RELATÓRIO SOCIAL
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário

Não é nesta fase recursiva que o recorrente podia (e devia - se assim o considerasse seriamente -) discutir o conteúdo do “relatório social”. Na verdade, o recorrente teve pleno conhecimento do “relatório social” em questão, e teve, consequentemente, a oportunidade de sobre ele se pronunciar na audiência de discussão e julgamento, designadamente tendo tido, então sim, a oportunidade de requerer o que tivesse por conveniente a esse propósito, o que não fez.
Por outras palavas: o “relatório social” já era do conhecimento do arguido antes da realização da audiência de discussão e julgamento (não constituindo qualquer surpresa para o recorrente aquando da prolação da sentença revidenda), sobre o mesmo o arguido teve a oportunidade de se pronunciar e de algo requerer (o que não fez), e, por isso, carece de “legitimidade processual” e de tempestividade o que vem alegado em sede recursiva a tal propósito.
Para se optar pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade exige a lei, como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 2 anos.
No que tange ao pressuposto material, o critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade a prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a referida pena de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
O que o mesmo é dizer que a aplicação de trabalho a favor da comunidade depende tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral (sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico da comunidade”).

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Sumário com o nº 25/21.2PTFAR, do Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 1), em que é arguido AFLVMV, após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, a Exmª Juíza decidiu nos seguintes termos:

“a) Condeno o arguido AFLVMV, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

b) Condeno o arguido AFLVMV no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta), já reduzida a metade em face da confissão, nos termos dos artigos 344.º, n.º 2, alínea c), 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à tabela III anexa ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02”.

*

Inconformado com a sentença condenatória, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1 – O arguido foi condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão efetiva.

2 – Ora, as penas curtas de prisão - como a dos presentes autos - introduzem o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que, por obedecer a valores e princípios próprios, é capaz de corromper e perverter os objetivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente, afastando-o, cada vez mais, do comportamento que de si é esperado.

3 – Segundo os artigos 43º e 70º do Código Penal, o julgador tem o poder/dever de, consideradas as exigências de cada caso concreto, preterir as penas privativas da liberdade face às não privativas da liberdade.

4 – Deste feita, com todo o respeito pela douta decisão do Tribunal a quo, este andou mal ao condenar o arguido numa pena de prisão efetiva, uma vez que não se encontram esgotadas todas as penas substitutivas, tendo em conta a culpa e as exigências de prevenção, já que foi induzido em erro por um relatório social que tece considerações sobre as condições pessoais do recorrente completamente falsas, por um lado, com omissões de factos determinantes, por outro, e que conduziriam o Tribunal a quo à formulação de um diferente juízo de prognose.

5 – O que, no caso dos autos, tendo em conta a idade atual do arguido (24 anos), estar social, familiar e laboralmente inserido, suplica-se que a pena de prisão seja substituída por trabalho a favor da comunidade, ou suspensa na sua execução sujeita à obrigatoriedade de tirar a carta de condução.

6 – O Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 43º, 50º, nº 1, 58º e 70º do Código Penal.

Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento, substituindo-se a douta sentença condenatória por outra decisão que condene o arguido numa pena de 10 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, ou suspensa na sua execução por igual período, sujeita a que o mesmo obtenha a habilitação legal para condução de veículos automóveis.

Mais se requer respeitosamente a Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, a elaboração de novo relatório social ao recorrente AV.

Fazendo-se, assim, a já acostumada e necessária JUSTIÇA”.

*

A Exmª Magistrada do Ministério Público na primeira instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1. Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pela Mmª Juiz “a quo”;

2. O recorrente AFLVMV foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

3. Entende o recorrente que o Tribunal deveria ter optado por uma pena de substituição, como pena suspensa, com regime de prova, ou prestação de trabalho comunitário.

4. O relatório social contem fatos incorretos no que tange aos hábitos de consumo e trabalho.

5. O tribunal violou o disposto nos artigos 43º, 44º, 50º, nº 1, e 70º do Código Penal.

6. No que tange às alegadas incorreções do relatório social, como é forçoso concluir, arguido e defesa tiveram pleno conhecimento do relatório social e a oportunidade de sobre ele se pronunciaram em audiência de julgamento, sendo que nada foi requerido (vide ata de fls. 50).

7. Adiante-se que no referido relatório social, junto de fls. 46 a 48, vem referido que foi elaborado tendo por base, entre o mais, entrevistas efetuadas ao arguido e contatos com a mãe e companheira.

8. Por fim, nada mais veio requerido pelo recorrente além de afirmações e conclusões vagas a respeito, que não permitem a infirmação dos factos assentes.

9. O recorrente nasceu no dia 22.11.1997 e conta na presente data com cerca de 23 anos de idade, não obstante, tal como resulta do ponto 5. dos fatos provados, só no ano de 2014, cometeu e foi condenado pela prática de 4 crimes de condução sem habitação legal.

10. No âmbito do processo 57/13.4PEFAR foi condenado, por acórdão transitado em 26.08.2016, na pena de 6 anos e 2 meses de prisão, pela prática em 2013, 2014, e 2015, de dois crimes de roubo, um crime de ofensa à integridade física e um crime de tráfico de estupefacientes.

11. Foi colocado em liberdade condicional no dia 21.12.2019 até ao termo da pena: 11.03.2021.

12. Durante o período de liberdade condicional, o recorrente cometeu dois crimes de condução sem habitação legal.

13. O crime dos presentes autos foi cometido durante o período de suspensão da pena aplicada no âmbito do processo 12/20.8PEFAR, por factos datados de 23.06.2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em que o recorrente foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova.

14. O tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

15. No caso, as necessidades de prevenção geral e especial são elevadas e a aplicação de uma pena suspensa, ou outra substitutiva, seria insuficiente para acautelar as finalidades das penas públicas.

16. Se, desde 2014 até à presente data, nenhuma das condenações sofridas afastou o recorrente do cometimento de novos crimes, aqui chegados apenas podemos concluir que o único período em que não cometeu crimes, que sejam conhecidos, foi exatamente o período de reclusão.

17. Pelo exposto, sendo, como são, elevadíssimas as necessidades de prevenção geral e especial, a pena de prisão, tal como decido, não merece qualquer censura ou reparo.

18. Por fim, como o recorrente faz alusão ao disposto no artigo 43º do Código Penal, epigrafado “regime de permanência na habitação”, cumpre referir que também este regime (quanto à forma de execução da pena) será de afastar, uma vez que o veículo conduzido pelo condenado, identificado no ponto 1. dos fatos provados, é de sua propriedade, e o modo de cumprimento da pena “em regime de permanência na habitação” não seria adequado a afastar o arguido do mesmíssimo crime, ou até de crimes mais graves, sendo certo que o arguido não está inserido profissionalmente.

19. Pelo acima explanado, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença.

20. Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.

Termos em que se conclui sufragando a posição adotada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença em crise, julgando-se improcedente o recurso interposto, como é de toda a JUSTIÇA”.

*

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo também que o recurso deve ser julgado improcedente.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Três questões, em síntese, são suscitadas no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - A elaboração de um novo “relatório social” ao arguido.

2ª - A substituição da pena de prisão efetiva por prestação de trabalho a favor da comunidade.

3ª - A substituição da pena de prisão efetiva por pena de prisão suspensa na sua execução (sujeita à condição de o arguido obter habilitação legal para a condução de veículos automóveis).

2 - A decisão recorrida.

A sentença objeto do recurso é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e quanto à motivação da decisão fáctica):

“Factos Provados

Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada, com interesse para a decisão da mesma, a seguinte factualidade:

1. No dia 17 de fevereiro de 2021, pelas 09h50, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros marca …, com a matrícula …, pela Estrada…, em …, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse à condução do veículo na via pública.

2. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que conduzia o veículo, cujas características conhecia, na via que sabia ser pública, e que para o exercício da condução, naquelas circunstâncias, tinha de estar legalmente habilitado, bem sabendo que não era titular de carta de condução, o que, não obstante, não o coibiu de conduzir nas circunstâncias referidas.

3. Agiu o arguido bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

4. Do relatório social elaborado pela DGRSP e referente ao arguido consta, além do mais, o seguinte:

“(…) AV nasceu inserido numa família de fracos recursos económicos, constituída por 6 elementos, tendo residido na…, numa casa térrea, de cariz social, de tipologia T3, com condições mínimas de habitabilidade.

A dinâmica intrafamiliar que rodeou o seu processo de crescimento, caracterizado pela acentuada precaridade económica, surge condicionada por um modo de vida desregrado devido à ausência dos progenitores no seu processo educacional, devido entre outros motivos, pelos compromissos profissionais – o pai era militar e faleceu há cerca de 20 anos e a mãe é vendedora ambulante - acompanhando o arguido outros elementos do mesmo bairro, associado a problemáticas sociais relevantes - pobreza, droga, etc.

A mãe adotava uma postura ambivalente entre a permissividade e a crítica relativamente aos comportamentos do arguido.

AV estabeleceu com 14 anos de idade uma relação marital com uma jovem, também adolescente, em casa dos pais da mesma, com o apoio e suporte de ambos os agregados, reintegrando o agregado materno após o termo da relação amorosa.

Inicia-se no consumo de substâncias psicoativas com cerca de 14 anos, em contexto de grupo de pares, nunca tendo beneficiado de qualquer tratamento e/ou acompanhamento médico à sua problemática aditiva.

Após a conclusão do 5º ano de escolaridade, com cerca 15 anos de idade, e um percurso marcado pelo absentismo e desinteresse, esteve maioritariamente desempregado, apesar de nos últimos tempos executar de forma esporádica pequenos biscates como eletricista, juntamente com um amigo.

O arguido cumpriu medida tutelar educativa de internamento no Centro Educativo …, por ordem do PTE nº 177/11.0TQFAR do Tribunal de Família e Menores de …, 2º Juízo, durante 6 meses, em regime semiaberto, desde 17/01/2013, tendo atingido, no global, os objetivos delineados no seu Projeto Educativo Pessoal, apesar de continuarem a subsistir riscos face à sua capacidade de se proteger das solicitações negativas dos pares com comportamentos desviantes (….).

À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido residia na morada constante nos autos, com a companheira, mãe e uma irmã que necessita de acompanhamento permanente, atentos os seus problemas do foro neurológico e dois sobrinhos num bairro social, associado a problemáticas sociais, habitado maioritariamente por indivíduos de etnia cigana e jovens em situação de ócio e risco comportamental com os quais AV privilegiava e privilegia o seu quotidiano.

Atenta a sua inatividade profissional desde meados de 2020, AV dependia e depende economicamente do apoio da mãe, para fazer face às suas necessidades do quotidiano, apesar de o agregado subsistir primeiro do Rendimento Social de Inserção e atualmente de uma pensão de invalidez no valor de 335€/mês e dos abonos de família das sobrinhas.

Em termos profissionais, tem uma perspetiva de emprego a curto prazo, como preparador de veículos ligeiros, com uma remuneração de cerca de 900€/mês, quantia que lhe poderá permitir inscrever-se em Escola de Condução, com vista à obtenção de licença de condução de veículos, uma vez que até à data, por incapacidade económica, ainda não o fez. Contudo, importa referir que o arguido vivencia na atualidade uma condição económica precária, atentas as dividas acumuladas ao longo do período em que esteve inativo profissionalmente, nomeadamente, entre outras, dividas à banca pela não pagamento das prestações vencidas relativas à viatura que deu origem ao presente processo judicial.

Em termos de ocupação de tempos livres, o arguido passava e passa o tempo maioritariamente em sua casa, juntamente com companheira, apesar de também frequentar outras residências de membros do seu grupo de pares e cafés das imediações da sua área de residência.

AV tem hábitos de consumos de substâncias psicoativas - cocaína -, em contexto de grupo de pares.

AV tem antecedentes criminais, nomeadamente condução sem habilitação legal, e tráfico de estupefacientes. A este nível importa referir que o arguido já cumpriu uma pena de prisão de 6 anos e 2 meses, por um crime de tráfico de estupefacientes e ofensa à integridade física, tendo terminado o período de liberdade condicional no passado dia 11/03/2021. Contudo, segundo informação prestada pela Brigada de Investigação da PSP de …, AV encontra-se referenciado por aquela OPC, por apresentar sucessivamente sinais exteriores de riqueza, aparentemente, decorrentes de atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de estupefacientes, tendo já sido constituído arguido:

- NUIPC 362/20.3PBFAR, tendo sido detido e sujeito a buscas domiciliárias, tendo sido apreendido dinheiro, droga, balanças de precisão, duas caçadeiras e uma pistola de alarme.

- NUIPC 12/20.7PEFAR – Condução sem habilitação legal

- NUIPC 1007/20.7PBFAR – Suspeito de recetação

- NUIPC16/20.0PBFAR – Constituído arguido por crimes contra a integridade física.

O arguido possui baixa tolerância à frustração e fraco autocontrolo dos seus impulsos, apresentando dificuldade na resolução assertiva de conflitos. Contudo, consegue, a posteriori, revelar arrependimento e efetuar uma autoavaliação crítica das suas atitudes desadequadas (…).

O facto de ter sido constituído arguido no âmbito do presente processo despoletou um forte impacto e instabilidade emocional, sendo notório no seu discurso, que tal decorreu da sua fragilidade psíquica-emocional resultante das adversidades com que se tem confrontado ao longo da sua vida, nomeadamente a sua autonomia precoce e as suas ligações a pares socialmente mal referenciados que lhe desencadearam um estilo de vida desadaptado.

Contudo, e em abstrato aparenta revelar consciência da gravidade da situação e juízo critico e social face ao crime, perpassando no seu discurso a intenção de inverter o seu modo de vida e inscrever-se em Escola de Condução.

IV - Conclusão

Da análise dos dados disponíveis, afigura-se-nos que AV não beneficiou de um contexto passível de promover o seu desenvolvimento pessoal e social de forma equilibrada desde os 3 anos de idade quando ficou órfão de pai e vivenciou um quotidiano de um bairro social conotado com a marginalidade. Este percurso vivencial ajudou, aparentemente, o arguido a iniciar precocemente uma vida de ócio, associado ao consumo de álcool e estupefacientes e consequente abandono escolar, acompanhado de indivíduos associados à prática de atos desviantes que provocaram várias ligações ao sistema de justiça com uma condenação a pena de prisão efetiva.

Assim, caso venha a ser condenado no âmbito do presente processo, consideramos que ainda assim reúne condições para a aplicação de uma medida de execução na comunidade, com imposição de diligenciar no sentido de obter colocação laboral e licença de condução de veículos ligeiros.

5. Do certificado de registo criminal do arguido consta que:

a. Por decisão judicial datada de 15.01.2014 e transitada em julgado em 14.02.2014, proferida pelo extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, no âmbito do processo n.º 3/14.8PTFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 14.01.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de €5,00, posteriormente convertida em prisão subsidiária e já declarada extinta pelo cumprimento;

b. Por decisão judicial datada de 24.02.2014 e transitada em julgado em 26.03.2014, proferida pelo extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, no âmbito do processo n.º 22/14.4PTFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 21.02.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00;

c. Por decisão judicial datada de 17.03.2014 e transitada em julgado em 28.04.2014, proferida pelo extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, no âmbito do processo n.º 41/14.0PTFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 15.03.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00;

d. Por decisão judicial datada de 01.04.2014 e transitada em julgado em 21.05.2014, proferida pelo Juízo Local Criminal de Faro – Juiz 1, no âmbito do processo n.º 46/14.1PTFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 18.03.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00;

e. Por decisão judicial datada de 22.06.2016 e transitada em julgado em 26.08.2016, proferida pelo Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 57/13.4PEFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 08.12.2013, 01.05.2014 e 16.02.2015, pela prática de dois crimes de roubo, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de tráfico de estupefacientes, na pena única de 6 anos e 2 meses de prisão.

f. Por decisão proferida em 19.12.2019 e transitada em julgado em 05.02.2020, foi concedida liberdade condicional ao arguido, mediante cláusulas, a partir de 21 de dezembro de 2019 e até ao termo da pena (11 de março de 2021), relativamente às penas impostas nos autos de processo n.º 57/13.4PEFAR e 3/14.8PTFAR;

g. Por decisão de cúmulo proferida em 24.01.2017 e transitada em julgado em 24.02.2017, no âmbito do processo n.º 46/14.1PTFAR, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nesse processo e nos processos n.º 22/14.4PTFAR e n.º 41/14.0PTFAR, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 230 dias de multa à taxa diária de €5,00, já declarada extinta pelo cumprimento;

h. Por decisão judicial datada de 03.09.2020 e transitada em julgado em 06.10.2020, proferida pelo Juízo Local Criminal de Faro – Juiz 2, no âmbito do processo n.º 12/20.8PEFAR, foi o arguido condenado, por factos datados de 23.06.2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova.

Factos não provados

Provaram-se todos os factos com relevo para a decisão da causa, não havendo, por isso, factos não provados a enunciar.

Motivação

Para formar a sua convicção sobre os factos supra elencados como provados nos pontos 1 a 3, atendeu o Tribunal às declarações do arguido, que confessou, de forma integral e sem reservas, os factos acima descritos, confissão que se mostrou livre e espontânea.

Para prova dos factos contidos no ponto 4 dos factos provados valorou-se o teor do relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos.

Finalmente, no que se refere aos antecedentes criminais do arguido - ponto 5 dos factos provados - atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal junto aos autos”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da elaboração de um novo “relatório social” ao arguido.

Alega o recorrente que o Tribunal a quo foi induzido em erro por um “relatório social” que tece considerações sobre as condições pessoais do recorrente completamente falsas e com omissões de factos determinantes.

O recorrente requer, por isso, a elaboração de um novo “relatório social”.

Cumpre decidir.

Com o devido respeito, a alegação e o requerimento do recorrente não fazem qualquer sentido.

Em primeiro lugar, a “Conclusão” constante do relatório social em causa (reproduzida na sentença revidenda) é favorável à aplicação ao ora recorrente de pena não privativa de liberdade, pois aí se afirma o seguinte: “caso venha a ser condenado no âmbito do presente processo, consideramos que ainda assim reúne condições para a aplicação de uma medida de execução na comunidade, com imposição de diligenciar no sentido de obter colocação laboral e licença de condução de veículos ligeiros”.

Em segundo lugar, os elementos relevantes (decisivos) para o tribunal recorrido ter optado por aplicar ao arguido uma pena de prisão efetiva constam do certificado de registo criminal do mesmo (a não do “relatório social” elaborado no âmbito destes autos). Com efeito, no facto dado como provado na sentença em causa sob o nº 5 (onde estão descritos os elementos do certificado de registo criminal do arguido) estão descritas as diversas condenações criminais anteriores do arguido, as quais foram, essas sim, importantes para a escolha da pena a aplicar (em 2014, o arguido foi condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal; também em 2014, por outro crime de condução sem habilitação legal; ainda em 2014, igualmente por crime de condução sem habilitação legal; de novo em 2014, pela prática de mais um crime de condução sem habilitação legal; em 2016, pela prática de dois crimes de roubo, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de tráfico de estupefacientes; em 2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal).

Em terceiro lugar, o “relatório social” em questão (junto aos autos de fls. 46 a 48) foi elaborado, naquilo que é essencial, a partir das entrevistas efetuadas ao próprio arguido e dos contatos tidos com a mãe e com a companheira do arguido. Ou seja, o narrado em tal relatório limita-se a verter os elementos recolhidos junto do arguido e dos seus familiares próximos, nomeadamente os elementos relativos aos hábitos de consumo de produtos estupefacientes por banda do arguido, bem como os elementos relacionados com a sua inserção profissional.

Por último, e decisivo, não é nesta fase recursiva que o recorrente podia (e devia - se assim o considerasse seriamente -) discutir o conteúdo do “relatório social”. Na verdade, o recorrente teve pleno conhecimento do “relatório social” em questão, e teve, consequentemente, a oportunidade de sobre ele se pronunciar na audiência de discussão e julgamento, designadamente tendo tido, então sim, a oportunidade de requerer o que tivesse por conveniente a esse propósito, o que não fez.

Por outras palavas: o “relatório social” já era do conhecimento do arguido antes da realização da audiência de discussão e julgamento (não constituindo qualquer surpresa para o recorrente aquando da prolação da sentença revidenda), sobre o mesmo o arguido teve a oportunidade de se pronunciar e de algo requerer (o que não fez), e, por isso, carece de “legitimidade processual” e de tempestividade o que vem alegado em sede recursiva a tal propósito.

Face ao exposto, e sem mais considerandos (por desnecessários), é de improceder esta vertente do recurso.

b) Das penas de substituição.

O recorrente alega que não lhe deve ser aplicada pena de prisão efetiva, requerendo a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal), ou, então, decretando-se a suspensão da execução da pena (artigo 50º do Código Penal).

Cabe decidir.

Comecemos pela pretendida aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução.

Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correção ou melhora das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zift, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, págs. 343 e 344).

Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, pág. 344), “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Revertendo ao caso dos autos, constata-se que o arguido já foi condenado anteriormente, por cinco vezes, pela prática de crime de condução sem habilitação legal (além de ter sofrido uma outra condenação, muito embora por crimes de diferente natureza: dois crimes de roubo, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de tráfico de estupefacientes).

Na última dessas vezes (decisão proferida em 03 de setembro de 2020 e transitada em julgado em 06 de outubro de 2020) o arguido foi condenado, por factos datados de 23 de junho de 2020, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita a regime de prova.

Ora, no dia 17 de fevereiro de 2021 (cerca de 5 meses após a referida condenação), o arguido incorreu, de novo, na prática do mesmo crime (o crime em apreciação nos presentes autos).

Por outro lado, vista a factualidade dada como provada na sentença revidenda, constata-se que o arguido não apenas tem já averbadas no seu registo criminal as referidas seis condenações anteriores (cinco delas pela prática do crime de condução sem habilitação legal), como também que os factos em apreço nestes autos foram praticados no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada na sua última condenação, bem como no período em que o arguido se encontrava, ainda, em situação de liberdade condicional.

Ponderando todas as referidas circunstâncias, nomeadamente a existência dessas diversas condenações criminais anteriores do arguido, por crimes de idêntica natureza da do crime destes autos, entendemos não se justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada as finalidades da punição.

Assim sendo, porque da matéria de facto dada como assente não é possível extrair um juízo de prognose positiva relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, entende-se que a pena encontrada não deve ser suspensa na sua execução.

Improcede, portanto, esta pretensão constante da motivação do recurso.

*

Pugna o recorrente pela substituição da pena de prisão por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Estatui o artigo 58º, nº 1, do Código Penal: “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.

A apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que o trabalho a favor da comunidade constitui é uma faculdade vinculada, necessariamente dependente do poder-dever (e não mera faculdade) da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos exigidos na supra citada norma.

Para se optar pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade exige a lei, como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 2 anos.

No que tange ao pressuposto material, o critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade a prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a referida pena de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a aplicação de trabalho a favor da comunidade depende tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral (sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico da comunidade”).

Como bem esclarece o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, págs. 331 a 333), “o tribunal dever preferir à pena privativa de liberdade uma pena (...) de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação”, a dita pena de substituição “se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena (...) de substituição e a sua efetiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas (...) de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico. (...) Desde que impostas ao aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

Como se colhe da matéria de facto provada, o arguido sofreu seis condenações criminais anteriores (desde 2014 até 2020), uma delas pela prática de dois crimes de roubo, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de tráfico de estupefacientes, e as cinco restantes pelo cometimento do crime de condução de veículo sem habilitação legal.

Ora, e cingindo-nos apenas ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, verifica-se que todas as penas anteriormente aplicadas não bastaram para “prevenção da reincidência”, uma vez que o arguido, em 17 de fevereiro de 2021, cometeu um novo crime de condução de veículo sem habilitação legal, de que resultou a sua condenação nos presentes autos.

Mantendo uma atitude de indiferença pelos bens jurídicos tutelados pela norma por si reiteradamente violada, o arguido incorreu na prática de mais um crime de condução de veículo sem habilitação legal, o dos presentes autos, pretendendo, no recurso que interpôs, a substituição da pena, de 10 meses de prisão, que o tribunal a quo lhe impôs, por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Porém, se a aplicação das penas anteriores não bastou para “prevenção da reincidência”, não será de esperar, agora, que a opção pela pena de substituição reclamada pelo arguido (prestação de trabalho a favor da comunidade) seja adequada e suficiente para garantir a proteção dos bens jurídicos tutelados pela norma por diversas vezes violada, e, além disso, para assegurar a reintegração do arguido na sociedade, dissuadindo-o da prática de novos crimes da mesma natureza.

Na verdade, a globalidade complexiva dos factos que se correlacionam com a conduta anterior do arguido evidencia uma patente carência de socialização por parte do mesmo, ao ponto de podermos dizer que o arguido revela uma manifesta incapacidade na manutenção de uma conduta futura lícita (designadamente na vertente jurídico-penal em consideração nestes autos, ou seja, no tocante à prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal).

Nestes termos, não é possível tecer um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do recorrente, de tal modo que se considere que a pena de substituição por si requerida (prestação de trabalho a favor da comunidade) venha a realizar, perante o circunstancialismo exposto, a ressocialização do arguido.

Dito de outro modo: já não é aceitável que o julgador volte a correr o risco (que seria agora aleatório e não prudencial) sobre a manutenção do arguido em liberdade.

Perante a evidente incapacidade de o arguido aproveitar todas as oportunidades ressocializadoras que já lhe foram oferecidas, reveladora da insuficiente interiorização dos valores jurídico-penais inerentes às regras de circulação rodoviária (ou melhor: às que se correlacionam com a habilitação para conduzir veículos automóveis), só a pena de prisão permite, no caso concreto, satisfazer, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Face ao predito, e também nesta vertente, o presente recurso é de improceder.

Por tudo o que se deixou dito, o recurso do arguido é totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 12 de outubro de 2021

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia