IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


I. Na decisão do recurso de apelação que incida sobre a decisão da matéria de facto, nos termos do art. 662º do CPC, deve a Relação refletir designadamente a apreciação crítica dos meios de prova que foram indicados pelas partes.
II. Tal dever mostra-se satisfeito num caso em que, para além de um correto enquadramento jurídico dos poderes/deveres da Relação, nos termos do art. 662º do CPC, foi exposto na fundamentação do acórdão o confronto com os depoimentos testemunhais e a prova documental que foi indicada pela recorrente, ao abrigo do princípio da livre apreciação.

Texto Integral


I - FRIOTECA EQUIPAMENTOS HOTELEIROS, Ldª,

demandou

INTERLINES CONNECTING LOGISTCS e

TRANSPORTES CARDOSO & IRMÃO, S.A.,

pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de € 161.500,00, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alega, para tanto, que no dia 26-3-19, outorgou um intitulado “Contrat de Vente International” de aparelhos de ar condicionado, pelo preço de € 161.500,00, com a sociedade SNC LIDL, na qualidade de compradora, representada pelo gerente AA, tendo ficado acordado nesse intitulado contrato que o transporte dos referidos aparelhos por via rodoviária/terrestre seria organizado e a cargo da compradora SNC LIDL ou de quem ela viesse a designar para o efeito e que tal mercadoria seria carregada no dia 184-19, em camião, nas instalações da A., na R. Central de Mouriz 1524, 4580-590 Mouriz, Paredes e descarregada na morada que lhe fosse indicada no dia 24-4-19.

Concluído o carregamento, o motorista da 2ª R. solicitou à gerente da A. BB que assinasse a declaração CMR, junta na p.i. como documento 6, que acompanharia o transporte da mercadoria de Portugal para França. A sócia-gerente da A., BB, questionou o referido motorista sobre o facto de na declaração CMR constar como destinatário a VOLNER SAS e local de descarga a R. GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE, France e não o SNC LIDL, 35 R. Charles Peguy, 67200, Strasbourg, França ao que este respondeu que se tratava de uma associada do SNC LIDL onde seria descarregada a mercadoria e que era normal as declarações CMR já virem assinadas ou carimbadas pelo destinatário e face a estas explicações, a gerente da A., BB, rubricou a declaração CMR.

Decorridos cerca de 25 dias sem que o pagamento fosse efetuado, a A. apercebeu-se que tinha sido vítima de fraude, contactou a 1ª R., a qual lhe confirmou ter sido contratada por uma sociedade denominada VOLNER SAS, com sede na R. GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE, France para fazer o transporte dos aparelhos de ar condicionado e que, por sua vez, subcontratou esse transporte na 2ª R.

As RR. são responsáveis pela perda dos aparelhos de ar condicionado, pois sabiam que nos termos do contrato de transporte celebrado com o alegado representante da VOLNER SAS, o local de descarga dos equipamentos não era a R. GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE, France, mas sim a 21 South Road, CM20 2BZ Harlow, Londres, omitiram tal facto à A., visando não levantar suspeitas sobre o real destino e local de descarga dos equipamentos, falsamente fizeram constar aquela morada da declaração CMR que foi exibida à A., tendo acedido ao pedido do individuo que contratou o transporte, para que o motorista da 2ª R. aquando do carregamento referisse à A. que se tratava do “Transporte LIDL FRANCE”, razões pelas quais a conduta das RR. foi causa adequada da perda dos aparelhos de ar condicionado e do prejuízo da A. no valor de € 161.500,00.

A 1ª R. não apresentou contestação.

A 2ª R. impugnou os factos alegados na petição, referindo que seguiu escrupulosamente as instruções que lhe foram dadas pela 1ª R., por estar habituada a operações de transporte seguindo os procedimentos de “discrição comercial”, acreditando que esta lhe estava a transmitir as instruções que ela própria havia recebido de quem a contratou, e que consistiam no carregamento das mercadorias em causa nas instalações da A. e entrega em Halow, Londres e que na operação deviam estar envolvidos dois CMR, um para ser usado no momento da carga nas instalações da A. e teria como local de descarga a Volner e um segundo que devia ser utilizado em território francês que teria como local de carga a Volner e descarga Halow, Londres, tendo sido reafirmado, mais do que uma vez que a carga seguiria diretamente desde as instalações da A. até à referida morada em Londres, o que cumpriu.

Foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a ação, absolvendo as RR. do pedido.

