CONTRATO DE CONCESSÃO DE CRÉDITO
CONTA CORRENTE
PRESTAÇÕES
RESOLUÇÃO PELO MUTUANTE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

4.1.  - Prescrevem no prazo de 5 anos, por aplicação do disposto na alínea e), do art. 310º, do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de concessão de crédito em conta corrente, desdobradas em prestações de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
4.2. - A circunstância de o mutuante, ao abrigo de cláusula inserta no contrato referido em 4.1., haver exercido o direito potestativo de resolução , exigindo o pagamento  do crédito concedido na sua totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição, máxime não  impõe a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil.
(pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
                                 
1.- Relatório      
A  [ ... Sucursal da Sociedade Anónima Francesa..., pessoa colectiva n.º 980125995 ] , intentou [ em 29/7/2020 ] acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra B [ Jorge ....], com residência em Camarate, PEDINDO que :
Devendo a acção ser julgada procedente, por provada, seja o Réu condenado no pagamento à Autora da quantia de 22.904,52€, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção – no valor de 7.123,34€ , bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento”.
1.1. - Para tanto, alegou a autora, em síntese, que :
- É uma sucursal de uma instituição de crédito francesa, cujo objecto social são, por um lado, todas as operações de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário, e, por outro lado, a corretagem de seguros, bem como todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas ;
- Em razão da referida actividade, celebrou em 29 de Abril de 2008 com o Réu um contrato de crédito em conta corrente VALOR TOP, disponibilizando-lhe em 7 de Maio de 2008, um primeiro financiamento no montante de 19.000,00€ e, mais tarde, em Maio de 2011 e nas mesmas condições, um novo financiamento no valor de € 1.054,00 ;
- Ocorre que, tendo-se vinculado o Réu ao reembolso do crédito concedido pela Autora em 94 prestações mensais e sucessivas no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), reembolso a ser efectuado através de débito directo em conta indicada pelo mesmo para esse efeito, certo é que pese embora interpelado para esse efeito, o Réu não procedeu à regularização das prestações em falta desde Maio de 2011, razão porque procedeu a Autora à resolução do contrato de crédito em causa em 28 de Fevereiro de 2012;
- Porque a resolução contratual confere à autora A o direito à imediata exigibilidade da totalidade da sua dívida, acrescida de uma cláusula penal de 8% sobre o saldo em dívida, então o valor total em dívida à data da resolução ascendia a € 23.204,52, sendo que, após a resolução contratual apenas efectuou o réu um pagamento de € 120,00  em 19/04/2012 e um pagamento de € 180,00  em 24/04/2012.
1.2. - Citado o réu, veio o mesmo apresentar contestação, deduzindo no essencial [ não impugnando a factualidade alegada pela autora ] defesa por excepção, mais exactamente excepcionando a PRESCRIÇÃO [ por aplicabilidade do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do Cód. Civil ] do crédito pela autora reclamado, e isto porque tendo o contrato sido resolvido em 28 de Fevereiro de 2012 a presente acção só deu entrada em juízo em 29 de Julho de 2020.
1.3. - Realizada uma audiência prévia [ com as finalidades previstas no artigo 591.º, n.º1, alíneas a), b), c), d), f) e g), do Cód. Processo Civil ] em 8/6/2021, e ,considerando-se [ em face da recusa do autor em aceitar uma proposta de composição do litígio ] que permitia de imediato o estado dos autos conhecer do mérito da causa, foi de seguida ( em 30/6/2021 ) proferido Saneador-Sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(…)
Decisão:
Nestes termos e por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno o Réu no pagamento à Autora de € 22.904,52 (vinte e dois mil, novecentos e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescidos dos juros, vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, desde o dia 4 de Agosto de 2015 e até integral pagamento.
*
Custas a cargo da Autora e do Réu, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
Registe e notifique.
Loures, 30 de Junho de 2021”.
1.4. - Notificado do Saneador-Sentença identificado em 1.3., e do mesmo discordando, veio então o Réu B interpor a competente apelação, sendo que, a justificar a impetrada alteração do julgado, formula o recorrente as seguintes conclusões:
1) A Recorrida intentou a acção junto do tribunal a quo pedindo, a final, que o réu fosse “condenado no pagamento à Autora da quantia de 22.904,52€ (vinte e dois mil novecentos e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção – no valor de 7.123,34€ (sete mil cento e vinte e três euros e trinta e quatro cêntimos) – bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento”.
2) Para tanto bastou-se na celebração, em 29 de Abril de 2008, entre a Recorrida e o Recorrente de um contrato de crédito em conta corrente VALOR TOP, ao qual foi atribuído o n.º 42640809149100.
