PERDA DE VANTAGENS DO CRIME
CARÁCTER OBRIGATÓRIO DA DECLARAÇÃO DE PERDA DE VANTAGENS
Sumário


I - O instituto da perda de vantagens decorrentes do facto ilícito típico está construído como sendo uma providência destinada a impedir a manutenção de situações patrimoniais antijurídicas, satisfazendo assim finalidades de prevenção especial e geral, dando-lhe, por conseguinte, a feição de um expediente semelhante ou análogo à medida de segurança.
II- Verificados os necessários pressupostos legais, a perda da vantagem decorrente da prática do crime terá de ser decretada sempre, e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal (in casu) possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal.
III- A questão da determinação da perda de vantagens, está conexionada diretamente com o crime praticado, competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida (alínea b) n.º 1 do art.º 110º do C. Penal).
IV- O Ministério Público no interesse da comunidade e por direito próprio, pode sempre peticionar a perda de vantagens do crime fiscal, mesmo que a Autoridade Tributária não pretenda que seja deduzido pedido de indemnização cível.

Texto Integral


- Recorrentes:
Os arguidos:
- X, Unipessoal Limitada;
- F. B..

- Objecto do recurso:
No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 4/19.0T9 VNC, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – V. N. Cerveira – Juízo C. Genérica, foi proferida sentença, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte:
VI – DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se:
a) condenar o arguido F. B. como autor material da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo 107.º, n.º1, parte final, e n.º2, tendo por referência o n.º1 do artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 05 de Junho, com a redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, em conjugação com os artigos 6.º, n.º1 do mesmo diploma, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), num total de 900 € (novecentos euros);
b) condenar a arguida X Unipessoal, Lda. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelos 7 nº 1, 8º nº 3 e 105º todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), num total de 1.200€ (mil e duzentos euros).
c) declarar a perda de vantagens a favor do Estado e, assim, a sua substituição pelo pagamento, solidário, a este último, do valor de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º1, alínea b) e n.º4 do C.P., sem prejuízo da salvaguarda dos interesses dos lesados (artigo 110.º, n.º6 do C.P.P.), aqui a Segurança Social, que venham a ser exercidos.

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Vão ainda os arguidos F. B. e X Unipessoal, Lda. condenados nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, a quais serão reduzidas a metade em função da confissão dos arguidos (cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º n.º 5 e tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais).
(…)” – (o sublinhado e destacado é nosso).
***
Inconformados com a supra referida decisão os arguidos “X, Unipessoal Limitada” e F. B., dela interpuseram recurso, terminando a sua motivação com as conclusões seguintes (transcrição):