A A. apresentou recurso de apelação no qual, além do mais, impugnou diversos pontos da decisão da matéria de facto provada e não provada, com enunciação dos meios de prova que em sua opinião determinariam uma solução diversa. Impugnou ainda a decisão de direito.

O recurso de apelação foi julgado improcedente na sua totalidade e, desde logo, no segmento relacionado com a impugnação da decisão da matéria de facto fixada pela 1ª instância.

A A. veio interpor recurso de revista em termos normais relativamente ao segmento da decisão que incidiu sobre a impugnação da matéria de facto e em termos excecionais relativamente à parte restante, no pressuposto de que exista dupla conformidade.

Por agora, sem curar ainda de apreciar o objeto da revista excecional dependente, aliás, da sua admissão, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC, cumpre apreciar o acórdão da Relação na parte em que apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto.

Para o efeito, concluiu a A. no recurso de revista nos termos gerais que:

1. A Relação decidiu pela improcedência da apelação quanto à impugnação da matéria de facto dos pontos 11, 16, 17 e 18 dos temas da prova, desde logo por entender “não ser de dar resposta a temas de prova, mas sim, e tão só, a factos alegados pelas partes nos articulados”

2. A matéria de facto constante nos pontos 11, 16, 17 e 18 dos temas da prova foi alegada pela A. nos arts. 27º, 53º, 54º e 55º da petição. Estes pontos dos temas da prova mais não são que uma transcrição de factos alegados pela A. na sua PI.

3. Para efeitos de apreciação da impugnação da matéria de facto é irrelevante que a A. tivesse identificado os factos que se pretendeu impugnar por referência aos Pontos dos temas da prova ou por referência aos pontos da petição inicial. Melhor dizendo,

4. Se na base dos temas da prova consta factualidade que importa apreciar em julgamento, as partes estão legitimadas a pedir produção de prova que incida sobre tais factos.

Por outro lado,

5. Ainda relativamente aos pontos 11, 16, 17 e 18 dos temas da prova o Tribunal recorrido não realizou a indispensável análise crítica dos meios de prova constantes dos autos e não cumpriu o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de modo a explicar e justificar a sua própria e autónoma convicção.

6. Os poderes de reapreciação contidos no  art. 662º do CPC traduzem um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição sobre a apreciação da prova produzida, impondo-se, por isso, que o Tribunal da Relação analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si e contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria convicção. Não pode por isso o Tribunal da Relação eximir-se de formular o seu próprio juízo de valoração da prova atinente à factualidade em causa. Este preceito não admite a fundamentação per relationem, por remissão ou referência aos argumentos alheios.

7. Revertendo para o nosso caso verifica-se que a Relação se limitou a referir que “não cabe dar a referida matéria como prova por falta de prova credível e convincente que o permita fazer, como bem explicou e fundamentou o Tribunal a quo na motivação”, sem realizar a indispensável análise crítica dos meios de prova constantes dos autos e sem cumprir  o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de modo a explicar e justificar a sua própria e autónoma convicção.

8. Tal atuação constitui violação, quer da disciplina processual a que aludem os artigos 640º e 662º, nº 1, quer do método de análise crítica da prova prescrito nos arts. 607º, nº 4 aplicável por força do disposto no art. 663º, nº 2, do CPC.

Não houve contra-alegações.


II. FACTOS PROVADOS:

1 - A A. é uma sociedade comercial que, com intuito de lucro, vende equipamentos de ar condicionado, ventiladores e grupos de aspiração.

2 - A 1ª R. tem como objeto comercial “afrètement et organisation des transports”.

3 - A 2ª R. dedica-se, com intuito de lucro, ao transporte rodoviário por estrada, nacional e internacional de mercadorias.

4 - No dia 26-3-19, a A., por escrito, outorgou um intitulado “Contrat de Vente International” de aparelhos de ar condicionado (contrato de venda internacional, junto como doc. 1 e 2 da p.i.) em que, segundo o referido contrato, eram partes a A., como vendedora, e a sociedade SNCLIDL com sede em 35, R. Charles Peguy, 67200, Strasbourg, França, representada pelo gerente AA, como compradora.

5 - Tendo ficado acordado nesse intitulado contrato que o transporte dos referidos aparelhos por via rodoviária/terrestre seria organizado e a cargo da compradora SNC LIDL ou de quem ela viesse a designar para o efeito.

