SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
ESCOLA PÚBLICA/PRIVADA
MUDANÇA
ASPECTO ECONÓMICO
Sumário

I - O interesse da criança aponta no sentido desta poder alcançar, a todo o momento, o ambiente mais propício possível ao desenvolvimento harmonioso da personalidade, ao progresso contínuo da sua educação e à manutenção ou recuperação da saúde (física e mental), dentro dos respetivos condicionalismos individuais, familiares, económicos e sociais.
II - Se a modificação proposta pelo recorrente para a decisão proferida em matéria de facto não respeita aos factos essenciais e não tem relevo para a decisão final do thema decidendum, o reexame da prova é um verdadeiro ato inútil e, como tal, sendo ilícito, não deve ser realizado pela Relação (art.º 130º do Código de Processo Civil).
III - Encontrando-se salvaguardado o aspeto económico e a assiduidade, não deve ser acolhida a pretensão de mudar duas crianças, com 3 e 7 anos de idade, de uma escola privada para uma escola pública ou para outra escola privada, se aquele estabelecimento de ensino lhes proporciona excelentes condições de educação e desenvolvimento, mesmo com oportunidades extracurriculares, mantendo elas ali --- a mais velha desde os dois anos de idade --- uma frequência muito positiva, de bem-estar, equilíbrio, segurança e afeto no relacionamento com o professor e com funcionários e de amizade com outras crianças.
IV - Não abona a posição de mudança defendida pelo pai o facto de ter contribuído para a desestabilização daquela frequência antes da decisão judicial.

Texto Integral

Proc. nº 12970/19.0T8PRT-C.P2 (apelação)

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B..., R. melhor identificada nos autos, onde é A. C..., ali também melhor identificado, em 26.11.2019, requereu, ao abrigo do disposto no art.º 44º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[1], a resolução de diferendo surgido entre eles relativamente à inscrição e frequência dos seus filhos D... e E..., na Escola F..., no Porto.
Alegou que “a menina D... nasceu a 4 de fevereiro de 2014 (…) e frequenta a Escola F... desde os seus dois anos de idade (desde o ano letivo de 2016/2017)” e frequenta agora a sala dos 5 anos, onde se prepara para iniciar o 1º ciclo; que “o menino E... foi um bebé que nasceu prematuro, com quase 35 semanas e com restrição de crescimento intrauterina, Cardiopatia congénita e Bronquiolite obliterante crónica, pós infeciosa, tendo até final do verão passado insuficiência respiratória crónica e necessidade de terapêutica diária e cinesiterapia respiratória”.
Referiu que ambos os pais sempre foram da opinião que os filhos frequentassem uma escola do ensino privado, tendo-os matriculado na Escola F ... para o ano letivo de 2019/2020, como já em anos anteriores acontecera com a D..., por apresentar um projeto educativo que corresponde aos seus desígnios.
Acrescentou que o Requerido, indevidamente, passou a opor-se a que as crianças continuem a frequentar aquela escola, alegando que perdeu a confiança nesse estabelecimento de ensino, que tem uma matriz religiosa conservadora, não tem meios que lhe permitam comparticipar nas despesas com a referida escola particular ... e que propõe outra escola, o G… – ..., que, afinal, também tem uma matriz religiosa e cristã, sendo pertença da Província … e a educação é dada com base nos valores do Evangelho vivido por S. Francisco de Assis.
A Requerente prontifica-se, em caso de incapacidade financeira do Requerido, a suportar o encargo com as propinas do Colégio.
Acrescenta que nem a escola pública nem as escolas privadas indicadas pelo Requerido têm as valências da Escola de F... necessárias à estimulação das capacidades cognitivas do E... que até já está habituado “aos cantos dessa escola” onde gosta de ir levar a irmã e onde muitas vezes deseja ficar.

Realizada a conferência de pais no dia 11.2.2020, não chegaram a acordo, pelo que foram remetidos para audição técnica especializada.
Requerente e Requerido pronunciaram-se em vários requerimentos e juntaram documentos.
Tendo em vista a decisão, o tribunal ouviu as partes, por escrito.
O Requerido manifestou-se no sentido do indeferimento da pretensão da Requerente, enquanto esta defendeu o deferimento do seu pedido inicial, com argumentos que expuseram também noutros requerimentos.
Foi junto relatório da audição técnica especializada, que apresentou sobretudo uma síntese da posição dos progenitores.
Após, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Por todo o exposto, decido que os menores, D... e E..., filhos da Requerente, B… e do Requerido, C..., devem frequentar a Escola F..., no Porto.
Custas: a cargo do Requerido.
Valor da ação: 30.000.01 euros (cfr. art. 306 e 303 C.P.C.).»

