RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
SANEADOR-SENTENÇA
Sumário

1-Se o tribunal recorrido julgou improcedente a excepção de prescrição do direito dos autores, ao réu que arguiu essa excepção peremptória e que discorda daquela decisão é facultado: (i) ou interpor recurso independente; (ii) ou, interpor recurso subordinado.
2-Tendo optado por interpor ampliação do âmbito do recurso, não pode esta pretendida ampliação do objecto do recurso ser convolada para recurso subordinado, visto que são diferentes os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual e são diversas as circunstâncias que os motivam: o recurso subordinado implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, ao passo que a ampliação do objecto do recurso pressupõe, somente, que não foi acolhido um fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe é favorável.
3- É jurisprudência constante que a possibilidade de conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, em sede de despacho saneador/sentença, só pode ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, e não, tendo em vista apenas o entendimento do juiz da causa que, de resto, não pode cingir-se, apenas, à sua própria convicção acerca da solução jurídica do problema, sem antes facultar às partes a possibilidade de provarem o conjunto dos factos que alegaram e em que fundamentavam a sua posição sobre o mérito da causa.

Texto Integral

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-MP e SB, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra, LF, Companhia de Seguros, SA e, Consumer Services, SA, pedindo:
-A condenação solidária dos réus a pagarem indemnização de 3 969,29€ por danos materiais e de 10 000€ por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora.
Alegaram, em síntese, que foram citados como executados no processo 5966/09, pela quantia de 7 692,73€, que se iniciou a 31/07/2009. O 1º réu, LF, aceitou desempenhar funções de agente de execução. Deduziram embargos à execução e requereram a suspensão da execução, oferecendo caução através de garantia bancária, junta a 13/05/2010, que foi aceita pelo tribunal, ficando a execução suspensa até ao trânsito em julgado dos embargos. Em 24/03/2011 os embargos foram julgados improcedentes.
O 1º réu, enquanto solicitador de execução, nunca utilizou a garantia bancária oferecida como caução e, durante anos, os ora autores viram os seus vencimentos penhorados e ainda penhorado direito ao reembolso de IRS, tudo no valor de 7 773,09€. Este valor somado ao da garantia bancária era mais que suficiente para liquidar a quantia exequenda e demais encargos. Os ora autores, e executados naquela execução, jamais foram notificados da liquidação da quantia exequenda apesar de constar dos autos pelo menos uma entrega de valores à ali exequente, a ora ré Consumer Services, SA. Não obstante, os ora autores e lá executados tiveram conhecimento de que em 24/08/2018 foram, pelo 1º réu, enviadas novas notificações para novas penhoras de salários dos aqui autores até ao valor de 9 040,05€. O 1º réu, lá agente de execução, notificou a lá exequente, aqui 2ª ré, em 24/04/2018, da extinção da exequente, subscritora da livrança, quando essa execução havia acontecido no início de 2009. Todos estes factos foram inúteis e bastaria executar a garantia bancária para apurar se a quantia exequenda ficava paga.
Entretanto, em 11/03/2010, face à penhora de parte de quatro salários do ora autor, o juiz ordenou a sustação da execução; porém, o ora 1º réu apenas em 31/05/2010 suspendeu a penhora de vencimentos, quando já atingiam 4 878,84€; por não ter cumprido a ordem judicial de sustação da execução e ordenado a suspensão das penhoras, ocorreu igualmente apenhora do direito de reembolso de IRS no valor de 2.894,65€. Na data da notificação da sentença dos embargos à execução, em 29/11/2010, estavam penhorados e na posse do 1º réu, a quantia de 7 773,09€, mais a garantia bancária de 6 500,€, para uma execução por 7 669,20€. Além disso o 1º réu fez transferências para a exequente sem as registar na plataforma Cítius.
Em 2018, o ora 1º réu, ordenou novas penhoras nos vencimentos e contas bancárias, sem nunca ter cumprido a ordem judicial de sustação da execução. Apenas em 28/02/2019 foi pelo 1º réu ordenado o levantamento de todas as penhoras. Não obstante, o 1º réu ainda em 2019 executou a garantia bancária para cobrança de juros e devolveu o remanescente aos ora autores. Além disso o 1º réu nunca justificou o valor de honorários que reteve para si.
A garantia bancária prestada, originou ao autor danos emergentes e lucros cessantes, calculados em 1 198,16€. Relativamente aos juros em excesso, contabilizou-se 2 373, 33€. Todo este processo, implicou para o Autor algum desgaste psicológico, tendo em conta que esta situação se iniciou ainda em 2009, num montante de danos morais para ambas os Autores que se estima, concretamente, em € 10 000,00€.
2- Citada, a ré Companhia de Seguros, contestou.
Invoca a excepção de prescrição.
Impugna a factualidade invocada referindo nunca lhe ter sido participado qualquer sinistro.
3- Citado réu LF, contestou.
Invoca a excepção de prescrição.
No mais e em geral impugna motivadamente a factualidade alegada pelos autores.
4- Citada, a ré Consumer Services, SA, contestou.
Invoca a excepção de prescrição.
Invoca que os ora autores, executados naqueloutra acção, não usaram dos meios de defesa que lhe eram permitidos, como a oposição à penhora, precludindo, assim, a tutela que agora pretendem fazer actuar.
No mais, essencialmente, impugna a factualidade invocada.
5- Notificados para o efeito, os réus responderam à excepção de prescrição.
6- Em 13/5/2021 teve lugar a audiência prévia na qual foi proferida a seguinte decisão:
“DESPACHO SANEADOR.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia – e não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas - fixando-se o valor da causa em 13.969,29€.
*
Os 1º e 2ª RR. excepcionam a prescrição do direito à indemnização – por os factos terem ocorrido em 2010 e 2011; responderam os AA. que ‘começaram a ter conhecimento/consciência de que o processo não estaria a ser tramitado ‘correctamente’’ em 24-IV-18.
Da análise da documentação junta aos autos, e dos temas da prova infra, resulta que a causa de pedir terá ocorrido em 2018 – e tanto basta para considerar que, à data da citação dos RR. para a presente acção, ainda não havia decorrido integralmente o prazo de três anos previsto no artigo 498º do Código Civil.
Motivo por que se julga improcedente a excepção.