6 - A A. e a compradora, intitulada no referido contrato de SNC LIDL, acordaram que a primeira parcela de aparelhos de ar condicionado a entregar seria composta por 100 aparelhos do modelo mono Split Cassette e 100 aparelhos do modelo mono Split Murale, no valor global de € 161.500,00.

7 - E que tal mercadoria seria carregada no dia 18-4-19, em camião, nas instalações da A., na R. Central de Mouriz 1524, 4580-590 Mouriz, Paredes e descarregada na morada que lhe fosse indicada no dia 24-4-19.

8 - No dia 17-4-19, através de uma “bolsa de fretes” existente na Internet, a 2ª R. verificou que a 1ª R. procurava um transportador que efetuasse um transporte de 80 m3 de mercadoria, a ser alojada num trailer com pelo menos 13.6 m de comprimento, desde ..., no distrito ..., em Portugal, até ....., no distrito  ..., no ..., devendo a carga ocorrer no dia 18-4-19 até às 23h00 e a descarga ocorrer no dia 22-4-19 até às 24h00, tendo a 1ª R. contratado com a 2ª R. o referido transporte de mercadorias.

9 - A 2ª R. nunca contactou ou contratou com a A. mas apenas com a 1ª R.

10 - Desde o princípio que a 1ª R. informou a 2ª R. de que a interessada nos bens a transportar era a sociedade Comercial Volner SAS, com sede na R. Gustave Eiffel, 77220, Tournan en Brie, France.;

11 - Que os bens deveriam ser carregados no dia 18-4-19 nas instalações da A., e deveriam ser descarregados em 21 South Road, CM 20 2BZ, Halow, Londres.

12 - Mais a informou que na operação deveriam estar envolvidos dois CMR´s:

- o primeiro para ser usado no momento da carga das instalações da A., na R. Central de Mouriz, 1524, 4580 – 594, em Paredes, e teria como local de descarga a Volner SAS, com sede na R. Gustave Eiffel, 77220, Tournan en Brie, France;

- o segundo que deveria ser usado em território francês, que teria como local de carga a Volner SAS, com sede na R. Gustave Eiffel, 77220, Tournan en Brie, France, e local de descarga 21 South Road, CM 20 2BZ, Halow, Londres;

13 - Ainda no âmbito das instruções transmitidas pela 1ª R. à 2ª R., aquela reafirmou, por mais do que uma vez, que a carga seguiria diretamente desde as instalações da A., na R. Central de Mouriz, 1524, 4580 – 594, em Paredes, para o local da descarga 21 South Road, CM 20 2BZ, Halow, Londres;

14 - Que, uma hora antes do motorista chegar a Harlow, em Inglaterra, deveria contactar o representante no local da Volner SAS, o senhor M. CC através do nº ........86, seguindo as indicações que este lhe transmitisse;

15 - Que no momento da descarga deveria ser exibido, apenas, o segundo dos CMR´s envolvidos no transporte das mercadorias;

16 - Tendo a 2ª R. seguido as instruções que lhe foram dadas pela 1ª R. por estar habituada a operações de transporte seguindo os procedimentos de “discrição comercial” que obedeceria aos termos do documento junto a fls. 98 v., acreditando que esta lhe estava a transmitir as instruções que ela própria havia recebido de quem a contratou.

17 - Conforme acordado, no dia 18-4-19, apresentou-se nas instalações da A., na R. Central de Mouriz 1524, 4580-590 Mouriz, Paredes, um camião de matrícula ...-QT-... pertencente à 2ª R. cujo motorista referenciou aos representantes da A. presentes no local, a mercadoria que vinha carregar como sendo os aparelhos de ar condicionado do LIDL de França.

18 - A A., por intermédio dos seus funcionários, procedeu ao carregamento para o camião de 45 paletes com os aparelhos de ar condicionado, com o peso total de 10.000 Kgs, tendo o motorista da 2ª R. solicitado à gerente da A., BB, que assinasse a declaração CMR LV-Nr.500-419, junto a fls. 33, que acompanharia o transporte da mercadoria.

19 - A referida gerente da A. rubricou a declaração CMR a que se alude no ponto 18., entregou ao motorista a cópia da fatura nº 85..., junta a fls. 34 referente ao fornecimento, dirigida SNCLIDL, 35 R. Charles Peguy, 67200, Strasbourg, França, no montante de € 161.500,00, e o camião partiu e seguiu viagem, ficando a A. a aguardar o pagamento do montante da fatura, conforme o contratualmente acordado.