*
Inconformado, recorreu o pai das crianças daquela decisão, tendo produzido alegações às quais respondeu a mãe das mesmas e o Ministério Público, pugnando ambos pela confirmação do julgado.
*
O processo subiu à Relação e, por acórdão de 8.10.2020, a sentença foi anulada nos seguintes termos decisórios:
«Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, anula-se a sentença recorrida, para produção de novas provas, ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão, fundamentada de facto e de Direito, que atenda a toda a prova produzida nos autos, a que já foi e a que irá sê-lo, em conformidade com o que deixámos descritos na fundamentação do acórdão.
(…)».
De novo na 1ª instância, as partes apresentaram novas alegações e foram produzidos novos meios de prova, tendo sido ouvida também a criança D..., conforme determinado pela Relação.
No dia 28 de maio de 2021 foi proferida nova sentença, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Por todo o exposto, decido que os menores, D... e E…, filhos da Requerente, B... e do Requerido, C..., devem continuar a frequentar a Escola F..., no Porto.
Custas: a cargo do Requerido.
(…)».
Mais uma vez inconformado com a decisão, dela apelou o Requerido, tendo feito culminar as suas alegações de recurso com as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª)
A apreciação dos factos, a análise dos depoimentos das partes e das testemunhas, bem como a dos demais elementos do processo por parte da senhora juíza a quo não foi imparcial como é mister dos tribunais.
2ª) É manifesto que, atenta a prova produzida nos autos e a sua análise e ponderação à luz das regras gerais da experiência comum, da lógica e do raciocínio, foram incorrectamente julgados como provados, no todo ou em parte, os factos aduzidos como tal na sentença ora recorrida sob os pontos 4, 7, 11, 21, 22, 31, 32, 33, 34, 35, 40, 45, pelo que se impugna a decisão da matéria de facto quanto aos mesmos.
3ª) Assim, e porque a análise e a ponderação dos elementos de prova impõe uma decisão diferente ou diversa quanto aos factos aduzidos na sentença ora recorrida sob aqueles pontos, ao abrigo do disposto no Artº. 662º, nº. 1, do CPC, aqui aplicável por força do disposto no Artº. 33º, nº.1, do RGPTC, deve a decisão da matéria de facto ser alterada no sentido de considerar e decidir como “NÃO PROVADOS” os factos aduzidos sob os pontos 21, 33 e 34, e no sentido de:
a) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 4, aditando à sua redacção que “ A inscrição da menor D... na Escola F... para frequentar o 1º ano do 1º ciclo no ano lectivo de 2020/2021 foi efectuada pela progenitora na sequência e com base em decisão judicial proferida nestes autos, e entretanto revogada, contra a vontade declarada do progenitor.”;
b) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 7, aditando à sua redacção que “ Em Abril/Maio de 2019, o progenitor comunicou por escrito à Escola F…, que pretendia o cancelamento das matrículas dos filhos D e E... naquela escola para o ano lectivo 2019/2020, efectuadas em 31/01/2019 e 14/02/2019, respectivamente.”;
c) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 11, dele suprimindo a parte “ …sendo que para tal evolução contribuiu o esforço, trabalho coeso da educadora/psicóloga/ auxiliar e diretora da escola.”;
d) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 22, dela passando a constar apenas como provado que “ Os progenitores escolheram a Escola F… para os seus filhos por ser uma escola de pequena dimensão, com um ciclo curto apenas até o 4º ano do 1º ciclo e, sobretudo, por se situar perto da casa dos avós maternos.”;
e) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 31, dela passando a constar apenas como provado que “ O pagamento de metade da mensalidade da Escola F..., desde que a D... ali ingressou e até dezembro de 2018, foi assegurado pela tia paterna, solteira e sem filhos, que transferia para conta da progenitora tal valor (cfr. a título exemplificativo docs. de fls. 291 a 292, aqui dados por inteiramente reproduzidos).”;
f) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 32, dela passando a constar apenas como provado que “ Desde Janeiro de 2019 que são os avós maternos que suportam o pagamento de metade da mensalidade da D... e do E....”;
g) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 35, dela passando também a constar como provado que “ Na Escola EB-J1 L..., a inscrição/matrícula e a frequência da D... e do E... é gratuita, assim como a inscrição e frequência dos mesmos nas actividades extra-curriculares nela existentes, não havendo qualquer custo financeiro para os progenitores.”;
h) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 40, passando a dele constar como provado que “Após 23/12/2020, o progenitor passou a viver na casa da namorada/companheira, sita em ....”; e
i) alterar a redacção do facto dado como provado sob o ponto 42, passando a dele constar apenas como provado que “ Entre Setembro e Dezembro de 2019, na semana em que a D... estava com o pai, em resultado do regime de guarda semanal alternada, este não a levava à escola.”.
4ª) Do mesmo modo, é inequívoco que a falta de análise critica do teor do documento referenciado sob o ponto 52 dos factos provados elencados na sentença ora recorrida – documento de fls. 196 dos autos -, designadamente, a falta de especificação do respectivo teor e das razões pelas quais o respectivo teor sustenta e fundamenta a convicção do Mmº. Juiz a quo quanto à prova de determinado facto nele documentado, determina também que se conclua pela existência de uma manifesta deficiência da decisão da matéria de facto quanto ao facto dado como provado sob o ponto 52, conforme decorre do disposto no Artº. 607º, nº.4, do CPC, aqui aplicável por força do disposto no Artº. 33º, nº.1, do RGPTC, restando ordenar ou determinar que o Tribunal a quo supra tal deficiência, especificando e fundamentando o facto que considera como provado sob aquele ponto – cfr. Artº. 662º, nº. 2, al. d), do C.P.C., aqui aplicável por força do disposto no Artº. 33º, nº.1, do RGPTC.

SEM PRESCINDIR
5ª) É manifesto que a decisão proferida na sentença ora recorrida NÃO atende nem salvaguarda o superior interesse dos menores D…. e E..., designadamente, ao seu direito a uma educação “que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.”, e, por maioria de razão, viola o disposto nos Artºs. 1906º, nº.8, do Código Civil, 35º, nº.1, e 44º, ambos do RGPTC, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso – Artº. 639º, nº.2, al. a), do Código do Processo Civil.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO,
Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente por provado e, em consequência,
A ) Deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, por não ser o que melhor atende ao superior interesse dos mesmos, indefira a pretensão da Recorrida quanto à inscrição/matrícula e frequência dos menores D... e E... na Escola F..., no Porto, e determine a sua inscrição/matrícula e frequência no próximo ano lectivo na escola EBJ1 L...,

SEM PRESCINDIR
B) Ao abrigo do disposto no Artº. 662º, nº. 1, do CPC, aqui aplicável por força do disposto no Artº. 33º, nº.1, do RGPTC, deve a decisão da matéria de facto ser alterada quanto aos factos nela dados como provados sob os pontos 4, 7, 11, 21, 22, 31, 32, 33, 34, 35, 40, 45, designadamente, nos termos aduzidos na conclusão 2ª) do presente recurso;
C) Ao abrigo do disposto no Artº. 662º, n.º.2, alínea d), do C.P.C., aqui aplicável por força do disposto no Artº. 33º, nº.1, do RGPTC, deve ser determinado que o Tribunal recorrido proceda à correcção da deficiência de que padece a decisão da matéria de facto quanto ao facto nela dada como provado sob o ponto 52, designadamente, nos termos aduzidos na conclusões 3ª ) deste recurso;
(…)» (sic)
A Requerida e o Ministério Público pugnaram pela confirmação do julgado, quer em matéria de facto quer quanto à decisão final.
*
Foram, de novo, colhidos os vistos legais.
*
II.
Nas questões a decidir, o tribunal atende à delimitação dada pelas conclusões da apelação do Requerido, acima transcritas, sem prejuízo do que dever conhecer por oficiosidade (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil).

