FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CASO JULGADO SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Sumário


I – O disposto no nº3 do art. 21º do RGIT, que determina que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação, é inaplicável ao crime de fraude fiscal (no caso, qualificado), porquanto a consumação deste tipo de ilícito não depende de qualquer ato de liquidação do imposto, uma vez que, sendo legalmente configurado como um crime de perigo, não exige a causação de prejuízo para a Administração Tributária ou que ocorra enriquecimento indevido para o agente.
II - Estipula o art. 467º, nº1, do CPP, sob a epígrafe «Decisões com força executiva», que “As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.” Apesar daquela referência ao «trânsito em julgado», constata-se que o Código de Processo Penal não oferece uma definição desse trânsito, pelo que, nos termos do art. 4º do mesmo diploma legal, legitima-se o recurso à noção que é conferida pelo Código de Processo Civil, no seu art. 628º: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”
III - Desde então, verifica-se que a condenação definitiva proferida na ação penal em apreço constitui caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível, determinação dos seus agentes e sanções penais cominadas. No caso, o caso julgado abarcou ainda, porque expressamente conhecida na sentença como “questão prévia”, a invocada (em sede de contestação) prescrição do procedimento criminal, ali julgada improcedente, ainda que limitado pelo concreto alcance objetivo da alegação e decisão, ou seja, até à data da prolação da sentença, e, outrossim, a parte decisória desta em que se condicionou a suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido, ao pagamento, no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da sentença, da quantia monetária em dívida à Administração Tributária.
IV - O facto de ter sido invocada novamente pelo condenado a prescrição do procedimento criminal, após a prolação da sentença condenatória, mas ainda antes da ocorrência do seu trânsito em julgado, não afeta a produção dos seus efeitos (de vinculação intraprocessual e de preclusão).
V - Primeiro, porque se trata de questão nova, sustentada em distinta argumentação, não integrante do âmbito dos vários recursos formulados pelo arguido no que tange à sentença condenatória, e conhecidos pelos tribunais superiores, até à exaustão dos mecanismos processuais de impugnação. Em segundo lugar, porque ao presente recurso, deduzido pelo arguido contra a decisão de primeira instância que conheceu da alegada exceção de prescrição, julgando-a improcedente, foi fixado, por aplicação da lei, efeito meramente devolutivo, isto é, sem que da sua admissão decorresse suspensão da decisão recorrida e, muito menos, do processo.
VI - Em casos como o dos autos é apropriado trazer à colação a figura do denominado caso julgado parcial, sob condição resolutiva ou rebus sic stantibus. Tal não obsta a que, em caso de procedência do recurso [o que não sucede in casu], se retire daí as devidas consequências, uma vez que a prescrição do procedimento criminal foi tempestivamente arguida (antes do trânsito em julgado da decisão condenatória). Tais consequências passariam pela reclamada declaração de prescrição do procedimento criminal com inerente anulação do processado posterior à sua eclosão, incluindo, portanto, o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória, assim garantindo efeito útil à decisão que vier a ser proferida sobre a prescrição. Daí falar-se, apropriadamente, em caso julgado sob condição resolutiva.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 4/12.0IFLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 1, pelo Mmº Juiz foi proferido despacho a 03.03.2021, com o seguinte teor (fls. 109 a 112/ref. 172064979):

“Proceda-se à liquidação das quantias em dívida.
Remeta boletim à DSIC.
Comunique a sentença proferida nos autos à administração tributária (artº 50º nº2 do RGIT).

*
Da prescrição do procedimento criminal:
Veio o arguido J. V., através de requerimento enviado no dia 10/09/2020, invocar a prescrição do procedimento criminal contra si instaurado.
Depois de transcrever um excerto da sentença por nós proferida na parte em que apreciou tal excepção, realçando, inclusive, algumas passagens, de forma claramente descontextualizada, parte de um prazo de prescrição de cinco anos, aceita que tal prazo teve o seu início em 22 de Maio de 2009 (data da consumação do crime) para concluir que o mesmo se completou em 22 de Novembro de 2019 (5 anos+ 2 anos e 6 meses+3 anos de prazo máximo de suspensão).
O MP promoveu que se indeferisse a prescrição do procedimento criminal, pois, conforme já apreciado na sentença condenatória, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos e não de 5 anos.
Decidindo.
Não podemos deixar de começar a nossa apreciação sem efectuar um reparo ao modo como o arguido se reporta à apreciação da prescrição do procedimento criminal por nós efectuada em sede de sentença, transcrevendo determinadas passagens e não outras, começando tal transcrição a meio e não no início e sublinhando até o que, supostamente, mais lhe interessa.
Tal procedimento não só descontextualizou, desvirtuou e deturpou o que então foi escrito como, verdadeiramente, inverteu por completo as premissas subjacentes a essa apreciação, pois nunca defendemos que o prazo de prescrição do procedimento criminal era de cinco anos, mas sim de dez anos.
Dito isto, passemos ao que verdadeiramente importa.
É jurisprudência pacífica que a prescrição do procedimento criminal deve ser suscitada até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, pois ultrapassado tal marco temporal fica precludido o direito de a invocar ou conhecer oficiosamente e qualquer erro cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado. Por outro lado, a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, deixa de correr o prazo da prescrição do procedimento criminal, iniciando-se, eventualmente, o prazo da prescrição da pena.
Neste sentido, o Ac. STJ de 11/01/2007, Processo 06P4261, Relator: Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt, o Ac. RE de 3/12/2013, Processo 559/07.1TAABT-A.E1, Relator: Juiz Desembargador António Latas, in www.dgsi.pt., o Ac. RC de 18/05/2016, Processo 372/01.0TALRA.C1, Relator Juiz Desembargador Jorge Dias, in www.dgsi.pt e o Ac. RG de 3/06/2013, Processo 1037/08.7PBGMR-A.G1, Relator: Juiz Desembargador Paulo Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt.
Com algum interesse para a resolução do problema que nos ocupa, pode ainda ver-se o Ac. RL de 25/01/2017, CJ, Ano XLII, Tomo I, págs. 130 e 131: “Compete ao Tribunal a quo decidir de alegada prescrição do procedimento contra-ordenacional invocada perante o Tribunal da Relação, após a prolação de acórdão por este.
Tal prescrição deve ser apreciada oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão condenatória e mesmo depois dessa data se a questão tiver sido suscitada pelos interessados em data anterior à do trânsito em julgado, pois o esgotamento do poder jurisdicional apenas se refere ao objecto do processo”
Dúvidas não restam que a prescrição do procedimento criminal foi invocada tempestivamente, pois, à data (10/09/2020), a sentença por nós proferida ainda não transitara em julgado, embora tal trânsito, como se verá oportunamente, tivesse, entretanto, ocorrido.
Conforme já se deixara claramente expresso na sentença por nós proferida, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso vertente, de 10 anos e não de 5 anos. Disse-se, então: “Tendo em conta que o arguido encontra-se pronunciado e irá ser condenado (como se verá em tempo oportuno) pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada punível com prisão de 1 a 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso concreto, de 10 anos (art. 118º nº1 al. b) do CP), o qual, evidentemente, ainda não se completou, já que desde a data da prática dos factos não decorreram 10 anos.”
Poderíamos, pura e simplesmente, ter ficado por aqui. Mas, na altura, fomos mais longe, apenas para evidenciar que, mesmo que se considerasse que o crime praticado pelo arguido era o crime de fraude fiscal simples, o prazo de prescrição do procedimento criminal (que seria então de 5 anos) continuaria a não ter decorrido.
E facilmente se percebe a razão por que fomos mais longe. A prescrição do procedimento criminal foi apreciada como questão prévia, numa altura em que ainda não estava assente se o crime de fraude fiscal era simples ou qualificado, podendo, inclusive, em sede de um eventual recurso, ser o mesmo desqualificado.
Quisemos, então, salvaguardar todas as hipóteses possíveis: qualquer que fosse o crime de fraude fiscal praticado pelo arguido (simples ou qualificado) e, consequentemente, qualquer que fosse o prazo de prescrição do procedimento (5 anos ou 10 anos), tal prescrição não tinha ocorrido.
Como facilmente se percebe, agora nada há a salvaguardar.
A situação é perfeitamente clara, pois está definitivamente assente, por sentença transitada em julgado, que o crime cometido pelo arguido J. V. foi o crime de fraude qualificada p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1 als. a) e b) e 104.º nº1 als. d) e f) do RGIT na redacção anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30/12.
Estatui o artº 21º nº1 do RGIT que “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”.
Acrescenta o nº2 do mesmo normativo que “O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.”
Ora, sendo o crime de fraude fiscal qualificada punível com prisão de 1 a 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso concreto, de 10 anos (art. 118º nº1 al. b) do CP).
Sobre a data da consumação dos crimes fiscais, escreve Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, pág. 232: “O crime consuma-se no momento em que a conduta se esgota e esgota-se no termo do prazo para apresentação da declaração à administração tributária, nos termos da legislação aplicável.
Tem-se discutido na doutrina se o crime se consuma com a apresentação da declaração ou se, estando ainda dentro do prazo para a apresentação, a declaração fraudulenta apresentada pode ser substituída. Cremos que a declaração pode ainda ser substituída se o prazo para a sua apresentação não estiver esgotado, por aplicação do art. 59º nº3 al. a) do C.P.P.T.
Também a alínea b) do mesmo artigo do C.P.T.T.
A apresentação posterior pode relevar como mera circunstância atenuante, mas o crime fica consumado com o termo do prazo para apresentação da declaração.”
Mesmo adoptando a posição doutrinal mais favorável ao arguido J. V., o crime ter-se-ia consumado a 22 de Maio de 2009, data em que apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2008, ocultando os rendimentos que obteve referentes aos juros resultantes dos diversos depósitos a prazo e aplicações que efectuou em Cayman.
Efectivamente, as condutas imputadas ao arguido, ainda que respeitantes à ocultação de rendimentos obtidos no estrangeiro ao longo de vários anos, consubstanciam a prática de um único crime, tendo como último acto de execução a omissão declarativa aquando da apresentação da referida declaração de rendimentos em 22 de Maio de 2009.
Estatui o nº 4 do artº 21º do RGIT que “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal…”
J. V. foi constituído arguido em 21/02/2013 (cfr. fls. 58), data em que se interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal (art. 121º nº1 al. a) do CP).
A partir dessa data, começou a correr novo prazo de prescrição (art. 121º nº2 do CP), o qual ainda não se completou.
É certo que, nos termos do disposto no art. 121º nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Contudo, no caso concreto, ainda não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade, isto é, ainda não decorreram 15 anos.
De resto, importa ainda atender a que o arguido J. V. foi notificado do despacho de acusação em 14/11/2016 (cfr. fls. 1465), o que constitui não só uma outra causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal (artº 121º nº1 al. b) do CP), como uma causa da suspensão do prazo da prescrição desse mesmo procedimento (artº 120º nº1 al. b) CP).
Efectivamente, com a notificação da acusação ao arguido, tal prazo suspendeu-se durante três anos (artº 120º nºs 1al. b) e nº2 CP).
Em suma: por força das várias causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal (não existe um hiato temporal de 10 anos entre elas) e da causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal (durante 3 anos), o procedimento criminal prescreveria apenas em 22 de Maio de 2027 (10 anos+5 anos + 3 anos de prazo máximo da suspensão da prescrição do procedimento).
Dizemos prescreveria e não prescreverá, pois, em 6 de Janeiro de 2021, a sentença condenatória transitou em julgado, ficando completamente arredada tal possibilidade. A partir dessa data, passa a falar-se em prescrição da pena e não em prescrição do procedimento.
Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção da prescrição do procedimento criminal.
Notifique.
*
Do trânsito em julgado da sentença condenatória e do início do prazo de 6 meses para o cumprimento da condição de suspensão de execução da pena:
Impõe a lealdade processual que o arguido fique completamente ciente do início da contagem do prazo para o cumprimento da condição que lhe foi imposta e de que tal prazo em nada é influenciado pelo despacho que indeferiu a questão da prescrição do procedimento criminal, muito menos por um eventual recurso que pretenda interpor do mesmo.
O arguido J. V. foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de fraude qualificada p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1 als. a) e b) e 104.º nº1 als. d) e f) do RGIT na redacção anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30/12 na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensão condicionada à obrigação de o arguido comprovar no processo, no prazo de 6 (seis) meses após o trânsito em julgado da sentença, o pagamento ao Estado da quantia de €3.739.021,05 (três milhões, setecentos e trinta e nove mil e vinte e um euros e cinco cêntimos) e juros de mora, à taxa legal, desde a data da não entrega da prestação tributária até à data do efectivo pagamento.
Estatui o artº 628º do CPC “ex vi” artº 4º CPP que “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação”

No caso concreto, o arguido J. V. esgotou todas as vias de recurso ao seu dispor, pois recorreu da sentença por nós proferida, quer junto do Tribunal da Relação de Guimarães, quer junto do Supremo Tribunal de Justiça, quer junto do Tribunal Constitucional, não tendo conseguido a sua revogação ou alteração em nenhuma das mencionadas instâncias.
Em 6 de Janeiro de 2021, tal sentença deixou de poder ser objecto de qualquer recurso ordinário ou reclamação, tendo transitado em julgado, o que significa que iniciou-se o prazo de 6 meses para o arguido cumprir a condição que lhe foi imposta, devendo dirigir-se à Autoridade Tributária para saber o montante exacto a liquidar, já que a condição a que se subordinou a suspensão de execução da pena engloba não só o capital em dívida, mas também os juros de mora.
Assim sendo, a questão de saber se a circunstância de se encontrar pendente um incidente da prescrição do procedimento criminal obsta ao trânsito em julgado da sentença condenatória não poderá deixar de ter resposta negativa face ao conceito de trânsito em julgado previsto no artº 628º CPC, cuja epígrafe é precisamente “Noção de trânsito em julgado”.
Perante a pendência do incidente de prescrição do procedimento criminal faz então sentido falar-se de trânsito em julgado sob condição resolutiva.
Na verdade, o trânsito em julgado da sentença condenatória não deixa de produzir os seus efeitos (o que, no caso concreto, significa, além do mais, que o prazo para o cumprimento da condição já teve o seu início), embora a eventual procedência do mencionado incidente (que, no caso, só poderia/poderá ser alcançado com um eventual recurso, pois já julgámos improcedente a excepção da prescrição do procedimento) possa resolver tais efeitos.
Aliás, a figura do trânsito em julgado sob condição resolutiva nem sequer constitui novidade na doutrina e jurisprudência processual penal. Basta pensar no caso de dois arguidos condenados, em co-autoria, em penas de prisão, só um deles tendo interposto recurso. A sentença não deixa de transitar em julgado em relação ao arguido não recorrente, que pode iniciar o cumprimento da sua pena, ainda que, mais tarde, possa eventualmente vir a beneficiar da procedência do recurso do comparticipante.
Não é outra, de resto, a posição da jurisprudência já citada a propósito da relação entre a pendência de um incidente de prescrição do procedimento criminal e o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória.
Decidiu-se no Ac. RE de 3/12/2013, Processo 559/07.1TAABT-A.E1, Relator: Juiz Desembargador António Latas, in www.dgsi.pt: (…)Em primeiro lugar, mesmo considerando que o trânsito em julgado da sentença condenatória tem natureza provisória e resolúvel quando se encontre por decidir a questão da prescrição suscitada antes desse trânsito, podendo este vir a ser afectado pela eventual procedência da prescrição invocada, entendemos que sendo conhecida a prescrição somente depois do trânsito em julgado do acórdão condenatório, o termo final do prazo de prescrição corresponde à data do trânsito em julgado do acórdão, independentemente da data em que é decidida a questão da prescrição, pois, para além do mais, a partir daquele trânsito em julgado inicia-se a prescrição da pena nos termos do art. 122º nº2 do C. Penal. – cfr, neste sentido, os Acórdãos da RL de 22.04.2012 (processos 12/00.9JFLSB-T.L1-5 e 12/00.9JFLSB-U.L1-5 - relator Vieira Lamim).”
Em suma: o prazo para o arguido J. V. cumprir a condição que lhe foi imposta iniciou-se, em qualquer das hipóteses, no dia 6 de Janeiro de 2021, pelo que deverá diligenciar por tal cumprimento, sob pena de, não o fazendo no prazo que lhe foi concedido, poder vir a ser-lhe revogada a suspensão de execução da pena em que foi condenado.
Notifique.”


▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. V. interpor o presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 3 a 13/ref. 11338537) - transcrição:

1. O Recorrente invocou a prescrição do procedimento criminal antes de transitar em julgado a decisão condenatória contra si proferida neste processo.

2. O trânsito que se formou sobre tal decisão é provisório e está sujeito à condição resolutiva da procedência da exceção da prescrição do procedimento criminal.

3. Por essa razão e se e enquanto o trânsito não se tomai incondicional, a condenação do Recorrente é inexequível.

4. De onde resulta que - ao contrário do que ficou consignado no douto despacho recorrido - ainda não se iniciou o prazo para o arguido cumprir a condição a que está subordinada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

5. O prazo de prescrição do procedimento criminal por crime tributário é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação — art.° 21°, 3, do RGIT,

7. O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal — art° 21°, 4, RGIT.

8. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares depende de liquidação pela Autoridade Tributária (art° 75°, CIRS);

9. A liquidação do IRS deve ser efetuada pela Autoridade Tributária no ano imediato àquele a que os rendimentos respeitam (art° 77º, 1, CIRS).

10. A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma de liquidação efetua-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45° e 46° da lei geral tributária (art° 92°, 1, CIRS).

11. O direito c liquidar os tributos caduca se a liquidação no for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro - art° 45°, 1, LGT.

12. Esse prazo de caducidade do direito conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, exceto nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário — artº 45°, 4, LGT.

13. Por força das disposições legais citadas e do estabelecido no n° 3 do art° 121°, CP, o crime dos autos prescreveu nove anos após ter-se iniciado o prazo do direito à liquidação do imposto pela Autoridade Tributária ou, quando menos, nove anos após a consumação do crime.

14. O prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto iniciou-se, no caso vertente, no dia 31.12.2008 ou, quando muito, no dia seguinte (1.1.2009).

15. Na hipótese mais prejudicial ao arguido, ter-se-ia iniciado no dia 22 de maio de 2009 (data de apresentação da declaração de rendimentos relativa ao ano de 2008).

16. O sobredito prazo máximo de nove anos extinguiu-se, portanto, no dia 31.12.2017 ou no dia 1.1.2018 ou, na hipótese mais desfavorável ao arguido, no dia 22 de maio de 2018.

17. O Arguido invocou a prescrição do procedimento criminal no dia 10 de setembro de 2020.

18. Nessa data, ainda não tinha transitado em julgado a decisão condenatória que lhe foi imposta, a qual apenas transitou (provisória e resoluvelmente) no dia 11 de janeiro de 2021 (e não no dia 6 de janeiro de 2021, como se afirma no douto despacho em mérito).

19. Na data em que o arguido suscitou valida e tempestivamente a questão, o procedimento criminal estava extinto por prescrição, na mais desfavorável das hipóteses, desde o dia 22 de maio de 2018.

20. Ao decidir o contrário, o douto despacho impugnado violou o disposto, entre outros, nos art.º 21º, 3 e 4, RGIT, 77º, 1, e 92°, 1, CIRS, 45º 1 e 4, LGT, e 121°, 3, CP, pelo que deve ser revogado, declarando-se que o procedimento criminal contra o Recorrente está extinto por prescrição.

21. O conjunto normativo integrado pelos referidos art.ºs 21°, 3, do RGIT, 77°, 1, e 92°, 1, do CIRS, e 45°, 1 e 5 da LGT, interpretado no sentido de que o prazo do procedimento criminal pelo crime de fraude fiscal relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares se alarga até um mo depois do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo criminal, em paridade com o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto pela Autoridade Tributária, é inconstitucional, por violação, entre outros, do princípio da dignidade da pessoa humana (art° 1º da RCP), enquanto postulado essencial da convivência cívica que exige que o segmento do ordenamento jurídico que regula a definição e punição de crimes se oriente fundamentalmente pela possibilidade de reabilitação do delinquente, do princípio da segurança e certeza do ordenamento jurídico (art° 2° da CRP) e do princípio da presunção de inocência e do direito a um julgamento justo e no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa — art° 32°, 2°, CRP.

Termos em que, julgando o recurso procedente, revogando o douto despacho recorrido e declarando prescrito o procedimento criminal contra o Arguido, farão Vossas Excelências a habitual Justiça.”

▪ Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (fls. 17 a 21/referência 11508457).

▪ Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, perfilhando a posição defendida pelo MP em primeira instância, lavrou o seu entendimento de que o recurso deve ser julgado improcedente (fls. 118/referência 7544194).
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, o recorrente apresentou resposta ao sobredito parecer, dando por reproduzido o que invocou na motivação do recurso (fls. 121/referência 195906).

Efetuado exame preliminar, foi proferido despacho pelo relator a manter o efeito devolutivo atribuído ao recurso em primeira instância, após o que, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.


II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir, seguindo uma ordem lógica, reportam-se a:

A – Alegada prescrição do procedimento criminal:
B – Inexequibilidade da decisão condenatória, por força da pendência do suscitado incidente de prescrição do procedimento criminal.
*
III – APRECIAÇÃO:

ADo mérito da invocada exceção de prescrição do procedimento criminal:

Por ser pertinente para a correta apreciação das questões suscitadas pelo arguido no seu recurso, cumpre fazer aqui uma breve resenha do processado a partir do final da discussão em audiência de julgamento.
Na procedência parcial da douta pronúncia, o arguido/recorrente J. V. foi condenado nos autos, por sentença proferida em 9 de outubro de 2017, como autor material, de um crime de fraude qualificada p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1, als. a) e b) e 194.º, n.º 1, als. d) e f) do RGIT, na redação anterior à Lei 64-B/2011 de 30/12, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que foi declarada suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, condicionada à obrigação de o arguido comprovar no processo, no prazo de 6 meses após o trânsito, o pagamento ao Estado da quantia 3.739.021,05€, bem como os juros de mora à taxa legal, desde a data da não entrega da prestação tributária até à data do efectivo pagamento.
O arguido recorreu daquela decisão, sendo que tal recurso foi julgado improcedente por acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 9 de abril de 2018.
Notificado o arguido do teor desse acórdão, suscitou a existência de uma nulidade, por omissão de pronúncia relativamente ao facto de o Tribunal não se ter pronunciado sobre a aplicação da Lei Nova n.º 94/2017, que entrou em vigor em 23 de novembro de 2017.
Por acórdão proferido a 21 de maio de 2018 foi determinada a remessa dos autos à 1.ª Instância, para reabertura da audiência de julgamento, nos termos do art.º 371.º-A do CPP, para aplicação do novo regime resultante do disposto no art.º 50.º, n.º 5 do CPP, mantendo-se tudo o mais decidido no Acórdão já proferido.
Remetidos os autos ao Tribunal de 1.ª Instância foi, por douta sentença proferida em 13 de setembro de 2018, decidido manter o prazo de suspensão da pena inicialmente fixado.
Interposto recurso para Venerando Tribunal da Relação de Guimarães foi, por douta Decisão Sumária, proferida em 18 de fevereiro de 2019, decidido rejeitar o recurso interposto. O arguido reclamou então para a Conferência, tendo, por douto proferido em 27 de maio de 2019 sido decidido indeferir a Reclamação apresentada e rejeitar o recurso interposto por manifesta improcedência.
Interposto recurso pelo arguido foi, por acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 6 de maio de 2020, decidido julgar, o mesmo, totalmente improcedente.
Em 22 de maio de 2020, interpôs ainda o arguido recurso para o Venerando Tribunal Constitucional que, atendendo ao requerimento apresentado pelo arguido em 10 de setembro de 2020, junto destes autos em 1ª instância, onde vinha invocar a prescrição do procedimento criminal, devolveu os autos ao Juízo Local Criminal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, para decisão.
Foi então proferido, a 03/03/2021, o despacho recorrido em que foi julgada improcedente a exceção da prescrição do procedimento criminal invocada pelo arguido, e declarado que a sentença condenatória proferida no processo transitou em julgado no dia 06/01/2021 e que nessa data se iniciou o prazo para o arguido cumprir a condição que lhe foi imposta, sob pena de não o fazendo, poder vir a ser-lhe revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Para se decidir pela improcedência da alegada prescrição do procedimento criminal, o Tribunal a quo convocou, primeiramente, a norma do art. 118º, nº1, al. b), do Código Penal (CP), para fixar em 10 anos o prazo de prescrição aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado, abstratamente punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos termos conjugados dos arts. 103º, nº1, als. a) e b) e 104º, nºs 1, als. d) e f), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), chamando, concatenada e concomitantemente, à colação o preceituado no art. 21º, nºs 1 e 2, deste último diploma legal.
Tal entendimento mostra-se conforme às normas legais aplicáveis e não merece qualquer censura.
O art. 21º, nº1, do RGIT estabelece, em termos gerais, que “o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”. Contudo, no caso, é aplicável o nº2 do mesmo normativo legal, onde se estabelece que “O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão foi igual ou superior a cinco anos.”. Assim, uma vez que o crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido, é punível com pena de prisão até 5 anos, prevalece o prazo prescricional vertido na legislação penal geral, que, como dissemos, é de 10 anos.
Agora, no douto recurso interposto, veio o arguido, ex novo – uma vez que não o fez na contestação nem no requerimento apresentado no dia 10/09/2020, sobre o qual recaiu o despacho recorrido –, invocar a aplicação do disposto no art. 21º, nº3, do RGIT, defendendo que o prazo de prescrição é, portanto, de 4 anos.
Preceitua o nº3 do art. 21º do RGIT que “O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.”
Sucede que, como nota o Tribunal recorrido no despacho de sustentação da decisão recorrida (art. 414º, nº, do CPP) – a fls. 22 a 25/ref. 173432536 –, este normativo não é aplicável ao caso dos autos, «por a perfectibilização do crime de fraude fiscal (…) não depender de qualquer ato de liquidação».
Na verdade, a liquidação do imposto não constitui elemento objetivo do tipo de fraude fiscal (simples ou qualificada) nem sequer condição de punibilidade.
Como corretamente relembra o Tribunal a quo, «[…] na generalidade dos casos e no caso dos autos em particular, a fraude fiscal traduz-se na ocultação de valores, o que logicamente impede (ou só possibilita muito mais tarde) a Administração Fiscal de proceder à liquidação do imposto. Dito de outra forma: é precisamente por haver fraude que a AT não consegue liquidar o que quer que seja ou, quando consegue, fá-lo muito mais tarde.». A expressão «muito mais tarde» é usada por referência ao prazo de que dispõe a Autoridade Tributária para proceder à liquidação do IRS (cfr. arts. 75º, 77º e 92º, nº1, todos do CIRS, na redação anterior à conferida pelas Leis nº 64-B/2011, de 30.12 e 82-E/2014, de 31.12).
Aliás, bem se compreende que a consumação do crime de fraude fiscal não esteja dependente de liquidação do imposto, uma vez que esse ilícito criminal é legalmente configurado como um crime de perigo, não exigindo a verificação de prejuízo para o fisco.
Como referem Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, in “O Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Tributário Português”, RPCC, Ano 6, Janeiro-Março, 1996, p. 91, o legislador português, quando no art. 23º do RJIFNA (atualmente no RGIT) verteu a disciplina jurídico-penal da fraude fiscal, não inscreveu o dano patrimonial entre os pressupostos objectivos da factualidade típica. Nem sobre a forma de inflição de um prejuízo ao Fisco – como a redução do imposto liquidado ou obtenção de um reembolso – nem na forma da obtenção de um benefício indevido.
A infracção consuma-se mesmo que nenhum dano para o fisco ou enriquecimento indevido para o agente venha a ocorrer.
Assim, o legislador prescreve o resultado lesivo como referente necessário da intenção do agente de uma fraude fiscal que se consuma mesmo que aquele resultado não venha a ter lugar; o que significa que o legislador conforma a infracção segundo o modelo dos crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente.
Destarte, não se exige a obtenção da vantagem patrimonial em prejuízo da Administração Fiscal, mas apenas a conduta tipificada que vise essa vantagem, que seja preordenada a tal fito, pelo que o crime consumar-se-á mesmo que nenhum dano ou enriquecimento indevido venha a ter lugar – neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05.01.2011, proc. nº 110/98.2IDAVR.P1, e de 23.02.2005, processo nº 0341594, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.10.2013, processo nº 105/11.2IDCBR.C1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
No sentido aqui defendido da inaplicabilidade ao crime de fraude fiscal (qualificada), do prazo de prescrição previsto no nº3 do art. 21º do RGIT [que remete para o prazo de caducidade do direito à liquidação, de 4 anos], vejam-se os seguintes arestos dos tribunais superiores, disponíveis em www.dgsi.pt:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/07/2013, processo nº 1/05.2JFLSB.L1-3 [igualmente citado pelo Tribunal a quo no despacho de sustentação da decisão recorrida]:
«Dispõe o art. 21.º, n.º 1 do R.G.I.T. que “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.»
Por sua vez, o n.º 2 deste preceito legal reza assim: «O disposto no n.º 1 não prejudica os prazos estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.»
In casu, o prazo prescricional, previsto no art. 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, é de dez anos.
Dispõe o n.º 3 que «O prazo de prescrição é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.»
Contrariamente ao alegado pelos arguidos, a lei não reduz o prazo de prescrição do procedimento criminal ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, a não ser quando a infração dependa da liquidação.
Ora, constituindo-se a infração em que os arguidos foram condenados na omissão de declaração de valores que impediram a Administração Fiscal de proceder à liquidação tributária desses mesmos valores, a infração não dependeu de uma liquidação tributária.
Na verdade, o que aconteceu foi que em face à conduta omissiva do contribuinte JVP, a Administração Fiscal foi impedida de proceder à liquidação, impedimento que é a fonte da incriminação do crime pelo qual os arguidos estão pronunciados.
Ora, no caso em apreço a verificação do crime não depende da liquidação do I.R.S., pela singela mas decisão razão de que os factos ocultados à administração fiscal são aqueles que seriam usados para a liquidação. Daí que o prazo de prescrição de quatro anos não seja aplicável ao crime de fraude fiscal.
Assim sendo, consideramos que no caso em apreço não ocorre prescrição do procedimento criminal por caducidade do direito à liquidação.»