20 - Decorridos cerca de 25 dias sem que o pagamento fosse efetuado, a A. tentou contactar o referido AA que havia outorgado o contrato em representação do SNC LIDL para reclamar o pagamento e verificou que o LIDL França não havia celebrado qualquer contrato de compra e venda de aparelhos de ar condicionado com a A. e que a VOLNER SAS nada havia recebido da A., tratando-se de uma fraude por usurpação de identidade.

21 - O transporte dos aparelhos de ar condicionado havia sido contratado por entidade não concretamente apurada, que se intitulou de Volner, com a 1ª R. que sub-contratou o transporte dos aparelhos de ar condicionado com a 2ª R.

22 - O motorista da 2ª R. seguiu diretamente desde as instalações da A., na R. Central de Mouriz, 1524, 4580 – 594 em Paredes, para o local da descarga 21 South Road, CM 20 2BZ, Halow, Londres;

23 - Ali chegado, após contactar um individuo de nome CC pelo nº de telefone .......86 de acordo com instruções que haviam sido dadas pela 1ª R., não foi descarregar a STORAGE OF REDISTRIBUTION 21 South Road, CM 20 2BZ, Harlow London, mas sim numa zona rural, isto é, num armazém situado aproximadamente nas coordenadas N ...`` E ......” (fornecidas ao motorista pelo tal CC), a cerca de 12,3 Kms daquele local, denominado ......., sito em Harlow Essex……

24 - O motorista da 2ª R., chegado ao local, foi abordado por um individuo de nome DD que disse estar ali para descarregar os aparelhos de ar condicionado, tendo aquele pedido um documento de identificação a este DD, que o mostrou, mas não deixou tirar foto nem anotar o número de identificação.

25 - O motorista da 2ª R., para comprovar a entrega da mercadoria, fotografou o tal DD enquanto este procedia à descarga, bem como o veículo onde este se fazia transportar de marca ...... e matrícula ... YYG e o local onde a descarga foi efetuada.

26 - O motorista da 2ª R. permitiu a descarga do camião, sem previamente exigir ao referido DD que se identificasse como representante ou funcionário da SNCLIDL ou da VOLNER SAS, e sem previamente pedir instruções à A. e/ou a qualquer das RR., solicitando autorização para a descarga.

27 - A VOLNER SAS, sociedade grossista, com sede em R. Gustave Eiffel, 77220, TOURNAN en BRIE, France, pelo menos desde 7-3-19 que sabia ter sido vítima de uma usurpação de identidade com fins criminosos, tendo, por via do “Syndicat des Vins Côtes des Provenc” lançado na Internet um alerta de fraude em 7-3-19, tendo apresentado uma queixa na Gendarmerie Nationale, em França.

28 - Caso as RR. tivessem tentado entregar/descarregar os equipamentos na VOLNER SAS, na R. Gustave Eiffel 77220 TOURNAN EN BRIE France, como constava da declaração do CMR a que se alude no ponto 18., de imediato esta sociedade daria o alerta para a fraude e ter-se-ia evitado a entrega dos equipamentos a entidade desconhecida.

29 - Desconhecido ou desconhecidos abusando da identidade e fazendo-se passar pela sociedade SNC LIDL, com sede em 35 R. Charles Peguy, 67200, Strasbourg, França, representada pelo alegado gerente AA, com o intuito de que a A. abrisse mão dos aparelhos de ar condicionado sem receber o respetivo pagamento, contrataram com a A. a compra dos ditos aparelhos de ar condicionado, os quais depois de chegarem à sua posse fizeram desaparecer.

30 - Da mesma forma, desconhecido ou desconhecidos abusando da identidade e fazendo-se passar pela sociedade VOLNER SAS, R. GUSTAVE EIFFEL 77220 TOURNAN en BRIE, France, e pelo seu Diretor Geral Aymeric Cauvel de Beauville, e pelo seu Diretor Geral EE, contrataram o transporte dos aparelhos de ar condicionado com a 1ª R., a qual por sua vez sub-contratou o transporte com a 2ª R.

31 - Os aparelhos de ar condicionado desapareceram depois de chegarem à posse dos desconhecidos que contratam com a A. a compra dos aparelhos de ar condicionado e que contratam o transporte desses aparelhos com a 1ª R., sendo desconhecido o seu paradeiro.

