VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RECURSO
PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário

Proferida sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, não se verificando qualquer das hipóteses contempladas no art. 634.º do CPC, aplicando-se o princípio da personalidade, os credores que não recorreram dessa decisão ficam excluídos do âmbito do recurso, não sendo afetados pela decisão do tribunal superior; quanto a estes, a sentença transita imediatamente, operando-se o caso julgado nos termos do art. 628.º do CPC.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
I.RELATÓRIO
Nos presentes autos de insolvência da sociedade EL e A Lda [ [1] ], apresentado o mapa de rateio e pagamento parcial, apresentaram reclamação, em 08-03-2021, os seguintes credores:
JAR
MAR
JMAM
JEDC
JFVMA
MFPFC
RPSF
VMGC, representados pelo mesmo mandatário [ [2] ] e em articulado comum, reclamação que foi objeto de despacho de indeferimento proferido em 08-04-2021 [ [3] ].
Apresentaram ainda reclamação os seguintes credores, em 09-04-2021:
BMVL,
PJGV e
SHGCV, representados pelo mesmo mandatário e em articulado comum.
Reclamação que foi objeto de despacho de indeferimento proferido em 14-04-2021 [ [4] ].
*
Os mesmos BMVL, PJGV e SHGCV e ainda ASGVPS, representados pelo mesmo mandatário e em articulado comum, já haviam apresentado, em 22-05-2020, requerimento concluindo da seguinte forma:
“Nestes termos e nos melhores de Direito, Requer-se a V. Ex.a se digne considerar procedentes as impugnações dos ora Requerentes, e em consequência, serem os seus créditos reconhecidos no montante constante da impugnação e graduados para serem pagos com o acervo de bens da massa insolvente” [ [5]  ].
Requerimento que foi objeto de despacho de indeferimento proferido em 20-12-2020 [ [6]  ] despacho que foi notificado ao mandatário por comunicação de 22-06-2020 e do qual não foi interposto recurso.
*
Não se conformando com o despacho proferido em 08-04-2021, os reclamantes JARMAR, JMAM, JEDC, JFVMA, MFPFC, RPSF e VMGC apelaram, apresentando alegações [ [7] ], com conclusões.
Não se conformando com o despacho proferido em 14-04-2021, apelaram BMVL, PJGV, SHGCV e ainda ASGVPS apresentando alegações [ [8] ], com conclusões.
Em 17-08-2021 foram os recursos apreciados, tendo sido proferida decisão sumária, pelo tribunal de turno, com o seguinte teor:
“(…) É a seguinte a questão a decidir:
- dos valores dos créditos a considerar no rateio parcial. 
*
Resulta dos autos que, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 3 de março de 2020, transitado em julgado a 21 de abril de 2020, acórdão que corrigiu o acórdão proferido a 11 de dezembro de 2019, foi declarada nula a sentença de verificação e graduação de créditos elaborada em 1ª instância, e, em sua substituição, foram julgadas «procedentes as reclamações apresentadas por todos os recorrentes contra a relação de créditos declarados reconhecidos pelo Administrador de Insolvência no processo de insolvência da “Sociedade EL & A, Lda", alterando-se, em conformidade com o agora decretado, os quadros constantes do número 1 do elenco de factos transcrito no ponto 3. do presente acórdão, havendo esses créditos reclamados por esses apelantes que ser reconhecidos e graduados para serem pagos com o acervo de bens da Massa Insolvente daquela sociedade agora referida»; e foram graduados «da seguinte forma os créditos sobre a Insolvente, para serem pagos, após o pagamento das custas, com o produto da venda dos seguintes bens da Massa Insolvente:
I) Sobre os bens móveis apreendidos conforme apenso e referidos supra, os créditos acima enunciados no quadro 1, com as alterações decretadas na alínea a) supra, como: A) Privilegiados:
- os créditos dos trabalhadores com privilégio mobiliário geral,
- o crédito do Estado,
- o crédito do ISS, IP.; B) Créditos Comuns:
C) Subordinados, 
Todas as classes, como tal assinalados na lista do art.° 129° do CIRE acima elencada e por força do que anteriormente foi decretado no presente acórdão.