São as seguintes as questões a decidir:
1 - Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2 - Aplicação da al. d) do nº 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil;
3 - Erro de julgamento em matéria de Direito.
*
III.
Os factos dados como provados na 1ª instância[2]:
1. Os menores, D... e E..., nasceram respetivamente a 4/2/2014 e a 28/04/2017, são filhos das partes, B... e de C... (cfr. assentos de nascimento juntos a fls. 28 vº e a fls. 30, do PPP - apenso B, cujo teor aqui se tem por inteiramente reproduzido).
2. Os progenitores casaram, entre si, a 2 de março de 2013 (cfr. assento de casamento de fls. 10 vº dos autos de divórcio, cujo teor aqui se tem por inteiramente reproduzido).
3. Em 12/06/2019, deu entrada processo de divórcio, requerido pelo progenitor, com o fundamento da separação de facto, desde 1 de janeiro de 2019, tendo sido decretado, por decisão de 14/01/2020, o divórcio entre as partes (cfr. o respetivo processo).
4. A menor D frequenta a Escola F..., desde os seus dois anos de idade (desde o ano letivo de 2016/2017), tendo concluído a creche na sala dos dois anos e ali frequentado todo o jardim de infância, sendo que, na data da entrada da presente ação (27/11/2019), frequentava a sala dos 5 anos, preparando-se para iniciar o 1º ciclo, o qual se iniciou, este ano letivo, frequentando o 1º ano, do 1º ciclo (2020/2021).
5. O menor E..., nasceu com quase 35 semanas e com restrição de crescimento intrauterina, Cardiopatia congénita e Bronquiolite obliterante crónica, pós infeciosa, tendo até final do verão passado insuficiência respiratória crónica e necessidade de terapêutica diária e cinesiterapia respiratória (com referência à data da entrada da p.i. em juízo).
6. Por isso, a progenitora beneficiou de licença para assistência a filho, com doença crónica, sendo que o filho exigiu cuidados e atenções redobradas e esteve mais exposto a infeções, as quais era necessário acautelar, com os cuidados da mãe a serem prestados a tempo inteiro.
7. Era propósito dos progenitores que o menino iniciasse a escola no presente ano letivo (2019), sendo que, por vontade e decisão de ambos os progenitores:
- o pai, no dia 14 de fevereiro de 2019, matriculou o menor E... na Escola F..., para que iniciasse o ano letivo 2019/2020, já com dois anos de idade, tendo realizado o respetivo pagamento da matrícula (cfr. doc. junto a fls. 208, aqui dado por integralmente reproduzido);
- a mãe, no dia 30/01/2019, renovou a matriculou a D... no mesmo colégio (cfr. docs. juntos a fls. 21, nestes autos e a fls. 20, do apenso A, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
8. Em 19/11/2015, os progenitores realizaram a pré-inscrição da D... no Colégio H… (cfr. doc. junto a fls. 210, aqui dado por inteiramente reproduzido).
9. Em 02/02/2016, os progenitores inscreveram a D… no Colégio H..., tendo pago pela inscrição/matrícula e pelos uniformes o valor total de 379,30 euros (cfr. doc. junto a fls. 210, aqui dado por inteiramente reproduzido).
10. Quando surgiu a vaga para a D... na Escola F..., em final de fevereiro de 2016, os progenitores optaram por essa escola, com perda da quantia paga em 9.
11. Dou por inteiramente reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 211, 212 e 298, os quais consubstanciam, respetivamente, fichas de avaliação da D..., relativas ao período escolar de fevereiro a maio de 2017 e de setembro de 2016 a janeiro de 2017 e do 2º semestre de 2019/2020, as quais, em súmula, relatam os sentimentos e as rotinas da D..., a sua evolução, passando de uma criança introvertida, com dificuldade em se integrar, para uma criança totalmente integrada na escola, quer no espaço, quer com as educadoras, auxiliares e amigos, sendo que para tal evolução contribuiu o esforço, trabalho coeso da educadora/psicóloga/ auxiliar e diretora da escola.
12. Dou por inteiramente reproduzido o teor dos documento juntos a fls. 213 e 214, respetivamente informação clínica da especialidade de pediatria-pneumologia do I..., datada de 30/08/2019, a qual refere que o E... é seguido em consulta de pneumologia pediátrica por cardiopatia congénita e prematuridade, bronquiolite obliterante pos infeciosa e o teor do relatório clínico da médica pediatra do E..., Drª J..., datada de 19/11/2019 a qual refere que, por já não ter contraindicação do ponto de vista respiratório, beneficiaria da integração em infantário/escola para estimular o seu desenvolvimento psico-motor, assim como os documentos de fls. 217 e 218, que vão no mesmo sentido.
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13. Dou por inteiramente reproduzido o teor do doc. de fls. 215, contendo informação sobre a Escola F..., do qual resulta que, desde 1983, é uma escola privada de inspiração cristã, de pequena dimensão e de cariz familiar, sendo que ambos os progenitores conheciam, aquando da pré-inscrição e inscrição dos filhos, tal vertente, que era do seu agrado de ambos.
14. Dou por inteiramente reproduzido o doc. de fls. 216, contendo a apresentação do Colégio G….
15. A Escola F..., com as valências de berçário, creche, pré-escolar e 1º ciclo, no ano letivo de 2020/2021, tem uma turma para cada grupo etário, com um total de 204 alunos, sendo que:
15.1. o grupo do E... (3 anos/Jardim de Infância) tem 24 alunos;
15.2. a turma do 1º ano, do 1º ciclo (turma da D...) tem 22 alunos (cfr. doc. junto a fls. 219, aqui dado por integralmente reproduzido).
16.. A Escola ... tem as valências da pré-escolar e 1º ciclo, num total de 200 alunos, com uma turma dos 3 anos, de 25 alunos e duas turmas do 1º ano, do 1º ciclo, ambas com 20 alunos.
17. A Escola F... situa-se a uma distância de 2.700 metros da casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., 3º esq., ….-... Porto e de 10 km da casa do progenitor, que vive na Travessa ..., nº ..., .., ..., em casa da namorada/companheira e a Escola L..., fica a uma distância de 45 metros da casa de morada de família.
18. Por aconselhamento policial, tendo alegadamente já sido deduzida acusação contra o Requerido pela prática de um crime de violência doméstica, a progenitora e os filhos, pernoitam e estão a viver, provisória e temporariamente, até que seja decidida a atribuição da casa de morada de família, em casa dos avós maternos, sita na Rua da ..., no Porto, a qual dista a 550 metros (a pé) da Escola F... e de carro a 1300 metros e 3300 metros da Escola L…. (cfr. doc. de fls. 220 e 221, aqui dado por inteiramente reproduzido).
19. As instalações referentes ao Jardim de Infância e ao 1º ciclo da Escola F..., funcionam no mesmo edifício, sito na Rua..., nº ..., e ..., Porto (cfr. doc. junto a fls. 221, aqui dado por inteiramente reproduzido).
20. O horários da Escola F... são os seguintes:
- Ensino Básico, das 9 h às 16 h e 15 m;
- Jardim de Infância, das 9 h às 16 h e 30 m (cfr. doc. junto a fls. 222, aqui tido por inteiramente reproduzido).
21. Aquando da inscrição/matrícula das crianças na Escola F…, os progenitores não equacionaram a hipótese de as colocar numa escola pública, rejeitando o pai tal situação, apenas admitindo a sua colocação em escola privada/colégio.
22. Os progenitores escolheram a Escola F... para os seus filhos por ser uma escola de pequena dimensão, de cariz familiar, privada e, para eles, com garantias dadas de excelente acompanhamento, sem qualquer vínculo de permanência para qualquer ano letivo, e com valências até ao primeiro ciclo, com articulação entre os ciclos, promovendo o projeto de escola que, depois, é desenvolvido individualmente por cada turma/ano, de forma específica, mas complementar para o todos, emprenhando-se os educadores e os professores na procura da continuidade/sequencialidade educativa.
23. Tem oferta complementar de inglês no 1º e 2º ano, Informática e Programação e Robótica nos 3º 4 º anos e fomenta parcerias com outras escolas, além de atividades extracurriculares, entre outras, música, judo, ballet, xadrez, serviços de psicologia, trabalhando a inclusão.
24. É uma escola que promove as artes:
- com um espaço galeria, um local da escola destinado à exposição de diferentes trabalhos/obras realizadas por diferentes artistas, sito num local central, por onde, diariamente, passam adultos e crianças, pretendendo com este espaço desenvolver o sentido estético e despertar a curiosidade e o pensamento crítico;
- com as oficinas, oferece a oportunidade às crianças do 1º ciclo e aos antigos alunos de frequentarem diferentes ateliers nas férias de Natal e Páscoa, com experiências que complementam a formação dos alunos em diferentes domínios, contando com profissionais de diferentes áreas,
25. Promove a solidariedade, nomeadamente com a campanha Ajudar, onde desenvolvem diferentes campanhas de solidariedade, com o objetivo de angariar produtos e fundos monetários destinados a apoiar instituições e famílias carenciadas.
26. Dou por inteiramente reproduzido teor doc. de fls. 223 a 239 e do de fls. 240 a 261, respetivamente o projeto educativo/curricular da Escola F... e o seu Regulamento.
27. Dou por inteiramente reproduzido o Plano de Higienização e de Contingência da Escola F... (doc. de fls. 262 a 263).
28. As ementas são controladas por nutricionistas, contendo toda a informação nutricional (cfr. doc. de fls. 274 ss.).
29. Tem um jornal da Escola, que mostra com periodicidade, a todos os intervenientes, professores, alunos, pais e auxiliares, para além de outras informações, as atividades desenvolvidas, os desafios propostos (cfr. doc. de fls. 277 a 289, aqui dado por integralmente reproduzido).
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30. A progenitora é técnica superior na Câmara Municipal do ..., auferindo o vencimento mensal liquido de cerca de 1.200 euros, 14 vezes ao ano (cfr. docs. de fls. 289, 290, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
31. O pagamento de metade da mensalidade da Escola F..., desde que a D... ali ingressou e até dezembro de 2018, foi assegurado pela tia paterna, solteira e sem filhos, que transferia para conta da progenitora tal valor (cfr. a título exemplificativo docs. de fls. 291 a 292, aqui dados por inteiramente reproduzidos), sendo que a outra metade era paga pela progenitora.
32. Desde janeiro de 2019 e desde setembro de 2020, é a requerente que suporta na integra o pagamento da totalidade da mensalidade da D... e do E....
33. É o Requerido que recebe a totalidade dos abonos de família dos filhos, no montante aproximado a 92 euros/mensais.
34. Em 2019, o progenitor na declaração de IRS apresentada, colocou os dois filhos como dependentes, beneficiando exclusivamente do benefício da dedução das despesas dos filhos.
35. A propina no Colégio K..., escola privada e de cariz religioso:
- para o pré-escolar é de 270,00 euros;
- para o 1º ciclo de 283,00 euros;
- o almoço mensal para cada criança é de 128,00, acrescendo ao valor das propinas;
- beneficiando o irmão mais novo de 25% de desconto, o que ascenderia ao valor global, mensal de 782,00, ou seja, de 391,00 euros para cada criança. (cfr. doc. de fls. 293, 294, aqui dados por integralmente reproduzidos)
35. Na Escola F..., somando o valor das duas propinas e dos almoços, considerando o desconto de 10% para o irmão mais velho, ascendendo ao montante global de 807,00 euros ou seja, de 403,00 euros para cada criança (cfr. doc. de fls. 295, 296, aqui dados por integralmente reproduzidos).
36. No final de 2019, o progenitor, sem o conhecimento da progenitora, realizou uma pré-inscrição dos dois filhos no Colégio K... (cfr. doc. de fls. 297 (do E...), aqui dado por inteiramente reproduzido).
37. O processo de inscrição não ocorreu, porque a mãe, tendo recebido a carta da Escola, se opôs (cfr. docs. de fls. 63 e 63, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
38. O progenitor, é professor, lecionando no Colégio K..., sito na Rua ..., auferindo o salário mensal líquido de cerca de 1.220,00 euros , 14 vezes ao ano (cfr. docs. de fls. 196 e 197, aqui dados por inteiramente reproduzidos).
39. O progenitor não suporta qualquer despesa com habitação, tendo vivido, após a separação supra dita em 3, metade do tempo na casa de morada de família, quando ali estava com os filhos e a outra metade em casa dos avós paternos.
40. Após, em data concretamente não apurada, passou a viver na casa da namorada/companheira, sita em ....
41. O avó materno, caso os pais não tenham disponibilidade financeira, declarou assumir o pagamento das propinas.
42. Na semana em que a D... estava com o pai, em resultado do regime de guarda semanal alternada, este não a levava à escola, faltando.
43. Depois da decisão deste tribunal, proferida a fls.125 ss, em 7/07/2020, e com o regime de telescola visto que o pai não a levava, a menina assistia às aulas com a câmara desligada.
44. O menor E... já conhece bem:
- todas as pessoas que acompanham a educação da sua irmã, pois acompanhava a mãe nas entregas e recolhas da menina na escola, durante a sua licença supra referida em 6.;
- a escola da irmã, conhece o espaço, as pessoas que lá trabalham, as salas e os meninos; cumprimenta o segurança à entrada e à saída da escola como qualquer criança da escola, foge para a sala do lanche e pede pão, cumprimenta as senhoras da secretaria e fica muitas vezes triste quando tem que regressar com a mãe para casa, pois quer ficar na escola.
45. O E..., já com três anos de idade, após a decisão deste tribunal, iniciou este ano letivo 2020/2021, o Jardim de Infância na Escola da irmã, a Escola F..., tendo-se adaptado imediatamente, chorando para não ir para casa.
***
46. S Escola EB-J1 L..., sofreu obras de renovação das suas instalações.
47. O Colégio K... tem 3 turmas dos 3 anos, num total de 75 alunos e 3 turma do 1º ano, com um total de 75 alunos.
48. Em data não concretamente apurada, o pai inscreveu os filhos na Escola L..., tendo o processo sido suspenso pela mãe.
49. Tal escola foi referida no site da C.M.P., tendo as valências e atividades referidas no doc. de fls. 192 ss. ( cujo teor aqui dou por inteiramente reproduzido).
50. O pai desloca-se em automóvel.
51. A mãe não conduz veículos automóveis.
52. Dou aqui por reproduzido o teor do doc. de fls. 196.
53. Inexiste vinculação para os vários anos letivos nas Escolas F..., L..., K..., G….
54. Dou por reproduzido o teor do Regulamento do K..., junto a fls. 395 ss.
55. Dou por inteiramente reproduzido o relatório da ATE, de fls. 121 ss., do qual se retira, entre outros factos, que:
- caso o progenitor não tenha capacidade económica para suportar metade das despesas do colégio, a progenitora assumirá tal encargo.
- O pai pugna pela integração dos filhos numa escola pública, concretamente na Escola Básica L...
***
Sobre a matéria não provada, a sentença emitiu a seguinte pronúncia:[3]
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos que vão para além dos dados como provados, designadamente das alegações do progenitor de fls. 180 ss:
- art. 2º, 14º, 27º, 31, 34, 40, 41, 42, 43, 45, 46, 50, a 2ª parte do art. 92, 93, 94, 96 a 98, 99).
***
Consigna-se que a restante matéria é conclusiva, de direito, repetida, consubstancia meras considerações ou está prejudicada pelos factos dados como provados, razão pela qual o tribunal não se pronunciou sobre a mesma.
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Apreciação do recurso
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
O recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação especificada previsto no art.º 640º, nº 1, al. a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
É a seguinte a matéria de facto impugnada:
Pontos 21, 33 e 34:
21. Aquando da inscrição/matrícula das crianças na Escola F…, os progenitores não equacionaram a hipótese de as colocar numa escola pública, rejeitando o pai tal situação, apenas admitindo a sua colocação em escola privada/colégio.
33. É o Requerido que recebe a totalidade dos abonos de família dos filhos, no montante aproximado a 92 euros/mensais.
34. Em 2019, o progenitor na declaração de IRS apresentada, colocou os dois filhos como dependentes, beneficiando exclusivamente do benefício da dedução das despesas dos filhos.
Pretende o recorrente que esta matéria seja dada como não provada.