*
Consideram-se documentalmente provados os seguintes FACTOS:
1 - Em 18-V-09 foi celebrada transacção no procedimento cautelar 7912/08.1TBOER (fls 15-16).
2 - Em 31-VII-09 (fls 90 a 94) a ora 1ª R. apresentou contra os ora AA. requerimento executivo (para cobrança de “capital 7.669,20€ + juros 4% desde 3-VII- 09”) – tendo sido nomeado como Agente de Execução o ora 2º R. (processo 5966/09.2TBOER).
3 - Em 6-XI-09 foi proferido despacho de autorização de penhora de saldos bancários dos ora AA. (fls 16v, e 113v).
4 - Em 30-XI-09 (fls 48-49) o I.S.C.S.P. foi notificado para penhora de vencimento – tendo sido elaborado pelo ora 2ª R., em 1-II-10, auto de penhora (fls 114 e 133v).
5 - Em 21-II-10 os ora AA. foram citados como executados (fls 50-51, e 87v a 89) – tendo apresentado em 26-II-10, petição de embargos (fls 94v a 109).
6 - Em 11-III-10 o ora 2º R. foi notificado que a execução está suspensa (fls 52).
7 - Em 22-IV-10 (fls 134v-135) foi julgada idónea a caução prestada (garantia bancária da ‘C.G.D.’ de 12-V-10, reproduzida a fls 14) - tendo sido, em 25-V- 10, julgada validamente prestada a caução, e suspensa a execução quanto aos ora AA. (fls 53, e 117).
8 - Em 31-V-10 o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. para cessar os descontos
(fls 54v).
9 - Em 8 e 12-VII-10 o ora 2º R. enviou ‘mensagens’ para VSV (então Advogado dos ora AA.) para indicar IBAN para devolução do IRS penhorado, e do vencimento de VI-09 (fls 55v e 56).
10 - Em 24-III-11 foram julgados improcedentes os embargos deduzidos pelos ora AA., e determinado o prosseguimento da execução (fls 109v a 113, e 118 a 121).
11 - Em 16-VII-11 (fls 115 e 140) o ora 2º R. elaborou um auto de penhora (relativo ao I.R.S. de 2010).
12 - Em 10-IV-18 o ora 2º R. foi notificado (pelo Juízo de Execução) que a sentença dos embargos transitou em julgado (fls 57).
13 - Em 24-IV-18 o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. para prosseguir a penhora      (fls 22v), e a ‘Radiant Job’ para penhorar o vencimento do ora A. (fls 27v- 28).
14 - Em 24-V-18 o ora 2º R. penhorou saldos bancários (CGD, BCP e ActivoBank – fls 23v, 24, 24v, 25 e 25v) – tendo, em 28-V-18, notificado ‘BCP’ e ‘ActivoBank’ (fls 26, 26v, e 27) que tal penhora ficava sem efeito.
15 - Em 30-V-18 (fls 57v) o ora 2º R. foi notificado para remeter os autos à conta (e pagar o remanescente pelo produto da caução).
16 - Em 3-VII-18 e 8-VIII-18 (fls 116) o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. que a penhora de vencimento ficava sem efeito (fls 23).
17 - Em 25-IX-18 (fls 58) o ora 2º R. considera faltarem 1.055,68€ (para pagamento integral da quantia exequenda e custas).
18 - Em 28-IX-18 (fls 59) e 2-XI-18 (fls 28v e 60) a ‘CGD’ foi notificada   (pelo Juízo de Execução) para entregar a quantia supra ao ora 2º R..
19 - Em 26-XI-18 o ora 2º R. declarou extinta a execução (fls 29 e 61) - indicando, na “nota discriminativa da conta final”, um ‘total penhorado’ de 16.763,70€ (fls 58v e 62).
20 - Em 24-I-19 o executado indicou o seu ‘IBAN’ (fls 65-66) – tendo o ora
2º R., em 28-I-19, restituído ao executado 5.120,33€ (fls 66v-67).
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Os AA. peticionam, a título de danos patrimoniais, as quantias de 2.373,33€ (‘juros em excesso’), 397,80€ (‘honorários em excesso’), e 1.198,16€ (‘despesas com a garantia’) – todos motivados, se bem se compreendeu, e conforme esclarecido pelos AA., pela demora, entre 2011 e 2018, do processamento da execução (ou atraso no accionamento da garantia bancária).
Tal demora não é imputável a qualquer dos RR., mas, sim, ao Tribunal – que, incompreensivelmente, só em 2018 notificou o 2º R. para prosseguir a execução (tendo os embargos sido decididos em 2011); assim, a responsabilidade civil por tais danos deve ser imputada ao Estado, e, não, a qualquer dos RR. – motivo por que estes devem ser absolvidos do pedido, nesta parte.
Custas pelos AA., na proporção do respectivo decaimento (CPC 527º).”
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7- Os autores, inconformados com aquela decisão de absolvição dos réus de parte do pedido, interpuseram o presente recurso, em 14/06/2021, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª O presente recurso de apelação vem interposto do despacho saneador/sentença proferido no processo n.º 941/20.9T8OER, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo Local Cível de Oeiras - Juiz 4), quanto ao segmento decisório que absolveu os Réus do pedido na parte atinente aos prejuízos patrimoniais sofridos pelos Recorrentes;
2.ª Invocando, em súmula (e, diga-se, em abono da verdade, sem qualquer esforço de fundamentação), que os danos patrimoniais advenientes da demora da tramitação da acção executiva que correu sob o n.º 5966/09.2TBOER são imputáveis ao Estado e não a qualquer dos RR. (a saber, o Agente de Execução, a respectiva seguradora e o Exequente);
3.ª E isto porque, no entendimento do Tribunal a quo, foi o Tribunal responsável por decidir a oposição à execução que «incompreensivelmente, só em 2018 notificou o 2º R. para prosseguir a execução (tendo os embargos sido decididos em 2011); assim, a responsabilidade civil por tais danos deve ser imputada ao Estado, e, não, a qualquer dos RR. – motivo por que estes devem ser absolvidos do pedido, nesta parte.»
Ora,
4.ª Previamente, haverá que ser corrigida a decisão na parte em que, ora identifica o Réu LF como 1.º Réu e, posteriormente, se refere a ele nos factos provados 2, 4, 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 como “ora 2.º Réu”.