II) Sobre os bens imóveis apreendidos como verbas 1 a 24 e 30 a 35 conforme apenso D e referidos supra, os créditos acima enunciados no quadro 1, com as alterações decretadas na alínea a) supra, como: A) Privilegiados:
- os créditos dos trabalhadores com privilégio imobiliário;
B) Créditos Comuns;
C) Subordinados;
III) Sobre os bens imóveis apreendidos como verbas 25, 26, 27, 28, e 29 conforme apenso D e referidos supra, os créditos acima enunciados no quadro 1, com as alterações decretadas na alínea a) supra, como: A) Garantido:
- o crédito do BBVA garantido por hipoteca B) Privilegiados:
- os créditos dos trabalhadores com privilégio imobiliário;
C) Créditos Comuns;
D) Subordinados.»
*
Nos termos do art. 16º nº 1 da L 75/2020, de 27 de novembro, “em todos os processos de insolvência pendentes à data da entrada em vigor da presente lei é obrigatória a realização de rateios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente, desde que, cumulativamente:
a) tenha transitado em julgado a sentença declaratória da insolvência e o processo tenha prosseguido para liquidação do ativo pela forma prevista nos artigos 156º e seguintes do CIRE;
 b) esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores previsto no artigo 130º do CIRE sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida, seja nos termos do disposto no nº 3 do artigo 131º do CIRE seja por decisão judicial, aplicando-se o disposto no nº 1 do artigo 180º do CIRE caso a decisão não seja definitiva;
c) as quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a 10 000 (euro) e a respetiva titularidade não seja controvertida.”
À data da elaboração do mapa de rateio parcial contra o qual os recorrentes reclamaram, já havia decisão definitiva de verificação e graduação de créditos: o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 3 de março de 2020.
Nesse acórdão, foram julgadas «procedentes as reclamações apresentadas por todos os recorrentes contra a relação de créditos declarados reconhecidos pelo Administrador de Insolvência no processo de insolvência da “Sociedade EL & A, Lda", alterando-se, em conformidade com o agora decretado, os quadros constantes do número 1 do elenco de factos transcrito no ponto 3. do presente acórdão, havendo esses créditos reclamados por esses apelantes que ser reconhecidos e graduados para serem pagos com o acervo de bens da Massa Insolvente daquela sociedade agora referida».
Se os ora recorrentes entendiam que, dos créditos não reconhecidos pelo administrador da insolvência, não deveriam ser apenas os créditos reclamados pelos credores que interpuseram recurso da sentença de verificação e graduação de créditos os reconhecidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deveriam ter reagido contra o acórdão pelo meio próprio e no devido tempo.
Ao elaborar o mapa de rateio, o administrador da insolvência apenas podia ter em consideração a lista de créditos reconhecidos constante do quadro nº 1 do número 1 do elenco de factos transcrito no ponto 3 do acórdão com as alterações determinadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa - e apenas essas.
*
Pelo exposto, julgo improcedentes as apelações, mantendo os despachos recorridos.
Custas de cada apelação pelo respetivo recorrente”.
Não se conformando com esta decisão singular, reclamaram para a conferência:
JAR, MAR, JMAM, JEDC, JFVMA, MFPFC, RPSF e VMGC, formulam as seguintes conclusões:
“a) Deste modo e nos termos sobreditos a sentença de graduação de créditos padece de nulidade nas parte em que não reconhece os créditos reclamados a todos os trabalhadores que os reclamaram, neles se incluindo os ora recorrentes, pelo que, deve por isso nessa parte assim ser rectificada, conforme previsão dos artigos 195º nº 2 e 200º nº 3 do CPC, procedendo-se a reforma da sentença conforme previsto também pelo artigo 616º nº 1 alínea b) do mesmo CPC.
b) O artigo 194º do CIRE, consagra a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência, sendo que o princípio da igualdade proíbe o arbítrio e discriminações não materialmente fundadas, configura-se assim tal princípio como uma trave basilar na regulação do plano de insolvência.