“1.ª)
O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida nos autos em 29-06-2020, com a qual não concordam os ora recorrentes, impondo-se assim, no entender destes, a sua revogação e substituição, nos termos de seguida devidamente expostos e fundamentados.
2.ª)
Antes de mais, impugnam os recorrentes a decisão proferida sobre a matéria de facto, em consonância com o previsto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, isso porque, na sua perspectiva, não deverá ser considerado provado o teor do ponto 15. dos factos elencados como provados pelo tribunal de 1ª instância, nos termos latos em que se encontra redigido tal ponto da matéria de facto dada como provada.
3.ª)
Ou seja: no entender dos recorrentes, onde se diz, em tal ponto 15., que «O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si (...)», deve ser excluído esta última parte «e para si», porquanto o arguido F. B. actuou sempre, no âmbito da factualidade aqui em causa, enquanto legal representante da arguida CONSTRUÇÕES X LDA., como seu sócio-gerente.
4.ª)
Aliás, é isso mesmo o que resulta de vários outros pontos da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, nos quais é apontada a indicada actuação do arguido F. B. enquanto representante legal da mencionada sociedade comercial, em representação e no interesse desta: cfr. os pontos 2., 3., 4., 6., 9., 14., 16. e, sobretudo, os pontos 11. e 12.
5.ª)
Em relação directa com o referido, e procedendo-se, precisamente, à alteração da matéria de facto descrita no apontado facto 15., mais sucede que, e em consequência disso mesmo, nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante – ver, por todos, o douto ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30-04-2019, proc. nº 1325/17.1T9PRD.P1.
6.ª)
Neste mesmo sentido, ver ainda: “CÓDIGO PENAL, PARTE GERAL E ESPECIAL”, de M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, 3ª ed. actualizada (Setembro de 2018), Almedina, em anotação 11. ao art. 110º: «A atuação em nome de outrem (artigo 12º) pode trazer vantagens à pessoa em benefício de quem o facto foi praticado; a perda é decretada em desfavor do destinatário beneficiado.»
7.ª)
Assim, e no caso vertente no presente processo, afigura-se óbvio, s.m.o., o erro na sentença proferida nos autos, no seu dispositivo final, alínea c), o que significa, pois, que aí apenas a arguida CONSTRUÇÕES X, e não também o arguido F. B., poderia ou poderá ser condenado a final na perda de vantagens a favor do estado, e isto se acaso se aceitasse a perda de vantagens a favor do Estado, o que igualmente, desde já se adianta, não é, em qualquer dos casos, aceite pelos arguidos ora recorrentes, conforme de seguida se explicitará.
8.ª)
De modo que, se se aceitasse a possibilidade, no caso destes autos, da perda de vantagens a favor do Estado – contrariamente ao aqui ora defendido pelos recorrentes –, então, sempre e unicamente a respectiva condenação poderia incidir sobre a arguida CONSTRUÇÕES X e nunca em regime de pagamento “solidário” do valor aí mencionado.
9.ª)
Ora, nesta matéria, o entendimento dos recorrentes, salvo o devido respeito por opinião diversa, é a de que decorre do artigo 110º do Código Penal (anteriormente à Lei nº 30/2017, encontrava-se isso regulado no art. 111º do mesmo diploma legal) «a impossibilidade de se declararem perdidas a favor do Estado as quantias equivalentes às prestações não entregues à Segurança Social» – citado ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 30-04-2019, proc. nº 1325/17.1T9PRD.P1.
10.ª)
Isto é assim, acompanhando-se o ali decidido no indicado aresto da Relação do Porto, e desde logo, por força e assente na própria letra da disposição legal, concretamente (actualmente) no nº 6 do art. 110º (anteriormente nº 2 do art. 111º): «(...) Ora, a expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro quer dizer (segundo pensamos) que os direitos do ofendido ou de terceiro não podem eles mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado. (...) Daí que se o direito de crédito da Segurança Social não pode ser declarado perdido a favor do Estado, também não pode ser declarado perdido a favor do Estado o dever de cumprir essa obrigação. (...) Chamar a essa obrigação uma “vantagem” é só mudar-lhe o nome, pois continua a ser uma obrigação cujo titular é, no caso, a Segurança Social. Sendo indiscutível que a quantia não entregue à Segurança Social é o objecto de uma obrigação cujo sujeito activo ou, dito de outro modo, cujo titular é o ofendido, a mesma não pode ser declarada perdida a favor do Estado, pois o artigo 111º, 2 do CP não permite que se declare perdido a favor do Estado um direito cujo titular seja o ofendido.»
11.ª)
Razões por que, sufragando idêntica opinião, entendem os aqui recorrentes que deverá ser revogada a sentença proferida, com a eliminação da alínea c) do seu dispositivo, por não haver lugar à declaração, no caso, de qualquer perda de vantagens a favor do Estado, quanto a qualquer um dos arguidos/recorrentes.
12.ª)
A douta sentença recorrida violou, pois, segundo os recorrentes, o disposto nos artigos 12º e 110º/1-b), 4 e 6, do CÓDIGO PENAL, devidamente conjugado com o disposto nos artigos 6º/1, 7º/1, 105º/1 e 107º/1 e 2, do REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05-06, com a redacção dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30-12.
13.ª)
Nestes termos, deverá ser revogada a douta sentença proferida, sendo a mesma substituída por outra que julgue a factualidade e o direito concretamente aplicáveis em conformidade com o supra exposto, com o que se fará JUSTIÇA.”.
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O recurso dos arguidos foi admitido.
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O M. P., na 1ª instância, respondeu ao recurso pedindo a sua improcedência.
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O Ex.mº Procurador Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu parecer pugnando também pela sua improcedência.
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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal não foi apresentada qualquer resposta.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.
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- Cumpre apreciar e decidir:

A) - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
B) – No recurso, no essencial, os arguidos invocam o seguinte:
1- Impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto.
“Impugnam os recorrentes a matéria de facto dada como assente, concretamente o seu ponto 15 – “no entender dos recorrentes, onde se diz, em tal ponto 15., que «O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si (...)», deve ser excluído esta última parte «e para si», porquanto o arguido F. B. actuou sempre, no âmbito da factualidade aqui em causa, enquanto legal representante da arguida CONSTRUÇÕES X LDA., como seu sócio-gerente.” – conclusão 3”.
2- E insurgem-se contra a perda de vantagem decretada.
b) Dissentem da declaração de perda de vantagem, perseguindo a ideia de que “apenas a arguida CONSTRUÇÕES X, e não também o arguido F. B., poderia ou poderá ser condenado a final na perda de vantagens a favor do Estado, e isto se acaso se aceitasse a perda de vantagens a favor do Estado, o que igualmente, desde já se adianta, não é, em qualquer dos casos, aceite pelos arguidos ora recorrentes, conforme de seguida se explicitará.”, e apoiados no expresso no acórdão do TRP, de 30/04/2019, proc. 1325/17.1T9PRD.P1, “…entendem os aqui recorrentes que deverá ser revogada a sentença proferida, com a eliminação da alínea c) do seu dispositivo, por não haver lugar à declaração, no caso, de qualquer perda de vantagens a favor do Estado, quanto a qualquer um dos arguidos/recorrentes.” – conclusões 7 a 11.
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- C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - (transcrição):
“II – FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
1. X - Unipessoal, Lda. é uma sociedade por quotas de direito privado, matriculada sob n.º ........., na Conservatória do Registo Comercial ..., com início de actividade em 31-08-2001 e registo na Segurança Social em 01-09-2001, que tem como objecto social a construção e reparação de edifícios e outras obras especializadas de reparação.
2. Desde a sua constituição e até à presente data [entre Agosto de 2013 e Março de 2018], que F. B. era o gerente de direito e de facto desta sociedade, sendo a este que cabia a tomada de todas as decisões que envolviam a referida sociedade, nomeadamente lidar com a banca, fornecedores, angariar de clientes, celebrar contratos com clientes e de trabalho, tratar da contabilidade e providenciar pelo cumprimento das obrigações junto da A.T. e do Instituto de Segurança Social, bem como todas as decisões necessárias para organizar e gerir a CONSTRUÇÕES X, tendo em vista a prossecução do seu objecto social.
3. Era F. B. quem, durante esse período, tomava todas decisões de gestão de facto e de direito da CONSTRUÇÕES X, vinculando-a perante terceiros e sendo a sua face no comércio jurídico.
4. Em nome e no interesse da CONSTRUÇÕES X, incumbia-lhe, assim, cumprir ou providenciar para que fossem cumpridas as suas obrigações legais, designadamente, como entidade empregadora, proceder ao pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo proceder, para o efeito, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes…” (artigos 56.º e 59.º da Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei 4/2007, de 16 de Janeiro e artigos 37.º e 38.º do Código Contributivo, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro).
5. O pagamento das contribuições e quotizações à Segurança Social tinha de ser efectuado entre os dias 10 a 20 do mês seguinte a que respeitavam, correspondendo a 34,75% sobre o salário, cabendo 23,75% ao empregador/empresa e 11% aos trabalhadores e membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas e entidades equiparadas, que eram retidos pelo primeiro (empregador) –cfr. 53.º e 69.º, n.º2 do Código Contributivo);