3) Por incumprimento do Recorrente, a Recorrida procedeu à resolução do contrato de crédito em causa a 28 de Fevereiro de 2012 e exigiu o pagamento total do crédito no prazo de oito dias.
4) A Recorrida deu entrada com a sua petição inicial a 29/07/2020.
5) O Recorrente apresentou contestação, não impugnando os factos, apenas alegando e invocando o instituto da prescrição prevenida no art.º 310.º als. d) e e), para todos os efeitos, tendo invocado diversa jurisprudência a favor da sua tese.
6) O tribunal a quo proferiu sentença (da qual se recorre), tendo decidido o seguinte: “ Nestes termos e por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno o Réu no pagamento à Autora de € 22.904,52 (vinte e dois mil, novecentos e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescidos dos juros, vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, desde o dia 4 de Agosto de 2015 e até integral pagamento”.
7) Para chegar a esta decisão o tribunal faz o seguinte entendimento: “ Não é, porém, em nosso entendimento, jurisprudência em que se possa ancorar sem ressalvas, posto que, nos casos ali tratados, não ocorreu, como aqui ocorre, que se tenha logrado alegar a provar que, tendo procedido à resolução do contrato, a credora haja interpelado o devedor para o pagamento da soma da totalidade do saldo em dívida com o valor contratualmente previsto a título de cláusula penal. Neste caso, afigura-se-nos que deve ser dada relevância jurídica a esta fixação definitiva da dívida, assim como ao próprio acto de interpelação para o D1304-JMS Executado com o uso de meios informáticos (n.º 5, art.º 131.º Cód. Proc. Civil) respectivo pagamento. (…) Improcedendo a excepção da prescrição da dívida, cumpre, pois, que se conheça do mérito da causa”.
8) O Recorrente contínua a defender que o caso dos presentes autos enquadra-se no instituto da prescrição prevenido na al. e) do art.º 310.º do CC.
9) Aliás, recentemente, mais concretamente a 06-07-2021, o STJ pronunciou-se, em sede de recurso de revista, por unanimidade, sobre matéria idêntica, nomeadamente no processo n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, cuja relatora é a Exma. Senhora Juíza Conselheira Fátima Gomes, no seguinte sentido:
I.- Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
II. - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
III. — A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil ” .
10) No iter decidendi pode ler-se: “O STJ tem entendido que nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da al. e) do art. 310º do CC. (…)”. “O facto de o credor ter exigido a totalidade das prestações em falta, devido à mora do devedor, que se converteu em incumprimento definitivo, não pode envolver uma alteração do regime de prescrição aplicável à divida em causa, tal como defendeu o Tribunal da Relação, sob pena de se deixar ao credor a escolha do regime aplicável, em prejuízo do devedor (e dos fiadores). (…) É de manter aqui a orientação seguida pelo STJ seja no Acórdão de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 —, “A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil […]”—, seja no de 23-01-2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU- A.P1.S1”.
11) Pelo que bem se nota que o Supremo Tribunal de Justiça e os próprios Tribunais da Relação maioritariamente defendem, que os contratos de mútuo, quando resolvidos pelo credor e mesmo que haja a exigência do pagamento da totalidade da dívida prescreve ao final de 5 anos.
12) A questão a decidir é a seguinte: no caso dos presentes autos tem aplicação o regime geral da prescrição ou o regime de 5 anos prevenido al. e) do art.º 310.º do CC? O Recorrente entende, por tudo quanto exposto e face à posição do STJ, que a resposta é afirmativa.
Por todo o exposto e motivos apresentados, deverá o presente recurso proceder por provado e consequentemente a sentença em crise ser revogada na parte que condena o Recorrente, substituindo-se a mesma por outra que decrete que o crédito da Recorrida prescreveu.
E assim se fará a Acostumada Justiça!
1.5.- A apelada A não apresentou contra-alegações.
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se à seguinte  ;
I) Aferir se o saneador-sentença proferido pelo tribunal a quo :
a) Se impõe ser revogado, sendo substituído por decisão que reconheça mostrar-se o crédito pela autora reclamado na acção já PRESCRITO, logo, existindo facto EXTINTIVO do direito do qual se arroga a autora titular.
