NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE
NULIDADE SANÁVEL
PRAZO DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Sumário


I – Não é obrigatória a nomeação de intérprete para a realização de teste de alcoolemia a pessoa que desconheça a língua portuguesa.
II – A falta da nomeação de intérprete nos casos em que é obrigatória é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, ou seja, nulidade sanável.
III - Nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado.

Texto Integral


Relatora: Ana Teixeira
Adjunta: Maria Isabel Cerqueira

I – RELATÓRIO

1. No âmbito do processo supra identificado a arguida F. M., foi condenada com autora de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à razão diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz um total de € 1.875,00 (mil oitocentos e setenta e cinco euros);
Foi ainda condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, advertindo-a de que tem o prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado desta sentença para entregar a sua carta de condução e licença de condução, na secretaria deste Tribunal, ou em qualquer Posto Policial, a fim de cumprir a pena acessória, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal e, bem assim, de que caso não cumpra a pena acessória agora determinada, incorre na prática de um crime de violação de proibições previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal;
2. Por via de tal decisão recorre, concluindo da forma que passamos a transcrever:

CONCLUSÕES
1 O presente recurso é interposto da Sentença proferida nos presentes autos que julgou improcedente a nulidade invocada pela Arguida nos termos do disposto no artigo 92, nº 2 do CPP e a condena prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal e, em consequência, Condenou a arguida na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à razão diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz um total de € 1.875,00 (mil oitocentos e setenta e cinco euros); Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, advertindo-a de que tem o prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado desta sentença para entregar a sua carta de condução e licença de condução, na secretaria deste Tribunal, ou em qualquer Posto Policial, a fim de cumprir a pena acessória, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal e, bem assim, de que caso não cumpra a pena acessória agora determinada, incorre na prática de um crime de violação de proibições previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal; E no pagamento das custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s.
2 Entende a arguida que o presente processo é nulo ab initio com as legais consequências, a sua absolvição do crime de que fora acusada.
3 Refere a douta acusação do Ministério Público e a Sentença que no dia 16 de Novembro de 2019, pelas 03.52 horas, a Arguida conduzia a viatura ZS, na Rua .., Lugar do ..., ..., Vila Verde, apresentando, quando efetuou o teste de alcoolémia, uma taxa de álcool no sangue de 1,549 g l, descontado o erro máximo admissível. 4 A Arguida é cidadã Suíça falando apenas a sua língua materna, o alemão, pois reside na cidade de Zurique zona da língua Alemã, não fala a língua Portuguesa, nem entende qualquer palavra ou frase em Português.
5 No referido dia 16 de Novembro de 2019, pelas 03.52 horas, na Rua …, Lugar do ..., ..., Vila Verde, não esteve presente um intérprete que traduzisse à Arguida os alegados factos e os supostos documentos exibidos.
6 A Arguida desconhece assim, porque não lhe foi explicado na sua língua materna, se a taxa de alcoolémia era de 1, 549 gl, de outro valor mais baixo ou mais elevado e inclusive desconhecendo inclusive o teor dos documentos e dos factos ocorridos, porquanto no local, dia e hora referidos, não foram explicadas detalhadamente à Arguida, na sua língua, as consequentes cominações do crime supostamente cometido.
7 Efetivamente no dia e hora dos factos a Arguida foi interpelada pelos senhores agentes da Guarda Nacional Republicana, sem que oficialmente lhe tenha sido nomeado um intérprete que efetuasse a tradução dos factos e do teor dos documentos que assinava para que a Arguida entendesse sem reservas o que se estava a passar – tendo em conta até a gravidade do crime que lhe estava a ser imputado.
8 Na verdade, com a Arguida não esteve um intérprete que se tenha comprometido na sua honra e profissionalismo a desempenhar cabalmente as suas funções, mas apenas o do namorado e este “ajudou” as partes a “entender-se” e a” perceber” os factos e acusações, enquanto a Arguida era sujeita a testes de álcool, assinava termo de identidade e residência e tomava na mão os diversos documentos – todos e tudo em língua Portuguesa, sem deles perceber patavina.
9 Imposta assim questionar se os senhores agentes do OPC responsável têm a certeza de que a tradução “efetuada” pelo namorado foi fidedigna na interpretação e transmissão dos factos, ou se este terá errado, por engano do deliberadamente, no que transmitiu a uma cidadã estrangeira que – mesmo cometendo um crime grave, a fazer fé nos aparelhos cujo acerto e regularidade de funcionamento a Arguida desconhece em absoluto, tem direito a ser tratada com todos os direitos legais que a Lei e a Constituição Portuguesas lhe concedem.
10 Importaria saber se o OPC que abordou a cidadã Suíça F. M. acautelou a sua compreensão e perfeito entendimento do que lhe estava a acontecer, como impõe o nosso Estado de Direito.
11 Mas senhores Juízes Desembargadores importa reter que a Meritíssima Juiz do Tribunal à quo esteve bem quando diz que lhe parece inequívoco, como o foi decidido por este Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14.05.2007, in CJ, 2007, T3, pág.291 que diz “não é obrigatória a nomeação de intérprete para a realização de teste de alcoolemia a pessoa que desconheça a língua Portuguesa.”
