CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO FINAL
Sumário

I–A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no nº 2 al b) do artº 410º do C.P.P apenas se verificará, quando analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

II–No caso em apreço, o Tribunal a quo, por sentença proferida em 3.9.2020, acompanhando o entendimento da AdC, voltou a decidir julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Vodafone, sustentando serem improcedentes os seus fundamentos e absolvendo a AdC do pedido de declaração de invalidade e nulidade, da decisão por ela proferida em 22 de Janeiro de 2019, no âmbito do PRC/2018/05.

III–existe na sentença proferida em 3.9.2020, uma notória contradição entre a sua fundamentação (no sentido de perante os factos apurados se ter concluído pela falta de competência do TRCS para conhecer do mérito do recurso) e a sua decisão final (no sentido da prolação de uma decisão de mérito, julgando improcedente o pedido da recorrente Vodafone), pelo que tal sentença padece de uma contradição insanável, subsumível à alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa



I–RELATÓRIO:



1–Por decisão de 22.1.2019 proferida no processo de contra-ordenação identificado como PRC/2018/05, a Autoridade da Concorrência (doravante Adc) indeferiu os requerimentos que lhe haviam sido apresentados pela visada, aqui recorrente Vodafone Portugal-Comunicações Pessoais S.A (doravante Vodafone ou visada/recorrente), nos dias 11 de Dezembro de 2018 e 13 de Dezembro de 2018, no decurso de diligências de busca e apreensão visando essa empresa Vodafone.
2–A Vodafone apresentou recurso de impugnação judicial dessa decisão administrativa da AdC de 22.1.2019 e por sentença proferida a 28 de Maio de 2019 (fls 443 a 494) depositada nessa data (fls 497), o 1º Juízo do T.C.R.S. de Santarém, decidiu julgar totalmente improcedente esse recurso de impugnação, improcedendo os respectivos fundamentos e em consequência absolveu a Autoridade da Concorrência (AdC) do pedido formulado pela recorrente Vodafone, no sentido da declaração da invalidade e nulidade da referida decisão proferida em 22 de Janeiro de 2019, no âmbito do PRC/2018/05.
3–O Tribunal a quo(TCRS), na sentença de 28.5.2019,esclareceu as razões pelas quais entendia que não tinha poderes de cognição para apreciar um conjunto de actos praticados pelos funcionários da AdC no decurso das referidas diligências de busca e apreensão, cuja invalidade é invocada pela Vodafone, por defender que o conhecimento da validade de tais actos implicaria sempre a emissão de um juízo prévio sobre a conformidade, validade e legalidade do acto praticado (a montante) pelo M.P, ou seja sobre o mandado e respectivo despacho de fundamentação.
Deste modo, entendeu o TCRS carecer de competência para conhecer da legalidade, validade ou irregularidade da apreensão levada a cabo pela AdC, porquanto tal apreciação levaria ou implicaria que fosse conhecer da validade do conteúdo de um acto praticado pelo M.P – mandado e respectivo despacho de fundamentação – o que se traduziria numa ingerência sua na competência das autoridades judiciárias competentes em matéria criminal.

Contudo, embora o Sr. Juiz do TCRS concluísse que não dispunha de competência própria, exclusiva e autónoma para proceder à revisão, sindicância e aferição da legalidade/ilegalidade de acto praticado pelo M.P, acaba por afinal conhecer de mérito nessa mesma sentença de 28.5.2019.

Isto é foi analisar e decidir todas as questões colocadas pela arguida Vodafone, que constituem o objecto do recurso por ela interposto da decisão da AdC de 22.1.2019, as quais era possível conhecer, em virtude de terem sido apurados factos no decurso do julgamento na 1ª instância, suficientes e idóneos para habilitar o TCRS a decidir sobre tais questões – agindo assim no pressuposto de que era competente para tal.

Ou seja, o TCRS na sentença de 28.5.2019, acabou por conhecer e decidir de mérito efectivamente, por preferir não levar à prática, o seu inicial entendimento - acerca da falta de competência para esse fim -, antes relativizando-o e tornando-o afinal apenas uma mera posição/tese dogmática, sem consequências na prática.