Pontos 4, 7, 11, 21, 22, 31, 32, 35, 40 e 42:
Pretende:
Quanto ao ponto 4, que seja aditado o seguinte:
A inscrição da menor D... na Escola F... para frequentar o 1º ano do 1º ciclo no ano lectivo de 2020/2021 foi efectuada pela progenitora na sequência e com base em decisão judicial proferida nestes autos, e entretanto revogada, contra a vontade declarada do progenitor.

Relativamente ao ponto 7, que seja aditado o seguinte:
Em Abril/Maio de 2019, o progenitor comunicou por escrito à Escola F..., que pretendia o cancelamento das matrículas dos filhos D... e E... naquela escola para o ano lectivo 2019/2020, efectuadas em 31/01/2019 e 14/02/2019, respectivamente.

Relativamente ao ponto 11, que seja suprida uma sua parte, ficando com a seguinte redação:
Dou por inteiramente reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 211, 212 e 298, os quais consubstanciam, respetivamente, fichas de avaliação da D..., relativas ao período escolar de fevereiro a maio de 2017 e de setembro de 2016 a janeiro de 2017 e do 2º semestre de 2019/2020, as quais, em súmula, relatam os sentimentos e as rotinas da D..., a sua evolução, passando de uma criança introvertida, com dificuldade em se integrar, para uma criança totalmente integrada na escola, quer no espaço, quer com as educadoras, auxiliares e amigos.

No que respeita ao ponto 22, pretende-se que seja reduzido para o seguinte texto:
Os progenitores escolheram a Escola F... para os seus filhos por ser uma escola de pequena dimensão, com um ciclo curto apenas até o 4º ano do 1º ciclo e, sobretudo, por se situar perto da casa dos avós maternos.

Quanto ao ponto 31 quer o recorrente que apenas se dê como provado:
O pagamento de metade da mensalidade da Escola F..., desde que a D... ali ingressou e até dezembro de 2018, foi assegurado pela tia paterna, solteira e sem filhos, que transferia para conta da progenitora tal valor (cfr. a título exemplificativo docs. de fls. 291 a 292, aqui dados por inteiramente reproduzidos).

Na perspetiva do recorrente, o ponto 32 deve conter apenas o seguinte texto:
Desde Janeiro de 2019 que são os avós maternos que suportam o pagamento de metade da mensalidade da D... e do E....

Quanto ao ponto 35, visa-se acrescentar ao seu teor o seguinte texto:
Na Escola EB-J1 L..., a inscrição/matrícula e a frequência da D... e do E... é gratuita, assim como a inscrição e frequência dos mesmos nas actividades extra-curriculares nela existentes, não havendo qualquer custo financeiro para os progenitores.

Quanto ao ponto 40, pretende-se que o seu texto seja substituído pelo seguinte:
Após 23/12/2020, o progenitor passou a viver na casa da namorada/companheira, sita em ....

Relativamente ao ponto 42, tem-se por objetivo da impugnação que passe a ter apenas o seguinte teor:
Entre Setembro e Dezembro de 2019, na semana em que a D... estava com o pai, em resultado do regime de guarda semanal alternada, este não a levava à escola.