12 Diga-se que não podemos estar mais de acordo, contudo, salvo o devido respeito que é muito, não é do simples teste no qual um condutor, estrangeiro ou não, sopra o alcoolímetro e em tal aparelho aparece um número correspondente a uma taxa de álcool no sangue que o condutor merece interprete.
13 Tal procedimento é perfeitamente normal para todo o ser humano e não tem qualquer tradução nem dela precisa, é um simples teste.
14 O que gera a nulidade de todo o processo é, justamente, depois de efetuado o teste e quando acusa taxa de álcool geradora de infração criminal grave, não seja nomeado à Arguida estrangeira (que não fala a língua portuguesa, mas apenas o Alemão – como resultou da prova testemunhal desse facto apresentada em julgamento pala Arguida) um intérprete que lhe comunique e a faça entender o teor do que assina perante a OPC.
15 Claro se torna que se o teste realizado tem dado uma taxa muito baixa a arguida nem necessitava de intérprete, e teria de ser dispensada do local, da assinatura do TIR e dos demais documentos por manifesta e obvia desnecessidade.
16 Diga-se ainda que, sem entender nada do que lhe comunicavam, e dentro de um posto da GNR, a Arguida até poderia ter ficado atemorizada e, nesse estado de constrangimento, assinar todo e qualquer papel que lhe colocavam à frente.
17 Mas isto não sabe a Arguida que, como se disse acima, desconhece em absoluto os normativos e as respetivas cominações, previstas no Código Penal Português e que suportam a sua condenação, porquanto nem entendeu nem entende a língua em que lhe comunicaram tais crimes e tais normas.
18 A propósito do que vimos de alegar importa dizer que à Arguida foi posteriormente nomeado intérprete, que traduziu a acusação que foi enviada para a morada daquela na Suíça, facto revelador da necessidade da tradução, como o deveria ter sido imediatamente após o teste realizado e quando este acusou uma taxa criminal.
19 Dessa insuficiência (falta de tradutor quando era obrigatório) não cuidaram as autoridades fiscalizadoras GNR desde o início do processo.
20 Prescreve o artigo 92º, nº 2 do CPP, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada, o que não se verificou de todo.
21 Por esse facto, nos termos do disposto no artigo 120º nº 2, alínea c) do Código do Processo Penal, o presente processo á nulo desde início, nulidade que expressamente se invocou.
22 Alega a Meritíssima Juiz do Tribunal à quo que a invocação da referida nulidade o deveria ter sido em 10 dias nos termos do disposto no artigo 105º nº 1 do CPP.
23 A Arguida discorda em absoluto da fundamentação expendida na Sentença quanto a este prazo aplicável, desde logo, porque aquando da nomeação de defensora oficiosa em 16/12/2019, a Arguida encontrava-se no estrangeiro, jamais foi contactada pela sua Advogada nem teve conhecimento de tal nomeação o que apenas sucedeu com a notificação da acusação pública.
24 Ilustre defensora que apenas recebeu a acusação em 07/09/2020 e nessa data não conheceu a Arguida nem com ela reuniu vindo a ser substituída pelo atual Mandatário.
25 Assim, quer a defensora oficiosa quer o atual Mandatário da Arguida tinham até ao final do prazo de apresentação da contestação da acusação pública, para ali, e só ali deduzirem a nulidade de todo o processo o que efetivamente foi feito no referido articulado.
26 Sendo certo que a Arguida o não poderia fazer nos termos do disposto no artigo 120º nº 3 alínea a), pois não entendeu, nem compreendeu ainda o que lhe sucedeu no posto da GNR, nem a condenação na Sentença, diga-se dura, que lhe foi aplicada, importa saber qual era o prazo de arguição da nulidade se não o da contestação apresentada pelo Mandatário?
27 Para a Arguida, a arguição da nulidade por falta de intérprete, efetuada na sua contestação é assim perfeitamente tempestiva, pois não lhe era possível arguir a referida nulidade no próprio ato, junto do OPC que a constituiu arguida e iniciou o processo-crime, precisamente por necessitar de um intérprete.
28 Tal obrigação legal e impreterível, até na ausência de um Advogado, era da responsabilidade dos senhores agentes da GNR, justamente do senhor Agente S. P., testemunha em juízo que até alegou ter a Arguida entendido o que este lhe dizia por intermédio de um terceiro/namorado que não é tradutor, não tem formação académica bastante, nem prestou compromisso de honra.
29 Nos termos do disposto no artigo 120º nº 2, alínea c) do Código do Processo Penal o presente processo-crime está ferido de nulidade devido ao desconhecimento da Arguida dos factos e documentos juntos aos autos, devendo ser absolvida o que se requer e,
30 Mesmo que na Sentença se tente fundamentar a decisão, entende a Arguida, o que sempre alegou, que o presente processo está ferido de nulidade, pelo que, em consequência do que vem de se invocar deve esta ser absolvida por este alto Tribunal da Relação de Guimarães, com as legais consequências, porque o processo é nulo desse início.
31 Nulidade que nunca poderia ter sido invocada antes da entrega da contestação à douta acusação pública e que assim a presentada tempestivamente, invocando a nulidade por clara violação de normas legais imperativas, impõe a absolvição da Arguida/Recorrente.
32 Violação de normas legais por parte do OPC responsável que coartaram e comprimiram os direitos da Arguida, nomeadamente o direito previsto no artigo 92º do CPP:
33 A douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 92º, 120º do Código do Processo Penal e ainda os artigos 13º; 18º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa.