32 - A A. não autorizou as RR., nem tal autorização lhe foi solicitada, a descarregar os aparelhos de ar condicionado na Grã-Bretanha mormente em STORAGE OF REDISTRIBUTION 21 South Road, CM 20 2BZ, Harlow London, ou em MATCHING HALL FARM, sito em Harlow Essex, CM 17 0QZ como efetivamente foram.


2. FACTOS NÃO PROVADOS:

- Para além do referido no ponto 2 que a 1ª Ré “Interlines” tem por objeto exclusivo o transporte rodoviário, nacional e internacional de mercadorias por estrada, com intuito lucrativo.

- A sócia-gerente da A., BB, questionou o referido motorista sobre o facto de na declaração CMR constar como destinatário a VOLNER SAS e como local de descarga a RUE RUE GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE France e não o SNC LIDL, 35 R. Charles Peguy 67200, Strasbourg, França não o SNCLIDL, 35 R. Charles Peguy 67200, Strasbourg, França, ao que este respondeu que se tratava de uma associada do SNC LIDL onde seria descarregada a mercadoria e que era normal as declarações CMR já virem assinadas ou carimbadas pelo destinatário.

- Para além do referido no ponto 19, a referida gerente da Autora rubricou a declaração CMR por causa destas explicações.

- Para além do referido no ponto 21 que o transporte dos aparelhos de ar condicionado havia sido contratado entre a VOLNER SAS e a 1ª R. Interlines.

- Para além do referido no ponto 25 que o motorista da 2ª R. tirou as fotografias por ter ficado desconfiado.

- E não obstante tal desconfiança, o motorista da 2ª R. permitiu a descarga do camião nos termos a que se alude no ponto 26.

- Para além do referido nos pontos 11 a 15 que as RR., para não levantar suspeitas sobre o real destino e local de descarga dos equipamentos, falsamente fizeram constar a morada Rue Gustave Eiffel, 77220, TOURNAN EN BRIE, França da declaração CMR que foi exibida à Autora.

- Agindo em conluio com o individuo que contratou o transporte e por ordem deste, acederam à chegada a França, em trocar a declaração CMR original por outra com o mesmo número da primeira, mas na qual figurava como local da carga a VOLNER SAS, R. Gustave Eiffel, 77220, TOURNAN EN BRIE, França, e de descarga STORAGE OF REDISTRIBUTION 21 South Road, CM 20 2BZ, Harlow, Londres.

- As RR. não receberam o preço do transporte.


III – Decidindo:

1. Pretende a recorrente que se revogue o acórdão da Relação na parte em que apreciou os pontos 11º, 16º, 17º e 18º da base instrutória, pelo facto de a Relação não ter cumprido os ditames legais a tal respeito, nos termos do art. 662º do CPC, e não ter fundamentado devidamente esse segmento decisório.


2. A esse respeito consta do acórdão da Relação o seguinte:

“Pretende a apelante que a matéria do ponto 11 dos temas da prova seja dada por provada e se leve ao elenco dos factos provados que:

“O motorista da 2ª R. ao chegar a França, não descarregou os aparelhos de ar condicionado, limitando-se a substituir a declaração CMR a que se alude nos Pontos 6 e 7 por outra com o mesmo número e na qual figurava como local de carga VOLNER SAS, R. GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE, France e como local de descarga STORAGE OF REDISTRIBUTION, 21 South Road CM 20 2bz Harlow London”,

com base nas respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos pontos 8, 11, 12 e 13, dos factos provados, no depoimento motorista/testemunha FF (gravação áudio 00.00.01-01.25.40-Min:02.55), nos documentos juntos aos autos a fls 63, 66, 148 e 149 e nos documentos juntos aos autos a fls. 33 e 44.

Ora, para além de não ser de dar resposta a temas de prova mas, sim, e tão só, a factos alegados pelas partes nos articulados, nunca a matéria a que alude o dito ponto dos temas de prova pode ser considerada provada, pois não ficou o Tribunal, minimamente, convencido de que os referidos factos ocorreram, nada cabendo, por isso, alterar.

Com efeito, não resultou que o motorista ao chegar a França se limitou a substituir a declaração CMR a que se alude nos pontos 6 e 7 por outra com o mesmo número e na qual figurava como local de carga VOLNER SAS R. GUSTAVE EIFFEL, 77220, TOURNAN en BRIE, France., e como local de descarga STORAGE OF REDISTRIBUTION, 21 South Road CM 20 2bz Harlow London, antes resulta do próprio depoimento do motorista, FF, apenas ter levado consigo, na viagem de Portugal para Inglaterra, esta última declaração, a nenhuma substituição tendo procedido.