Vejamos!
No acórdão de 8.10.20202 deixámos justificada a importância de tomar declarações à D..., já com 7 anos de idade. Além do mais, escrevemos ali:
Quem decide o incidente é o tribunal, não é a criança, é certo. Mal tutelado estaria o seu superior interesse se fosse ela a decidir, sem mais, sobre a sua vida futura quando nem os pais, pessoas supostamente maduras, sabem decidir sobre a vida dela. No entanto, há interesse na sua audição, e muito. É desde logo, enquanto ato de audição, um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, a conjugar criticamente com outros, sujeito a uma avaliação probatória casuística, ponderando as circunstâncias de cada caso, em que pesa, além do mais, a idade e o grau de maturidade e discernimento da criança, as condições de vida dos pais e a relação que mantém com cada um deles.
A vontade que a criança declara, obtida através da sua audição, não é uma decisão, mas é sempre uma referência relevante e uma manifestação do seu inalienável direito à palavra e à influência ativa na escolha do seu destino pessoal, em que o tribunal deve sempre refletir.
Uma criança com sete anos de idade, apesar de ter dificuldade em tomar decisões, e ser ainda influenciável pelos pais, já desenvolve o sentido ético, já consegue distinguir entre o bem e o mal, não apenas em casos que a envolvam, mas também em situações de outras pessoas, sendo também muito sentimental com elogios ou críticas. Tem no mundo da escola o mundo dos seus amigos. É necessária uma relação mútua e forte entre a família e a escola, sobretudo nesta idade.[4]
Não vemos nenhum motivo para que a D... não seja ouvida no processo, nem o tribunal recorrido justificou a sua não audição. Com todas as reservas que, em tese, as suas declarações possam merecer, dada a possível influência de terceiros, elas podem ser também expressão de verdade relevante para a decisão. É uma possibilidade que o tribunal não deve descartar, antes deve, por si, ou através de técnico especializado, em ambiente informal e descomprometido, colher a sua opinião sobre a escola que frequenta e colocá-la sob a hipóteses de mudança, tentando obter o seu pensamento autêntico, genuíno, sobre o assunto.
Na sequência da anulação da sentença, ditada pelo referido acórdão, tiveram lugar várias diligências de prova, entre elas a audição da D....
Da gravação daquelas declarações emerge que a diligência teve lugar em ambiente judicial circunscrito e descontraído, a criança foi respeitosamente colocada numa situação de espontaneidade que muito facilitou o que nos parecer ter sido uma manifestação de vontade livre e sincera, ainda que com algumas hesitações próprias da sua imaturidade. E ficou muito claro que a D… gosta da escola que sempre frequentou (atualmente no 1º ano do ensino básico e anteriormente o jardim-de-infância do mesmo Colégio) do seu professor e das amizades que ali criou (falou nas gémeas e nos rapazes, com os quais brinca nos intervalos de recreio). Não manifestou qualquer interesse em mudar de escola; pretende permanecer ali. Evidenciam as mesmas declarações que, tendo ela uma boa relação com o pai, é mais íntima e mais intensa a sua relação com a mãe, o progenitor residente, com o qual passa a maior parte do tempo. O pai vive com a namorada e duas filhas dela, com as quais também tem uma relação razoável. Na sua relação com a mãe é tudo mais calmo mais calmo, mais tranquilo. O seu irmão, E..., passou a frequentar também o seu colégio, o respetivo jardim-de-infância, e também gosta de estar lá.
Não sendo a vontade infantil decisiva, é o bem-estar das crianças, nas suas mais diversas manifestações da vida que, sobretudo, deve orientar o sentido da decisão: a estabilidade da sua vida nas suas mais diversas relações sociais e afetivas, seja na família, seja na escola ou em qualquer outro local ou atividade que frequente. Quanto mais jovem é a criança, maior é necessidade de manter estabilidade afetiva e emocional na família e na escola. A quebra de relacionamentos profícuos da criança, seja com familiares, amigos ou professores, seja até pela substituição de espaços habituais em que a criança é feliz, prejudica ou seu normal desenvolvimento psicológico e emocional.
Não esqueçamos que, face ao desentendimento persistente dos progenitores nesta matéria de particular importância para a vida dos dois filhos, um deles apenas com 3 anos de idade, somos chamados a decidir apenas, nos termos do art.º 44º da do RGPTC, de entre as propostas indicas pelos pais, qual delas é a que melhor acautela o seu superior interesse (e não o interesse egoísta dos pais, designadamente o interesse que cada um deles possa ter em passar mais tempo com os filhos) – art.º 1906º, nº 7, do Código Civil. Tal não significa que não deva haver um esforço de compatibilização de interesses e vontades legítimos dos progenitores, mas sempre salvaguardado a prioridade na satisfação nas necessidades dos filhos.
O interesse da criança aponta no sentido desta poder alcançar, a todo o momento, o ambiente mais propício possível ao desenvolvimento harmonioso da personalidade, ao progresso contínuo da sua educação e à manutenção ou recuperação da saúde (física e mental), dentro dos respetivos condicionalismos individuais, familiares, económicos e sociais.
Apenas se discute aqui a escolha da escola dos filhos, entre dois colégios privados e uma escola pública.
A jurisprudência tem entendido que “quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª Instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640°, n.° 1, do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, face ao disposto nos art.ºs 130º e 608°, n° 2, do Código de Processo Civil”.[5]
Analisando os factos provados, mesmo prescindindo da matéria provada que o recorrente impugnou e considerando o que, de novo, o mesmo pretende que seja dado como provado, a matéria essencial não foi colocada em crise e a solução jurídica sempre seria mesma. As alterações pretendidas pelo apelante em matéria de facto são meramente instrumentais e em nada contribuem para uma decisão diferente daquela para a qual os factos essenciais (não impugnados) apontam. Ainda que procedessem, tais alterações são praticamente irrelevantes e inconsequentes face à matéria de facto não impugnada e verdadeiramente relevante para a decisão.
Concretizando um pouco, em face de factos dados com provados, como são os que constam dos pontos 4, 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 15, 15.1, 15.2, 16, 17, 18, 19, 22 (na parte aceite), 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 35, 35, 36, 41, 43, 44, 45, 46, 47 a 55, não tem qualquer relevância para uma tomada de decisão séria e esclarecida sobre a escolha da escola da D… e do E..., saber:
- Se a inscrição da D… para frequentar o 1º ano (na Escola onde já vinha frequentando o infantário) teve a oposição do recorrente.
- Se o recorrente, em abril/maio de 2019, comunicou à escola de F... que pretendia o cancelamento da matrícula dos filhos para o ano letivo de 2019/2020. É sabido que se se vem opondo a que os filhos frequentem aquela escola.
- Provada a parte inicial do ponto 11, também não tem relevância dar como não provado que para a evolução da D... contribuiu o esforço, trabalho coeso da educadora/psicóloga/auxiliar e diretora da escola”, pois também não está provado nem se se pretende demonstrar o contrário.