Nestes termos, no mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso devendo a Sentença ser revogada e substituída por decisão em conformidade com a fundamentação e as conclusões contidas nestas alegações que absolva a Arguida.

3. Na resposta, o MP refuta os argumentos apresentados pelo arguido terminando concluindo que no caso em apreço não se encontra ferida de nulidade a sentença.
4. Nesta instância, a Exma. procuradora-geral-adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5. Colhidos os vistos foi realizada a conferência

II – FUNDAMENTAÇÃO

o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (Arts. 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso

Vejamos a questão

O recurso em análise versa sobre matéria de direito e propõe que a falta de nomeação de intérprete no dia da realização de teste de álcool no sangue

A este propósito o tribunal consignou:
Por sentença datada de 02-03-2021, o Tribunal a quo decidiu pela improcedência da referida nulidade, nos seguintes termos: «Da nulidade por falta de nomeação de intérprete: Em 18.11.2020 veio a arguida, arguir a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, por falta de nomeação de intérprete, alegando para o efeito que: - é cidadã Suíça, apenas falando a sua língua materna, in casu, alemão; - não fala, nem entende qualquer palavra ou frase em Português; - aquando da ação de fiscalização constante do libelo acusatório não esteve presente um intérprete que traduzisse os alegados factos e os supostos documentos exibidos; - desconhecendo, assim, se a taxa de alcoolemia era de 1,549 g/l ou de outro valor mais baixo ou mais elevado; - não lhe foram explicitadas as consequentes cominações do suposto crime.

Cumpre decidir.