5.ª Nos factos especificados no ponto anterior, deverá esclarecer-se e corrigir-se que a referência ao “ora 2.º Réu” por manifesto lapso, se pretende referir ao “ora 1.º Réu” ou “Réu LF”.
6.ª Em termos substanciais, os Recorrentes não podem conformar-se com tal decisão, sumariamente, por duas ordens de razão: em primeiro lugar, da análise feita à prova documental foram omitidos factos que são essenciais para a justa resolução da causa,
7.ª Havendo assim lugar à omissão de factos que devem ser dados como provados, por decorrerem de documentação que se encontra junta aos articulados;
8.ª E, em segundo lugar, porque o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, em concreto, dos deveres/obrigações do Agente de Execução e das consequências, na acção executiva, da prolação de decisão na acção declarativa de oposição à execução e da sua notificação ao Agente de Execução nomeado nos autos.
9.ª Assim, há que ter em conta, partindo do alegado pelas partes e dos documentos juntos aos autos, no que diz respeito à tramitação do processo executivo 5966/09.3TBOER, que o mesmo se iniciou em 31-07- 2009, com a quantia exequenda de 7.669,20€, e que, entre 2-10-2009 e 15- 06-2010, o Agente de Execução, aqui Recorrido LF, praticou vários actos de penhora,
10.ª que totalizaram o valor de 7.773,09 €, correspondente a 7 penhoras salariais (7 x 696,92 € = 4.878,44 €) e à penhora do reembolso de IRS relativo ao ano de 2009 (2.894,65 €), tudo como decorre dos documentos 1 e 4 juntos à petição inicial;
11.ª E isto quando, a 6-11-2009, o Tribunal havia deferido a penhora de saldos bancários, existentes em quantia suficiente para liquidar a totalidade da quantia exequenda, e com precedência na preferência dos bens penhoráveis;
12.ª A 26-02-2010 os ali executados, e ora Recorrentes, deduziram oposição à execução, e prestaram garantia idónea para a suspensão da execução;
13.ª A oposição à execução foi julgada improcedente por decisão de 24-03- 2011;
14.ª Nessa decisão, foi ainda determinado o prosseguimento da execução, tal como consta do segmento decisório:
«Decisão
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgar improcedente a presente oposição à Execução e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução.
Custas pelos Opoentes (art.º 446.º, 1 e 2 do CPC)
Notifique.»
15.ª A decisão da oposição à execução foi notificada ao Agente de Execução, Réu LF, a 29-03-2011, cfr. notificação junta como Documento n.º 13 à própria contestação do 1.º Réu LF e confessado no art. 53.º desse mesmo articulado;
16.ª Após essa notificação, o Réu LF limitou-se a elaborar um auto de penhora a 16-07-2011 relativo ao reembolso de IRS de 2009 e a fazer uma transferência para a Exequente em 29-07-2011.
17.ª Bem ciente da decisão proferida nos embargos e de que deveria prosseguir a execução, como decidido a 24-03-2011 e lhe foi notificado a 29-03-2011, o 1.º Réu decidiu remeter-se ao silêncio até ser notificado pelo Tribunal, a 10-04-2018, ou seja, sete anos depois, que a sentença dos embargos transitou em julgado e reativar, por sua própria iniciativa, as penhoras de salários (desta feita de ambos os Recorrentes) e diversos saldos bancários.
18.ª Da documentação junta aos autos, deverão dar-se como provados, para além dos factos constantes do despacho recorrido, os seguintes factos:
a. A caução prestada pelos Recorrentes consistiu numa garantia bancária no valor de 6.252,37 € (documento 1 junto com a Petição Inicial).
b. Até 15-06-2010, o Réu LF tinha na sua posse o valor de 7.773,09 €, correspondente ao somatório de 7 (sete) penhoras sobre o vencimento da Recorrente SB (Dezembro de 2009 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2010, no valor de € 696,92 cada) e à penhora sobre o reembolso do IRS de 2009, no valor de € 2.894,65 (documento 4 junto com a Petição Inicial).
c. No dia 29-03-2011, o Réu LF foi notificado da decisão de improcedência dos embargos e de prossecução da execução (documento 13 junto com a Contestação do Réu LF).
19.ª Fazendo posteriormente o devido enquadramento jurídico dos factos, é indiscutível que o 1.º Réu LF não tomou as diligências necessárias para a liquidação atempada da dívida exequenda e, por conseguinte, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, para além de dar como provados documentalmente os factos supra expostos, deverá remeter para julgamento também a verificação dos danos patrimoniais por serem responsabilidade do Réu LF – e não do Estado, como decidido –.
Com efeito,
20.ª Não existe qualquer apoio legal que permita ao Tribunal a quo concluir que o Agente de Execução LF tinha de aguardar uma notificação do Tribunal que proferiu a decisão da oposição à Execução e ordenou a prossecução da execução no sentido de que a mesma havia transitado em julgado;
21.ª Por força do disposto no art. 628.º do CPC – equivalente ao anterior 677.º, em vigor em 29-03-2011 –, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação;
22.ª O mesmo é dizer que o trânsito em julgado opera ope legis e tendo em conta o decurso do tempo;
23.ª Consequentemente, a decisão dos embargos no âmbito do processo 5966/09.2TBOER-A transitou em julgado a partir do momento em que deixou de ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, por força do art. 628.º do CPC, cabendo ao Sr. Agente de Execução, aqui 1.º Réu LF, retirar as devidas consequências e que de resto constam do libelo decisório: prosseguir com a execução.
24.ª Se o Réu LF tivesse dúvidas acerca da interposição de recurso da decisão da oposição à execução, poderia sempre ter questionado o Tribunal, e dessa forma controlado o trânsito em julgado e dado cumprimento ao decidido – ou seja, prosseguindo a execução;
25.ª A decisão recorrida faz uma errada interpretação deste artigo 628.º (ainda que implicitamente, pois em momento nenhum o refere), desresponsabilizando o Agente de Execução com base no lapso que denomina de incompreensível e que atribui ao Tribunal, que só em 2018 notificou o Réu de que a decisão sobre os embargos havia transitado em julgado;
26.ª Sem questionar o lapso do Tribunal, foi o Agente de Execução que não deu cumprimento atempado à decisão, que lhe foi notificada a 29-03- 2011, de dar seguimento à execução.