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27/05/2019, processo nº 198/05.0IDBRG.G1:
«O artigo 21º do RGIT (Lei 15/2001, de 5/6) estipula que, em geral, o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos (n.º 1), o que não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos (n.º 2). No caso, vindo assacada aos recorrentes a coautoria de um crime de fraude qualificada previsto pelos arts. 103º, n.º 1, al. a) e 104º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e punível com prisão de um a cinco anos, realmente, o prazo de prescrição do respectivo procedimento é de dez anos [cf. art. 118º, nº1, b), do CP)

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/01/2017, processo nº 5/11.6IDFUN.L1-5:
«O crime de fraude qualificada é punível com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (artº 104º, nº 1, do RGIT).
Estando em causa pena de prisão cujo limite máximo é igual a 5 anos, importa atentar nos prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, mais concretamente no artº 118º, nº 1, al. b) que “extingue o procedimento criminal, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 10 anos”.
Assim e por remissão directa do R.G.I.T. (art. 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos.»

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26/02/2014, processo nº 64/06.3IDVIS.C1 [igualmente citado pelo Tribunal a quo no despacho de sustentação da decisão recorrida]:

«[…] a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do nº 3, do art. 21º, do RGIT, não tem aplicação aos crimes de fraude fiscal e de confiança fiscal. [sublinhado nosso]
Determina aquele preceito que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Antes de se chamar à colação a previsão do art. 45º, nº1, da Lei Geral Tributária - nos termos do qual ocorrerá a caducidade do direito à liquidação dos tributos, se aquela liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro - há que apreciar se a infracção tributária depende ou não de liquidação.
Tributo sujeito a liquidação a realizar no prazo de 4 anos, sob pena de caducidade não tem o mesmo significado de infracção tributária dependente de liquidação.
(…)
A infracção cometida pelo arguido – falta de entrega nos cofres do Estado de quantias que liquidou a recebeu a título de IVA – não se enquadra, in casu, em nenhuma das situações previstas nos art.s 82º, 83º e 83º - A do CIVA.
A não entrega dos valores do IVA que o arguido liquidou e recebeu referentes ao terceiro e quatro trimestres de 1996 e a todos os trimestres de 1997, ao quarto trimestre de 2002 e a todos os trimestres de 2004, não depende de qualquer liquidação da Administração fiscal. Aliás, como resulta dos factos provados, foi ele mesmo que os liquidou e recebeu, não tendo entregue ao Estado o valor do imposto que calculou.
Não está, pois, a infracção que cometeu – não entrega da quantia que liquidou e recebeu, ao Estado – dependente de qualquer acto de liquidação por parte da Administração fiscal.
Donde, in casu, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto não se aplica ao sub judice, mantendo-se, assim, o prazo prescricional de 5 anos, conforme estatuído no já citado art. 21º, nº 1 do RGIT.»

Assente que o prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso, de 10 anos, e sabendo-se que ele corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (cf. art. 119º, nº1, do CP), impõe-se aduzir umas breves considerações sobre a data em que, no caso vertente, face à factualidade vertida na pronúncia e dada por provada na sentença, se consumou o crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido.
O crime de fraude fiscal, tratando-se de um crime de perigo, na modalidade de crime de aptidão, só se consuma quando, perpetrada a conduta típica, se verificar um perigo idóneo de lesão do bem jurídico, ou seja, no momento da entrega da declaração defraudada. (2)
Como refere Rui Correia Marques [in Revista do Ministério Público 157, Janeiro – Março 2019, “Notas sobre a consumação de fraude fiscal com recurso a facturas falsas”, p. 115], «Sem a entrega da declaração não se pode considerar que o bem jurídico (…) fica exposto a um perigo e, menos ainda, a um perigo que possa ser considerado apto a originar um efetivo dano. A entrega da declaração defraudada constitui deste modo o momento em que, após a conceção e desenvolvimento do plano criminoso e a prática dos atos necessários à sua prossecução, o agente do crime dá por ultimada e finda a sua conduta, aguardando, a partir desse momento, a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais. E é também esse o momento no qual as condutas tipificadas se tornam suscetíveis/idóneas/aptas de/a causarem diminuição das receitas tributárias.»
Assim sendo, dúvidas não sobejam quanto ao acerto da decisão recorrida na parte em que considerou que a infração criminal se consumou no dia 22 de maio de 2009, data em que o arguido apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2008, ocultando os rendimentos que obteve referentes aos juros resultantes dos diversos depósitos a prazo e aplicações que efetuou em Cayman. Até porque, como ali se menciona, «(…) as condutas imputadas ao arguido, ainda que respeitantes à ocultação de rendimentos obtidos no estrangeiro ao longo de vários anos, consubstanciam a prática de um único crime, tendo como último acto de execução a omissão declarativa aquando da apresentação da referida declaração de rendimentos em 22 de Maio de 2009.»

Ademais, no despacho recorrido mostram-se assertivamente referidas e contabilizadas as causas legais de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, o que o Mmo. Juiz fez nos termos que aqui se reproduzem:
«Estatui o nº 4 do artº 21º do RGIT que “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal…”
J. V. foi constituído arguido em 21/02/2013 (cfr. fls. 58), data em que se interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal (art. 121º nº1 al. a) do CP).
A partir dessa data, começou a correr novo prazo de prescrição (art. 121º nº2 do CP), o qual ainda não se completou.
É certo que, nos termos do disposto no art. 121º nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Contudo, no caso concreto, ainda não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade, isto é, ainda não decorreram 15 anos.
De resto, importa ainda atender a que o arguido J. V. foi notificado do despacho de acusação em 14/11/2016 (cfr. fls. 1465), o que constitui não só uma outra causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal (artº 121º nº1 al. b) do CP), como uma causa da suspensão do prazo da prescrição desse mesmo procedimento (artº 120º nº1 al. b) CP).
Efectivamente, com a notificação da acusação ao arguido, tal prazo suspendeu-se durante três anos (artº 120º nºs 1al. b) e nº2 CP).
Em suma: por força das várias causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal (não existe um hiato temporal de 10 anos entre elas) e da causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal (durante 3 anos), o procedimento criminal prescreveria apenas em 22 de Maio de 2027 (10 anos+5 anos + 3 anos de prazo máximo da suspensão da prescrição do procedimento).»
Cumpre, destarte, concluir que não assiste razão ao recorrente, na medida em que, como se decidiu no despacho recorrido, à data da apresentação do requerimento do arguido a arguir a prescrição do procedimento criminal (em 10/09/2020), não se mostrava decorrido o prazo prescricional legalmente aplicável, sendo certo ainda que desde aquela decisão até ao atual momento não ocorreu tal prescrição.
Aliás, como infra explanaremos, mais uma vez em consonância com o afirmado na decisão recorrida, o procedimento criminal não prescreveu nem prescreverá, porquanto no dia 6 de janeiro de 2021, a douta sentença condenatória transitou em julgado, afastando definitivamente tal possibilidade; com efeito, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, só já poderá falar-se de prescrição da pena.
Por conseguinte, nenhuma censura merece a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção de prescrição do procedimento criminal arguida pelo arguido/recorrente.