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2.- Motivação de facto
O tribunal a quo, no âmbito do saneador-sentença apelado, considerou que importava - nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º2, do Cód. Processo Civil - considerar admitidos por acordo os factos pela autora alegados na petição inicial, razão porque a seguir se transcreve ( separadamente e em sede de motivação de facto, tal como o determina o disposto no artº 607º, nºs 3 e 4, do CPC ) qual a FACTUALIDADE provada atender no âmbito do presente acórdão :
2.1. - A Autora é uma sucursal de uma instituição de crédito francesa, cujo objecto social são, por um lado, todas as operações de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário, e por outro lado a corretagem de seguros, bem como todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas ;
2.2. - Em 29 de Abril de 2008 foi celebrado entre Autora, Réu e Sandra ......, e a solicitação destes, um contrato de crédito em conta corrente VALOR TOP, ao qual foi atribuído o n.º 42640809149100 ;
2.3. - A Mutuária Sandra ...... foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 8528/13.6TCLRS que correu os seus termos no Juiz 1 do Juízo Local Cível de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, tendo sido proferido despacho final de exoneração do passivo restante a 18/03/2019 ;
2.4. – Em razão da outorga do contrato identificado em 2.2., a Autora disponibilizou ao Réu, em conta indicada pelo mesmo para esse efeito, em 7 de Maio de 2008, um primeiro financiamento no montante de 19.000,00€ ;
2.5. - Ainda no âmbito do contrato identificado em 2.2., a Autora disponibilizou ao Réu novo financiamento no valor de 1.054,00€ (mil e cinquenta e quatro euros) em Maio de 2011 ;
2.6. - No âmbito do contrato identificado em 2.2.,vinculou-se o Réu ao reembolso do crédito concedido pela Autora em 94 prestações mensais e sucessivas no valor de 306,00€, reembolso a ser efectuado através de débito directo em conta indicada pelo mesmo para esse efeito e com o NIB 003506460000865050016;
2.7. – No seguimento do referido em 2.6., obrigou-se o Réu a manter a sua conta bancária devidamente provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações acordadas de reembolso ;
2.8. - Mensalmente a autora enviava extractos aos Requeridos onde constavam expressamente todas as condições em que se encontrava o contrato de crédito, sendo que as quantias pagas por força do contrato de crédito eram imputadas ao valor em dívida pela seguinte ordem: a) prémio de seguro (se houvesse); b) impostos e encargos vencidos; c) penalidades (se existissem); d) juros vencidos; e) remanescente do capital em dívida ;
2.9.- Não obstante o referido em 2.7., e pese embora interpelado para esse efeito, o Réu não procedeu à regularização das prestações em falta desde Maio de 2011, pelo que procedeu a Autora à resolução do contrato de crédito identificado em 2.2. em 28 de Fevereiro de 2012 ;
2.10.- À data ( em 28 de Fevereiro de 2012 ) da resolução do contrato de crédito identificado em 2.2. o valor total em dívida pelo réu ascendia a 23.204,52€  [ valor total reclamado pela autora ao réu aquando da resolução do contrato, e sendo ele integrado pelas seguintes parcelas ; a) Valor em dívida 21,557.04€ ; b) Anulação das Comissões por atraso no pagamento 134.85€ ; c) Comissão por Incumprimento Definitivo (8%) 1713.78€ ; d) IS Comissão por incumprimento definitivo 68.55€ ], sendo que, após a referida resolução contratual foi pelo réu efectuado um pagamento de 120€ em 19/04/2012 e um pagamento de 180€ em 24/04/2012 ;
2.11 – Do conteúdo do contrato identificado em 2.2., consta, designadamente, que :
10 . incumprimento e resolução do contrato
10.1. Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo á prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a A poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com preçários em vigor.
10.2.- Mantendo-se o incumprimento, a A pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida ( incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos ), sem prejuízo da incidência de juros de mora á taxa legal sobre toda a divida vencida. Caso a A resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal.
10.3. - A A pode ainda resolver o contrato e encerrar a conta se o Mutuário não utilizar o crédito durante 1 ano ou deixar de cumprir alguma obrigação assumida, em particular, se ultrapassar o limite máximo do crédito concedido.
10.4. - A resolução nos termos do ponto anterior dá lugar à imediata exigibilidade do crédito nos termos do ponto 10.7., devendo o Mutuário restituir todos os meios que permitam a movimentação da Conta.
10.5. - O Mutuário pode resolver o contraio desde que pague à A o saído devedor, devendo restituir os meios que permitam a movimentação da conta.
*
3.- Motivação de direito.
3.1. - Se o saneador-sentença apelado se impõe ser revogado, sendo a excepção de prescrição pelo Réu invocada julgada procedente,  e  ,  consequentemente, o réu absolvido do pedido.