27.ª Foi igualmente o Agente de Execução, responsável por todos os actos na instância executiva, nomeadamente por dar continuidade e cumprimento às decisões judiciais aí proferidas, que manteve uma penhora de 7.773,09 €, suficiente para cobrir a quantia exequenda, sem disso dar contas a ninguém: nem ao Tribunal, nem às partes, durante sete anos.
28.ª Foi, pois, o Agente de Execução que manteve uma postura de total alheamento e de negligência em relação ao processo em que desempenhava funções.
29.ª Esta actuação não tem qualquer cobertura legal e, nessa medida, é susceptível de gerar na esfera do Réu LF a obrigação de indemnizar os Recorrentes por todos os danos provocados, sejam eles patrimoniais ou não patrimoniais;
30.ª Veja-se bem como incorre em erro de julgamento o Tribunal a quo, quando, na fundamentação, afirma que «Tal demora não é imputável a qualquer dos RR., mas, sim, ao Tribunal – que incompreensivelmente, só em 2018 notificou o 2.º R. para prosseguir a execução (tendo os embargos sido decididos em 2011)».
31.ª Esta afirmação é errada, contrariando a prova documental junta aos autos (em concreto o doc. 13 da contestação do Sr. Agente de Execução), pois que o Réu LF foi notificado a 29-03-2011 da decisão que ordenava o prosseguimento da execução.
32.ª A questão essencial que se coloca a este Venerando Tribunal é, pois, a de saber se o Réu teria de ficar à espera de uma notificação de trânsito em julgado (essa sim que só ocorreu em 2018) da decisão da oposição à execução.
33.ª A resposta a essa questão é, pelos fundamentos aduzidos, manifestamente negativa.
34.ª Por um lado, nesse sentido militam os deveres estatutários que recaem sobre o Agente de Execução, em concreto o dever de diligência constante do entretanto revogado art. 123.º do DL 88/2003, de 26 de Abril, com semelhante redação no art. 168.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro;
35.ª E no mesmo sentido militam as normas do CPC aplicáveis à tramitação do incidente de oposição à execução, enquanto enxerto declarativo que corre por apenso à acção executiva.
36.ª Não existia, em 2011, norma específica quanto aos efeitos de uma decisão de improcedência dos embargos.
37.ª Tais consequências decorrem, por um lado, da própria lógica, natureza e alcance do mecanismo da oposição à execução e do texto da decisão proferida.
38.ª No caso que aqui nos ocupa, a decisão é cristalina nas suas consequências:
«Decisão. Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgar improcedente a presente oposição à Execução e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução.(…)»
39.ª Pergunta-se: se não cabia ao Réu LF determinar o prosseguimento da execução, cabia a quem?
40.ª Como é óbvio, estando a execução suspensa por força da dedução da oposição e da garantia prestada, a consequência lógica, direta e natural da decisão de improcedência da oposição é de dar andamento à execução, precisamente o contrário do que o Réu LF fez (e o Tribunal a quo concordou).
41.ª Admitindo, por hipótese, como já disse anteriormente, uma falha do Tribunal no controlo da notificação relativamente ao trânsito em julgado, este operou pelo decurso do tempo de acordo com o art. 628.º do CPC, à data, art. 677.º (apenas atualizado nas remissões, mas de idêntico conteúdo), incumbindo ao Agente de Execução controlar, diligentemente, o momento a partir do qual deveria dar cumprimento à decisão proferida na oposição à execução, dando continuidade à ação executiva.
42.ª Não o tendo feito, é responsável pelas consequências advenientes da sua conduta.
43.ª Por tudo quanto se expôs, decidiu mal o Tribunal a quo ao absolver os Réus do pedido na parte atinente aos danos patrimoniais, pois que os mesmos resultam inequivocamente de uma conduta negligente do Réu LF.
44.ª Assim, mais não resta ao Tribunal ad quem a tarefa de, numa correta avaliação da prova documental junta aos autos e numa correta aplicação das normas legais referidas, revogar o despacho saneador e ordenar a sua substituição por outro que adicione os três factos supra melhor especificados, que reformule, em consonância, os temas de prova e que ordene a prossecução dos autos para julgamento relativamente à totalidade do pedido deduzido pelos Recorrentes.
NESTES TERMOS,
E nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:
- Deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida.
8- A ré Companhia de Seguros, em 31/08/2021, contra-alegou, sem formular Conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
9- A ré Consumer, em 01/09/2021, contra-alegou e deduziu ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a) Os Recorrentes vieram recorrer do despacho saneador que julgou improcedentes os danos patrimoniais invocados pelos Autores.
b) Considerou e bem o Tribunal a quo que a existir culpa a mesma apenas poderá ser assacada ao estado que apenas remeteu notificação ao Sr. Agente de execução com informação do Transito em julgado dos apensos em 10.04.2018.
c) A informação de trânsito em julgado ao Sr. Agente de Execução é uma informação quem compete ao tribunal prestar.
d) Pelo que não se pode exigir ao Agente de Execução ou ao Exequente que o substituam.
e) Acresce que, tendo sido prestada caução também o seu accionamente estava dependente de actuação do Tribunal, mais propriamente de despacho.
f) Pelo que nada o Exequente ou o Agente de Execução podiam fazer sem que tal despacho fosse proferido.
g) Se podiam as partes insistir para que o processo fosse impulsionado, podiam, mas também não ficou provado que tal não tenha acontecido.
h) Quer podia insistir o Agente de Execução e o Exequente, como o podiam os Executados.
i) No entanto tais insistências, muitas vezes realizadas não obtém qualquer resultado positivo.
j) E não pode ser considerado que o Agente de Execução incumpriu os seus deveres porque o Tribunal demorou a prestar uma informação que era devida.
k) Perante o exposto, deverá manter-se a decisão proferida.
l) Vêm os Recorrente invocar factos que além de não terem enquadramento legal, não justificam uma alteração da decisão proferida.
m) Como a questão do despacho de autorização da penhora de saldos bancários e o tempo decorrido entre a suspensão da execução e a notificação à entidade patronal para suspensão das penhoras.
n) Os recorrentes invocam tais factos, fazendo uma interpretação errada das normas jurídicas, e não demonstram como é que os mesmos podem contribuir para uma alteração da decisão proferida.
o) Pelo que, apenas poderá improceder a sua argumentação.