6. Ora, entre Agosto de 2013 e Março de 2018, que a CONSTRUÇÕES X, por determinação de F. B. que, actuou em nome e no interesse primeira, procedeu ao pagamento do salário dos seus trabalhadores e do seu sócio gerente, sem que tivesse entregue ao Instituto da Segurança Social a totalidade dos valores das quotizações, que foram, efectivamente, retidas e descontadas nos salários dos seus trabalhadores e sócio gerente.
7. Assim, a CONSTRUÇÕES X durante o período e nos termos referidos em 6, declarou, descontou e não entregou à Segurança Social, os valores das quotizações, que melhor se discriminam nas tabelas infras (que constam a fls. 6 e 7, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas):
8. Com esta conduta, ficou por entregar ao Instituto de Segurança Social o montante total de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), que assim se viu defraudado neste montante.
(…)”
Aqui se dá como integralmente reproduzido o quadro existente após neste n.º 8.
“(…)
9. A CONSTRUÇÕES X, por mão do seu gerente, não cumpriu, assim, a obrigação legal de entregar estes montantes à Segurança Social, nem no prazo legal de entrega das quotizações (cfr. artigo 5.º), nem nos 90 dias posteriores a essas datas.
10. Notificado pessoalmente F. B., por si e em representação da CONSTRUÇÕES X, na data de 04-04-2019, para em 30 dias efectuar o pagamento da prestação em falta, juros e coima (à luz da alínea b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, aplicável por remissão do n.º2 do artigo 107.º do R.G.I.T.), este não o fez, nem por si, nem em representação da sociedade CONSTRUÇÕES X.
11. F. B. sabia que lhe cabia a si, enquanto legal representante legal da CONSTRUÇÕES X providenciar pelo cumprimento das obrigações desta última junto do Instituto de Segurança Social.
12. E que, por tal, ao actuar (em representação e no interesse da CONSTRUÇÕES X, Lda., e como centro de imputação da sua vontade social), nos termos supra descritos – não entregando ao Instituto da Segurança Social o valor das quotizações que, efectivamente, reteve na retribuição dos seus trabalhadores e sócio gerente-, estava a omitir o cumprimento de uma obrigação legal.
13. Como sabia que tal dinheiro não pertencia, nem a si, nem à CONSTRUÇÕES X, mas sim ao Instituto da Segurança Social, a quem deveria entregar nos prazos supra melhor identificados (art. 5.º)
14. F. B. actuou, em representação e no interesse da CONSTRUÇÕES X, com o propósito único, firme, concretizado e assumido, logo em Agosto de 2013 de, nesse mês e nos meses que se seguiram, não entregar à Segurança Social o valor das quotizações retidas, como esta última estava legalmente obrigada.
15. O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si, que sabia não ser devido, nem legítimo e que o fazia à custa do património da Segurança Social, que se viu prejudicado no valor das quotizações, que ficaram por entregar, o qual ascendeu ao montante de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos).
16. F. B., em nome e no interesse da CONSTRUÇÕES X, actuou de forma voluntária, livre, esclarecida e consciente de que com a sua conduta estava a praticar um acto proibido e punido por lei penal.
17. Os arguidos não têm antecedentes criminais registados.
18. O arguido F. B. é casado e tem duas filhas maiores, de 26 e 30 anos, que ainda residem no agregado familiar.
19. O agregado reside em casa própria, pela qual é paga uma prestação mensal ao banco no valor de cerca de 300,00€ por mês.
20. O arguido F. B. é industrial da construção civil e aufere cerca de 700,00€ a 800,00€ por mês.
21. A sua mulher é auxiliar na Santa Casa da Misericórdia e aufere o salário mínimo nacional.
22. O arguido é também, desde 2013, Presidente da Junta de Freguesia da União de Freguesias de … e …, tendo sido tesoureiro entre 2005 e 2013.
23. A sociedade arguida tem passado por dificuldades económicas desde o ano de 2009, tendo reduzido o seu quadro de pessoal ao longo dos últimos anos, de cinco para apenas dois trabalhadores.

III – FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhum facto com relevo para a boa decisão da causa ficou por demonstrar.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal tomou em consideração todas as provas produzidas em audiência de julgamento, analisadas e conjugadas criticamente à luz das regras da experiência comum e valoradas segundo o critério da livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
A convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas produzidas de carácter técnico/científico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das suas lacunas, contradições, imparcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais inverosimilhanças que transpareçam em audiência de julgamento. Dito de outra forma, o Tribunal estriba-se na análise de forma livre, crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do CPP.
Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios de experiência comum e da lógica do homem médio.
Consistindo a motivação dos factos da sentença na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal – artigo 374.º, n.º 2 do CPP – mostra-se necessário, para além de enunciar os meios de prova, explicitar o processo de formação da convicção do julgador.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção sobre o objecto dos presentes autos com base nos vários meios de prova produzidos e analisados em audiência de julgamento, designadamente, na articulação das declarações do arguido, que confessou de forma integral e sem reservas os factos por que vinha acusado, com a demais prova constante dos autos.
Assim, foi base nas declarações do arguido, conjugadas com a certidão de registo comercial de fls. 35 a 40 e 352 a 354 que o tribunal considerou provado que a arguida X - Unipessoal, Lda. é uma sociedade por quotas de direito privado, matriculada sob n.º........., na Conservatória do Registo Comercial ..., com início de actividade em 31-08-2001 e registo na Segurança Social em 01-09-2001, que tem como objecto social a construção e reparação de edifícios e outras obras especializadas de reparação.
Provou-se ainda, com base nas mesmas declarações do arguido, conjugadas com a prova documental junta aos autos, designadamente a participação de crime, a fls.26 a 34, o mapa de dívida, a fls.332 a 333, as notificações nos termos do art. 105.º, n.º4, alínea b) do RGIT, a fls. 43 a 49 e pessoal em 04-04-2019, a fls. 324 e 331, os extractos de remunerações, a fls. 50 a 55, 73 a 110, as declarações de rendimentos, a fls. 128 a 134, 187, 200, 213, 226, 238, 251, 266 a 270, os recibos de vencimento, a fls.135 a 184;188 a 199;201 a 212;214 a 225;227 a 237, 239 a 250, 252 a 263, 271 a 321, a pesquisa de declarações de rendimento, a fls.57 a 62, a informação a fls. 337 a 338, o parecer a fls.339 a 348,a informação a fls. 366 a 368 e o documento junto em audiência de julgamento, que:
- Desde a sua constituição e até à presente data [entre Agosto de 2013 e Março de 2018], que F. B. era o gerente de direito e de facto desta sociedade, sendo a este que cabia a tomada de todas as decisões que envolviam a referida sociedade, nomeadamente lidar com a banca, fornecedores, angariar de clientes, celebrar contratos com clientes e de trabalho, tratar da contabilidade e providenciar pelo cumprimento das obrigações junto da A.T. e do Instituto de Segurança Social, bem como todas as decisões necessárias para organizar e gerir a CONSTRUÇÕES X, tendo em vista a prossecução do seu objecto social.
- Era F. B. quem, durante esse período, tomava todas decisões de gestão de facto e de direito da CONSTRUÇÕES X, vinculando-a perante terceiros e sendo a sua face no comércio jurídico.
- Em nome e no interesse da CONSTRUÇÕES X, incumbia-lhe, assim, cumprir ou providenciar para que fossem cumpridas as suas obrigações legais, designadamente, como entidade empregadora, proceder ao pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo proceder, para o efeito, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes…” (artigos 56.º e 59.º da Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei 4/2007, de 16 de Janeiro e artigos 37.º e 38.º do Código Contributivo, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro).
- O pagamento das contribuições e quotizações à Segurança Social tinha de ser efectuado entre os dias 10 a 20 do mês seguinte a que respeitavam, correspondendo a 34,75% sobre o salário, cabendo 23,75% ao empregador/empresa e 11% aos trabalhadores e membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas e entidades equiparadas, que eram retidos pelo primeiro (empregador) –cfr. 53.º e 69.º, n.º2 do Código Contributivo);
- Ora, entre Agosto de 2013 e Março de 2018, que a CONSTRUÇÕES X, por determinação de F. B. que, actuou em nome e no interesse primeira, procedeu ao pagamento do salário dos seus trabalhadores e do seu sócio gerente, sem que tivesse entregue ao Instituto da Segurança Social a totalidade dos valores das quotizações, que foram, efectivamente, retidas e descontadas nos salários dos seus trabalhadores e sócio gerente.
- Assim, a CONSTRUÇÕES X durante o período e nos termos referidos em 6, declarou, descontou e não entregou à Segurança Social, os valores das quotizações, que melhor se discriminam nas tabelas supra (que constam a fls. 6 e 7, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas).
- Com esta conduta, ficou por entregar ao Instituto de Segurança Social o montante total de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), que assim se viu defraudado neste montante.
- A CONSTRUÇÕES X, por mão do seu gerente, não cumpriu, assim, a obrigação legal de entregar estes montantes à Segurança Social, nem no prazo legal de entrega das quotizações (cfr. artigo 5.º), nem nos 90 dias posteriores a essas datas.
- Notificado pessoalmente F. B., por si e em representação da CONSTRUÇÕES X, na data de 04-04-2019, para em 30 dias efectuar o pagamento da prestação em falta, juros e coima (à luz da alínea b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, aplicável por remissão do n.º2 do artigo 107.º do R.G.I.T.), este não o fez, nem por si, nem em representação da sociedade CONSTRUÇÕES X.
- F. B. sabia que lhe cabia a si, enquanto legal representante legal da CONSTRUÇÕES X providenciar pelo cumprimento das obrigações desta última junto do Instituto de Segurança Social.
- E que, por tal, ao actuar (em representação e no interesse da CONSTRUÇÕES X, Lda., e como centro de imputação da sua vontade social), nos termos supra descritos - não entregando ao Instituto da Segurança Social o valor das quotizações que, efectivamente, reteve na retribuição dos seus trabalhadores e sócio gerente-, estava a omitir o cumprimento de uma obrigação legal.
- Como sabia que tal dinheiro não pertencia, nem a si, nem à CONSTRUÇÕES X, mas sim ao Instituto da Segurança Social, a quem deveria entregar nos prazos supra melhor identificados (art. 5.º)
- F. B. actuou, em representação e no interesse da CONSTRUÇÕES X, com o propósito único, firme, concretizado e assumido, logo em Agosto de 2013 de, nesse mês e nos meses que se seguiram, não entregar à Segurança Social o valor das quotizações retidas, como esta última estava legalmente obrigada.
- O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si, que sabia não ser devido, nem legítimo e que o fazia à custa do património da Segurança Social, que se viu prejudicado no valor das quotizações, que ficaram por entregar, o qual ascendeu ao montante de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos).
- F. B., em nome e no interesse da CONSTRUÇÕES X, actuou de forma voluntária, livre, esclarecida e consciente de que com a sua conduta estava a praticar um acto proibido e punido por lei penal.
A ausência de antecedentes criminais ficou demonstrada da análise dos certificados de registo criminal juntos aos autos e a situação pessoal e económica dos arguidos ficou demonstrada com base nas declarações do arguido.”.
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Quanto ás questões suscitadas no recurso pelos arguidos:

1- Impugnam os arguidos a decisão proferida sobre a matéria de facto.

“Impugnam os recorrentes a matéria de facto dada como assente, concretamente o seu ponto 15 – “no entender dos recorrentes, onde se diz, em tal ponto 15., que «O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si (...)», deve ser excluído esta última parte «e para si», porquanto o arguido F. B. actuou sempre, no âmbito da factualidade aqui em causa, enquanto legal representante da arguida CONSTRUÇÕES X LDA., como seu sócio-gerente.” – conclusão 3”.
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Vejamos.
A prova produzida em audiência de julgamento tendo sido gravada, tem como consequência que o recurso poderá versar matéria de facto e de direito.
Nos termos do disposto no artigo 428º, do Código de Processo Penal, "As relações conhecem de facto e de direito.".
Aos recorrentes, sempre que impugnem a matéria de facto, incumbe o ónus de dar concretização aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e às provas que impõem decisão diversa da recorrida; aliás, sempre que as provas tenham sido gravadas, a concretização destas terá de ser feita por referência ao consignado em acta. Veja-se o que decorre dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Como se refere no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator A. Paiva, "A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.

Assim, por exemplo:

a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrario daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.".

Concordamos integralmente com o saber contido neste aresto. A sua visão é a interpretação fiel do que é um recurso sobre a matéria de facto.

Será que no caso em apreço se verifica uma qualquer das situações referidas na sentença proferida?

Cremos, objectivamente, que não.
A sentença criticada é absolutamente transparente quanto às provas que determinaram a sua convicção. Analisou a prova e revelou o ponto de chegada da sua ponderação.

É que, como se sumariou no acórdão de 21/11/2001 da Relação de Coimbra, proc. 926/2001, relator Barreto do Carmo:
"I - O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto, tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formulação lógico-intuitiva.
II - Na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
2.1. - a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença; dá-se com a produção da prova em audiência;
2.2 - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal - que é livre, art. 127º do Código Processo Penal - mas não arbitrária, porque motivável e controlável, condicionada pelo principio de persecução da verdade material;
2.3 - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
III - A convicção assenta na verdade prático-juridica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.
IV - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
V - Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo­-se por tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao principio in dubio pro reo).
VI - A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção como sejam:
VII - O principio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade juridico-prática e com o da liberdade de convicção - princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
VIII - A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206Q) e, consequentemente o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321º) publicidade essa que se estende a todo o processo - a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art 86º)) querendo-se que o público assista (art. 86º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86º/b); que se consultem os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art. 86º/c)). Há um controlo comunitário quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
IX - A oralidade da audiência que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art. 96º do Código Processo Penal) permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, por ex.:
X - A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal como que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e credibilidade da prova.
XI - A censura da forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
XII - Doutra forma, ... pretende-se uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão". (www.trc.pt).

