REFORMA DE ACÓRDÃO
USO ABUSIVO
Sumário

I - Em regra, uma lei processual como é a da exigência de pagamento de um valor para que um incidente processual possa ser apreciado, é de aplicação imediata, sendo aplicável às acções pendentes, atendo o disposto no art.º 12º do Código Civil.
II - No caso e tendo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte e a reclamação que se lhe seguiu, sido apresentadas na vigência da redacção dada ao Regulamento das Custas Processuais, pela Lei nº27/19 de 28.03, deve aplicar-se ao respectivo incidente o regime previsto no novo art.º 26º-A.
III - A reclamação à nota de custas de parte não deve ser apreciada quando não tiver sido realizado o depósito da quantia reclamada nos termos previstos no nº2 do referido art.º 26º-A do RCP.

Texto Integral

Apelação nº 330/14.4TBVNG-F.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço


Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
Na presente acção de Processo Comum em que é autora B… na qualidade de tutora e em representação de C… é réus D… e outros, a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela Autora foi proferida em 6 de Outubro de 2015.
A mesma decisão, após vários recursos, transitou em julgado em 13.02.2017.
No entretanto e em 6.02.2017, tinha vindo a Autora, nos termos do disposto nos artigos 25º e 26º do RCP, 553º do CPC e 5º da Portaria nº 700/2003, apresentar a nota justificativa e discriminativa das custas de parte, no montante de €12.911, 81.
Por despacho proferido em 27.02.2017 foi ordenada a remessa dos autos à conta.
Em 8.03.2017 veio a Autora, nos termos do nº7 do art.º 6º do RCP, requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Por despacho proferido em 3.04.2017 foi decidido reduzir em 50% o valor da taxa de justiça remanescente a pagar por Autora e Réus.
Em 9.05.2017 foi elaborada a conta definitiva.
Na mesma data foi o conteúdo da mesma conta notificado às partes que dela não reclamaram.
Foram realizadas várias diligências processuais no sentido da cobrança coerciva das custas em dívida.
C… faleceu, entretanto, no dia 31.01.2021.
Em 12.02.2021 veio autora B… e nos termos do disposto no nº1 do art.º 25º do RCP, apresentar uma outra nota discriminativa e justificativa das custas de parte, no montante de €24.157,31.
Notificado da mesma, veio o Réu reclamar desta nos termos dos artigos 33º da Portaria nº419-A/2009 de 17 de Abril e 31º do RCP, em 23.02.2021.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação apresentada pelo não cumprimento do disposto no art.º 26º-A, nº2 do RCP.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Requerimento de reclamação contra a nota discriminativa datado de 23/2/2021:
Veio o R. reclamar da nota discriminativa de custas de parte apresentada pela Autora, sem que tenha depositado o valor constante daquela nota.
Nos termos do art.26º-A nº2 do Regulamento das Custas Processuais (na versão dada pela Lei nº27/2019 de 28-3), a reclamação da nota discriminativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota [note-se que a declaração de inconstitucionalidade a que se reporta o Acórdão TC nº 280/2017 de 30-6 diz respeito ao art.33º nº2 da Port. 419-A/2009 de 17-4 (fundando-se tal declaração em inconstitucionalidade orgânica) e não ao art.26º-A nº2 do Regulamento das Custas Processuais (versão actual)].
Assim, não tendo o R. dado cumprimento ao disposto naquele art.26º-A nº2, indefiro a reclamação apresentada.
Custas pelo R., com taxa de justiça mínima – art.7º nº4, com referência à Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.

*
Inconformado com o teor deste despacho dele veio recorrer o réu D…, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações de recurso.
A autora agora Herança Aberta de C…, veio responder.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho datado de 12/03/2021, com referência CITIUS n.º 422753865, com o qual o Recorrente não se pode conformar, pois entende que a sua reclamação à nota de custas de parte apresentada pela Autora tinha de ser apreciada e, posteriormente, julgada totalmente procedente.
2. A Recorrida intervém nos presentes autos, em representação de C…, na qualidade de Tutora.
3. Com a morte do interdito/beneficiário, termina a representação do tutor – cfr. artigos 1944.º, nº1, do CC, aplicável ex vi n.º 4 do art.º145.º do CC, e 1961.º, interpretado extensivamente, do mesmo diploma.