Lê-se no artigo 92.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada”. Mas atente-se que só o efetivo desconhecimento da língua portuguesa, e não a mera condição de estrangeiro, fundamenta a imposição legal de nomeação de intérprete.
Parece-nos inequívoco que, e tal como foi decidido no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14.05.2007, in CJ, 2007, T3, pág.291, “não é obrigatória a nomeação de intérprete para a realização de teste de alcoolemia a pessoa que desconheça a língua portuguesa”. Questão diversa, parece colocar-se com a constituição de arguido e a prestação de termo de identidade e residência. No entanto, e antes de entrar nessa questão e, bem assim, naquela que se prende com o facto de a arguida compreender ou não a língua portuguesa é mister atentar ao disposto no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal. Ora, dispõe o citado normativo legal que “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória”. Isto é, estamos perante uma nulidade sanável, porque dependente de arguição. Não nos parece razoável que a invocação desta nulidade tenha de ser efetuada até ao termo do ato a que o visado assistiu sem intérprete, nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se, para eles, a aplicação da regra geral de arguição de nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias (artigo 105º, nº 1, do Código de Processo Penal), a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em ato nele praticado – vide, neste sentido, entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17.01.2012, Tribunal da Relação de Guimarães de 21.10.2013, Tribunal da Relação de Coimbra de 06.12.2006 e de 14.01.2009. Compulsados os autos verificamos que: - a nomeação de defensora oficiosa ocorreu em 16.12.2019 (cfr. ofício da Ordem dos Advogados, junto com a referência n.º 95224551); - nessa mesma data, foi remetida missiva à Ilustre Defensora Oficiosa nomeada, Exma. Sra. Dra. C. R., com vista à notificação da acusação (cfr. referência n.º 166395569); - a Ilustre Defensora oficiosa foi notificada do despacho que recebeu a acusação, por carta datada de 07.09.2020 (cfr. referência n.º 169432750) - a arguida foi notificada da acusação, através de carta rogatória, a qual se encontra por si assinada, e datada de 14.04.2020 (cfr. referência n.º 10032225) - a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, foi arguida em 18.11.2020 (cfr. referência n.º 10775418); Considerando que a arguida foi notificada do despacho de acusação em 14.04.2020, dispondo, a partir de então, do prazo geral de dez dias para arguir a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, a sua realização apenas em 18.11.2020 mostra-se, por deveras, intempestiva, sendo, pois, irrelevante apreciar os demais fundamentos por si alegados, nomeadamente, o total desconhecimento da língua portuguesa. Face ao exposto, improcede a arguida nulidade, por intempestiva.»

Analisemos a questão

Dispõe o art.92º, do CPP para o que aqui interessa considerar o seguinte:

1 - Nos atos processuais, tanto escritos, como orais, utiliza-se a língua portuguesa sob pena de nulidade.
2 - Quando houver de intervir no processo pessoa que não conheça ou não domina a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada.
3 - O arguido pode escolher, sem encargo para ele, intérprete diferente do previsto no número anterior para traduzir as conversações com o seu defensor.
4 – O intérprete está sujeito a segredo de justiça, nos termos gerais, e não pode revelar as conversações entre arguido e o seu defensor, seja qual for a fase do processo em que ocorreram, sob pena de violação de segredo profissional.
5 – Não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante violação do disposto nos nºs 3 e 4.
(…).

Assim sendo, e como resulta do anteriormente exposto, aquando da realização do teste quantitativo de álcool no ar expirado, a ora recorrente ainda não assumia a qualidade de arguida, nem havido sido iniciado qualquer processo contra si relacionado com os factos em causa, pelo que, não seria nesse momento obrigatória a nomeação de intérprete, nos termos exigidos no citado preceito legal.
Com efeito, a pesquisa de álcool no ar expirado realizada aos condutores, configura um mero ato policial de fiscalização de trânsito, imposto pelo art.158º, nº1 do C. Estrada.
Assim, a não nomeação de intérprete nesse momento ao arguido, não constitui qualquer nulidade ou irregularidade processual, nos termos do disposto nos art.118º a 120º e 123º do CPP.
Portanto, neste preciso momento não houve qualquer nulidade. Aliás, estava presente o namorado da visada que a foi elucidando do que se estava a passar.
Também nos permitimos dizer que, em qualquer lugar, pelo menos da europa, quem tira carta de condução tem de ter presente que se ingerir bebidas alcoólicas não pode conduzir e, certamente, que resulta dos autos, a aqui visada teve conhecimento no ato do quantitativo de álcool que tinha no sangue