Pretende a apelante que a parte que refere da matéria do ponto 16 dos temas da prova seja dada por provada e, assim, se leve ao elenco dos factos provados que:

“As RR. sabiam desde o início que o local de descarga dos equipamentos não era a R. Gustave Eiffel, 77220, TORNAN, en BRIE França, mas falsamente fizeram constar aquela morada na declaração CMR que foi exibida à A.”

com base nas respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos pontos 8, 11 e 13 dos Factos Provados, nos documentos de fls. 42, 43, 61, 66, 148 e 148 v, no depoimento motorista/testemunha FF (gravação áudio 00.00.01-01.25.40-Min:02.55), no depoimento da testemunha GG (gravação áudio 00.00.01-00.49-09), nas respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos Pontos 12º e 19 dos Factos Provados e no documento junto aos autos a fls. 33.

Não cabe dar a referida matéria como provada por falta de prova credível e convincente que o permita fazer, nada permitindo afirmar que as RR., que sabiam, desde o início, que o local de descarga dos equipamentos não era a R. Gustave Eiffel, 77220, TORNAN en BRIE, França, e que, falsamente, fizeram constar aquela morada na declaração CMR que foi exibida à Autora.

Pretende a apelante que a matéria do ponto 17 dos temas da prova seja dada por provada e, assim, se leve ao elenco dos factos provados que:

“As RR. sabiam que os equipamentos de ar condicionado não iam ser transportados para o LIDL de França, tendo acedido ao pedido do individuo que contratou o transporte, para que o motorista da 2ª R. aquando do carregamento referisse à Autora que se tratava do “Transporte LIDL FRANCE”

com base na resposta dada pelo Tribunal recorrido aos pontos 8, 11 e 13 dos Factos Provados, nos documentos de fls 42, 43, 61, 66, 148 e 148 v., no depoimento da testemunha FF (gravação áudio 00.00.01-01.25.40) e nos documentos juntos aos autos a fls 43, 62, 63, 148 v, 184, 186.

Não cabe dar a referida matéria como provada por falta de prova credível e convincente que o permita fazer, como bem explicou e fundamentou o Tribunal a quo na motivação, supra citada.

Pretende a apelante que a matéria do ponto 18 dos temas da prova seja dada por provada e, assim, se leve ao elenco dos factos provados que:

“Agindo em conluio com o individuo que contratou o transporte e por ordem deste, acederam à chegada a França, em trocar a declaração CMR original por outra com o mesmo número da primeira, mas na qual figurava como local da carga a VOLNER SAS a R. Gustave Eiffel 77220 TORNAN EN BRIE França e de descarga STORAGE OF REDISTRIBUTION 21 South Road CM 20 2 BZ Harlow Londres”,

com base na resposta dada pelo Tribunal recorrido ao Ponto 12 dos Factos Provados e nos documentos juntos aos autos a fls 33, 44, 62, 63, 66, 148, 183,185 v.

Para além de, como referimos, não ser de dar resposta a quaisquer temas de prova mas, sim, e tão só, a factos alegados pelas partes nos articulados, nunca a matéria a que alude o dito ponto dos temas de prova pode ser considerada provada, pois não ficou o Tribunal, minimamente, convencido de que os referidos factos ocorreram, nada cabendo, por isso, alterar.

Nenhuma prova foi produzida no sentido de que as RR. tenham agido em conluio com o individuo que contratou o transporte.

Bem claro deixa o Tribunal a quo que os factos não provados se ficaram a dever “à total ausência de prova credível”. É, também, essa a posição deste Tribunal. Nenhuma alteração cumpre, como vimos, efetuar aos factos provados e os não provados, que a apelante impugna e pretende sejam considerados provados, são de manter como não provados, pois que nenhuma prova credível, plausível, sequer minimamente convincente, foi produzida que permita dar resposta diversa.

Nenhum erro se verifica nos referidos itens, antes livre convicção, assim devidamente fundada, como expressamente se exarou, que, também, é a nossa.

E não resultando os pretensos erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador, com base em toda a prova produzida, não cabe alterar a decisão da matéria de facto, nada sendo de alterar quanto aos factos impugnados, quer os provados quer os não provados.

Conclui-se, pois, pela improcedência da apelação, nesta parte”.


Importa ainda referir que os motivos que foram invocados pela Relação para manter cada um dos pontos de facto enunciados não pode ser apreciados isoladamente, antes no contexto da anterior argumentação e das justificações que foram apresentadas relativamente a outros pontos de facto com aqueles relacionados.

E assim, para além de outros argumentos que foram expostos pela Relação, refere-se no acórdão recorrido que:

“…

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).

Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.


Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação”.


Acresce ainda que, relativamente a outros pontos de facto que foram indicados pela recorrente e respeitantes à mesma relação jurídica – contrato de transporte de mercadorias - a Relação deixou expostos outros argumentos que levaram a rejeitar as pretendidas modificações e dos quais resulta uma efetiva apreciação crítica dos meios de prova apresentados, como o revelam os seguintes segmentos:

A respeito do ponto 7. dos temas de prova (não provado):

“Ora, da conjugação da prova produzida, resulta que do depoimento daquele e das declarações desta - estas últimas, patentemente, interessadas no desfecho da causa favorável à Autora e tendenciosas, por bem denotarem a sua permanente ponderação de dizer, em cada momento, o que mais convinha ao sucesso da pretensão formulada na presente ação -, verifica-se que deles não resultam elementos, minimamente seguros, credíveis e convincentes, que permitam dar como provada esta matéria, que, por falta de prova suficiente e convincente, tem de ser dada como não provada.

Com efeito, não é credível que a sócia-gerente da A. BB tenha questionado um simples motorista sobre tais assuntos e o motorista, FF, referiu, até, não ser tal verdade, nunca podendo ter respondido dessa maneira por o desconhecer por completo.

De modo esclarecedor e bem, fundamenta o Tribunal a quo a razão de considerar verificar-se falta de prova, como supra se exarou, sendo essa também a nossa convicção, fundada no acima explicitado, como decorre do depoimento do referido motorista, plausível, credível e convincente, dado ser mero condutor do veículo que, naturalmente, nenhuns outros poderes possui e nenhum conhecimento das referidas questões tem, apenas cumprindo ordens de levar a mercadoria de um local para outro”.

A respeito do ponto 19. dos factos provados:

“Como anteriormente referimos, nunca a matéria, a que alude o dito ponto 7 dos temas de prova, pode, como vimos, ser considerada provada, por falta de prova quanto à matéria em causa e o referido depoimento da legal representante da Autora não mereceu, como, também, se mencionou, credibilidade que permita dar a resposta pretendida.

Não ficou este Tribunal, minimamente, convencido de que as referidas explicações foram dadas, por falta de prova credível e convincente, nada cabendo, por isso, alterar”.

Quanto ao ponto 24. dos factos provados:

“Nenhuma alteração cumpre efetuar, pois que o próprio motorista explicou e esclareceu o que sucedeu, deixando claro nenhuma desconfiança ter tido, apenas tendo cumprido o que lhe foi determinado, pela sua entidade patronal e nenhuma prova, credível e convincente, da referida desconfiança existiu, não resultando o referido de quaisquer presunções judiciais nem de regras de normalidade e de experiência de vida, que à pretendida resposta não podem conduzir.

A atuação do motorista tem a justificação e explicação referida pelo mesmo e bem analisada Tribunal a quo, destinando-se as fotografias que tirou a mera demonstração de cumprimento, por si, da entrega da mercadoria conforme lhe havia sido determinado fosse efetuado. Assim, nenhuma prova credível foi produzida no sentido pretendido, nada sendo de alterar”.

E quanto ao ponto 26. dos factos provados:

“Não cabe proceder a tal alteração, pois que nenhuma desconfiança resultou ter existido, antes a atuação do referido motorista se ficou a dever a pretender o mesmo ficar, como costuma fazer, munido com a prova do cumprimento do que lhe foi determinado - da entrega da mercadoria conforme as ordens recebidas da sua entidade patronal”.


3. Resulta do nº 4 do art. 662º do CPC que a decisão da Relação proferida ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 é insuscetível de recurso de revista, previsão que, como a recorrente o refere, não afasta a recorribilidade nos termos gerais em casos em que se demonstre que a Relação incumpriu deveres de ordem adjetiva relacionados precisamente com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

Pode ainda acrescentar-se que mesmo nos casos em que a Relação, no cômputo global, confirme integralmente a decisão da 1ª instância, criando uma situação de dupla conformidade, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC, tal condicionalismo ao recurso de revista não abarca as situações em que se revele o incumprimento das regras adjetivas por que a Relação deve orientar-se na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

É, aliás, por esse motivo que o recurso de revista está agora sob apreciação, sem ter havido ainda intervenção da Formação que tem competência para a apreciação dos recursos de revista excecional, nos termos do nº 3 do art. 672º do CPC.