4. Assim sendo, o cargo de tutora da Autora caducou, extinguiu-se, deixando a mesma de ter legitimidade e/ou interesse em agir para intervir nos presentes autos, tendo a titularidade das relações jurídicas do de cujus passou, no momento da abertura da sucessão, a pertencer aos herdeiros de C….
5. A nota de custas de parte em análise foi apresentada por quem não tem poderes para o efeito e ou/ falta de interesse em agir.
6. Em caso da instância estar ainda pendente, sempre esta actuação da Recorrida, determinaria a verificação de uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que daria lugar à absolvição da instância.
7. Prescreve o art.º 270 do CPC que a nulidade dos actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, devia determinar a suspensão da instância.
8. De facto, a proceder o ato praticado e considerada a cessão da gerência inerente à tutela exercida pela Recorrida, ocorre que o recebimento da quantia de custas constituiria um locupletamento ilegítimo da mesma, em sacrifício do acervo hereditário.
9. Por tudo o quanto foi dito, deve ser reconhecida a falta de capacidade judiciária da Recorrida e considerado nulo o acto de reclamação da nota discriminativa de custas de parte.
10. De todo o modo, entendeu o tribunal a quo que, nos presentes autos, a reclamação da nota de custas de parte só deve ser apreciada se o reclamante tiver depositado o valor da nota.
11. O tribunal a quo fundamentou o seu entendimento no disposto no artigo 26º-A, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redacção actual dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.
12. Sucede, porém, que aos presentes autos é aplicável o mesmo Regulamento das Custas Processuais, mas na versão que decorre do Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto.
13. Nesta versão que, reitera-se, é a aplicável ao presente caso, não se encontra prevista a necessidade de proceder ao depósito do montante constante da nota de custas de parte.
14. Na verdade, para além de não existir o artigo 26.º-A invocado no douto despacho, a norma que regula a reclamação é o artigo 31.º que apenas prevê a necessidade de proceder ao depósito em caso de segunda reclamação.
15. Nestes termos, deve ser revogado o despacho recorrido e ser apreciada a reclamação apresentada pela Ré.
16. No caso ainda de se entender aplicável o actual RCP, não se prescinde de fazer referência à Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades.
17. Colocando em evidência o n.º 2 do art.º 33.º do dito diploma, que prescreve idêntica norma ao 26.º-A RCP, dizendo «A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota», foi a mesma declarada inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Ac. Tribunal Constitucional n.º 280/2017, de 30/6.
18. Note-se que, a referida norma já havia sido objecto do mesmo juízo de inconstitucionalidade nos acórdãos n.º 189/2016, de 03/05 e n.º 56/2018, ambos do Tribunal Constitucional.
19. Sendo certo que, como bem nota o douto despacho recorrido, esse juízo diz respeito à portaria e não ao regulamento das custas processuais, parece-nos que qualquer decisão sobre a matéria não pode ser alheia aos efeitos produzidos.
20. A norma é exactamente a mesma, com o mesmo espírito, com a mesmo ratio, com a mesma letra.
21. A declaração de nulidade da norma inconstitucional supõe a expulsão da ordem jurídica da norma viciada em todas as suas acepções e a sua eficácia geral frente a todas as autoridades públicas (legislador, administração e tribunais) e por todos os cidadãos – cf. 282.º da Constituição da República Portuguesa.
22. A despeito da revogação da norma no diploma dito principal, não pode inércia do legislador potenciar soluções diversas em confronto de normas idênticas.
23. Menos ainda, salvo o devido respeito, que é muito, pode o Tribunal a quo fazer vista grossa à fiscalização concreta da legalidade e inconstitucionalidade que lhe compete.
24. Ainda a este respeito, não resistimos a transcrever parte acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 19/02/2014, no âmbito do processo nº 269/10.2TAMTS-B.P1: “Em comentário ao citado art.º 25.º, n.º1 do seu Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª edição, 2013, Salvador da Costa refere que em determinados casos a obrigação de depósito - que se constata ser meio impeditivo de comportamentos dilatórios - como condição de recebimento da reclamação, pode ser exigência excessiva. Nesta hipótese dos autos, a parte que reclamou o pagamento das custas foi quem criou a maior dilação imaginável. Iria ainda ser premiada na sua tardia atitude ao exigir-se da outra parte um ónus severo de depósito prévio de quantia superior 8.000 euros, como condição de reconhecimento da extinção do direito de o fazer. O que realmente não faz qualquer sentido Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por B…, SA, revogando o despacho recorrido e julgando extemporâneo o pedido de custas de parte formulado pelos arguidos a fls. 842 e ss.”.
