no uso legal de um poder discricionário.
Assim sendo, a norma do processo civil a aplicar-lhe é a do art. 679.º do C. P. Civil e não a do art. 678.º
Entendo, por isso, que a decisão é recorrível.