BDo trânsito em julgado da sentença condenatória e respetiva produção de efeitos:

Na decisão recorrida, o Tribunal a quo verteu o entendimento de que a sentença condenatória transitou em julgado no dia 6 de janeiro de 2021, momento em que aquela decisão deixou de poder ser objeto de qualquer recurso ordinário ou reclamação, socorrendo-se para o efeito do disposto no art. 628º do CPC, ex vi do art. 4º do CPP.
A partir daí, considerou que o prazo de 6 meses concedido ao condenado para proceder ao pagamento ao Estado da quantia de € 3.739.021,05 e juros de mora, à taxa legal, desde a data da não entrega da prestação tributária até à data do efetivo pagamento, se iniciou no referido dia 06/01/2021, mais advertindo o arguido de que deve diligenciar pelo cumprimento da condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sob pena de não o fazendo a mesma poder vir a ser revogada.
Para sustentar esta posição invoca ainda o Tribunal a quo a figura do “trânsito em julgado sob condição resolutiva”, nos seguintes moldes:

«Assim sendo, a questão de saber se a circunstância de se encontrar pendente um incidente da prescrição do procedimento criminal obsta ao trânsito em julgado da sentença condenatória não poderá deixar de ter resposta negativa face ao conceito de trânsito em julgado previsto no artº 628º CPC, cuja epígrafe é precisamente “Noção de trânsito em julgado”.
Perante a pendência do incidente de prescrição do procedimento criminal faz então sentido falar-se de trânsito em julgado sob condição resolutiva.
Na verdade, o trânsito em julgado da sentença condenatória não deixa de produzir os seus efeitos (o que, no caso concreto, significa, além do mais, que o prazo para o cumprimento da condição já teve o seu início), embora a eventual procedência do mencionado incidente (que, no caso, só poderia/poderá ser alcançado com um eventual recurso, pois já julgámos improcedente a excepção da prescrição do procedimento) possa resolver tais efeitos.»
Cita jurisprudência que, alegadamente, sufraga tal posição.
Discorda o arguido/recorrente dessa posição assumida pelo Tribunal recorrido, por entender que a contagem de tal prazo só se inicia com o trânsito em julgado da decisão a proferir neste recurso, que incide sobre a alegada prescrição do procedimento criminal, alegação que ocorreu ainda antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Até esse momento, segundo o arguido, a sentença condenatória é inexequível (cita acórdão de tribunal superior nesse sentido).
Conhecendo.
Estipula o art. 467º, nº1, do CPP, sob a epígrafe «Decisões com força executiva», que “As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.”
Apesar daquela referência ao «trânsito em julgado», constata-se que o Código de Processo Penal não oferece uma definição desse trânsito, pelo que, nos termos do art. 4º do mesmo diploma legal, legitima-se o recurso à noção que é conferida pelo Código de Processo Civil, no seu art. 628º [art. 677º CPC1961]: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”
Assim sendo, entendemos que a sentença condenatória proferida pelo tribunal de primeira instância transitou em julgado no dia 06.01.2021, porquanto, a partir dessa data, ficou precludido o direito de o arguido sindicar aquela sentença por via de novo recurso (ordinário) ou reclamação apresentada contra a decisão proferida pelo venerando Tribunal Constitucional a 10/12/2020, que confirmou a decisão sumária ali antes proferida, no sentido de não conhecer do objeto do recurso interposto pelo arguido.
Com efeito, o prazo legal de 10 dias de que dispunha para apresentar reclamação da predita decisão, considerando que a mesma foi notificada ao ilustre mandatário do arguido, por carta registada, em 11.12.2020, e se presume efetuada no dia 14.12.2020, terminou no dia 06.01.2020 (suspendendo-se nas férias judiciais que, entretanto, decorreram), uma vez que não é contabilizado para este efeito o prazo suplementar de 3 dias a que aludem conjugadamente o art. 107º-A do CPP e 145º do CPC [atual 139º]. Tal prazo é eventual, condicional, porque subordinado ao pagamento de multa, e só ganha relevância prática no âmbito da contagem de prazos processuais no caso de o ato ser efetivamente exercido nesse período “extra” e com liquidação da respetiva sanção pecuniária, circunstancialismo que torna o ato [excecionalmente] tempestivo; já não, como sucede in casu, quando inexiste a prática do ato processual.
Desde então, verifica-se que a condenação definitiva proferida na ação penal em apreço constitui caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível, determinação dos seus agentes e sanções penais cominadas.
No caso, aliás, o caso julgado abarcou ainda, porque expressamente conhecida na sentença como “questão prévia”, a invocada (em sede de contestação) prescrição do procedimento criminal, ali julgada improcedente, ainda que, admite-se, limitado pelo concreto alcance objetivo da alegação e decisão, ou seja, até à data da prolação da sentença.
Logo, aquele caso julgado abarca, obviamente, a parte decisória da sentença proferida em primeira instância em que se condicionou a suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido, ao pagamento, no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da sentença, da quantia monetária em dívida à Administração Tributária.
Essa decisão já não é suscetível de sindicância/impugnação por via de recurso ordinário ou reclamação, pelo que, tendo transitado em julgado, é suscetível de produzir os seus efeitos, isto é, é exequível. Donde, como bem entendeu o Tribunal a quo, o prazo de 6 meses concedido ao condenado para satisfazer a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena iniciou-se a 06/01/2021.
O facto de ter sido invocada novamente pelo condenado, em 10/09/2020, a prescrição do procedimento criminal, após a prolação da sentença condenatória, mas ainda antes da ocorrência do seu trânsito em julgado, não afeta a produção dos seus efeitos (de vinculação intraprocessual e de preclusão).
Primeiro, porque se trata de questão nova, sustentada em distinta argumentação, não integrante do âmbito dos vários recursos formulados pelo arguido no que tange à sentença condenatória, e conhecidos pelos tribunais superiores, até à exaustão dos mecanismos processuais de impugnação.
Em segundo lugar, porque ao presente recurso, deduzido pelo arguido contra a decisão de primeira instância que, em 03/03/2021, conheceu da alegada exceção de prescrição, julgando-a improcedente, foi fixado, por aplicação da lei, efeito meramente devolutivo, isto é, sem que da sua admissão decorresse suspensão da decisão recorrida e, muito menos, do processo.
Dito isto, cremos que em casos como o dos autos é apropriado trazer à colação a figura do denominado caso julgado parcial, sob condição resolutiva ou rebus sic stantibus.
Tal figura jurídica, adotada há significativo tempo pela jurisprudência largamente maioritária, quer do colendo Supremo Tribunal de Justiça quer dos tribunais das Relações, foi pensada e criada para os casos em que existindo uma situação de comparticipação, um coarguido não recorre da sentença condenatória, defendendo-se então que esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva pro reo (em benefício do não recorrente) decorrente da procedência de recurso interposto por comparticipante – cfr. arts. 402º, nº2, al. a), e 403º, nºs 1, 2, al. e), e 3, ambos do CPP.
Neste sentido, por todos, veja-se a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça veiculada através dos acórdãos de 27/11/2013, processo nº 7/02.3AASTB.E2.S1, de 25/09/2014, processo nº 100/14.0YFLSB, de 09/10/2014, processo nº 110/14.7YFLSB, de 13/02/2014, processo nº 319/11.5JDLSB-D.S, de 05/06/2012, processo nº 1/00.9TELSB-CA.C1-D.S1, de 07/07/2005, processo n.º 03509/07, de 08/03/2006, processo n.º 886/06 - 3.ª Secção, de 07/06/2006, processo n.º 2184/06 - 3.ª Secção, de 04/10/2006, processo n.º 06P3667, de 07/02/2007, processo n.º 463/07-3.ª Secção, e de 27-09-2007, processo n.º 03509/07; do Tribunal da Relação do Porto de 14/10/2020, processo nº 16712/17.7T9PRT-A.P1, de 06/11/2013, processo nº 431/10.8GAPRD-AS.P1, de 14/09/2011, processo nº 636/08.1TAVRL.P2, e de 09-07-2014, processo n.º 5789/06.0TAVNG-H.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/12/2004, processo nº 7105/04-9ª; do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/11/2012, processo nº 352/01.5TACBR.C2; do Tribunal da Relação de Évora, de 20/12/2012, processo nº 1516/12.1TBOLH-A.E1, e de 04-04-2013 [todos acessíveis in www.dgsi.pt, encontrando-se o último disponível in CJ, 2013, Tomo II, pág. 258]. (3)
Em conformidade, como também vem sendo jurisprudencialmente entendido, um dos efeitos da imediata exequibilidade da decisão condenatória transitada em julgado, quer em relação ao arguido preso preventivo e não recorrente, quer ao arguido recorrente que limita o recurso a uma outra parte do dispositivo que não colida com a condenação na parte criminal, é que cumpre ao tribunal da condenação julgar extinta a medida de coação de prisão preventiva (ao abrigo do disposto no art. 214º, nº1, al. e), do CPP, e considerar o arguido em cumprimento da pena imposta. Nada importa que tenha ou não transitado a decisão da primeira instância que assim decidiu, pois que o que torna a condenação exequível é o trânsito em julgado do acórdão do tribunal superior que conheceu do recurso interposto pelo condenado, em termos que já não podem ser impugnados – assim, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/12/2013, Processo nº 129/13.5YFLSB-5ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.