c) Todos os ora recorrentes apresentaram reclamação as créditos reconhecidos, apenso B, nenhuma resposta tendo recebido a tal reclamação, pelo que e de acordo com o Douto Acórdão proferido, deverá ter-se assim como admitida e reconhecido o crédito reclamado por cada um dos ora recorrentes e antes discriminado, mas tudo melhor discriminado e conforme reclamação de créditos apresentada.
d) O instituto da reforma da decisão constitui uma importante e necessária limitação ao princípio do esgotamento ao próprio julgador que proferiu a decisão possibilidade de alterar o decidido e aplicação o direito constitucionalmente consagrado de igualdade, pelo que, não tendo o Administrador da Insolvência atendido ao teor do acórdão proferido, e em face do mesmo, procedido a respectiva correção da lista de crédito reconhecidos, cabe ao Tribunal, no caso à Meritíssima Juiz Aquo fazê-lo, aplicando como lhe compete o princípio da igualdade.
e) Caberia assim, ao tribunal aquo lançar mão do instituto da reforma da sentença, artigo 616º nº 2 alínea b) e aplicá-la a todos o trabalhadores reclamantes, neles incluídos os ora recorrentes, por aplicação do acima referido princípio de igualdade. 
Termos em que e nos melhores que por V. Exas serão Doutamente supridos
Deve ser dado provimento presente reclamação e a final julgar procedentes cada um dos recursos apresentados pelo ora reclamantes alterando-se a lista de créditos reconhecidos nos termos pedidos e consequentemente, serem reconhecidos os créditos respectivos. Fazendo-se assim Justiça”
E ainda BMVL, PJGV e SHGCV [ [9] ], que formulam as seguintes conclusões:
“I. O Acórdão do TRL de 11/12/2019 proferido no âmbito de um recurso interposto nos presentes autos, declarou a nulidade da sentença de graduação de créditos datada de 27/09/2018, proferida nos presentes autos;
 II. O referido Acórdão do TRL de 11/12/2019 realizou o exercício de apurar da existência de algum segmente ou parte da sentença de graduação de créditos que pudesse ser aproveitada.
 III. O referido Acórdão do TRL, no ponto 4.2.3. refere que “(…) a resposta do Administrador de Insolvência a essas impugnações, que foi introduzida em Juízo tão só no dia 08/04/2013, sem que nessa peça processual tenha sido sequer invocada (e, logo, muito menos provada) a ocorrência de uma situação qualificável como justo impedimento, forçoso se torna concluir que essa resposta não foi apresentada no prazo previsto na 1.ª parte do n.º3 do supra transcrito art.º 131 do CIRE [“dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso”], sendo, por isso, extemporânea (…);
 IV. Tendo ainda concluído que, face ao estabelecido na parte final do referido n.º 3 do artigo 131.º do CIRE, todas as impugnações se têm que considerar procedentes e todos os créditos reclamados como reconhecidos.
 V. Tendo os Recorrentes impugnado a lista de credores reconhecidos, conforme consta do Quadro 2, da sentença graduação de créditos datada de 27/09/2018 proferida nos presentes autos, entendem que a sua impugnação apresentada tem que se considerar procedente;
VI. A nulidade de sentença é de conhecimento oficioso e como tal existe um dever de pronúncia sobre tal questão.
VII. O Venerando Relator não pode deixar de conhecer das consequências da nulidade da sentença.
VIII. Os recorrentes não recorreram do Acórdão do TRL de 11/12/2019 porque não eram partes no referido recurso e, tendo em consideração a declaração de nulidade da sentença de verificação e graduação de créditos, entenderam que os efeitos da nulidade iriam defender os seus interesses.
 IX. Tendo sido declarada nula a sentença de graduação de créditos e tendo em consideração o teor do Acórdão do TRL de 11/12/2019, o mapa de rateio tinha de ser rectificado quanto ao valor dos créditos reconhecidos dos Recorrentes, sendo reconhecidos os valores que constam da reclamação de créditos apresentada pelos reclamantes;
 Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente Reclamação ser atendida e ser o recurso julgado procedente, revogando-se o mapa de rateio apresentado pelo Administrador de Insolvência e serem reconhecidos os créditos dos recorrentes, assim se fazendo e é timbre deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa,
JUSTIÇA 
Cumpre apreciar.