Reportemo-nos agora ao momento em que é constituída arguida

Como já tem vindo a ser decidido por este tribunal, importa reter o seguinte:
De facto, é a partir do momento em que o cidadão adquire o estatuto de arguido que lhe é assegurado o exercício de direitos e deveres processuais (art. 60° do CPP) entre eles, os previstos no art. 61° do C. Processo Penal (vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, 4a Ed., pg. 289).
Entre os direitos de que, em especial, goza o arguido, conta-se o direito de ser assistido por Defensor em todos os atos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele (art. 61°, n° 1, f), do CPP).

Dispõe o artigo 64°, n°l, alínea d), do CPP, sob a epígrafe "obrigatoriedade de assistência" que:
«1- É obrigatória a assistência de Defensor –
d) Em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for (...) desconhecedor da língua portuguesa».

Mais dispõe o artigo 92°, n°2, do CPP que «Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado (...) intérprete idóneo (...)».

Presume-se, nestas situações, que as capacidades do arguido para apresentar a sua defesa pessoal se encontram diminuídas, impondo-se por isso a defesa técnica assegurada pelo defensor, enquanto técnico do direito para tal habilitado.
A inobservância desta regra da presença obrigatória do Defensor é sancionada pela lei como nulidade insanável (art. 119°, c), do CPP).
Já a falta da nomeação de intérprete, nos casos em que é obrigatória, é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, constituindo, portanto, uma nulidade sanável (art. 120°, n° 2, c), do CPP).
Assim, o arguido desconhecedor da língua portuguesa – o que vale dizer, necessitado de intérprete, tem, obrigatoriamente, de ser assistido por Defensor (exceção feita à constituição de arguido) sob pena de nulidade insanável, pelo que competirá ao Defensor, enquanto técnico habilitado para assegurar a sua defesa, arguir atempadamente a nulidade da falta de nomeação de intérprete, se tal entender ser do interesse da defesa.
O que não sucedeu no caso dos autos.
Não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha que ser efetuada até ao termo do ato a que o visado assistiu sem intérprete, mas isto apenas nos casos em que não está presente o Defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias – cfr. o art. 105°, n° 1, do CPP, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em ato nele praticado - vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 3a Ed., pg. 85.
De facto, a arguida é suíça e invocou, ser desconhecedora da língua portuguesa.
O efetivo desconhecimento da língua portuguesa, fundamenta tanto a imposição legal de assistência de defensor, como a nomeação de intérprete.
A Constituição da República Portuguesa assegura, no seu artigo 20°, n° 4, que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Como ensinam os Profs. Drs. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4a Edição Revista, pg. 415, "O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. (...). O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cfr. art. 32°) – a garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc.".

No caso em apreço a recorrente esteve, como consta do auto de notícia: «acompanhada pelo Sr. F. M. [seu namorado, qualidade que se recolhe na audição da gravação do depoimento da testemunha S. P., agente da GNR, que esclareceu conhecer a arguida, minimamente, a língua portuguesa e no da testemunha M. O., tio do dito F. M.] (…) para ajudar no processo de tradução», sendo certo que também, nos termos de tal auto, foi informada: «do direito de contactar com a embaixada ou consulado do seu país de origem», e «prescindiu desse direito.»
Em conformidade com o exposto, considerando que a arguida foi notificada do despacho de acusação, por carta rogatória, em 14.04.2020, a qual foi efetivamente assinada pela arguida, a arguição da nulidade decorrente da falta de intérprete em apreço, deveria ter ocorrido no prazo geral de 10 dias a partir daquela data.
Contudo, a sua arguição só ocorreu em 18.11.2020.
Pelo que se conclui pela intempestividade da referida arguição, pelo que a nulidade invocada se encontra sanada.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pela recorrente F. M., e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida.
· Taxa de justiça no mínimo
[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães,

[Ana Maria Martins Teixeira]
( Maria Isabel Cerqueira )