- Também não tem qualquer interesse para a decisão jurídica o ponto 21 dos factos provados. A ausência desse facto não influencia a decisão final.
- O recorrente reconhece que escolheu a Escola de F... para os seus filhos, juntamente com a recorrida, por ser uma escola de pequena dimensão. Não releva que se dê como não provado outros motivos da opção inicialmente efetuada pelo casal.
- Face à disponibilidade do avô materno para suportar as propinas do colégio se os progenitores não o puderam fazer, à disponibilidade da progenitora se o apelante não puder pagar, e à obrigação destes pagarem, em primeira linha, tais custos se para tanto tiverem possibilidade económica, não vemos também qualquer interesse nos factos referenciados na última parte do ponto 31 e no ponto 32.
- Também não releva para a decisão saber qual dos progenitores tem vindo a receber os abonos de família dos filhos, pois que, em qualquer caso, devem ser destinados à satisfação das necessidades das crianças.
- Não vemos também onde possa haver relevância no ponto 34.
- A gratuitidade da matrícula e da frequência da escola pública L..., assim como das atividades extracurriculares que nela se pratiquem, é uma das caraterísticas da escola pública. Importante poderá ser saber quais são elas e qual a sua qualidade. Por isso também não interessa o aditamento pretendido para o ponto 35.
- Não vemos qualquer interesse em aditar ao ponto 40 que o recorrente só passou a vive com a namorada desde 23.12.2020. Na verdade, o apelante reconhece a existência dessa convivência próxima, regular e atual.
- Mesmo que admitamos que o pai só não levou a filha à escola entre setembro e dezembro de 2019, nas semanas que ela passava com ele no âmbito do regime de guarda semanal alternada, a solução não deixará de ser a mesma.
Reexaminar a decisão proferia em matéria de facto seria, no caso, um absoluto ato inútil, face à matéria de facto essencial e não impugnada, por isso proibido por lei (art.º 130º do Código de Processo Civil), como melhor resultará ainda aquando da apreciação da terceira questão do recurso.
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2. Aplicação da al. d) do nº 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil
Diz o apelante que a falta de análise crítica do documento identificado no ponto 52 dos factos provados (o documento de fl.s 196), designadamente a falta de especificação do respetivo teor e das razões pelas quais esse teor sustenta e fundamenta a convicção da Ex.ma Juiz, determinam que se conclua pela existência de uma deficiência da decisão quanto àquele facto, nos termos do art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, devendo tal deficiência ser suprida pela 1ª instância, ao abrigo do art.º 662º, nº 2, al. d), do Código de Processo Civil.
A remissão que o tribunal faz para o teor de um determinado documento, nos factos provados, pode não ser uma manifestação da melhor técnica jurídica, sobretudo quando o tribunal quer dar como provado ou provados os factos que o documento atesta, mas nunca deixa de significar a demonstração da existência desse documento e da sua junção aos autos e de que nele se fez constar o que efetivamente dele resulta.
A al. d) do nº 2 do citado art.º 662º reporta-se a deficiência da justificação de factos dados como provados ou não provados, ou seja, da sua motivação (art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Valendo aquele facto, como existência e junção de determinado documento, com o conteúdo que dele resulta (independentemente deste estar, ou não estar, provado) é manifesto que a sua junção é a motivação da sua existência no processo e da sua origem, não se justificando o cumprimento da aludida al. d) do nº 2 do art.º 662º.
Improcede a segunda questão do recurso.
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3. Erro de julgamento em matéria de Direito
Dispõe o art.º 1906º, nº 1, do Código Civil que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
A escolha da escola do filho, maxime quando está em causa uma divergência entre a frequência de uma escola particular e de uma escola pública pelos filhos é uma questão de particular importância, tal como são a mudança de colégio privado, as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor, a prática de atividades desportivas radicais, a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo, mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.[6] São situações existenciais muito expressivas que pertencem ao núcleo essencial dos direitos do filho, questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, e respeitam a atos que se relacionam com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias nas quais se justifica o acordo dos pais ou, na falta dele, uma decisão judicial, por razões de estabilidade na vivência das crianças e de prevenção de conflitos nas relações entre os pais.[7].
Havendo exercício comum, por ambos os pais, das responsabilidades parentais, quando não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, compete ao tribunal a resolução do diferendo, a pedido de qualquer deles.
Retomamos aqui o fio condutor da decisão da primeira questão do recurso.
O tema é saber se, com ou sem a modificação da decisão em matéria de facto, as crianças devem permanecer no Colégio que vêm frequentando ou devem passar a frequentar outra escola, seja a escola pública L..., seja o Colégio K..., onde o apelante é docente.
Jamais o tribunal pode olvidar o interesse da criança e a sua vontade livre e espontaneamente expressa, ainda que esta possa não corresponder à melhor realização daquele interesse.
Clara Sottomayor[8] refere mesmo que “as decisões de particular importância não constituem (…) questões parentais negociadas livremente pelos pais ou coactivamente decididas pelo Tribunal, mas questões em relação às quais a voz da criança é decisiva, assumindo a lei que as crianças são sujeitos de direitos e não objectos de decisões alheias”.
Acrescenta, com grande pertinência, aquela distinta autora: “A propósito das inscrições em estabelecimentos de ensino, mesmo que se trate de um colégio privado e de decisões de transferência do ensino público para privado ou vice-versa, e da orientação profissional do/a jovem, julgamos necessário proteger a estabilidade da sua vida, conferindo poderes de decisão ao progenitor residente, que melhor conhece as necessidades da criança e o seu desenvolvimento, uma vez que a acompanha emocionalmente e dela cuida diariamente. Parece mais adequado, do ponto de vista do interesse da criança, não distinguir, consoante a inscrição seja num estabelecimento público ou particular, sendo ambas as decisões consideradas usuais na vida da criança e devendo ser tomadas pelo progenitor que cuida da criança no dia-a-dia. A escolha de colégios privados pode ser necessária, para que as crianças beneficiem de actividades extra-curriculares e de um acompanhamento mais personalizado nos estudos. Por outro lado, facilita às famílias a conciliação do trabalho com a vida familiar, sobretudo, ao/à progenitor/a residente, que se encontra sozinho/a a cuidar dos/as filhos/as”.
No acórdão da Relação do Porto de 6.5.1014[9], decidiu-se que “está indicado que o menor continue a frequentar um colégio privado, se tem revelado aproveitamento acima da média (ponto favorável e importante de realização futura) e um bom padrão de socialização; a mudança acarretaria perigo de insegurança afectiva, à qual o menor é particularmente sensível”.