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes/reclamantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões apresentadas aquando da interposição do recurso de apelação, impõe-se apreciar, fundamentalmente, do alcance do caso julgado formado pela sentença de verificação e graduação de créditos proferida pela primeira instância, em conexão com o acórdão proferido pelo TRL que apreciou e decidiu dos recursos interpostos, que incidiram sobre essa sentença, tendo em conta, nomeadamente, o disposto nos arts. 634.º do CPC, salientando-se que, em sede de reclamação para a conferencia, os apelantes renovam os argumentos já expendidos anteriormente.
*
Na decisão sumária proferida entendeu-se, secundando o entendimento da primeira instância, que não tendo os ora reclamantes interposto recurso da sentença da primeira instância que apreciou e decidiu da verificação e graduação de créditos, não lhes aproveitava o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 03-03-2020; ainda que sem convocação expressa do respetivo regime, a ratio subjacente a essa decisão sumária, com a qual, avança-se já, concordamos, reside no art. 634.º do CPC, aplicável ao processo de insolvência ex vi do disposto no art. 17.º, nº1 do CIRE.
O que resulta à evidência do processo é que, perante a sentença da primeira instância, alguns trabalhadores – que não os ora reclamantes – apelaram da mesma, recurso que foi julgado procedente por acórdão proferido em 03-03-2020 [ [10] ].
Quid juris relativamente aos demais trabalhadores, ora apelantes/reclamantes?
Não são, ao contrário do que parecem entender, abrangidos por aquele acórdão, que não lhes aproveita, tendo transitado em julgado, quanto aos mesmos e nos precisos termos em que foi proferida, a sentença de primeira instância.
Só assim não seria se se verificasse o condicionalismo a que alude o art. 634.º do CPC, o que aqui não acontece.
Assim, no processo de insolvência, os vários credores reclamantes não se encontram numa relação litisconsorcial entre si, mas numa relação de concurso: declarada a insolvência abre-se o concurso de credores, com vista à verificação e graduação dos créditos de cada um. Fica, pois, afastada a hipótese tipificada no número 1 do art. 634.º do CPC, reservada aos casos de litisconsórcio necessário, em que se discutem interesses incindíveis, impedindo que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes [ [11] ].
Quanto às hipóteses tipificadas no nº2, temos que o recurso interposto aproveita ainda aos outros:
- Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso (alínea a); nos termos do nº 3 do preceito, a adesão ao recurso pode ter lugar, por meio de requerimento ou de subscrição das alegações dos recorrentes, no prazo aí reportado [ [12] ]. Ora, no caso, como resulta do processo, os apelantes/reclamantes não utilizaram esse mecanismo processual, abstraindo-se completamente da apelação interposta e que motivou a prolação do aludido acórdão, não se vislumbrando dos autos qualquer manifestação de vontade no sentido da adesão; aliás, nunca sequer alegaram no presente recurso o circunstancialismo subsumível a essa previsão;
- Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente (alínea b), o que aqui também não acontece porquanto não existe qualquer nexo de prejudicialidade. “Verifica-se esta dependência quando há um nexo de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o do não recorrente, ou melhor, quando o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, por o interesse deste se encontrar na dependência do daquele” [ [13] ];
- Nas hipóteses de condenação solidária, conforme alínea c) do mesmo preceito, hipótese que não se coloca no processo.
A propósito da extensão subjetiva do recurso e tendo por referência preceito similar do CPC de 1939 (o referido art. 683.º) refere Jorge Noronha Silveira:
“Esclarecida a legitimidade dos litigantes para recorrer desacompanhados dos interessados, resta saber quais são as repercussões que um eventual êxito do recurso terá sobre aqueles que ficam inertes. Poderão beneficiar também desse êxito?