p) Vêm ainda os Recorrentes invocar que existe falha do Tribunal a quo na matéria dada como provada.
q) Todavia, conforme tem sido entendido na jurisprudência a lei não impõe actualmente a fixação da matéria de facto como no código anterior à reforma.
r) Assim, os factos suscitados serão certamente apreciados na decisão final e é aí que será o momento apropriado para o recurso quanto aos mesmos.
s) Resulta do recurso interposto que a conduta que os Recorrentes consideram ter sido impropria foi a conduta praticada pelo Agente de Execução.
t) Nada é referido no que diz respeito ao Exequente.
u) Pelo que, a haver uma revogação da decisão a mesma apenas poderá abranger o Sr. Agente de Execução e nunca o Exequente pois nada os Recorrentes apontam ao mesmo.
v) Por último, cumpre referir que no despacho saneador o tribunal a quo por considerar improcedente o pedido referente aos danos patrimoniais considerou que os factos apenas se reportavam ao ano de 2018.
w) Como tal considerou improcedente o pedido de prescrição invocado pelos Réus.
x) No entanto, caso venha a existir uma revogação da decisão proferida terá igualmente de se revogar a decisão no que diz respeito à prescrição pois terão de ser analisados factos que foram praticados antes de 2018, nomeadamente factos sobre os quais qualquer pedido de indemnização já estaria prescrito.
Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser julgado improcedente, e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida ou caso venha a ser improcedente terá o mesmo que improceder quanto ao Recorrido uma vez que o recurso interposto não contempla factos que tenham sido por si praticados.
Mais se requer que caso venha o recurso a ser procedente seja igualmente        revogada a decisão de indeferimento da invocada prescrição.
10- O réu LF contra-alegou, em 02/09/2021, defendendo a improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
a) Vem o presente recurso interposto do despacho saneador/sentença proferido nos autos que absolveu os RR de um dos pedidos, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Os AA. peticionam, a título de danos patrimoniais, as quantias de 2.373,33€ (‘juros em excesso’), 397,80€ (‘honorários em excesso’), e 1.198,16€ (‘despesas com a garantia’) – todos motivados, se bem se compreendeu, e conforme esclarecido pelos AA., pela demora, entre 2011 e 2018, do processamento da execução (ou atraso no accionamento da garantia bancária). Tal demora não é imputável a qualquer dos RR., mas, sim, ao Tribunal – que, incompreensivelmente, só em 2018 notificou o 2º R. para prosseguir a execução (tendo os embargos sido decididos em 2011); assim, a responsabilidade civil por tais danos deve ser imputada ao Estado, e ,não, a qualquer dos RR. – motivo por que estes devem ser absovidos do pedido, nesta parte.
Custas pelos AA., na proporção do respectivo decaimento (CPC 527º).”
b) O presente recurso é interposto como manifestação da insatisfação e não concordância por parte dos Apelantes, perante tal sentença.
c) Não tem qualquer fundamento a pretensão dos Recorrentes.
d) Não há qualquer errada interpretação por parte do Tribunal a quo, nem o Recorrido vislumbra qualquer vício na decisão proferida, muito pelo contrário.
e) A sentença deve conter a indicação dos elementos em que o Tribunal se baseou para decidir quanto à matéria de facto, explicitados o suficiente para demonstrar a razoabilidade do raciocínio que levou à decisão sobre a sua atendabilidade e bem assim a razoabilidade da formação da convicção no sentido nela expresso quanto acolhimento de factos.
f) Analisando o que foi escrito na motivação da decisão recorrida à luz dos desses princípios e regras, a mesma não merece qualquer reparo.
g) Atenta a motivação de facto explanada na douta sentença, resulta evidente a inexistência de qualquer erro do Tribunal a quo, na decisão proferida.
h) Logo, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para ser afastado o entendimento tido na 1.ª Instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade entre a dita prova e a respectiva decisão.
i) Com efeito, o Agente de Execução, aqui Recorrido, apenas em 10 de Abril de 2018 foi notificado pela secretaria de que a sentença proferida em sede de oposição à execução transitou em julgado.
j) O Agente de Execução nomeado no âmbito da acção executiva apenas tem acesso a esse processo (processo executivo) e não aos apensos e recursos que venham a ser apresentados.
k) Nesse sentido, e de forma a não ser impedido o normal desenvolvimento do processo executivo, o legislador, no n.º4 do artigo 719º do CPC incumbiu a secretaria de notificar, oficiosamente, o agente de execução da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos atos aí praticados que possam ter influência na instância executiva.
l) Ora, a verdade é que assim que a secretaria notificou o Agente de Execução do trânsito em julgado da decisão, o mesmo prosseguiu com as diligências de penhora, como resulta dos artigos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos documentalmente provados.
m) E não o fez antes porquanto desconhecia se a decisão proferida havia, ou não, transitado em julgado.
n) Alegam os Recorrentes que o trânsito em julgado daquela decisão ocorre ope legis e com o decurso do tempo.
o) Todavia, descuram que o Agente de Execução, por não ter acesso aos apensos deduzidos, não tem como saber se as decisões transitaram, ou não, em julgado.
p) O que só acontece quando a secretaria, ou alguma das partes, Exequentes ou Executados, o informam desse facto.
q) O que, diga-se, os Executados, aqui Recorrentes, poderiam ter feito na acção executiva.
r) Nada obsta a que as partes, Exequentes e Executados, informem o Agente de Execução das decisões proferidas nos apensos, bem como do referido trânsito, requerendo o prosseguimento dos autos.
s) Todavia, a informação do trânsito em julgado da sentença compete à secretaria judicial.
t) Ao contrário do aventado pelos aqui Recorrentes, o agente de execução só poderia prosseguir com a execução, após o trânsito em julgado da decisão, e não antes, por não ser a mesma definitiva.
u) Em face do que antecede, entende o Recorrido que, dúvidas não restam, que o Tribunal a quo andou bem ao decidir como decidiu.
v) Com efeito, a decisão sufragada pelo Tribunal a quo não padece de qualquer falta de substrato justificativo.
w) A decisão sobre a matéria de facto foi proferida em conformidade com os princípios e as regras de direito probatório e está, inteiramente, conforme com os elementos probatórios do processo e foi fundamentada segundo as regras da ciência, do raciocínio e da experiência comum.
x) Para além disso, é evidente que a douta sentença recorrida fez correcta e sapiente aplicação do direito aos factos, sem violação de quaisquer normas.
y) Assim, basta atentarmos à douta decisão em apreço, para facilmente se verificar que os fundamentos invocados pelos Recorrentes, não poderão vingar.
z) Resultando à saciedade, face a todo o exposto que, andou bem, aliás, refira-se muito bem, a decisão do Tribunal a quo.