Desde já se refere que, neste aspecto, concordamos com o mencionado pelo Digno P.G.A, quando menciona o seguinte: “(…) a primeira coisa a analisar é verificar da existência de um erro de julgamento no que concerne à específica matéria de facto evidenciada pelos recorrentes, o mesmo é dizer, no preciso segmento daquele ponto n.º 15 da factualidade provada, quando nele se menciona que houve por parte do arguido F. B. um concretizado conhecimento e intuito de enriquecimento “para si”.
Devemos desde já asseverar que tal erro não se verifica.
Dúvidas não há que o arguido F. B. na audiência de julgamento, realizada a 22/06/2020, e como decorre da acta da mesma, confessou integralmente e sem reservas, livre de qualquer coacção, a factualidade vertida na acusação contra si efectuada pelo MºPº. E esta, justamente no seu art.º 15, asseverou “O que fez com o conhecimento e intuito concretizado de conseguir um enriquecimento para a CONSTRUÇÕES X e para si, que sabia não ser devido, nem legítimo e que o fazia à custa do património da Segurança Social, que se viu prejudicado no valor das quotizações, que ficaram por entregar, o qual ascendeu ao montante de €16.069,36 (dezasseis mil e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos).” (sublinhado nosso).
Ou seja, o arguido confessou na audiência a factualidade de que agora, em recurso, diverge. É circunstância manifesta e incontornável.

A confissão operou-se no pleno exercício do contraditório, nas circunstâncias referidas. E de acordo com o nº2 do art.º 344, a confissão integral e sem reservas implica, para além da redução para metade da taxa de justiça:

a) A renúncia à produção de prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados e
b) A passagem de imediato às alegações orais e à determinação da sanção aplicável.

Como se retira da acta de julgamento, ainda foi inquirida uma testemunha para “alguns esclarecimentos”, todavia, expressamente se consignou, “não devendo ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados”.
Assim, os factos confessados pelo arguido na audiência implicaram uma conclusão, de que os factos vertidos na acusação assumiram processualmente a qualidade de provados.
Tudo também para dizer que a pretensão recursiva do arguido, nesta parte, colide frontalmente com a sua confissão integral e sem reservas da factualidade acusatória.
Assim, a factualidade contestada como tal deverá manter-se imodificada. A sua confissão na audiência de julgamento assim o determina”.
Termos em que a apreciação da matéria de facto não merece qualquer reparo devendo ser a mesma inteiramente confirmada e por consequência ser negado provimento nesta parte ao recurso.
Em suma, o tribunal a quo avaliou a prova segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de prova proibidos, sendo que a factualidade dada como assente tem, pois, sustentabilidade nas provas indicadas na motivação fáctica, sendo que os arguidos confessaram integralmente e sem reservas os factos.
Em face do que não assiste razão aos recorrentes.
*
2- E insurgem-se os arguidos contra a perda de vantagem decretada.