Clara Sottomayor defende ainda que o tribunal deve limitar ao mínimo a intervenção estranha ao núcleo familiar, escolhendo uma ou outra das soluções apresentadas pelos pais da criança segundo a proposta da pessoa de referência da criança que melhor conhece as suas necessidades e problemas.[10]
É da maior importância a idade das crianças.
A D... está a atravessar uma fase da sua vida em que a socialização tem um peso crucial; uma fase que, sendo, de algum modo, comparável à adolescência, se revela sobretudo pelo início do seu desenvolvimento fora do contexto familiar. A criança experimenta ativamente desde os 3 anos o relacionamento social, faz as primeiras amizades com outras crianças e estabelece contactos relevantes com outros adultos. Aprende a optar nas mais diversas situações da sua vida e a aperfeiçoar e desenvolver o seu sentido crítico, estético e o sentido axiológico da vida. Se forem proficientes as suas experiências e a sua confiança nos laços afetivos que vivenciar, mais preparada estará para a sua vida social futura. Nestes anos, a infância deve ser, tanto quanto possível, imperturbável, na família, na escola e no meio em geral onde a criança interage e aprende a viver. É fundamental a sua estabilidade emocional e a manutenção dos laços afetivos que criou e está a desenvolver positivamente.
Atente-se nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar do Ministério da Educação[11]:
«(…)
A área de Formação Pessoal e Social assenta, tal como as outras, no reconhecimento da criança como sujeito e agente do processo educativo, cuja identidade única se constrói em interação social, influenciando e sendo influenciada pelo meio que a rodeia.
É nos contextos sociais em que vive, nas relações e interações com outros e com o meio que a criança vai construindo referências, que lhe permitem tomar consciência da sua identidade e respeitar a dos outros, desenvolver a sua autonomia como pessoa e como aprendente, compreender o que está certo e errado, o que pode e não pode fazer, os direitos e deveres para consigo e para com os outros, valorizar o património natural e social.
É nessa inter-relação que a criança vai aprendendo a atribuir valor aos seus comportamentos e atitudes e aos dos outros, reconhecendo e respeitando valores que são diferentes dos seus. A educação pré-escolar tem um papel importante na educação para os valores, que não se “ensinam”, mas se vivem e aprendem na ação conjunta e nas relações com os outros.
(…)
A construção da identidade passa pelo reconhecimento das características individuais e pela compreensão das capacidades e dificuldades próprias de cada um, quaisquer que estas sejam. Nas crianças em idade pré-escolar, a noção do eu está ainda em construção e é influenciada positiva ou negativamente pelo modo como os adultos significativos e as outras crianças a reconhecem.
A construção da autoestima depende, assim, da forma como os adultos (…) intencionalmente valorizam, respeitam, estimulam a criança e encorajam os seus progressos, pelo modo como apoiam as relações e interações no grupo, para que todas as crianças se sintam aceites e as suas diferenças consideradas como contributos para enriquecer o grupo e não como fonte de discriminação ou exclusão.».
A matéria de facto essencial não foi objeto de impugnação.
Não há qualquer justificação para que a D..., com 7 anos de idade, e agora também o seu irmão E..., com 3 anos de idade, sejam afastados do Colégio de F... que frequentam, aquela desde os 2 anos, então por decisão de ambos os progenitores. Nada desabona a sua frequência, nem sequer razões de ordem económica. Recomenda-se, aliás, a continuidade da sua frequência. Foi o pai que, ainda no dia 14 de fevereiro de 2019, matriculou o E... na Escola de F… que a irmã já frequentava. Esta escola privada reúne condições muito favoráveis à manutenção da situação. Interessa à mãe das crianças, enquanto progenitor residente, e tem condições de aprendizagem muito satisfatórias, com oferta de atividades extracurriculares diversificadas que abrangem as artes. Nela, as crianças estão bem socializadas e têm um grande potencial de desenvolvimento de caráter e da sua personalidade. A D... sente-se bem e manifestou vontade de continuar a frequentá-la, gosta do seu professor e fez ali amizades.
Apesar da sua idade, o E... já conhece bem todas as pessoas que acompanham a educação da sua irmã, assim como a escola. Conhece as pessoas que lá trabalham, as salas e os meninos, cumprimenta o segurança à entrada e à saída da escola como qualquer criança da escola, foge para a sala do lanche e pede pão, cumprimenta as senhoras da secretaria e fica muitas vezes triste quando tem que regressar com a mãe a casa, por querer ficar na escola. Teve uma boa adaptação ao jardim-de-infância da escola.
Para quê perturbar a sua estabilidade emocional? Que interesse serviria qualquer mudança? Não, por certo, o interessa das crianças.
Os factos provados traduzem manifestações de instabilidade de conduta do pai das crianças que não abona a sua posição. Depois de, no dia 14.2.2019, ter matriculado o E... no Colégio de F..., que a irmã frequentava já desde os 2 anos, logo no final desse ano civil fez a pré-inscrição dos dois filhos no Colégio K... sem o conhecimento da mãe, contrariando o dever de decisão conjunta (art.º 1906º, nº 1, do Código Civil). Deixou também o pai de levar a D... à escola, pelo menos, entre setembro e dezembro de 2019, nas semanas que esta passava com ele sob o regime de guarda semanal alternada. Depois da decisão do tribunal proferida em 7.7.2020, por causa do pai, a D... assistia à telescola com a câmara desligada.
Não é assim que se defende o superior interesse dos filhos, cujo respeito deve passar também pelo alheamento das questões que dividem os pais.
A mudança de escola dos filhos, nas condições que ficaram provadas chega a raiar o ilogismo e o absurdo na perspetiva da salvaguarda do interessa das crianças e da vontade critica e fundadamente manifestada pela D....
As crianças vão continuar a frequentar o Colégio de F....
O recurso não merece proceder, devendo a sentença ser confirmada.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, dado o seu decaimento.
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Porto, 21 de outubro de 2021
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante também designado por RGPTC e ao qual pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição
[4] Características psicológicas da criança de 6 e 7 anos, http://educacao.aaldeia.net/psicologia-crianca-67-anos/
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2020, Colectânea de Jurisprudência do STJ T. I, pág. 13 e de 13.7.2017, proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1, in www.dgsipt.
[6] Cf. Clara Sottomayor, ob. cit., pág. 312, citando um acórdão da Relação de Évora de 18.10.2011.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa de 20.9.2019, proc. 19574/15.5T8LSB-B.L1-2, in www.dgsi.pt.
[8] Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Almedina, 6ª edição, 2016, pág. 312.
[9] Proc. 9436/04.7TBVNG-E.P1, citado na referida obra.
[10] Ob. cit., pág. 327.
[11] http://www.dge.mec.pt/ocepe/index.php/node/41. O E... iniciou a frequência do Jardim-de-infância que a sua irmã acabou de frequentar para iniciar o 1º Ciclo do ensino Básico.