Este é sem dúvida o problema central do nosso trabalho, que o Prof. Alberto dos Reis apelida de «extensão subjectiva do recurso».
A sua resolução pode basear-se em dois princípios teóricos distintos:
a) Princípio da realidade – a sua aplicação conduz à extensão máxima da eficácia do recurso: os co-interessados não recorrentes aproveitam-se sempre do eventual êxito do recurso;
b) Princípio da personalidade ou da relatividade – consagra a solução oposta: restringe o âmbito do recurso ao recorrente; a decisão da 1ª instância constitui caso julgado quanto aos co - interessados não recorrentes [ [14] ] [ [15] ].
A pré-existência de litisconsórcio necessário entre os interessados, a dependência de interesses e a solidariedade passiva da obrigação (art. 634.º, nº 1 e 2, alíneas b) e c), respetivamente), configuram casos em que o legislador aplicou o princípio da realidade, obrigatoriamente; o princípio é extensível por vontade das partes, nas hipóteses de adesão (art. 634.º, nº2, alínea a); “Só se nenhuma dessas hipóteses se verificar é que caímos no âmbito de aplicação do princípio da personalidade. O nosso legislador consegue assim uma conciliação entre os dois princípios que, nas suas linhas gerais, nos parece correcta, dando primazia ao que traduz melhor as aspirações e os princípios básicos do direito processual civil moderno” [ [16] ].
Em síntese, proferida a sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, não se verificando qualquer das hipóteses contempladas no art. 634.º, do CPC, aplicando-se o princípio da personalidade, os credores que não recorreram dessa decisão ficam excluídos do âmbito do recurso, não sendo afetados pela decisão do tribunal superior; quanto a estes, a sentença transita imediatamente [ [17] ], operando-se o caso julgado nos termos do art. 628.º do CPC.
As objeções apostas pelos reclamantes, reiterando os argumentos já explanados nas conclusões do recurso de apelação, não procedem.
Em primeiro lugar, reclamam de nulidades da sentença de graduação, anos depois da mesma ser proferida, não tendo qualquer cabimento, no contexto dos autos, a convocação dos arts. 195º nº 2 e 200º nº 3 do CPC, nem o pedido de “reforma da sentença conforme previsto também pelo artigo 616º nº 1 alínea b) do mesmo CPC”; sendo admissível recurso dessa sentença, incumbia aos ora apelantes/reclamantes, em tempo oportuno, arguirem a nulidade respetiva, nos termos do art. 615.º, nº4 do CPC, o que não fizeram, sendo inadmissível o pedido de reforma (art. 616.º, nº2, primeira parte) do mesmo diploma) [ [18] ].
Em segundo lugar, é despropositada a convocação do princípio da igualdade dos credores, consagrado no art. 194.º do CIRE; o princípio tem um conteúdo muito preciso no âmbito do direito da insolvência – cfr. o art. 194.º do CIRE –, e não serve para suprir eventuais deficiências dos credores na utilização dos mecanismos processuais que a nossa lei lhes assegura, em concretização dos seus direitos (art. 2.º do CPC).  
Quanto aos apelantes/reclamantes BMVL e outros, invocam ainda que,  “tendo em consideração a declaração de nulidade da sentença de verificação e graduação de créditos” operada pelo acórdão do TRL, “entenderam que os efeitos da nulidade iriam defender os seus interesses” (conclusão VII) e que “[t]endo sido declarada nula a sentença de graduação de créditos e tendo em consideração o teor do Acórdão do TRL de 11/12/2019, o mapa de rateio tinha de ser rectificado quanto ao valor dos créditos reconhecidos dos Recorrentes, sendo reconhecidos os valores que constam da reclamação de créditos apresentada pelos reclamantes (conclusão  IX).
Não têm razão, como decorre do que se expôs, salientando-se que mesmo no âmbito da delimitação subjetiva e objetiva do recurso (art. 635.º do CPC), os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Saliente-se que estes credores já em momento anterior haviam formulado pretensão material de alteração da sentença de verificação e graduação de créditos [ [19] ], como supra se deu nota pelo que, em rigor, a reclamação apresentada contra o mapa é apenas um expediente processual para renovar essa pretensão, que já havia sido indeferida, como aliás foi referido no despacho recorrido, proferido pela primeira instância.  