25. Nos presentes autos, o depósito exigido ao Recorrente é do valor de €24.157,31.
26. Estamos perante um valor claramente desproporcionado quer em relação às condições económicas do Recorrente, quer em relação à complexidade do acto de apreciação da legalidade nota de custas de parte apresentada, pelo que exigir ao Recorrente que proceda ao depósito desta quantia é coarctar-lhe completamente o seu direito a reclamar da nota de custas de parte apresentada que, por ser intempestiva, não é devida.
27. Segundo o entendimento do tribunal a quo, restaria então ao Recorrente nada fazer e limitar-se a pagar a quantia de €24.157,31 que não é devida, entendimento que se considera completamente descabido, irrazoável, injusto e até mesmo inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
28. Por fim, saliente-se que, nos presentes autos, temos que o Recorrido apresentou a sua nota de custas de parte nos 4 anos depois do trânsito em julgado do douto acórdão!
29. E para que a intempestividade seja judicialmente reconhecida é exigido ao Recorrente que proceda ao depósito da quantia de €24.157,31, em clara violação do artigo 20.º, nº 1 da CRP.
30. Acresce que, a nota de custas de parte apresentada é claramente extemporânea!
31. Desde logo porque a Autora foi notificado do douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que transitou em julgado em julgado em 13/02/2017 e apresentou a sua nota de custas de parte em 12/02/2021.
32. Muito depois de decorridos os 10 dias após o trânsito em julgado a que se refere o artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais na sua actual redacção.
33. Aliás, nos presentes autos, foi até elaborada a conta do processo, da qual a Recorrida, na qualidade de Tutora, reclamou, sem nunca, até agora, ter apresentado nota de custas de parte.
34. Na sua reclamação o Recorrente invocou a intempestividade da apresentação da nota de custas (cf. artigos 14.º e ss. da reclamação), uma vez que o pretenso direito às custas de parte pela Recorrida há muito que caducou, não podendo ser exigido ao Recorrente!
35. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou e fez uma incorrecta apreciação do artigo 24.º-A. º do Regulamento das Custas Processuais, do artigo 333.º do Código Civil, do artigo 270.º do CPC, e, por fim, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
36. Deste modo deve ser revogado o douto despacho recorrido e julgado extemporâneo o pedido de custas de parte apresentado pela Recorrida.
*
Já a autora/apelada conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
1. Enquanto questão prévia ao douto recurso em análise, crê a ora respondente que se impõe salientar a violação, por banda do recorrente, do preceituado no art.º 639.º do CPC.
2. Mesmo de uma leitura perfunctória resulta que as conclusões oferecidas são uma perfeitamente evitável repetição das alegações que as antecedem.
3. Pelo que, e por respeito à mais recente e ajuizada corrente jurisprudencial deste mesmo venerando Tribunal – designadamente a vertida nos Acs. de 12/07/2017, 24/01/2018 e 09/11/2020 – perante a absoluta identidade entre alegações e conclusões, deverão estas ter-se por não escritas, e o recurso ser liminarmente rejeitado, nos termos e para os efeitos do previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 641.º do CPC.
Sem prescindir,
4. Incorrendo no primeiro dos argumentos recursivos expendidos, sempre se dirá que não pode a recorrente com o mesmo concordar, não padecendo a recorrida de qualquer incapacidade.
5. Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, apesar do óbito do A. e da transmissão da titularidade dos direitos e obrigações para a totalidade dos herdeiros, não pode o recorrente pretender socorrer-se da qualidade de herdeiro para obstar à prática de qualquer acto por conta e no interesse da herança.
6. A preocupação na protecção dos interesses do de cujus determinou que o legislador plasmasse no art.º 270.º do CPC o correlativo mecanismo processual garantístico, que o recorrente não pode – salvo devido respeito – conseguir deturpar.
7. Uma vez que o recorrente é o co-herdeiro que lesou a herança, dar conforto a tese por ele oferecida – de que o cabeça-de-casal não detém legitimidade para praticar actos tendentes à defesa dos interesses da herança – não deixaria de redundar numa incongruência adjectiva não equacionada ou pretendida pelo legislador.
8. Prossegue o recorrente argumentando que mal andou o tribunal a quo ao aplicar ao caso em apreço o n.º 2 do art. 26.-A do Regulamento das Custas Processuais, por entender que a alteração legislativa decorrente da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março não se aplica in casu.
9. Naturalmente que não pode a recorrida deixar de evidenciar a absoluta discordância com esse entendimento, seguindo de perto aquela que – salvo melhor opinião – é a apreciação transversal neste Venerando Tribunal, com particular relevo para o doutamente decidido nos Acs. de 09/01/2020 e 09/11/2020, de onde resulta com mediana clareza que, por regra e por respeito ao preceituado no art. 12.º do CC, a lei processual tem aplicação imediata.
10. De resto, uma derradeira chamada de atenção para a sedimentação da quaestio relacionada (e arguida pelo recorrente) com a pretensa inconstitucionalidade da norma em apreço, definitivamente afastada pela decisão do Plenário do Tribunal Constitucional, o Ac. n.º 56/2021, Processo n.º 435/20, de 22/01/2021.
Por fim,
11. Culmina o recorrente por, audazmente, perante uma não apreciação em primeira instância por parte do Tribunal a quo, insistir junto do Tribunal ad quem por um julgamento ampliado em termos inadmissíveis.
12. O pedido formulado pelo recorrente não encontra suporte em nenhum dos fundamentos admissíveis de recurso, pelo que deverá, sem mais, por configurar um extravasar de poderes deste Venerando Tribunal, ser liminarmente rejeitado.
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Perante o antes exposto, são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A ilegitimidade e/ou interesse em agir da Autora para apresentar a nota discriminativa e justificativa das custas de parte;
2ª) A nulidade do despacho recorrido;
3ª) A intempestividade da apresentação da nota justificativa.
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Para apreciar de decidir as questões acabadas de identificar importa considerar os elementos que resultam do processo e que no ponto I. deixamos melhor referidos.
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Questão prévia:
Nas suas contra alegações a apelada Herança Aberta de C…, vem defender desde logo, a rejeição do recurso interposto, nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 e 5 do art.º 641º do CPC.
E isto por considerar que as conclusões do recurso interposto mais não são do que um “decalque” das alegações produzidas.
Todos sabemos que as conclusões se destinam a sintetizar os argumentos do recurso, a identificar as questões a apreciar e as razões que servem de suporte à decisão pretendida.
Assim, delimitando as conclusões o objecto do recurso, é através delas que a parte contrária é alertada para as questões suscitadas pelo recorrente – assegurando-lhe, desta forma, a possibilidade de um efectivo exercício do contraditório – e o tribunal de recurso fica plenamente elucidado quanto às mesmas questões e os argumentos utilizados para fundamentar a decisão recursivamente reclamada, procurando-se assim evitar que alguns escapem na exposição das alegações, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares (neste sentido e entre outros o acórdão desta Relação do Porto de 8.03.2018, processo 1822/16.6T8AGD-A.P1, www.dgsi.pt).
Como se afirma no referido acórdão, “o papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.
Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.”
Nos autos as alegações apresentadas pelo apelante terminam com proposições que, sob a designação de “conclusões”, estão numeradas de 1 a 35.
Da leitura das mesmas e contrariamente ao que agora defendem a apelada, não resulta que as mesmas sejam a reprodução, fiel e integral, do texto que constitui o corpo das alegações.
E a ser assim, impõe-se concluir que nas mesmas foi dado cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 639º do CPC.
Não existe pois fundamento para a rejeição do recurso interposto.
Cabe agora apreciar e decidir as questões suscitadas pelo réu/apelante, sendo que a primeira é, como já vimos, a da pretensa ilegitimidade e/ou interesse em agir da autora, B…, para apresentar a nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
A este propósito, o que está comprovado é o seguinte:
Os presentes autos foram intentados pela identificada B…
A nota discriminativa e justificativa apresentada em 12.02.2021 foi apresentada pela autora B…, como tutora e em representação de C….
Já após o trânsito em julgado de decisão que em definitivo resolveu o presente litígio, ou seja em 31.01.2021, faleceu o tutelado C….
É também verdade que foi identificada B… quem, em 12,02.2021, veio apresentar a nota de custas de parte que aqui se discute.