b) Dissentem da declaração de perda de vantagem, perseguindo a ideia de que “apenas a arguida CONSTRUÇÕES X, e não também o arguido F. B., poderia ou poderá ser condenado a final na perda de vantagens a favor do Estado, e isto se acaso se aceitasse a perda de vantagens a favor do Estado, o que igualmente, desde já se adianta, não é, em qualquer dos casos, aceite pelos arguidos ora recorrentes, conforme de seguida se explicitará.”, e apoiados no expresso no acórdão do TRP, de 30/04/2019, proc. 1325/17.1T9PRD.P1, “…entendem os aqui recorrentes que deverá ser revogada a sentença proferida, com a eliminação da alínea c) do seu dispositivo, por não haver lugar à declaração, no caso, de qualquer perda de vantagens a favor do Estado, quanto a qualquer um dos arguidos/recorrentes.” – conclusões 7 a 11.
Concordamos com o referido no parecer, quanto a esta questão, onde se menciona que “No que concerne à decretada perda de vantagem supra referida, na sua base conceptual, acompanhamos o que acertadamente ficou escrito na resposta que a magistrada do MºPº apresentou. Aqui a reeditamos.
A perda de vantagens patrimoniais conseguida ou prometida ilicitamente constitui, como referem Simas Santos e Leal Henriques, em Código Penal Anotado, 3ª Edição, pág 1165, “uma medida destinada a restaurar a ordem económica conforme o direito, conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos e que só indirecta e imprecisamente se poderia conseguir com a multa, elevando a taxa diária ou impondo multa cumulativamente com a prisão. O instituto da perda de vantagens decorrentes do facto ilícito típico está construído como sendo uma providência destinada a impedir a manutenção de situações patrimoniais antijurídicas, satisfazendo assim finalidades de prevenção especial e geral, dando-lhe por conseguinte a feição de um expediente semelhante ou análogo à medida de segurança.
Ou seja, e como refere de novo Figueiredo Dias em As Consequências Do Crime, pág. 638, tal providência tem como finalidade “prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso da prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito; e que, por isso, mesmo, esta instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não actuado com culpa”.
Todavia, sobre esta concreta matéria jurídica, reconhecidamente não assenta uma unanimidade jurisprudencial, bem pelo contrário.
Seguimos, convictamente, o que se deixou exarado no acórdão de 10/12/2019, proc. 282/18.1T9PRD.P1, relatora desembargadora Liliana Dias, “Assim, e como é salientado no acórdão deste TRP, de 22/3/2017 (relatado pelo Desembargador Francisco Mota Ribeiro e disponível para consulta em www.dgsi.pt), verificados os necessários pressupostos legais, a perda da vantagem decorrente da prática do crime terá de ser decretada sempre, “e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal – aliás, numa harmonia ontologicamente perfeita. Isto é, se efetivamente cobra o crédito a ela correlativo ou não, se o deixa ou não prescrever, se em relação a ele deixa ou não operar qualquer fundamento de oposição, etc. Porque a questão da determinação da perda de vantagens, conexionada que está diretamente com o crime praticado, e competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal, não pode ser deixada à sorte (abdicando o Tribunal de tal poder-dever de decisão, omissão que seria sempre irreversível), de uma futura e eventual reclamação dos valores que o Fisco pudesse entender serem devidos e ao sucesso que tal pretensão pudesse ter. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida.”.
Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança [11] e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal. E isto independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho), ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens [12] [13].
Como seguimos, no mesmo sentido, o constante do acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/01/2019, tirado no proc. 240/16.0IDBRG.G1, sendo dele relatora a desembargadora Isabel Cerqueira. Ficou ele assim sumariado, “ O Mº Pº, no interesse da comunidade e por direito próprio, pode sempre peticionar a perda de vantagens do crime fiscal, mesmo que a Autoridade Tributária não pretenda que seja deduzido pedido cível. II) - E até independentemente da existência de pedido de indemnização civil ou de a Autoridade Tributária ter usado de outros meios para cobrança do imposto em dívida (e apesar de eventual falta de utilidade prática), quer porque o Estado só pode executar uma vez a mesma quantia, quer porque a perda de vantagens do crime prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 110º do CP é determinada por outros fins para além da indemnização do Estado, fins de prevenção da criminalidade ligada "à velha ideia de que o crime não compensa". III) - O pedido de indemnização civil ou outras formas de cobrança do imposto em dívida não são suficientes para assegurar as razões subjacentes à perda de vantagens do crime, nomeadamente, por a responsabilidade tributária obedecer ao previsto na Lei Geral Tributária, com prazos e princípios próprios, tais como, prazos de caducidade curtos, e mera responsabilidade subsidiária de outros sujeitos para além do sujeito passivo.”.
Ou seja, afastamo-nos da tese defendida, por exemplo, no acórdão do TRP, de 30/04/2019, proc. 1325/17.1T9PRD.P1, sendo relatora a desembargadora Élia São Pedro, perseguindo o voto de vencido nele exarado. É que as medidas de caracter sancionatório da perda de vantagem têm caracter irrenunciável, sem prejuízo do disposto no art.º 112 do CPenal.
O mesmo é dizer, e na sequência do exposto e da factualidade provada, que o decretamento da perda de vantagem em relação à sociedade arguida e ao arguido se apresentam fora de qualquer censura.”.
Conclui-se, assim, que os recursos dos arguidos deverão ser julgados improcedentes, mantendo-se, por um lado, intangível a matéria de facto dada como provada e especificamente por eles contestada, qualidade esta atribuída ante a confissão livre, integral e sem reservas obrada pelo arguido em audiência de julgamento, e por outro, mantendo-se a declaração da perda em favor do Estado da vantagem auferida pelos recorrentes por terem auferido comprovados proveitos com a prática do crime pelo qual acertadamente foram condenados, não devendo deles beneficiarem.
*
Deve, assim, o recurso dos arguidos ser julgado como improcedente.
***
- Decisão:

- Pelo exposto, decide-se nesta Relação em negar provimento ao recurso dos arguidos, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.s.
Notifique.
D. N.
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(Documento exarado com recurso a processador de texto, lido e revisto, nos termos do disposto no art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo datado e assinado eletronicamente no canto superior esquerdo, na primeira página)