Improcedem, pois, totalmente, as conclusões das reclamações.
*
Pelo exposto acordam as juízas desta Relação em julgar improcedentes as reclamações apresentadas, confirmando-se a decisão singular proferida.
Notifique.

Lisboa, 23-11-2021
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
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[1] No apenso de reclamação de créditos (O) foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos em 27-09-2018, sentença retificada por despacho de 24-04-2019.
[2] Que foi notificada da sentença de verificação e graduação por comunicação de 10-12-2018 (cfr. p. 17, referência 24ª do ficheiro informático).
[3] Que consubstancia o despacho recorrido, com o seguinte teor:
“Requerimento de 8 de Março de 2021:
Por acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Março de 2020, transitado em julgado, foi apreciado o mérito dos recursos interpostos da sentença proferida nos presentes, tendo sido, a final, verificados e graduados os créditos reclamados nos presentes (apenso o).
Assim sendo, encontra-se esgotado o poder jurisdicional no âmbito dos presentes, sendo a pretensão formulada legalmente inadmissível, o que se declara, indeferindo a mesma”.
[4] Que consubstancia o despacho recorrido, com o seguinte teor:
“Requerimento de 9 de Abril de 2021:
Sob a aparência de reclamação ao mapa de rateio, os requerentes, não obstante o despacho proferido no dia 20 de Dezembro de 2020, transitado em julgado, que indeferiu a pretensão apreciada, vêm renovar a mesma, requerendo a “retificação” do mapa de rateio de modo a conformar-se com a sentença de verificação e graduação de créditos que, entendem, deveria ter sido proferida nos autos.
O que é manifesto se considerarmos que o mapa de rateio tem que ser elaborado em conformidade com as decisões de verificação e graduação de créditos, transitadas em julgado, proferidas nos autos, o que os requerentes não põem em causa, não lhe apontando qualquer desconformidade.
Em conformidade, a “reclamação ao mapa de rateio” em apreço é manifestamente improcedente, o que se julga”.
[5] Com a seguinte fundamentação:
“O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 11/12/2019, declarou nula a sentença de graduação de créditos datada de 27/09/2018, proferida em 1.ª instância;
 Decidiu ainda o Tribunal da Relação de Lisboa que, em substituição da sentença declarada nula, julgar procedentes as reclamações apresentadas pelos recorrentes contra a relação de créditos declarados reconhecidos pelo Administrador de Insolvência;
 Acresce que, o texto do referido Acórdão do TRL, no ponto 4.2.3. refere que “(…) a resposta do Administrador de Insolvência a essas impugnações, que foi introduzida em Juízo tão só no dia 08/04/2013, sem que nessa peça processual tenha sido sequer invocada (e, logo, muito menos provada) a ocorrência de uma situação qualificável como justo impedimento, forçoso se torna concluir que essa resposta não foi apresentada no prazo previsto na 1.ª parte do n.º3 do supra transcrito art.º 131 do CIRE [“dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso”], sendo, por isso, extemporânea (…)”;  
 Quer isto dizer que, tendo a resposta do Administrador de Insolvência sido feito fora de prazo, as impugnações apresentadas são julgadas procedentes;
 Sucede que, tendo em consideração que os credores, ora Requerentes impugnaram a lista de credores reconhecidos, conforme consta do Quadro 2, da sentença proferida em 1.ª instância, entendem que as suas impugnações apresentadas têm que se considerar procedentes;
Na verdade, não poderia ser outra a consequência da declaração de nulidade da sentença de graduação de créditos, sob pena de se verificar uma violação do princípio da igualdade entre credores;
Não obstante os credores, ora Requerente não terem recorrido da sentença de graduação de créditos, a declaração de nulidade da sentença tem que abranger todos os credores, independentemente de terem, ou não, recorrido da mesma;
Acresce ainda que, o Tribunal da Relação de Lisboa é inequívoco quanto conclui que, não tendo a resposta do administrador sido apresentada no prazo previsto na primeira parte do n.º 3 do artigo 131.º do CIRE, foi extemporânea e, 
De acordo com a parte final do n.º 3 do mesmo artigo 131.º, todas as impugnações validamente apresentadas (onde se incluem as dos Requerentes) têm de se considerar procedentes, bem como todos os créditos reclamados como reconhecidos para efeitos de graduações de créditos a ser pagos com o acervo da massa insolvente; 
Pelo exposto, ao abrigo do princípio da igualdade de tratamento entre credores, os efeitos da declaração de nulidade da sentença são obrigatoriamente extensíveis e aplicáveis aos ora Requerentes”.
[6] Com o seguinte teor:
“Se bem se entende, por requerimento de 22 de Maio de 2020, os credores reclamantes BMVL, PJGV, SHGCV e ASGVPS pretendem que o tribunal altere a sentença proferida nos autos e, por esta via, o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Lisboa que sobre a mesma se pronunciou, ambas decisões transitadas em julgado. 
 Sucede que, tendo ambas as decisões esgotado o poder jurisdicional quanto ao objeto dos autos, a saber, verificação e graduação dos créditos reclamados para serem pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente (art.613º,
n.º1, CPC), tal pretensão é legalmente inadmissível.
 Em conformidade, por legalmente inadmissível, indefiro a pretensão formulada.
 Notifique”. 
[7] Em articulado próprio para cada apelante, com idênticos fundamentos, alterando-.se apenas o valor dos créditos em causa.
[8] Em articulado próprio para cada apelante, com idênticos fundamentos, alterando-.se apenas o valor dos créditos em causa.
[9] Salientando-se que ASGVPS não apresentou qualquer reclamação para a conferência, não constando o seu nome no requerimento apresentado pelos demais apelantes.
[10] O primeiro acórdão proferido data de 11-12-2019 – é a esse acórdão que se reportam os apelantes BL e outros –, tendo sido objeto de pedido de retificação formulado por um credor, que indicou ter sido omitida, por lapso, a sua identidade, pedido que foi aceite, tendo sido proferido novo acórdão em 03-03-2020, sendo a este segundo acórdão que se repostam os apelantes JAR e outros.  
[11] Abrantes Geraldes, 2014, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, p. 84.
[12] “A lei marca um termo ad quem para a adesão correspondente ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão. Esse limite coincidirá, em princípio, com o momento em que o relator se debruçar sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso ou sobre o controlo do seu regime, momento que antecede imediatamente a prolação da decisão sumária, nos termos do art. 656.º, ou o início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão, nos termos do art. 657.º, nº1” (Abrantes Geraldes, obr. cit. p. 86).    
[13] Amâncio Ferreira, 2006, Manual dos Recursos em Processo Civil, Coimbra: Almedina, p. 149, reportando-se ao art. 683.º da lei processual civil anterior, cuja redação se manteve no atual art. 634.º, com mera atualização da remissão (agora para o art. 657.º, nº1, anteriormente para o art. 707.º, nº1).   
[14] Pluralidade das Partes na Fase dos Recursos em processo Civil, 1981, Coimbra: Almedina, pp. 37-38).
[15] Cfr., ainda, Amâncio Ferreira, obr. cit., pp. 148-150.
[16] Jorge Noronha Silveira, obr. cit. pp 46- 47.
[17] Jorge Noronha Silveira, obr. cit. p 74.
[18] Que, de qualquer forma, nos casos em que a decisão não admite recurso, deve ser exercido no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão, ou nos 10 dias seguintes àquele em que tiveram conhecimento desta, pressupondo que agiram com a diligência devida, relevando desde logo as intervenções que tiveram no processo.
[19] Não se logrou visualizar no ficheiro informático a notificação da sentença de verificação e graduação a estes apelantes; no entanto, essa sentença há muito é do seu conhecimento como desde logo ressalta do seu requerimento de 22-05-2020.