A acção pela apelada proposta foi julgada parcialmente procedente - porque julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu apelante - tendo para tanto aduzido a primeira instância, em sede de fundamentação da sentença, e em parte, as seguintes considerações :
“ (…)
O réu contestou sem impugnar a matéria de facto alegada (termos em que os factos, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º2, do Cód. Processo Civil, se devem considerar admitidos por acordo, assim como se transcreve o teor do documento 4, dado como reproduzido pela demandante no artigo 19.º da petição inicial), mas defendendo que, por aplicabilidade do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do Cód. Civil, os valores peticionados já se encontram prescritos, considerando que o contrato foi resolvido em 28 de Fevereiro de 2012 a presente acção só deu entrada em juízo em 29 de Julho de 2020.
Cita, em abono da sua tese, os arestos do Tribunal da Relação do Porto, de 21/10/2019 (processo 1324/18.6TOAZ-A.P1), do Tribunal da Relação de Évora, de 21/01/2016 (processo 1583/14.3TBSTB-A.E1) e do Tribunal da Relação de Guimarães, em 08/07/2020 (processo 6238/16.1T8VNF-A.G1).
Não é, porém, em nosso entendimento, jurisprudência em que se possa ancorar sem ressalvas, posto que, nos casos ali tratados, não ocorreu, como aqui ocorre, que se tenha logrado alegar a provar que, tendo procedido à resolução do contrato, a credora haja interpelado o devedor para o pagamento da soma da totalidade do saldo em dívida com o valor contratualmente previsto a título de cláusula penal.
Neste caso, afigura-se-nos que deve ser dada relevância jurídica a esta fixação definitiva da dívida, assim como ao próprio acto de interpelação para o respectivo pagamento.
Neste sentido, vide, por todos, o aresto da Veneranda Relação de Lisboa, de 19/01/2021 (processo n.º 8636/16.1T8LRS-A-7), que sumariou: «1. No contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil. 2. Porém, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil. 3. Tal condição não se basta com a estipulação contratual do vencimento automático e exigibilidade do total da dívida por falta de pagamento das prestações, tratando-se de cláusula meramente proclamatória da faculdade do credor e prevista no artigo 781º, do Código Civil. 4. Relevando para o efeito, que o credor tenha emitido declaração revogatória do contrato pelo incumprimento e exigido do mutuário o pagamento da dívida total, passando a ser outra a obrigação devedora, em resultado da revogação do contrato por incumprimento das prestações e do vencimento da totalidade da obrigação.»[destacados e sublinhados nossos].
Com efeito, como ali se disse, após o mais relevante périplo sobre as posições jurisprudenciais e doutrinárias relevantes, «Radicando o fundamento último da prescrição na certeza e segurança das relações jurídicas, penalizando a negligência do credor que não exerce o seu direito num tempo razoável, mal se compreenderia que num contrato duradouro se imponha ao mutuante um curto prazo para o exercício do direito de obter a restituição do capital em dívida, desde que interpele o mutuário remisso para o pagamento.»[sublinhado nosso] - é uma posição a que, pela bondade dos seus fundamentos e, ao que se nos afigura, pelo maior equilíbrio que alcança entre os direitos e obrigações de ambas as partes, aderimos.
(...)
Improcedendo a excepção da prescrição da dívida, cumpre, pois, que se conheça do mérito da causa.
Nos termos do artigo 406.º, n.º1, do Cód. Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
No caso concreto dos autos, as partes originárias celebraram um negócio, que intitularam como “contrato de crédito”. Nos termos acordados, a Autora acedeu em emprestar o capital convencionado, para que o Réu pudesse dispor dele livremente.
O Réu comprometeu-se a reembolsar o capital mutuado, através de pagamentos sucessivos, mensais, condições, entre o mais, conformes ao disposto no Decreto-Lei n.º 133/09, de 2 de Junho, que regula o crédito ao consumo.
Por sua vez, nos termos dos números 1 dos artigos 762.º e 763.º do Cód. Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza integralmente a prestação a que se encontra vinculado, o que, como resulta da matéria de facto provada, não ocorreu, posto que o réu deixou de pagar as prestações a que estava adstrito, deixando em falta o montante provado.
Ora, nos termos do disposto no artigo 798.º deste diploma legal, o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou cumprimento da obrigação não procede de sua culpa (artigo 799º, n.º 1, do Cód. Civil), ónus que aqui não foi cumprido.
Assim, como dispõe o artigo 806.º do Cód. Civil, nos seus números 1 e 2, é devido o pagamento de indemnização, que corresponde aos juros que se venceram, à taxa legal, desde a data da interpelação para pagamento, sobre todo o capital em dívida.