4. Argumenta a recorrente que, relativamente aos pontos destacados, a Relação incumpriu os deveres impostos pelo art. 662º do CPC, mas tal alegação não procede.

Por um lado, não transparece do acórdão recorrido que a Relação se tenha abstido de reapreciar os meios de prova que foram invocados relativamente a cada ponto de facto que foi enunciado pela recorrente. Pelo contrário, tanto ao nível do enquadramento geral e, depois, ao nível da apreciação em concreto de cada ponto que foi objeto de impugnação, o acórdão recorrido revela que foi feita a reapreciação dos meios de prova.

É verdade que nuns casos isso foi feito com mais detalhe e noutros de forma mais genérica, mas não podemos isolar cada segmento descontextualizando-o do seu conjunto, uma vez que o que estava em causa na impugnação da decisão da matéria de facto era apreciar factos respeitantes a uma única realidade, ou seja, ao modo como foi contratado e executado o contrato de transporte de mercadorias por  estrada a partir da análise crítica dos mesmos meios de prova sujeitos a livre apreciação, especialmente da prova testemunhal e documental.

No caso, para além do que foi afirmado em termos genéricos no enquadramento dos poderes/deveres da Relação ao abrigo do art. 662º do CPC, seguindo uma linha muito próxima daquela que vem sendo enunciada em múltiplos arestos deste Supremo.

Destaca-se positivamente no caso concreto o facto de não ter sido empregue uma outra metodologia que ainda se observa em alguns acórdãos das Relações e que aposta sobretudo na hipervalorização dos princípios da imediação e da livre apreciação dos meios de prova que, tendo presidido à prolação da sentença de 1ª instância, estariam fora do alcance e até da reapreciação crítica por parte do tribunal de 2ª instância.

Tal metodologia tem sido alvo de sucessivos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, fazendo jus às alterações que ocorreram, desde 1995/96 no regime processual civil e das quais se destacam a gravação das audiências, com vista à efetivação de um verdadeiro segundo grau de jurisdição relativamente à decisão da matéria de facto, e o reforço dos poderes e, mais do que isso, dos deveres da Relação nos termos que agora se encontram condensados no art. 662º do CPC.

No caso concreto, pelo contrário, evidencia-se que foi seguida a linhe interpretativa que vem sendo repetida em múltiplos acórdãos deste Supremo, nada permitindo afirmar que tenha sido descurada uma efetiva reapreciação dos meios de prova que foram invocados. Pelo contrário, em sucessivos passos se revela que tal reapreciação foi feita, embora sem que daí resultasse a formação de uma convicção diversa daquela que foi formada pela Mº juiz de 1ª instância.


5. Por conseguinte, não existe fundamento para assacar ao acórdão recorrido a violação de normas adjetivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

Por outro lado, também não se verifica a falta de fundamentação, figura que não deve confundir-se com a discordância relativamente ao percurso que foi descrito a respeito da convicção que foi formada nem com uma menos extensa exposição de argumentos.

Por fim, não deve atribuir-se qualquer valor à afirmação de que o que está sujeito a reapreciação são os factos alegados pelas partes e não os temas de prova, na medida em que estes acabam por condensar a matéria de facto controvertida. Na decorrência da apreciação ou da reapreciação dos meios de prova, deve a decisão judicial refletir os factos que se consideram provados ou não provados.

Por conseguinte, improcede a revista na parte respeitante à reapreciação da decisão da matéria de facto, desde modo se confirmando uma situação de dupla conformidade decisória (confirmação, sem voto de vencido, da sentença de 1ª instância, com base em fundamentos substancialmente idênticos).


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista na parte reportada ao acórdão recorrido que incidiu sobre a impugnação da decisão da matéria de facto.

Estabelecido a dupla conformidade os autos serão apresentados oportunamente à Formação prevista no art. 672º, nº 3, do CPC, para verificação do fundamento de revista excecional que foi invocado pela recorrente.

A responsabilidade pelas custas da revista será apurada oportunamente, em função do que vier a ser decidido pela Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC.

Notifique.


Lisboa, 11-11-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo