EMBARGOS DE TERCEIRO
INSOLVÊNCIA
RESTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DE BENS APREENDIDOS PARA A MASSA INSOLVENTE
Sumário

I) É legalmente inadmissível a dedução de embargos de terceiro como forma de reagir contra a apreensão de bens para a massa insolvente.
II) Tal reacção deve fazer-se através da restituição e separação de bens apreendidos para a massa insolvente, a exercer por um dos mecanismos e nos prazos consagrados nos artigos 141.º, 144.º e 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (DL n.º 53/2004, de 18 de Março).

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

 

A... veio deduzir embargos de terceiro com função preventiva contra a massa insolvente e os credores de B..., nos termos dos arts. 342.º e 350.º do Código de Processo Civil, alegando residir há mais de 20 anos no prédio misto inscrito nas matrizes prediais n.ºs 65, Secção Q, 10355, e 10568, apreendido a favor da massa insolvente de B... .

Considera que a apreensão do imóvel ofende o seu direito de arrendatário do imóvel, constituído por contrato de arrendamento celebrado em Março de 2006.

Pela 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão:

“O Tribunal decide indeferir liminarmente o presente incidente de embargos de terceiro com fundamento na não admissibilidade de embargos de terceiro com função preventiva como meio de reacção contra a apreensão de bens realizada em processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do CPC.

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Valor da acção: 30000,01 € –artigos 15.º e 301.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

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Custas pelo Requerente (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo da aplicação das regras do apoio judiciário.

Notifique e registe.

Alcobaça, d.s.

O embargante, A... , interpõe o seu recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da apelante, cumpre apreciar a seguinte questão:

O Código do Processo Civil permite (ou não) a dedução de embargos de terceiro contra a apreensão de bens realizada em processo de insolvência?

A 1.ª instância escreveu assim:

“Em relação a este aspecto, rege o art. 342.º, n.º 2 do CPC de forma bastante clara e lapidar: não é admitida a dedução de embargos de terceiro contra a apreensão de bens realizada em processo de insolvência. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas tem mecanismos legais próprios para reacção a apreensões a favor da massa insolvente que são a única forma de reacção a esta apreensão (arts. 141.º e ss.).

Assim, sem mais delongas, o Tribunal decide indeferir liminarmente o presente incidente de embargos de terceiro com fundamento na não admissibilidade de embargos de terceiro com função preventiva como meio de reacção contra a apreensão de bens realizada em processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do CPC”.

E decidiu acertadamente, de acordo com a lei.

Senão vejamos:

A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação – artigo 2.º n.º 2 do Código do Processo Civil -, sendo que s juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores..

A forma dos diversos atos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados, sendo que a forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a ação é proposta - artigo 136.º do CPC.

A norma do artigo 342.º n.º 2 do Código do Processo Civil é literalmente clara, não admitindo a dedução de embargos de terceiro, relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência. Ou seja, todas as questões que envolvam o insolvente e a sua massa, são, obrigatoriamente tratadas nesse processo.

Como sabemos, a apreensão a realizar pelo administrador de insolvência abrange todos os bens do devedor declarado insolvente e que sejam suscetíveis de serem penhorados, ainda que arrestados, penhorados, apreendidos, detidos ou objecto de cessão aos credores, “ficando absolutamente claro que ela abrange todos os bens integrantes do património do devedor, que lhe pertençam já à data da declaração da insolvência ou venham a pertencer-lhe na pendência do respetivo processo” - art.º 149, n.º 1º do CIRE, que será o diploma a citar sem menção de origem.

O mecanismo processual da restituição e da separação de bens configura, assim, o meio processual a que pode recorrer o terceiro titular de um direito real de gozo – direito de propriedade ou direito real limitado ou menor – para fazer valer o seu direito e reagir contra uma apreensão que, com ofensa do direito do “reivindicante”, resulta numa posse indevida pela massa do bem que estava em seu poder aquando da declaração da insolvência.

Sendo o processo de insolvência um processo com natureza urgente e preocupações de celeridade processual, do regime dos arts. 141º, 144º e 146º, resulta que foram colocados três mecanismos a favor do terceiro para poder reagir contra a apreensão de bens a favor da massa insolvente de que o terceiro seja possuidor efetivo - em nome próprio -, proprietário ou titular de um direito real menor incompatível com a apreensão desse concreto bem a favor da massa insolvente e que se norteiam pela fase processual em que o requerente, toma conhecimento da necessidade do exercício dos seus direitos.

Essa restituição e separação de bens pode ser pedida:

a) até ao termo do prazo para a reclamação de créditos, por reclamação, endereçada ao administrador da insolvência e para o domicílio profissional deste, por uma das vias previstas no n.º 2 do art.º 128º, em requerimento acompanhado de todos os documentos de que o reclamante disponha, em que devem ser invocados os factos necessários à demonstração do seu direito à separação - art.º 141º, n.º 1;

b) no caso de bens apreendidos para a massa depois do termo do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência para a reclamação de créditos, mediante requerimento a correr por apenso ao processo de insolvência, a ser apresentado no tribunal da insolvência, no prazo de cinco dias posteriores à apreensão desse bem cuja separação e restituição peticiona - art.º 144º, n.º 1;

e

c) por acção declarativa com processo comum para o exercício do direito à separação ou à restituição de bens, instaurada pelo terceiro lesado, que assume a posição de autor, contra a massa insolvente, os credores do devedor/insolvente e o próprio devedor/insolvente, os quais assumem a posição de réus, acção essa que pode ser instaurada a todo o tempo - n.º 2 do art.º 146º -, enquanto o direito à separação ou à restituição de bens possa ser atendido no processo de insolvência - n.º 1 do art.º 146º -, isto é, enquanto os bens objeto dessa separação ou restituição não forem liquidados no processo de insolvência.

Assim, ao contrário do alegado pelo apelante, a 1.ª instância não poderia, no âmbito dos embargos de terceiro, analisar o contrato de arrendamento, a sua validade, ou seja, produzir a prova indicada, proferindo, sendo caso disso, decisão de mérito. A norma do artigo 342.º n.º 2 do CPC veda-lhe esse conhecimento – sendo certo, que a rejeição liminar dos embargos , à semelhança do indeferimento liminar da petição inicial, por vício que não seja a manifesta improcedência do pedido, não tem qualquer repercussão sobre o mérito do direito que o embargante pretende fazer valer na causa -, remetendo-o, processualmente falando, para as normas dos artigos 141º, 144º e 146º do CIRE – não estando, por isso, beliscado o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pelo Apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.

(…)

3. Decisão

Na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Alcobaça – J1.

Custas pelo Apelante.

Coimbra, 23 de Novembro de 2021

(José Avelino Gonçalves - relator)

(António Freitas Neto – 1.º adjunto)

(Paulo Brandão - 2.º adjunto)