No entanto, o que se constata é que a referida nota mais não é do que uma decorrência daquela que em 6.02.2017 a mesma Autora tinha vindo apresentar ainda em vida do tutelado C… e em representação deste.
E a ser assim, o nosso entendimento é o de que não existe fundamento para questionar a legitimidade e/ou o interesse em agir da autora B… para apresentar a nota discriminativa e justificativa de custas de parte de 12.02.2017 a qual e salvo melhor opinião deve ser aferida de acordo com os pressupostos verificados à data da apresentação daquela, em 6.02.2017.
Improcede deste modo a primeira das pretensões recursivas do réu/apelante D….
Cabe agora apreciar a questão que tem por base a pretensa nulidade do despacho recorrido.
Na tese do apelante o despacho é nulo porque fundamenta a decisão proferida no disposto no art.º 26º-A do D.L. nº34/2008 de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº7/2021 de 26 de Fevereiro.
E isto por considerar que ao caso teria que ser aplicado a versão dada ao RCP pelo D.L. nº 126/2013 de 30 de Agosto.
Como antes já vimos, no despacho recorrido foi entendido, de modo expresso, ser aplicável o regime previsto no artigo 26º-A, nº2 do RCP (na versão dada ao mesmo pela Lei nº 27/2019 de 28.03).
E bem, como já de seguida veremos, fazendo “uso” da argumentação contida no Acórdão desta Relação do Porto de 09.01.2020, processo 9323/14.0T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt., cujos segmentos mais relevantes aqui passamos a transcrever, com o respeito que nos é imposto:
O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, (R. C. P.) tem actualmente a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 27/2019, de 28/03.
Tal redacção entrou em vigor em 27/04/2019 – artigo 11.º, da mesma Lei e 2.º, nºs. 2 e 4, da Lei n.º 74/98, de 11/11 -.
O artigo 26.º-A, do R. C. P., aditado por aquela Lei n.º 27/2019 impõe que o reclamante tenha de depositar a totalidade do valor da nota discriminativa das custas de parte (n.º 2).
A referida nota foi apresentada em 30/05/2019, ou seja, em plena vigência do citado artigo 26.º-A, do R. C. P.
Deste modo, quando o incidente nasce já está em vigor a norma que impõe a sua tramitação – prazo e condição para o seu exercício -.
Para nós, é com a apresentação da nota discriminativa que o incidente relativo a custas de parte se inicia pois corresponde ao momento em que a parte formula a sua pretensão; depois a contraparte pode opor-se, mediante a reclamação.
Mesmo que o pedido só passe a ter vigência judicial depois da reclamação (se não for formulada reclamação o pedido ocorre inter-partes sem intervenção judicial), quando essa reclamação é formulada, o incidente que o tribunal vai ter de decidir é composto de pedido e reclamação e não somente por esta última.
A referida Lei 27/2019 não tem uma norma transitória sobre a aplicação do artigo 26.º-A, do R. C. P. em relação a todos ou determinados processos.
Por regra, uma lei processual como aquela que está em causa – exigência de pagamento de um valor para que um incidente processual possa ser apreciado -, é de aplicação imediata, assim tendo aplicação às acções pendentes, buscando-se no artigo 12.º, do C. C. o amparo para tal conclusão.
Assim o referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio de Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, página 49 que também aí mencionam que «a ideia, proclamada neste artigo (art.º 12.º do CC), de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes.».
Ou ainda, como se menciona no Ac. do S. T. J. de 03/07/2014, www.dgsi.pt, «a lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata; ou seja, aplica-se às acções pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos actos futuros, ainda que praticados em acções pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroactiva.».
Mesmos nas leis substantivas, quando «apenas regulam o modo de realização judicial de um direito», é geralmente defendida a sua aplicação imediata (Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, página 23).
Temos assim que, em princípio, aquele artigo 26.º-A, do R. C. P. se aplicaria aos processos pendentes aquando da sua entrada em vigor; importa aferir se existe alguma ideia do legislador nesse ou noutro sentido e depois concluir pela melhor regra de aplicação no tempo deste artigo.
O Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 que aprovou o R. C. P. continha normas sobre aplicação no tempo.
Na redacção original – Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 – dispunha-se no artigo 27.º, n.º 2, que «mesmo que o processo esteja pendente, as alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se imediatamente aos procedimentos, incidentes, recursos e apensos que tenham início após 1 de Setembro de 2008.», sendo esta a data da sua entrada em vigor (artigo 26.º, do mesmo diploma).
Havia outras situações previstas mas que não alteram esta ideia de aplicação da nova lei a incidentes que se iniciem após a sua entrada em vigor.
Na redacção conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 havia uma regra que pensamos que pode auxiliar ainda mais impressivamente.
O n.º 1, do artigo 8.º dispôs que «1 – O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.».
Continua presente a intenção do legislador que aprovou o R. C. P. – aplicação, o mais amplamente possível, do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram -.
Ressalta também do artigo 8.º, agora n.º 12, que «são aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei.».
Certamente se procurou evitar a aplicação de diversos regimes de custas processuais tendo por base as datas de entrada dos processos procurando-se antes a unificação o mais abrangente possível a nível processual quanto ao regime de custas.
Em outros números do artigo 8.º o legislador foi adaptando esta regra de molde a não prejudicar direitos já adquiridos pelas partes (por exemplo, pagamentos já efectuados ou isenção que vigorava anteriormente à data de entrada da nova lei – nºs. 2 e 4, por exemplo -).
Mas quando surge a necessidade de se pagar ex novo uma quantia, esta já é calculada de acordo com as novas regras vigentes – n.º 3 -.
As sucessivas alterações ao R. C. P. não alteram esta ideia, determinando a aplicação da lei nova aos incidentes que surjam após a sua entrada em vigor de que são mero exemplo:
Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28/08 – artigo 27.º, n.º 2 - mesmo que o processo esteja pendente, as alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se imediatamente aos procedimentos, incidentes, recursos e apensos que tenham início após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
Lei 64-A/2008, de 31/12, artigo 27.º, n.º 2, a) - as alterações às leis de processo e ao Regulamento das Custas Processuais, aplicam-se ainda aos incidentes e apensos iniciados, a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, depois de findos os processos principais;
Decreto-Lei n.º 72/2014, de 02/09 – igual redacção à da anteriormente referida Lei n.º 64-A/2008 -;
Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29/10 - artigo 4.º, a) - As alterações efectuadas pelo presente decreto-lei ao Regulamento das Custas Processuais entram em vigor no prazo estipulado, com as seguintes excepções: relativamente aos processos pendentes, as alterações apenas se aplicam aos actos praticados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei.
Sendo, por regra, a lei processual de aplicação imediata aos processos pendentes, expressamente o legislador cuidou de prevenir que se a nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da lei, se aplicam as regras que resultam da aplicação do Código das Custas Judiciais (Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26/11).
Ou seja, tendo o incidente surgido antes da entrada em vigor do novo regime, com outras regras então vigentes, para evitar uma mistura de regimes que poderiam conduzir a que uma parte tivesse atuado ao abrigo de um regime e a outra parte, em momento temporal muito próximo, já tivesse de observar diferentes regras, decidiu-se que nesse caso (apresentação da nota discriminativa das custas antes 27/04/2019) se aplicam as regras vigentes antes da entrada em vigor do R. C. P..
Não vemos motivo para, no caso em análise, em que se altera o regime de dedução e admissão de contestação à nota discriminativa de custas de parte, se entenda de outro modo, ou seja, aquele artigo 26.º-A é imediatamente aplicável aos processos pendentes e, nesta aplicação imediata, como está em causa um incidente, é aplicável aos incidentes de reclamação da nota discriminativa de custas de parte que surjam após a sua entrada em vigor, assim se concretizando o que acima se referiu: aplicação da lei processual aos actos futuros ainda que praticados em acções pendentes.
A referência no artigo 11.º da aplicação da lei em causa às execuções futuras (entradas depois da sua vigência) não altera esta nossa argumentação pois aí previu-se especialmente um tipo de processos que não é o que está em causa nos autos e em que, para se afastar aquela aplicação imediata, se entendeu que só vigorava para o futuro.
Pensamos assim que o artigo 26.º-A, do R. C. P. se aplica a todos os incidentes de pedido de custas de parte e sua reclamação que se iniciem após a entrada em vigor do mesmo, em processos instaurados antes ou depois dessa data de entrada em vigor.
Referimos ainda que aquele artigo 26.º-A impõe, na nossa visão, efectivamente uma alteração legislativa pois a norma que antes impunha o pagamento pelo reclamante da quantia que a parte peticiona a título de custas de parte (artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04), foi julgada organicamente inconstitucional com força obrigatória geral - Ac. T. C. de 06/06/2017 -; e uma vez que a redacção original da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04 também excedeu a competência da Assembleia da República ao assim legislar, não se pode aplicar esta versão original sob pena de então de se estar também a aplicar um normativo com prolação desconforme à Constituição Portuguesa o que o artigo 204.º, da C. R. P. impede («nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.»).
Desse modo, não pode haver a repristinação prevista no artigo 282.º, n.º 1, da C. R. P., ocorrendo outrossim a inexistência de norma válida que determinasse o pagamento de qualquer valor em caso de reclamação de conta de custas de parte.
Com este novo artigo 26.º-A, do R. C. P., ainda que se procurando retornar ao que antes se entendia, por força daquela impossibilidade de repristinação, há uma efectiva alteração da lei pois não havia norma válida que impusesse esse pagamento (e, estando em causa uma Lei, não se coloca qualquer questão de inconstitucionalidade orgânica).
Concretizando, quando a aqui recorrida apresenta a nota de custas de parte e a envia à contraparte (30/05/2019) e, naturalmente, quando é apresentada a resposta pela recorrente (11/06/2019), já estava em vigor o citado artigo 26.º-A, do R. C. P., tendo assim a aqui recorrente/reclamante de pagar a quantia de 2.468 EUR, o que não fez.
Não o tendo feito, não pode a reclamação ser apreciada.”.
Regressando à situação dos autos o que se verifica é o seguinte:
Apesar de ser decorrência de uma outra anteriormente apresentada, a nota discriminativa e justificativa de custas de parte que aqui se discute foi apresentada em 12.02.2021.
A reclamação à mesma nota foi apresentada em 23.02.2021.
Ou seja, quer uma quer outra destas peças processuais foram apresentadas já depois da entrada em vigor da Lei nº27/19 de 28.03, diploma esse que introduziu no RCP a norma do art.º 26º-A.
Sendo assim e aplicando ao caso dos autos, o entendimento inscrito no supra citado Acórdão, entendimento que também nós subscrevemos, a conclusão que necessariamente resulta é a de que bem decidiu o tribunal “a quo”, quando optou por aplicar à nota de custas de parte e à reclamação que se lhe seguiu o regime previsto no artigo 26º-A, nº2 do RCP (na versão dada ao mesmo pela Lei nº 27/2019 de 28.03).
Quanto à questão da pretensa inconstitucionalidade (orgânica e material) desta norma, acresce salientar que já após a prolação do supra referido acórdão desta Relação, foi proferido pelo Tribunal Constitucional o acórdão nº 56/2021 de 22.01.2021, no processo nº435/20, www.tribunalconstitucional.pt, no qual se decidiu o seguinte: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, nos termos da qual a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.”.
Em suma e por todo este conjunto de razões, também nesta parte improcedem os argumentos recursivos do réu/apelante.
Resta, por fim, a questão da tempestividade da nota de custas de parte.
Ora já dissemos antes que em nosso entender, a nota agora apresentada em 12.02.2021 mais não é do que uma decorrência daquela que tinha sido apresentada em 6.02.2017 e que entre o mais, determinou a prolação em 3.04.2017 do despacho que decidiu reduzir em 50% o valor da taxa de justiça remanescente a pagar pela Autora e pelos Réus.
Como facilmente se verifica do acima exposto, a referida nota foi apresentada ainda antes do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que em definitivo, julgou decidida a questão em litígio nos autos.
Perante tais elementos deve pois considerar-se que a apresentação da nota de custas de parte respeitou o prazo previsto no nº1 do art.º 25º do RCP.
Por isso, também neste ponto improcedem os argumentos trazidos aos autos pelo réu/apelante.
Em suma, não merece acolhimento nenhum dos argumentos recursivos aqui trazidos pelo réu/apelante.
Não obstante e como resulta do antes exposto, entendemos que a reclamação apresentada em lugar de ter sido indeferida, nem sequer deveria ter sido apreciada.
E isto por não estarem reunidas as condições (depósito da quantia reclamada), previstas no nº2 do art.º 26ºA do RCP, para que tal apreciação fosse possível.
Deste modo e ainda que com fundamentação diversa, impõe-se confirmar a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, e, consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do réu/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto 17 de Junho de 2021
Carlos Portela.
António Paulo Vasconcelos.
Filipe Caroço.