No caso vertente, nem sequer está em causa no recurso a premente manutenção da liberdade do arguido/recorrente, uma vez que foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, sendo certo que, do nosso ponto de vista, a execução desta pena de substituição já se iniciou.
Isto, obviamente, sem prejuízo de em caso de procedência do recurso se retirar daí as devidas consequências, uma vez que a prescrição do procedimento criminal foi tempestivamente arguida (antes do trânsito em julgado da decisão condenatória). Tais consequências passariam pela reclamada declaração de prescrição do procedimento criminal com inerente anulação do processado posterior à sua eclosão, incluindo, portanto, o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória.
Daí falar-se, apropriadamente, em caso julgado sob condição resolutiva.
Neste sentido, já decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/12/2013, proc. nº 559/07.1TAABT-A.E1, acessível em www.dgsi.pt.
«Enquanto dado relevante para a questão que agora apreciamos, aquela declaração sobre a data do trânsito em julgado vale com o sentido que lhe é comummente atribuído a partir da noção legal contida no artigo 628º do C.P. Civil atual, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho que, em termos similares ao que dispunha o art. 677º do C.P. Civil agora revogado, estabelece que “A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”, sem prejuízo de merecer tratamento autónomo o problema de saber se o requerimento em que se suscite separadamente a questão da extinção do procedimento criminal por prescrição, obsta a que se produza o efeito de caso julgado sobre a sentença condenatória, apesar de não ser já admissível recurso ordinário ou reclamação da mesma.
[…] mesmo à luz da fundamentação do despacho recorrido e do que pressupõe o arguido recorrente, ou seja, supondo que o requerimento para conhecimento da prescrição fora apresentado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (22.03.2012), o sentido da decisão do presente recurso seria, ainda assim, o de confirmar o despacho recorrido, pelas seguintes razões:
- Em primeiro lugar, mesmo considerando que o trânsito em julgado da sentença condenatória tem natureza provisória e resolúvel quando se encontre por decidir a questão da prescrição suscitada antes desse trânsito, podendo este vir a ser afetado pela eventual procedência da prescrição invocada, entendemos que sendo conhecida a prescrição somente depois do trânsito em julgado do acórdão condenatório, o termo final do prazo de prescrição corresponde à data do trânsito em julgado do acórdão, independentemente da data em que é decidida a questão da prescrição, pois, para além do mais, a partir daquele trânsito em julgado inicia-se a prescrição da pena nos termos do art. 122º nº2 do C. Penal. – cfr, neste sentido, os Acórdãos da RL de 22.04.2012 (processos 12/00.9JFLSB-T.L1-5 e 12/00.9JFLSB-U.L1-5 - relator Vieira Lamim).» [existe lapso na indicação da data destes acórdãos e respetivos números dos processos, pois que da consulta do texto integral dos mesmos em www.dgsi.pt resulta que foram proferidos em 24.04.2012, no âmbito dos processos 712/00.9JFLSB-T.L1-5 e 712/00.9JFLSB-U.L1-5]

Veja-se ainda o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2012, proc. nº 712/00.9JFLSB-U.L1-5:
«O trânsito em julgado da decisão condenatória, antes de apreciada a prescrição invocada, não constitui restrição injustificada de direitos, liberdades e garantias, uma vez que essa restrição se funda em sentença condenatória, em relação à qual foram assegurados todos os direitos de defesa e está assegurada a possibilidade de ser reconhecido efeito útil à decisão que apreciar a prescrição, atenta a referida natureza do trânsito em julgado, com cariz provisório e resolúvel.
(…)
O facto de estar pendente a apreciação relativa à prescrição, não impede que se considerem esgotados os recursos ordinários em relação à decisão condenatória, com objecto diverso e autónomo da decisão relativa à prescrição, nem daí decorre qualquer inconstitucionalidade, como já se referiu, pois está assegurada possibilidade de garantir efeito útil à decisão que vier a ser proferida em relação à prescrição.»
É certo que não é descabida a alegação que o recorrente doutamente faz do sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.2012, proferido no Processo nº 712/00.9JFLSB-T-L1-5, relatado pelo mesmo Juiz Desembargador (Vieira Lamin), porquanto dali aparentemente resulta uma posição contraditória, pelo menos em parte, com a assumida no acórdão proferido no apenso U dos mesmos autos sob recurso, acima transcrita.

Conforme alegado pelo arguido, diz-se naquele sumário:
«I – Tendo a decisão condenatória transitado em julgado quando estava por decidir a questão da prescrição, suscitada antes desse trânsito em julgado e que o Supremo Tribunal de Justiça ordenou fosse apreciada em 1ª instância, aquele trânsito em julgado tem natureza provisória e resolúvel, assim garantindo efeito útil à decisão que vier a ser proferida sobre a prescrição.
II – Tendo o arguido sido condenado na pena única de dois anos de prisão, por acórdão transitado em julgado nos referidos termos e encontrando-se pendente a apreciação da prescrição invocada em relação a dois desses crimes, deve aquele acórdão condenatório considerar-se inexequível, em relação à pena de prisão, até que transite a decisão relativa à prescrição.»

Não há dúvida de que é comum a ambos os arestos o entendimento de que a pendência de decisão final sobre a prescrição de procedimento criminal, suscitada tempestivamente, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não obsta à ocorrência desse trânsito, o qual, porém, como ali se refere, será provisório, resolúvel, pois que poderá ceder em face da eventual procedência da exceção de prescrição, daí derivando efeito útil para a decisão que vier a ser proferida sobre tal matéria.
Tal referência ao efeito útil da decisão que se venha a pronunciar sobre a prescrição do procedimento criminal tem em vista afastar uma eventual tese de que se encontrando verificado o trânsito em julgado da decisão condenatória vigorariam, exclusivamente, as regras legais atinentes à prescrição da pena, e já não do procedimento criminal, obstando a que se conhecesse do mérito da respetiva alegação, em primeira instância ou já em sede recursória. Esta última posição afigura-se-nos inadmissível e não é por nós defendida, visto que coloca em crise as mais elementares garantias de defesa, entre elas o direito à sindicância por via de recurso de decisão desfavorável sobre questão tempestivamente levantada. Parece ser esse o sentido da invocação que se faz na fundamentação do douto acórdão do determinado no acórdão do STJ igualmente proferido naqueles autos de que “…tal conhecimento não será afectado pelo trânsito em julgado de qualquer Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre normas alheias a tal questão, que foram oportunamente objecto de impugnação”.
Quanto ao demais defendido no douto acórdão, sumariado no ponto II, não é por nós sufragado, porquanto, frisa-se, é, se estamos a ver conveniente o sentido da decisão, contraditório com o entendimento ali também expresso de que o conhecimento que deve ocorrer da invocada [nos concretos termos supra explanados] prescrição do procedimento criminal não impede a produção dos efeitos da decisão condenatória transitada em julgado, independentemente do tipo de sanção penal aplicada a título principal ou substitutivo (privativa ou não privativa da liberdade). O entendimento de que se tratando da execução de pena de prisão efetiva a decisão condenatória será já “inexequível”, em nossa modesta opinião, faz ruir toda a fundamentação jurídica subjacente à concomitante aplicação da figura do trânsito em julgado sob condição resolutiva. Aliás, não se compreende o diferente tratamento assim eventualmente concedido a estes casos face àqueles que, como vimos, a jurisprudência dos tribunais superiores, particularmente do Supremo Tribunal de Justiça, trata sob a manta do caso julgado parcial, considerando desde logo exequível a sentença que, em caso de comparticipação, condenou um coarguido, não recorrente, a pena de prisão efetiva, independentemente de ele poder vir a beneficiar de uma decisão favorável, que pode passar pela absolvição, no âmbito do recurso interposto por coarguido, o que, concedendo ainda efeito útil ao recurso, só acarretaria a imediata cessação daquela privação da liberdade.
Salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que nesses casos, em que um dos efeitos do trânsito é a privação de liberdade do condenado por decisão transitada sujeita a condição resolutiva, a diferenciação não poderá advir de uma suposta inexequibilidade da decisão – o que representaria uma contradição em termos, já que, como nota o tribunal a quo, esse seria um efeito próprio de uma condição suspensiva, e não de uma condição resolutiva –, mas, quando muito, do efeito suspensivo que se quisesse atribuir (ainda que erradamente, cremos) ao recurso interposto da decisão que negasse em primeira instância a prescrição do procedimento criminal. Sendo atribuído, como parece de lei, efeito devolutivo a tal recurso, não vemos como se possa impedir a produção dos efeitos (todos os que forem “reversíveis” ou suscetíveis de mitigação) decorrentes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ainda que aquele seja “provisório” ou sob condição resolutiva. Note-se que nem o recurso interposto da aplicação de prisão preventiva beneficia, face à lei, de efeito suspensivo da decisão recorrida.
Julgamos que a posição por nós defendida, coincidente com a adotada pelo Tribunal recorrido, é que melhor conjuga o asseguramento das garantias de defesa de um arguido em processo penal, incluindo o direito a um processo equitativo e célere, com os princípios da legalidade e da tutela do caso julgado (enquanto garante do valor da segurança jurídica).
Salvo o devido respeito, distinto entendimento, negando a ocorrência do trânsito em julgado ou desconsiderando em absoluto a eficácia do caso julgado, abriria a porta para a prática generalizada de impugnações realizadas com o fito único de impedir a exequibilidade de sentenças condenatórias, bastando para tal que, reiterada e sucessivamente, se apresentassem requerimentos, por mais estapafúrdios que fossem, com argumentação despropositada, mas inovadora face a anteriores, os quais, sendo obviamente improcedentes, gerariam, contudo, direito a recurso para os tribunais superiores. Ressalve-se que não nos referimos a este concreto recurso sob apreciação, o qual, como vimos, apresenta argumentação pertinente, ainda que, atento o nosso entendimento, não obtenha vencimento.
Resumindo.

É de negar provimento ao douto recurso do arguido e manter o douto despacho recorrido, atentos os seguintes fundamentos:
- O trânsito em julgado da sentença condenatória, ocorrido a 06.01.2021, produz os efeitos legais típicos de uma decisão transitada, ainda que o caso julgado assuma natureza condicional e resolúvel, uma vez que ainda se encontrava por decidir a questão da prescrição do procedimento criminal suscitada após aquela condenação mas antes desse trânsito, podendo este vir a ser afetado pela eventual procedência da prescrição invocada; conhecida, em primeira instância e neste recurso, tal exceção, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, o termo final do prazo de prescrição do procedimento criminal coincide ainda assim com a data desse trânsito, porquanto, desde esse momento inicia-se a prescrição da pena;
- Ainda que, como pretende o arguido/recorrente, se considerasse que aquele trânsito não podia produzir efeitos, sendo a sentença condenatória ainda inexequível, e, como tal, ainda estivesse a decorrer o prazo prescricional – entendimento que, frisa-se, não colhe –, verifica-se que, perante o circunstancialismo do caso e as normas legais aplicáveis, tal prazo não havia expirado à data do trânsito da sentença, não findou ainda e só terminaria a 22/05/2027.
O despacho recorrido não violou qualquer norma legal, nomeadamente as invocadas pelo arguido/recorrente, e deve ser integralmente mantido, com a consequente improcedência do recurso.



IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao douto recurso interposto pelo arguido J. V. e, consequentemente, manter integralmente o douto despacho recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal).

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães,

Paulo Correia Serafim (relator) [assinatura digital]
Pedro Freitas Pinto (adjunto) [assinatura digital]
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Neste sentido, na doutrina, vide Miguel Almeida Costa, “A Fraude Fiscal como Crime de Aptidão. Faturas Falsas e Concurso de Infrações”, Miscelâneas do IDET, Almedina, 2010, pp. 213 e 214, e Susana Aires de Sousa, “Os Crimes Fiscais – Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador”, Coimbra Editora, pp. 72 e 73. Germano Marques da Silva observa que, na hipótese de a declaração defraudada ser apresentada antes do terminus do respetivo prazo legal de apresentação, é possível sustentar que a mesma pode ser substituída por uma declaração correta e, portanto, evitar a consumação do crime [in “Direito Penal Tributário – Sobre as responsabilidades das sociedades e dos seus administradores conexas com o crime tributário”, UCE, 2009, p. 232]. Não perfilhamos este último entendimento porquanto temos para nós que, por uma razão de coerência lógica (nos termos que apresentamos no corpo desta decisão), desde a apresentação da declaração o bem jurídico protegido pela norma incriminadora da fraude fiscal fica exposto ao perigo de criação de um efetivo dano para a Administração Tributária, pelo que a apresentação de declaração corretiva ainda dentro do prazo legal funcionará antes como causa de exclusão da punibilidade da tentativa, pois que não obstante a consumação, ocorre impedimento da verificação de resultado não compreendido no tipo de crime (cfr. art. 24º, nº1, do CP)
3. Na doutrina, cfr., v.g., José Narciso Cunha Rodrigues, “Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, pág. 388; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal” III, pág. 330, e Simas Santos/Leal – Henriques, em “Código de Processo Penal Anotado”, 2ª Edição, 2004, pp. 699 e 700.