Aqui, porém, há que sublinhar que, não se considerando aplicável o prazo prescricional previsto na alínea e) do artigo 310.º do Cód. Civil, já deve merecer acolhimento a defesa sustentada na prescrição dos juros, prevista na alínea d) deste normativo, atenta a sua aplicabilidade objectiva, pelo que a excepção deve ser julgada como procedente, só havendo lugar à condenação no pagamento dos juros vencidos desde o dia 04/08/2015 (atenta a data da propositura da acção – 29/07/2020 – e nos termos conjugados dos artigos 323.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil – interrupção do prazo de prescrição por via da citação).
Dissentindo do referido julgamento, é entendimento do réu apelante que o caso dos presentes autos enquadra-se forçosamente no instituto da prescrição prevenido na al. e) do art.º 310.º do CC, pois que, e tal como de resto assim foi já decidido por várias vezes pelo S.T.J.  “ A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil” .
Em suma, para o apelante, e tal como é jurisprudência preponderante do Supremo Tribunal de Justiça e dos próprios Tribunais da Relação, certo é que “os contratos de mútuo, quando resolvidos pelo credor e mesmo que haja a exigência do pagamento da totalidade da dívida prescreve ao final de 5 anos “.
Rematando, a única questão suscitada no recurso pelo Réu/apelante interposto é pois a de saber qual o prazo de prescrição aplicável ao crédito pela apelada/mutuante reclamado na acção, em termos de capital e juros , se 5 anos ou, ao invés, 20.
Quid Juris?
Perante o objecto da dissensão, vejamos o que nos dizem algumas das disposições legais – do Cód. Civil - relevantes para a resolução do dissídio.
Antes de mais, dizem-nos os artºs 298º, 303º e 304º, todos do CC, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo que, não podendo o tribunal supri-la de ofício – carece, assim, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita - , certo é que, uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Já o artº 309º, do CC, estabelece que o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos, sendo porém apenas de cinco anos ( cfr. artº 310º) quando v.g.na presença de :
(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Por fim, reza o nº1, do artº 311º, que “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.
Porque a resolução do objecto da apelação exige no essencial aferir da pertinência de subsumir o crédito exequendo na previsão da alínea e), do artº 310º, do CC, recorda-se que,  com referência às situações comtempladas no artº 310º do Código Civil e com prazos de prescrição mais reduzidos ( de 5 anos ), explica ANA MORAIS ANTUNES (1), que a ratio do estreitamento do prazo justifica-se porque em causa estão “direitos que têm, por objecto, prestações periódicas ”, valendo o prazo de cinco anos “para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo”, sendo que, a sua aplicação [ em detrimento do prazo ordinário de 20 anos ] se impõe com base no brocardo lex specialis derogat generali.
E, mais adiante, especificamente no tocante à alínea e), do artº 310º, esclarece ANA MORAIS ANTUNES (2) que é a mesma aplicável “sempre que se tenha estipulado o pagamento  do capital em prestações,  com os juros”,  ou seja , “A previsão normativa  é   aplicável   às   prestações  de capital repartidas no  tempo, a que se somam juros - a pagar conjuntamente - ,e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado”.
Insistindo, refere ANA MORAIS ANTUNES que “Só estão contempladas as quotas de amortização que devam ser pagas como adjunção aos juros”, isto é , “A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente ”.
Ou seja, ainda segundo ANA MORAIS ANTUNES, “Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”.
Já em sede de conclusão, remata ANA MORAIS ANTUNES (3), que “As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido”, sendo que o prazo prescricional de “cinco anos inicia-se para cada uma  das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo”.
Por fim, “advertindo” que o preenchimento da situação prevista na alínea e), obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto, a verdade é que, esclarece ANA MORAIS ANTUNES, relevante será sempre o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, ou seja, serão sempre “indícios reveladores da existência de quotas de amor­tização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
Postas estas breves considerações de natureza doutrinal, direccionadas para o alcance da alínea e), do artº 310º, do CC e, bem assim, tendo presente a factualidade inserta nos itens 2.2.,2.6. e 2.8., todos da Motivação de Facto, pacifico nos parece que o crédito exequendo, prima facie, se impõe integrar na previsão da aludida disposição legal do CC, porque relacionado ele com prestações vencidas e não pagas pelo executado/mutuário, e sendo cada uma delas correspondentes a “quotas de amor­tização do capital pagáveis com juros”, ou seja, “a quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente”.