TERMOS EM QUE, nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta sentença recorrida.
*
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes e da pretendida ampliação do objecto do recurso suscitada pela co-ré Consumer SA, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- A Ampliação do Âmbito do Recurso;
- A Revogação da decisão quanto à absolvição dos réus do pedido de condenação em indemnização por danos patrimoniais.
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2- Matéria de Factos Recebida da 1ª instância.
É a seguinte a matéria de facto alinhada pela 1ª instância para a decisão da questão em causa no recurso dos autores/apelantes:
1 - Em 18-V-09 foi celebrada transacção no procedimento cautelar 7912/08.1TBOER (fls 15-16).
2 - Em 31-VII-09 (fls 90 a 94) a ora 1ª R. apresentou contra os ora AA. requerimento executivo (para cobrança de “capital 7.669,20€ + juros 4% desde 3-VII- 09”) – tendo sido nomeado como Agente de Execução o ora 2º R. (processo 5966/09.2TBOER).
3 - Em 6-XI-09 foi proferido despacho de autorização de penhora de saldos bancários dos ora AA. (fls 16v, e 113v).
4 - Em 30-XI-09 (fls 48-49) o I.S.C.S.P. foi notificado para penhora de vencimento – tendo sido elaborado pelo ora 2ª R., em 1-II-10, auto de penhora (fls 114 e 133v).
5 - Em 21-II-10 os ora AA. foram citados como executados (fls 50-51, e 87v a 89) – tendo apresentado em 26-II-10, petição de embargos (fls 94v a 109).
6 - Em 11-III-10 o ora 2º R. foi notificado que a execução está suspensa (fls 52).
7 - Em 22-IV-10 (fls 134v-135) foi julgada idónea a caução prestada (garantia bancária da ‘C.G.D.’ de 12-V-10, reproduzida a fls 14) - tendo sido, em 25-V- 10, julgada validamente prestada a caução, e suspensa a execução quanto aos ora AA. (fls 53, e 117).
8 - Em 31-V-10 o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. para cessar os descontos (fls 54v).
9 - Em 8 e 12-VII-10 o ora 2º R. enviou ‘mensagens’ para Vasco Soares Veiga (então Advogado dos ora AA.) para indicar IBAN para devolução do IRS penhorado, e do vencimento de VI-09 (fls 55v e 56).
10 - Em 24-III-11 foram julgados improcedentes os embargos deduzidos pelos ora AA., e determinado o prosseguimento da execução (fls 109v a 113, e 118 a 121).
11 - Em 16-VII-11 (fls 115 e 140) o ora 2º R. elaborou um auto de penhora (relativo ao I.R.S. de 2010).
12 - Em 10-IV-18 o ora 2º R. foi notificado (pelo Juízo de Execução) que a sentença dos embargos transitou em julgado (fls 57).
13 - Em 24-IV-18 o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. para prosseguir a penhora      (fls 22v), e a ‘Radiant Job’ para penhorar o vencimento do ora A. (fls 27v- 28).
14 - Em 24-V-18 o ora 2º R. penhorou saldos bancários (CGD, BCP e ActivoBank – fls 23v, 24, 24v, 25 e 25v) – tendo, em 28-V-18, notificado ‘BCP’ e ‘ActivoBank’ (fls 26, 26v, e 27) que tal penhora ficava sem efeito.
15 - Em 30-V-18 (fls 57v) o ora 2º R. foi notificado para remeter os autos à conta (e pagar o remanescente pelo produto da caução).
16 - Em 3-VII-18 e 8-VIII-18 (fls 116) o ora 2º R. notificou o I.S.C.S.P. que a penhora de vencimento ficava sem efeito (fls 23).
17 - Em 25-IX-18 (fls 58) o ora 2º R. considera faltarem 1.055,68€ (para pagamento integral da quantia exequenda e custas).
18 - Em 28-IX-18 (fls 59) e 2-XI-18 (fls 28v e 60) a ‘CGD’ foi notificada   (pelo Juízo de Execução) para entregar a quantia supra ao ora 2º R..
19 - Em 26-XI-18 o ora 2º R. declarou extinta a execução (fls 29 e 61) - indicando, na “nota discriminativa da conta final”, um ‘total penhorado’ de 16.763,70€ (fls 58v e 62).
20 - Em 24-I-19 o executado indicou o seu ‘IBAN’ (fls 65-66) – tendo o ora 2º R., em 28-I-19, restituído ao executado 5.120,33€ (fls 66v-67).
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3- As Questões Enunciadas.
3.1- A Ampliação do Âmbito do Recurso.
A ré/apelada, Consumer SA, nas suas Contra-alegações, requereu a ampliação do objecto do recurso, invocando que no despacho saneador o tribunal a quo, por considerar improcedente o pedido referente aos danos patrimoniais, considerou que os factos apenas se reportavam ao ano de 2018 e, por isso, considerou improcedente a excepção de prescrição invocado pelos Réus; assim, caso venha a existir uma revogação da decisão proferida terá igualmente de se revogar a decisão no que diz respeito à prescrição pois terão de ser analisados factos que foram praticados antes de 2018, nomeadamente factos sobre os quais qualquer pedido de indemnização já estaria prescrito.
Vejamos.
Por regra, a apreciação da ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº 636º nº 1 do CPC, apenas tem lugar em momento posterior ao da apreciação do objecto do recurso. Isto porque, como resulta do mencionado artº 636º nº 1 do CPC, somente se os fundamentos do recorrente levarem à modificação da decisão recorrida, em sentido desfavorável ao recorrido, é que o tribunal ad quem tem o dever de apreciar a ampliação do objecto do recurso (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 105). Trata-se, pois, em princípio, de uma apreciação condicionada à procedência do recurso em termos de a nova decisão ser desfavorável ao recorrido.
No entanto, a possibilidade de lançar mão da ampliação do âmbito do recurso pressupõe que o recorrido tenha sido totalmente vencedor na pretensão que deduziu, ou seja, que não tenha visto soçobrar alguma das suas pretensões seja como autor, seja como réu.
Tentando explicar melhor: é preciso distinguir entre recurso independente, recurso subordinado e ampliação do objecto do recurso.
Assim, fala-se em recursos (jurisdicionais) quando se quer significar os meios processuais destinados a submeter, certa decisão proferida por um tribunal, a uma apreciação jurisdicional nova a cargo de outro tribunal de grau superior (Cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª edição, LEX, pág. 19).
Enquanto meios de impugnação das decisões judiciais, como é sabido, em processo civil há três tipos de recursos ordinários das decisões: o recurso independente, o recurso subordinado e a ampliação do objecto do recurso.
O recurso é independente quando a parte que fica vencida, total ou parcialmente, reage recorrendo dessa decisão desfavorável, isto é, quando há decaimento, que se afere tendo em conta a posição assumida no processo em confronto com o resultado da decisão. Ficando a parte vencida, é-lhe lícito recorrer autonomamente (desde que se verifiquem os pressupostos gerais da admissibilidade do recurso: valor da causa, valor da sucumbência, legitimidade, tempestividade, etc.) da parte da decisão que lhe seja desfavorável (artº 633º nº 1).
Quanto ao recurso subordinado. Embora possa interpor recurso independente, a lei faculta a uma das partes que decaiu, isto é, que não viu atendida a totalidade das suas pretensões, fazer depender a sua actuação recursiva da posição adoptada pela parte contrária: optando por se abster, temporariamente, de recorrer na parte em que a decisão lhe é desfavorável, ainda que dela discorde, reservando-se, no entanto, a interposição de recurso para a eventualidade da parte contrária, também vencida, interpor recurso. É o recurso subordinado.
Uma terceira situação, ampliação do âmbito do recurso, pode ocorrer quando o decaimento respeite apenas a algum dos fundamentos, de facto ou de direito, da acção ou da defesa sem, no entanto, afectar o resultado da decisão que permanece totalmente favorável à parte. Ou seja, apesar de obter vencimento, nem todos os argumentos da parte vencedora foram aceites e, precavendo-se contra eventual acolhimento, pelo tribunal de recurso, dos fundamentos invocados pelo recorrente, nesse caso, a parte recorrida/apelada pode ampliar o objecto do recurso, nos termos do artº 636º nº 1.
Pois bem, no caso em apreço, a co-ré Santander Consumer (aliás, como os demais co-réus) decaiu totalmente na excepção de prescrição: foi julgada totalmente improcedente.
Por conseguinte, das duas, uma: ou optava por interpor recurso independente quanto à questão da excepção de prescrição, em que decaiu totalmente, ou optava por interpor recurso subordinado.
Porém, a co-ré Santander Consumer interpôs ampliação do âmbito do recurso, numa situação em que decaiu quanto à questão da excepção de prescrição. A ampliação do âmbito do recurso é inadequada à situação, como a dos autos, em que o réu decaiu totalmente na excepção de prescrição.
Poder-se-ia discutir se, no caso dos autos, seria admissível que se “convolasse” a solicitada ampliação do objecto do recurso para recurso subordinado.
Não nos parece.
Como bem assinala Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 84, nota 146) “Não se pode confundir a interposição de recurso subordinado com a ampliação do objecto do recurso.” (…) “…porque são diferentes os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual, são diversas as circunstâncias que os motivam, já que o recurso subordinado implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, ao passo que a ampliação do objecto do recurso pressupõe apenas que não foi acolhido o fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe é favorável. A diversidade de pressupostos e de fundamentos leva a que não possam qualificar-se como recurso subordinado as alegações complementares que o recorrido apresente ao abrigo do artº 636º. Uma tal intervenção não poderá superar o caso julgado que se tenha formado relativamente à decisão que não foi objecto de oportuna reacção que apenas poderia traduzir-se na interposição de recurso autónomo ou de recurso subordinado.
Por conseguinte, não é admissível a pretendida ampliação do âmbito do recurso, nem é possível a convolação da solicitada ampliação do âmbito do recurso em recurso subordinado.
Assim sendo, resta concluir que não pode ser apreciada a solicitada ampliação do âmbito do recurso invocada pela ré Santander Consumer relativamente à decisão da 1ª instância de improcedência da excepção de prescrição.
*
3.2- A Revogação da decisão quanto à absolvição dos réus do pedido de condenação em indemnização por danos patrimoniais.
Os autores/apelantes discordam da parte da decisão que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus a pagarem indemnização aos autores por danos patrimoniais - 2.373,33€ de juros em excesso, 397,80€ por honorários excessivos, e 1.198,16€ de despesas desnecessárias com a garantia bancária.
Baseiam a sua pretensão de revogação dessa parte da sentença parcial, dizendo, por um lado, que foram omitidos factos essenciais para a solução da questão em causa, concretamente:
a. A caução prestada pelos Recorrentes consistiu numa garantia bancária no valor de 6.252,37 € (documento 1 junto com a Petição Inicial).
b. Até 15-06-2010, o Réu LF tinha na sua posse o valor de 7.773,09 €, correspondente ao somatório de 7 (sete) penhoras sobre o vencimento da Recorrente SB (Dezembro de 2009 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2010, no valor de € 696,92 cada) e à penhora sobre o reembolso do IRS de 2009, no valor de € 2.894,65 (documento 4 junto com a Petição Inicial).
c. No dia 29-03-2011, o Réu LF foi notificado da decisão de improcedência dos embargos e de prossecução da execução (documento 13 junto com a Contestação do Réu LF).
Mais invoca que a decisão sob recurso fez uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis no que toca à responsabilidade civil dos Agentes de Execução, porque, segundo eles, o 1º réu não teve a diligência necessária para a liquidação atempada da dívida exequenda quando existiam, à ordem da execução, valores suficientes para o efeito, incluindo a garantia bancária.
Todos os réus recorridos pugnam pela improcedência do recurso.
Vejamos então.
Em primeiro lugar recordemos o teor da decisão recorrida:
“Os AA. peticionam, a título de danos patrimoniais, as quantias de 2.373,33€ (‘juros em excesso’), 397,80€ (‘honorários em excesso’), e 1.198,16€ (‘despesas com a garantia’) – todos motivados, se bem se compreendeu, e conforme esclarecido pelos AA., pela demora, entre 2011 e 2018, do processamento da execução (ou atraso no accionamento da garantia bancária).
Tal demora não é imputável a qualquer dos RR., mas, sim, ao Tribunal – que, incompreensivelmente, só em 2018 notificou o 2º R. para prosseguir a execução (tendo os embargos sido decididos em 2011); assim, a responsabilidade civil por tais danos deve ser imputada ao Estado, e, não, a qualquer dos RR. – motivo por que estes devem ser absolvidos do pedido, nesta parte.”
Desta seca e singela fundamentação de absolvição dos réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais é difícil perceber em que instituto ou normas jurídicas se baseou a 1ª instância para alcançar aquela conclusão: que a responsabilidade civil por tais danos deve ser imputada ao Estado.
Teria subjacente, a esse raciocínio, o regime geral da responsabilidade civil extracontratual previsto no artº 483º nº 1 do CC?
E subentendeu que face à factualidade que alinhavou, que não ficaram demonstrados os respectivos requisitos, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidadeem relação aos réus? Se sim não o diz.
Afastou o regime de responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, previsto no diploma anexo à Lei 67/2007, de 31/12?
Recorde-se que a jurisprudência vem defendendo que a responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto na Lei 67/07, de 31/12 (Cf. entre outros, ac. do STJ, de 14/11/2013 (Abrantes Geraldes); ac. RL de 16/11/2017 (Cristina Neves); ac. do TCA do Sul, de 21/11/2019 (Alda Nunes), todos em www.dgsi.pt).
Por outro lado, há factualidade que foi alegada pelos autores e impugnada pelos réus – nomeadamente pela ré Seguradora – que se mostra controvertida, mormente quanto aos montantes penhorados nos diversos actos de penhora e respectiva suficiência para a liquidação/pagamento da quantia exequenda, que podem ter relevância para a apreciação da invocada falta de diligência do 1º réu. Bem como factualidade relativa à notificação ao 1º réu da sentença de embargos e interpretação dessa notificação; ou ainda factualidade relativa aos alegados pagamento à exequente, pelo menos em 31/03/2010 e em 29/07/2011 sem notificação aos executados.
Ora, como é jurisprudência constante, a possibilidade de conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, em sede de despacho saneador/sentença, só pode ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, e não, tendo em vista apenas o entendimento do juiz da causa; que, de resto, não pode cingir-se apenas à sua própria convicção acerca da solução jurídica do problema, sem antes facultar às partes a possibilidade de provarem e/ou infirmarem o conjunto dos factos que alegaram e em que fundamentavam a sua posição sobre o mérito da causa. O mesmo é dizer que, permanecendo, no final dos articulados, controvertida determinada factualidade, com aptidão para facultar uma solução jurídica plausível invocada por uma das partes, não pode o juiz, sem mais, proferir saneador sentença baseando-se, apenas, na sua posição pessoal sobre uma das diferentes soluções jurídicas sem considerar a solução jurídica que aquela factualidade, que permanece controvertida, poderia possibilitar.
Ou ainda dito de outro modo, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito e sem que se faculte às partes a possibilidade de os provarem e/ou infirmarem.
Ou seja, os autores têm direito à oportunidade de provar os factos que alegaram e, os réus, direito à oportunidade de fazerem a contraprova desses factos. A decisão proferida no saneador sentença coarctou-lhes o direito à prova/demonstração ou à infirmação desses factos.
Há uma estreita conexão entre a alegação dos factos, como momento essencial do exercício do direito de acção ou de defesa, e a possibilidade de oferecer, ao juiz, os elementos necessários para demonstrar os fundamentos da própria alegação (Da mihi factum et dabo tibi ius: dá-me o facto dar-te-ei o direito).
Tem, pois, de ser observado o direito das partes utilizarem todas as provas de que dispõem por forma a demonstrarem a verdade dos factos em que fundam as suas pretensões – recorde-se que o artº 341º do CC define a prova como a função de demonstrar a realidades dos factos.
Como é sabido, o Direito à Prova ergue-se como um dos corolários do Direito de Acção e Defesa, plasmado no artº 20º da Constituição da República Portuguesa, que garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Por conseguinte entendemos que a 1ª instância não podia ter decidido, logo no saneador/sentença, que a responsabilidade pela liquidação tardia da quantia exequenda é imputável ao Estado (e, em consequência, absolver os réus do pedido de condenação em indemnização por danos patrimoniais). E isto sem explicar/demonstrar que em relação os réus, maxime o 1º réu e seguradora, se verificam, ou não, os requisitos constitutivos da responsabilidade civil. De resto, o objecto da acção é saber se os réus são responsáveis pela indemnização dos prejuízos alegados pelos autores e não que a responsabilidade por tais prejuízos é do Estado.
Assim impõe-se revogar essa parte do saneador/sentença.
Saliente-se que não é caso para aplicar, à situação em apreço, o regime do artº 665º do CPC, que estabelece a regra da substituição ao tribunal recorrido porque, por um lado não foi arguida a nulidade da sentença, maxime por falta de especificação dos fundamentos de direito que justifiquem a decisão (artº 615º nº 1, al. b), do CPC) - e, como é sabido, as nulidades da sentença previstas no artº 615º nº 1 do CPC, não são de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pág. 77) – e, por outro lado, o processo ainda não tem estabilizados todos os elementos de facto que possibilitariam conhecer da questão.
A esta luz, o processo deve prosseguir, com a consequente redefinição do objecto do litígio e pertinentes temas de prova relativamente à pretensão de indemnização por danos patrimoniais.
Com esta solução, fica prejudicada a questão da alteração da matéria de facto bem como a pretendida correcção dos lapsos de escrita quanto à referência a “2º” réu em vez de 1º réu.
*
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
a)- Julgar procedente o recurso interposto pelos autores e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus a pagarem aos autores indemnização por danos patrimoniais e, ordenam o prosseguimento dos autos para conhecimento desse pedido, com a redefinição do objecto do litígio e indicação dos pertinentes temas de prova relativamente a essa pretensão indemnizatória;
b)- Não conhecer da ampliação do âmbito do recurso solicitada pela co-ré Santander Consumer.
Custas no recurso, pelas co-rés apeladas.

Lisboa, 18/11/2021
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Aguiar Pereira