 É que, sendo a alínea e), do artº 310º, do CC, aplicável “sempre que se tenha estipulado o pagamento  do capital em prestações,  com os juros”, então em face do acordado em 29 de Abril de 2008 pela exequente e executado [ cfr. itens de facto nºs 2.2.,2.6. e 2.8. ], forçoso é considerar verificada a previsão da aludida disposição legal, justificando-se a aplicação de um prazo prescricional de curta duração ( de 5 anos ), que não o prazo de prescrição geral de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil , e isto por imposição do brocardo lex specialis derogat generali.
Destarte, no seguimento do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça - em Ac. de 27/3/2014 (4) – em situação relacionada outrossim com empréstimo concedido por entidade financeira e devendo o mesmo ser reembolsado em prestações mensais, iguais de capital e juros ( que seriam pagas por débito em conta ), existindo portanto uma obrigação assumida compartimentada num mútuo e respectivos juros, por sua vez convertida numa prestação mensal de fraccionada quantia global, e que iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento, de facticidade se trata que se mostra abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.
Alinhando” por semelhante solução, e no âmbito de execução ancorada em livrança que havia sido entregue em branco ao exequente, como garantia de financiamento concedido pagável em 60 meses sucessivos, com taxa de juro anual e nominal de 15,00%, veio também o Tribunal da Relação do Porto, através de Ac. de 24/3/2014 (5), a julgar que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações, ou seja, em causa estava uma obrigação exequenda subsumível à alínea e), do artigo 310.º, do Código Civil.
Dissentindo dos “julgamentos” referidos, porém, e por intermédio de Ac. de 26/4/2016 (6), certo é que veio v.g. o Tribunal da Relação de Coimbra a considerar que “o mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º,do CC“, mas ,assim já não sucederá se, “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, voltando os valores em divida a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos “.
Este último entendimento, recorda-se, é precisamente aquele que veio a merecer a “preferência” do primeiro Grau na decisão recorrida, para tanto amparando-se em recente Acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa [ de 19/1/2021 (7) ], e nos termos do qual “No contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil“, porém, já “ em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil.”.
Aqui chegados, confrontados com duas teses/posições aparentemente em “confronto” quanto à solução do objecto recursório, é tempo de, em face da factualidade assente, que o mesmo é dizer em razão das circunstâncias do caso concreto que o autos revelam, decidir/optar pela solução que melhor resolve o diferendo, e que é aquela que o dever de obediência à lei impõe ( cfr. artº 8, nº2, do CC ).
Ora bem.
Antes de mais, e tal como vimos supra, pacífico é que a obrigação exequenda integra – substantivamente - ab initio a previsão da alínea e), do artº 310º, do CC, tendo as “partes” ( mutuante e mutuário ) acordado que o reembolso da dívida seria processado em função de especifico plano de amortização, composto por 94 quotas/prestações, e sendo estas últimas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente [ cfr. factualidade inserta nos itens 2.6.  e 2.8., ambos da motivação de facto ].
Depois, não olvidando [ cfr. item 2.9. da motivação de facto ] que a autora/apelada procedeu em 28 de Fevereiro de 2012 à resolução do contrato de crédito identificado em 2.2., tudo indicia [ em face do valor reclamado - na acção, correspondendo ele ao cálculo efectuado pela mutuante à data da resolução e em função do montante em dívida pelo mutuário na referida data e segundo o plano de amortização acordado ab initio (8) ] que prima facie e para efeitos de cálculo do crédito reclamado na acção não considerou a mutuante sem efeito o plano de pagamento acordado – o que por si só e à partida contribui também para o não afastamento do prazo de prescrição curto, obrigando a que fique aquele ( o crédito reclamado ) sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
Ademais, e tal como já em  04/05/1993 (9) assim veio a decidir o STJ, certo é que “o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil “.
Por último, e a propósito da questão decidenda, certo é que o STJ tem vindo de há uns tempos a esta parte a perfilhar – de modo reiterado, consensual e praticamente uniforme - o entendimento de que no âmbito de contratos de mútuo oneroso o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização, razão porque cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil, sendo que, “a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil “. (10)
O referido entendimento, muito recentemente, voltou a ser sufragado pelo STJ em Acórdão de 6/7/2021 (11), nele se concluindo também que “A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição do art. 310/-e do CC”.
E, a amparar o entendimento uniforme do STJ,  justifica-se designadamente em acórdão de 04/05/2021 (12) que a pertinência do prazo de prescrição de curta duração e mesmo quando se considere vencido todo o capital se explica pela manutenção ( na referida situação ) da preocupação –do legislador - com o devedor.
É que ( diz-se no mesmo acórdão ) “ O crédito é concedido com um pagamento fraccionado e, seja porque se poderia deixar prolongar no tempo a exigência do pagamento de várias prestações seja porque o crédito agora se considere totalmente vencido, não se deve confrontar o devedor com o pagamento súbito de toda uma quantia dentro de um prazo amplo como seria o de 20 anos previsto no artigo 309 do CC, o que iria permitir uma acumulação significativa de juros. A finalidade pretendida pelo legislador com a fixação do prazo curto de 5 anos seria afastada se fosse permitida não só o pagamento da totalidade da dívida mas que o credor o pudesse fazer em 20 anos, o que não pode suceder pois colocaria o devedor numa situação muito difícil. Assim, como vem sendo a posição assumida pelo STJ, mostra-se equiparada "a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fraccionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente 5 anos – art. 310/-e do CC", pois o que "justifica a prescrição dos juros decorridos o prazo de 5 anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fraccionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária."
Alinhando também este tribunal da Relação de Lisboa , maioritariamente, pelo entendimento – reiterado e uniforme - perfilhado pelo STJ,  assim se explica que vg em recente Acórdão de 9/9/2021 (13) se tenha decidido que “a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição do art. 310/-e do CC.”, sendo que, na referida situação, “ o prazo de prescrição de 5 anos deve contar-se, pelo menos, desde a data do pressuposto vencimento antecipado das outras prestações (01/06/2011) e não da data do vencimento programado (até Nov2017) de cada uma delas”. (14)
Perante o “quadro”  acabado de explanar, certo é que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” [ artº 8º,nº3, do CC ], isto por um lado e, por outro, sendo verdade que nada obsta a que as instâncias venham a divergir de jurisprudência uniforme e reiterada do STJ, para tanto importa que [ do disposto nos artºs 536º, nº 2, al. b), e 656º, ambos do CPC, decorre que o legislador adjectivo valora -  enquanto factor de alguma forma inibidor da adopção de entendimentos “contrários”- e denota compreensível complacência com a existência de decisões que acolhem/seguem a jurisprudência uniforme/reiterada/constante aquando da resolução de concreta questão decidenda ] no mínimo existam razões ponderosas a amparar a dissonância e sendo as mesmas suportadas por fundamentação convincente – v.g. baseada em critérios rigorosos, em contributos da doutrina e em novos argumentos.
De resto, e socorrendo-nos de Karl Larenz (15), “o juiz (…) está até obrigado a divergir do precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorrecta interpretação ou desenvolvimento da lei (…)”, ou seja, “ o juiz não pode confiar no precedente como de olhos fechados, deve formar um juízo pessoal, pelo menos quando surjam dúvidas sobre a correcção daquele”, em suma, “se, na convicção do juiz chamado a decidir, a incorrecção do precedente for evidente, postulado da igualdade de tratamento não o impedirá se decidir correctamente”.
Ora, não descortinando nós existirem razões pertinentes que justifiquem divergir da jurisprudência consensual do Supremo Tribunal de Justiça acima mencionada, com a qual de resto se concorda, forçoso é assim que ao caso sub judice seja de aplicar o prazo quinquenal de prescrição previsto no art. 310º, al. e), do Código Civil, razão por que procede inevitavelmente a apelação pelo recorrente B interposta, posto que vem a recorrida A, a instaurar a acção depois de se mostrarem já decorridos mais de 5 anos após o exercício do direito potestativo de resolução – por aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do Código Civil .
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4 – Sumariando  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) (transcrito supra)
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5. -  Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , concedendo provimento à apelação interposta por B:
5.1. - Revogar a decisão recorrida;
5.2.- Absolver o recorrente B do pedido, por provado facto extintivo ( PRESCRIÇÃO ) do direito pela apelada A invocado na acção ;
As custas – na acção e apelação - ficam in totum a cargo da autora e apelada A [ A apelada não apresentou contra-alegações, mas decai na presente apelação - do normativo que actualmente consta do n.º 2 do artigo 527º, do CPC, resulta a presunção iuris et de iure de que dá sempre causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for - , razão porque suporta as respectivas custas ( cfr. artº 527º, nº2, do CPC ) ].  (16).
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(1) In PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014,  págs. 124 e segs..
(2)  Ibidem, pág. 126 e segs. .
(3)  Ibidem, pág. 126/127.
(4) In Proc. nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, sendo Relator SILVA GONÇALVES, e in www.dgsi.pt;
(5) In Proc. nº 4273/11.5TBMTS-A.P1, sendo Relator CORREIA PINTO, e in www.dgsi.pt.
(6) In Proc. nº 525/14.0TBMGR-A.C1, sendo Relator MARIA JOÃO AREIAS e in www.dgsi.pt.
(7) Proferido no Proc. nº 8636/16.1T8LRS-A-7, sendo Relatora ISABEL SALGADO e in www.dgsi.pt.
(8) Conforme documento/extracto da autoria da apelada ( Refª E.47.JULHO.2020 ) e junto com a petição inicial.
(9) Proferido no Processo nº 083489, sendo Relator SANTOS MONTEIRO, e acessível em CJ, STJ 1993, ANO I ,Tomo II ,PÁG. 82.
(10) Cfr. v.g. o Ac. de 03-11-2020, proferido no Proc. nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1, sendo Relatora FÁTIMA GOMES, e in www.dgsi.pt.
(11) Proferido no Proc. nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, sendo também Relatora FÁTIMA GOMES, e in www.dgsi.pt.
(12) No mesmo sentido, podem ver-se ainda os seguintes Acórdãos, todos do STJ, a saber; o de 18-10-2018 [ proferido no Proc. nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, sendo Relator OLINDO GERALDES ] ; o de 10-9-2020 [ proferido no Proc. nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, sendo Relator RIJO FERREIRA ] ; o de 12-11-2020 [ proferido no Proc. nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, sendo Relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO]; o de 14-1-2021 [ proferido no Proc. nº 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1, sendo Relator TIBÉRIO NUNES DA SILVA ] ; o de 26-1-2021 [ proferido no Proc. nº 20767/16.3T8PRT-A.S2, sendo Relatora MARIA JOÃO VAZ TOMÉ ] ; o de 9-2-2021 [ proferido no Proc. nº 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1, sendo Relator FERNANDO SAMÕES ] ; o de 28/4/2021 [ proferido no Proc. nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 ], sendo Relatora GRAÇA AMARAL ] ; o de 29/4/2021 [ proferido no Proc. nº 723/18.8T8OVR-A.P1.S1, sendo Relator JOÃO CURA MARIANO ];  o de 4-5-2021 [ proferido no Proc. nº 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1,sendo Relator PEDRO DE LIMA GONÇALVES ]  e o de 14-7-2021 [ proferido no Proc. nº 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1,sendo Relator ILÍDIO SACARRÃO MARTINS ] , todos eles acessíveis em www.dgsi.pt;
(12) Proferido no Proc. nº 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1,sendo Relator PEDRO DE LIMA GONÇALVES e acessível em www.dgsi.pt;
(13) Proferido no  Proc. nº 139552/18.5YIPRT.L1-2, sendo Relator  PEDRO MARTINS e in www.dgsi.pt.
(14) No mesmo sentido, e proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, vide ainda e v.g. os Acs de 23/5/2019 [ Proferido no Proc. nº 316/18.0T8PDL.L1-6, sendo Relatora CRISTINA NEVES  ], de 6/7/2021 [ Proferido no Proc. nº 2775/16.6T8ALM-A.L1-7, sendo Relator LUÍS FILIPE SOUSA ], e de 8/4/2021 [ Proferido no Proc. nº 126930/17.6YIPRT.L1-6, sendo Relator EDUARDO PETERSEN ], todos eles acessíveis em www.dgsi.pt;
(15) In Metodologia do Direito, pág. 497, e citado por ABRANTES GERALDES ,em Recursos em Processo Civil, NOVO REGIME, 2010, 3ª edição, Almedina, pág. 498, nota 670.
(16) Cfr. SALVADOR DA COSTA, em a “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC, e outrossim em “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicado no mesmo blog em 31.10.2020, concluindo no primeiro que “a parte vencida [ no âmbito da relação jurídica processual relativa à presente apelação importa considerar a apelada/autora como parte vencida, porque a decisão proferida por este Tribunal da Relação e de procedência  da apelação lhe é potencialmente desfavorável ] nas acções, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforma com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor”.
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LISBOA, 18/11/2021
António Manuel Fernandes dos Santos 
(#) Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva

(#) Declaração de voto
Concordo com a condenação em custas da recorrida, apesar de não ter contra-alegado, uma vez que a posição que defendeu nos autos e que foi sufragada pela decisão recorrida, é julgada improcedente no recurso, contexto, em que é indiferente a apresentação ou não de alegações.
Contrariamente as situações em que o tribunal recorrido envereda por uma posição que nenhuma das partes sufragou no processo e em que a parte que dela retira vantagens a não defende no recurso que revoga a decisão. Esta última situação é a que vimos considerando não dar lugar a condenação da parte recorrida nas custas do recurso, contrariamente à posição a que se refere a nota 16.
Ana de Azeredo Coelho