4–A visada Vodafone Portugal - Comunicações Pessoais, S.A. não se conformando com tal decisão do TRCS de 28.5.2019, veio dela interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, discordando do sentido decisório pugnado pelo Tribunal a quo, e veio (i) pôr em causa o entendimento sobre a jurisdição e competência do TCRS para decidir sobre a validade da decisão de apreensão, (ii) invocar a invalidade da pronúncia subsidiária do Tribunal a quo relativamente à violação dos âmbitos temporal e material do mandado, da violação de segredo profissional e do bloqueio ilegal de acesso ao sistema informático.

5–Nesse seu recurso para a Relação de Lisboa, a Vodafone veio suscitar as mesmas questões sobre as quais já se debruçara a AdC e decidira de forma desfavorável à requerente Vodafone em 22.1.2019, questões essas que integraram igualmente o objecto da impugnação judicial por ela deduzida perante TCRS, a saber:
- o efeito útil da decisão a proferir pela AdC quanto às pretensões da requerente;
- a violação do âmbito temporal do mandado do M.P de 10.2.2018;
- a violação do âmbito material do mandado do M.P de 10.2.2018;
- a violação de segredo profissional; e
- o bloqueio ilegal de acesso ao sistema informático da Vodafone, imposto pela AdC, aquando das buscas.
Defende ainda a visada Vodafone, que esse seu recurso interlocutório interposto para a Relação de Lisboa, respeitava à decisão tomada pela AdC a 22.01.2019, referente aos requerimentos de 11.12.2018 e 13.12.2018, nos quais se suscitaram invalidades associadas a decisões e à actuação da AdC na condução das diligências de busca e apreensão, em execução do mandado de busca e apreensão emitido pelo M.P em 10.2.1018.
E que no âmbito de um processo contra-ordenacional, as decisões das autoridades administrativas apresentam-se sindicáveis somente perante os tribunais e, no plano destes autos, perante o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, nos termos dos artigos 84º, nºs 1, 2, e 3, e 85º da LdC e artigo 112º, nº 1, alínea a) da LOSJ.
Que o recurso interlocutório da Vodafone, não versa sobre o despacho do Ministério Público que autoriza a busca e apreensão de 10.2.2018, nem sobre o respectivo mandado, podendo a execução deste ser apreciada autonomamente, correspondendo essa execução a actos próprios da AdC, que foram positivamente sancionados pela AdC na sua decisão de 22.01.2019.
O Tribunal a quo tem competência para conhecer, em toda a sua amplitude, do recurso interposto pela Vodafone, devendo proferir uma decisão de mérito.
Que ao concluir que não era competente, o Tribunal a quo violou os artigos 84º n.ºs 1, 2 e 3 da LdC e 112º, nº 1, alínea a) da LOSJ, pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por outra decisão que admita a competência do Tribunal a quo para conhecer materialmente das questões suscitadas no recurso interlocutório da Vodafone.
6–Em apreciação do recurso interposto pela Vodafone dessa sentença de 28.5.2019, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a proferir o Acórdão de 26.2.2020 (com voto de vencida da signatária) onde se decidiu padecer a sentença recorrida de nulidade, em virtude de contradição insanável nos termos do artº 123º/2 do C.P.P, a qual deverá ser substituída por outra em que:
i)- ou o TCRS se declara incompetente e se abstém de conhecer do mérito da impugnação judicial da decisão da AdC;
ii)- ou o TCRS, se considerar que deve pronunciar-se sobre as questões suscitadas pela Vodafone, na impugnação judicial da mesma decisão da AdC, tem de declarar-se competente para aferir da validade e eficácia da actuação da AdC, na execução do mandado de busca determinada pelo M.P.
7.–Na sequência do decidido pela Relação de Lisboa em 26.2.2020, o processo baixou à 1ª instância, onde em 3.9.2020 veio a ser proferida uma nova sentença pelo TCRS, na qual foi julgado improcedente o pedido da Vodafone de declaração da nulidade da decisão proferida pela AdC em 22.1.2019 e se decidiu nos seguintes (transcritos) termos (com sublinhados nossos):

IV. DECISÃO.
140.–Pelo exposto, nos termos dos fundamentos e normas legais citadas, decido julgar totalmente improcedente o presente recurso de impugnação de medidas administrativas, interposto pela visada/recorrente VODAFONE PORTUGAL-COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., improcedendo os respectivos fundamentos e absolvendo a AdC do pedido de declaração de invalidade e nulidade da decisão proferida em 22 de Janeiro de 2019 no âmbito do PRC/2018/05.
141.–Mais se condena a visada/recorrente em custas processuais, em função do decaimento e complexidade das questões suscitadas, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, nos termos do artº 93º, nº 3 e 4 do R.G.CO. e artº 8.º, nº 7 e anexo III, do Regulamento das Custas Processuais, por remissão sucessiva do artº 83º do NRJC.
142.–Notifique e deposite.
143.–Comunique a presente decisão à Autoridade da Concorrência, com envio de certidão judicial.

8–A Vodafone Portugal-Comunicações Pessoais S.A, interpôs recurso dessa nova sentença de 3.9.2020, terminando a sua motivação, com as seguintes (transcritas) conclusões, as quais sintetizam as razões da sua discordância:

OBJETO DO RECURSO:

1.–O presente recurso vem interposto da sentença do TCRS, de 03.09.2020 ("Sentença"), que julgou improcedente o recurso de impugnação interposto da decisão da Autoridade da Concorrência, de 22.01.2019 ("Decisão"), nos termos da qual foram indeferidos os requerimentos apresentados pela Vodafone, a 11.12.2018 e 13.12.2018, no âmbito do PRC/2018/05, nos quais foram arguidas diversas nulidades, referentes à execução do Mandado de Busca e Apreensão, emitido pelo Ministério Público.

QUESTÃO PRÉVIA: NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA

2.–A Sentença Recorrida incorreu em erro de julgamento e é nula, por violação do disposto no artigo 84.9, n.ºs 1 e 3, da Lei n.2 19/2012, de 8 de maio ("LdC"), em conjugação com o disposto no artigo 112.º, n.º 1, al. a), da Lei n.2 62/2013, de 26 de agosto ("LOSJ"), porquanto, em divergência com a jurisprudência constante do Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal a quo considerou não ter competência para sindicar a validade das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC, em execução do Mandado de Busca e Apreensão emitido pelo MP.
85.-A Sentença Recorrida incorreu em erro de julgamento e é ininteligível, por obscuridade e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, sendo nula, por omissão dos motivos de direito que fundamentam a decisão, em termos apreensíveis e consequentes com o sentido da decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), em conjugação com o artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, porquanto o Tribunal a quo — rejeitando a jurisprudência constante do Tribunal da Relação de Lisboa — considera não dispor de competência para conhecer o objeto, amplitude e alcance do Mandado do MP e, em consequência, para conhecer a validade da execução do Mandado pela AdC, concluindo, afinal, quanto ao mérito do recurso, pela legalidade das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC, por entender que as mesmas foram realizadas a coberto do Mandado do MP.

SUBSIDIARIAMENTE, QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO:

86.-A emissão de um mandado não implica que toda a correspondência de uma determinada entidade possa ser escrutinada, e que esse escrutínio total haja sido equacionado, ponderado ou admitido pela autoridade judiciária aquando da emissão do mandado.
87.-A emissão de um mandado deve ser fundamentada, e deve ter subjacente a existência de indícios de que alguma infração se está praticando ou foi praticada, estabelecendo estes os limites temporais e materiais do mandado, que devem ser respeitados pela AdC na execução do mandado.
88.-A apreensão de elementos que extravasem os limites e fundamentos de um mandado não pode deixar de corresponder a uma apreensão sem despacho prévio e esta é, inequivocamente, a uma apreensão inválida, por violação do artigo 178.º, n.º 3 do CPP.
89.-Ao admitir que a AdC pode visualizar correspondência eletrónica sem atentar nos limites temporais e matérias do mandado, o Tribunal a quo violou os artigos 17º da Lei do Cibercrime, 179º do CPP (aplicável ex vi artigo 13º, nº 1 da LdC e artigo 41º, n.º 1 do RGCO) e 18º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da LdC devendo, caso o Tribunal ad quem julgue ter poderes de cognição para o efeito, a Sentença ser revogada e substituída por outra decisão que declare a nulidade e irregularidade da apreensão de toda a correspondência eletrónica e demais ficheiros informáticos não relacionados com os alegados factos que subjazeram à emissão do mandado de busca de 10.12.2018.
90.-A norma resultante do artigo 17.º, n.º 1 da Lei do Cibercrime, no sentido de ser permitido à AdC a apreensão de correio eletrónico sem atentar nos limites do despacho e do mandado de busca e apreensão e sem ponderação da sua pertinência face ao objeto dos autos é inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, 34.º, n.º 4 e 35.º, n.º 2 da CRP.
91.-A Vodafone disponibilizou à AdC, na manhã do dia 12.12.2018, uma lista (completa, na medida do possível) com a identificação dos advogados externos e internos.
92.-No entanto, a AdC acedeu ao conteúdo de mensagens de correio eletrónico cujos destinatários incluíam advogados da Vodafone, havendo a Vodafone consignado em auto a circunstância de o mandado não conferir autorização (expressa ou implícita) para apreender e visualizar documentos abrangidos por qualquer tipo de sigilo, sendo a mera visualização desses documentos suscetível de violar o sigilo profissional.
93.-Perante emails de advogados, os mesmos deverem ser selados (sem visualização) pela AdC e entregues a juiz de instrução para análise de eventual cobertura por segredo profissional de advogado.
94.-A mera visualização de emails trocados com advogados permite à AdC ter conhecimento de informação coberta pelo sigilo profissional, podendo assim orientar ou redirecionar a sua pesquisa em função dessa informação, sendo totalmente ilegal.
95.-Ao dar como provado que foi visualizada correspondência trocada com advogados, não retirando daí qualquer consequência para à validade das ações de busca e apreensão, o Tribunal a quo violou os artigos 208.º da CRP, 72.º, 76.º e 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, 179.º, n.° 3, 180.º, n.º 2, 120.º, n.º 1 e 122.° do CPP, 42.º, n.º 1 do RGCO e 19.º, n.ºs 7 e 8 e 20.º, n.ºs 4 e 5 da LdC devendo, caso o Tribunal ad quem julgue ter poderes de cognição para o efeito, a Sentença ser revogada e substituída por outra decisão que declare a ilegalidade da visualização da correspondência enviada ou recebida por advogados e, consequentemente, a ilegalidade das buscas e a nulidade da apreensão da correspondência eletrónica realizada pela AdC, não podendo a prova apreendida ser utilizada no processo.
96.-A Vodafone arguiu a ilegalidade das ordens de bloqueio das contas de correio eletrónico dos funcionários/administradores da Vodafone MV..., ES..., PC..., JN... e DB... pelo facto de o mandado de busca e apreensão não conferir à AdC os poderes de selagem e "bloqueio" a que faz referência o artigo 18.º, n.º 1 alínea d) da LdC, o que sempre seria necessário face ao disposto no n.º 2 daquele artigo.
97.-Apesar de o Tribunal a quo ter concluído pela ilegalidade das ordens de bloqueio referidas no facto provado M, não foi retirada daí qualquer consequência processual.
98.-Em nenhum momento os colaboradores da Vodafone assentiram ou reconheceram validade à ordem de bloqueio de acesso às contas de correio eletrónico respetivas, nem tal circunstância resulta da factualidade provada, nem pode resultar da entrega de computadores a que os mesmos colaboradores foram obrigados em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público e executado pela AdC.
99.-A AdC escrutinou caixas de correio eletrónico conservadas de forma ilegal, em manifesto abuso de poder e sem qualquer amparo na lei.
100.-Pretender que, por nenhuma prova ter sido diretamente obtida em resultado dessas ordens ilegais (o que não é inteiramente verdade) a ilegalidade deixa de ter relevância processual, equivale a admitir como válidas todas e quaisquer ilegalidades cometidas durante diligências de busca e apreensão desde que as mesmas não redundem na obtenção direta de prova.
101.-Ao não declarar, no mínimo, a irregularidade das diligências de busca e apreensão, e consequente inutilização da prova apreendida, por bloqueio ilegal de acesso a contas de correio eletrónico, o Tribunal a quo violou os artigos 13.º, n.° 1 e 18.º, n.9s 1, alínea d) e 2 da LdC, 174.º, n.9s 2 e 3, 118.º, n.º 2, 123.º, n.° 1 e 126.º, n.º 1 e 3 do CPP, e 41.º, n.º 1 do RGCO devendo, caso o Tribunal ad quem julgue ter poderes de cognição para o efeito, a Sentença ser substituída por outra que declare essa invalidade e a inadmissibilidade de utilização da prova apreendida nos presentes autos.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a Sentença com todas as legais consequências.
Mais se requer que o presente recurso suba com todos os despachos e todas as peças processuais com as quais foi instruído o recurso interlocutório.

9–A autoridade administrativa (AdC) contra-alegou, respondendo ao recurso interposto, pugnando pela improcedência do mesmo e terminando com as seguintes (transcritas) conclusões:

Do objeto do recurso
A.–No âmbito do processo de contraordenação que corre termos na AdC sob a referência interna PRC/2018/05, a Vodafone foi alvo de uma diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizada por esta Autoridade entre os dias 11 de dezembro e 21 de dezembro de 2018.
B.–No decurso da diligência, os funcionários da AdC devidamente credenciados procederam à execução do mandado no local, realizando nomeadamente ações de pesquisa e análise de documentos potencialmente relevantes para a investigação, incluindo mensagens de correio eletrónico aberto e lido, como expressamente previsto no mandado.
C.–Durante a realização das diligências de exame e recolha de informação relevante para a investigação, foi determinada a apreensão de um conjunto de documentos em 21 de dezembro, conforme Auto de Apreensão.
D.–Em 11 de dezembro de 2018, a Vodafone veio requerer junto da AdC que esta ordenasse, “com carácter muito urgente”, o levantamento do bloqueio das contas de acesso ao sistema informático dos membros da comissão executiva da Vodafone identificados no mesmo requerimento.
E.–No dia 13 de dezembro de 2018, a Vodafone apresentou junto da AdC um requerimento a arguir a ilegalidade da atuação dos funcionários da AdC, bem como uma série de nulidades que, em seu entendimento, invalidariam por completo as diligências ordenadas pelo Ministério Público e a serem levadas a cabo pela AdC.
F.–Em 22 de janeiro de 2019, a AdC respondeu aos requerimentos da Vodafone (ofício com a referência S-AdC/2019/246), não reconhecendo a existência de qualquer irregularidade ou nulidade suscetível de pôr em causa a plena conformidade legal das diligências de busca e apreensão.
G.–Foi com aquela decisão da AdC de 22 de janeiro de 2019 que a Vodafone não se conformou e que constituiu o objeto do recurso de impugnação, contestando, num primeiro momento, a legalidade da medida da AdC de, no quadro da execução do mandado e das diligências ordenadas pelo Ministério Público, ordenar o bloqueio de acesso a contas de correio eletrónico de colaboradores da empresa; num segundo momento, a possibilidade de a AdC examinar documentos compostos por mensagens de correio eletrónico aberto e lido que a Recorrente faz reconduzir a violação de sigilo profissional e, por fim, legalidade do cumprimento do mandado por alegada violação do seu âmbito temporal e material por parte da AdC.
H.–O Tribunal a quo entendeu que o thema decidendum se reconduzia à “legalidade, validade ou regularidade da diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa”, concluindo que a decisão interlocutória da AdC de 21 de dezembro de 2018, no segmento que determinou a apreensão de documentos, por estar a coberto de mandado de buscas e apreensão emitido pelo Ministério Público e ao abrigo dos artigos 18.º e artigo 21.º da lei da Concorrência, foi legal e conforme ao regime processual.
I.–Adicionalmente, o Tribunal a quo entende não ter competência para conhecer da legalidade, validade ou irregularidade da apreensão porquanto tal apreciação determinaria a ingerência na competência das autoridades judiciárias competentes em matéria criminal.
J.–A Recorrente, não se conformando com o sentido decisório pugnado pelo Tribunal a quo, vem (i) pôr em causa o entendimento sobre a jurisdição e competência do TCRS para decidir sobre a validade da decisão de apreensão, (ii) invocar a invalidade da decisão da AdC relativamente à violação dos âmbitos temporal e material do mandado, da violação de segredo profissional e do bloqueio ilegal de acesso ao sistema informático.
K.–Considerando que o tema de competência do TCRS para conhecer do objeto do recurso deverá ser aferido pelo Tribunal ad quem, a AdC apenas se pronunciará sobre o mérito do recurso que, subsidiariamente, a Recorrente vem suscitar e que diz respeito a cinco questões: (i) efeito útil da decisão de 22.01.2019; (ii) violação do âmbito material do mandado; (iii) violação do âmbito temporal do mandado; (iv) violação de segredo profissional; e (v) bloqueio ilegal de acesso ao sistema informático. Estas são as matérias que constituem o objeto do presente recurso, cuja improcedência não poderá deixar de ser afirmada por este tribunal.

(i)- Efeito útil da decisão de 22.01.2019

L.–Tendo as diligências de busca sido concluídas em 21 de dezembro de 2018 e tendo a Vodafone sido notificada da resposta aos seus requerimentos de 11 e 13 de dezembro de 2018 em 22 de janeiro de 2019, é evidente a falta de efeito útil da resposta da AdC face ao que ali havia sido peticionado, porquanto mesmo já não podia ser alcançado.
M.–O momento de resposta por parte da AdC não foi ajustado a qualquer tipo de finalidade violadora da tutela dos direitos da Vodafone.
N.–Não recaia sobre a AdC qualquer obrigação de suspender as diligências em curso até se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Vodafone, assim como não recai sobre a AdC a obrigação de dar cumprimento ao requerido pela Vodafone nos termos, nomeadamente prazo, pretendidos por aquela empresa.
O.–Nos termos da Lei, a AdC tem um prazo de 30 (trinta) dias para executar o mandado, sendo que, em várias ocasiões, e por forma a assegurar a eficácia das diligências de busca, a AdC está presente em vários alvos em simultâneo. Isto significa que se a AdC fosse obrigada a suspender as diligências e a responder aos inúmeros requerimentos apresentados pelas empresas nos termos pretendidos, nomeadamente, nos prazos que entendem ser “em tempo útil”, a AdC seguramente ficaria impedida de executar o mandado no prazo legal porquanto teria dar prioridade às repostas a tais requerimentos em prejuízo da execução da diligência.
P.–Daqui não decorre, no entanto, a inviabilização da tutela dos direitos dos visados pelas buscas porquanto, a verificar-se alguma das irregularidades ou nulidades invocadas pela Vodafone, e uma vez declaradas por um Tribunal, tal decisão judicial teria impacto nos meios de prova apreendidos e na sua possibilidade de utilização para efeitos de imputação da infração.
Q.–Inexiste, desta forma, manifesto efeito útil da decisão da AdC face ao concretamente peticionado pela Vodafone nos seus requerimentos de 11 e de 13 de dezembro de 2018.

(ii)-Da alegada violação do âmbito material do mandado: decisão da AdC que determinou a apreensão de um conjunto de ficheiros de correio eletrónico que alegadamente extravasaram o objeto do mandado de busca

R.–A AdC deve executar a diligência em causa de forma a dar pleno cumprimento ao mandado nos termos da lei, mas tendo total liberdade para definir os termos dessa execução.
S.–O recurso a critérios de pesquisa informática como keywords ou outros parâmetros (v.g., períodos temporais, domínios de e-mail, nomes de pessoas ou empresas) visam exclusivamente facilitar a execução da diligência pela AdC, tendo esta Autoridade, no entanto, total liberdade para nem sequer usar keywords e analisar e-mail a e-mail constante de uma caixa de correio do alvo em causa.
T.–Ser apreendida uma mensagem que, independentemente do seu conteúdo (que a Recorrente não analisa) tem como assunto “novo comparador de serviços de comunicações eletrónicas”, quando do texto do despacho de fundamentação do Ministério Público resulta expressamente que “o aludido acordo visará, pelo menos, garantir que o potencial cliente que pesquisa online as ofertas de determinada operadora não tem acesso a informação das operadoras concorrentes” ou que “esta prática assume a natureza de um acordo restritivo da concorrência na exata medida em que limita o acesso a informação online sobre a oferta das empresas envolvidas” não indicia, salvo melhor opinião, qualquer violação do conteúdo material do mandado.
U.–Em síntese, é imperativo concluir que não foi apreendido qualquer documento fora do objeto do mandado.

(iii)- Da alegada violação do âmbito temporal do mandado

V.–Do referido despacho de fundamentação do Ministério Públcio resulta expressamente que pode ser visualizada e apreendida prova relativamente ao acordo de cavalheiros em investigação, existente, pelo menos, desde 2015, mas não excluindo datas anteriores.
W.–Na realidade, para além da existência da infração, a duração da infração é um dos elementos essenciais que se pretende apurar com a realização da diligência de busca e apreensão, pelo que uma referência ao âmbito temporal da infração ou a circunscrição da diligência a um período temporal específico seria manifestamente contraditório com a finalidade pretendida com a diligência em causa.
X.–A Vodafone reconhece que o mandado não excluía a possibilidade de existência de mensagens anteriores ao ano de 2015.
Y.–Por último, de acordo com o n.º 2 do artigo 174.º do CPP, aplicável ex vi artigo 13.º da Lei da Concorrência e artigo 41.º do RGCO, a AdC está habilitada a apreender toda a documentação que constitua prova da infração previamente identificada na fundamentação do mandado, pelo que, não havendo por parte do mandado restrição em função ao âmbito do período temporal, é imperativo concluir pela efetiva validade da apreensão realizada.
Z.–Não se verifica, assim, qualquer ilegalidade cometida pela AdC na apreensão de correspondência eletrónica aberta e lida por referência a um período temporal anterior a 2015, não se reconhecendo a existência de qualquer invalidade.

(iv)- Da alegada violação de sigilo profissional de advogado

AA.–A AdC solicitou à empresa no início da diligência uma lista de todos os advogados da empresa.
BB.–Apesar de esta ser uma prática instituída pela AdC há vários anos, tal obrigação não decorre da lei ou do mandado; antes se apresenta como uma prática da AdC que visa tornar claro desde o primeiro momento, e antes do início das diligências, que a AdC não tem qualquer intenção de pesquisar arquivos de advogados internos ou externos ou de apreender informação sujeita a sigilo profissional.

CC.–Vejamos os factos concretos:não foi apreendido qualquer e-mail sujeito a sigilo profissional; não foi identificado como relevante ou pesquisada ativamente qualquer caixa de correio eletrónico ou de arquivo das pessoas identificadas pela empresa como sendo ou tendo sido advogados da empresa ou tendo inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
DD.–Não apresenta a Vodafone qualquer prova de que tenha acontecido o contrário, limitando-se a especular sobre a legalidade das explicações que possam ter sido prestadas no início da diligência quanto a esta matéria.
EE.–Como ponto de partida importa esclarecer que a AdC não pesquisa computadores, designadamente, caixas de correio eletrónico, arquivos ou gabinetes de advogados.
FF.–Para efeitos de potencial apreensão de documentos pesquisados nos computadores ou arquivos de colaboradores não advogados, a AdC possa examinar, ainda que perfunctoriamente, os vários documentos que aparecem marcados como potencialmente relevantes na sequência de pesquisa com base em palavras-chave (como expressamente decorre da lei), sob pena de a apreensão de documentos se realizar de forma cega e sem qualquer exame prévio.
GG.–A AdC não pode deixar de cumprir o mandado de exame, busca e apreensão; não pode deixar de fazer pesquisas em computadores ou arquivos de colaboradores não advogados e, finalmente, a AdC não pode deixar de examinar e apreender informação que possa fazer prova de uma infração punida por lei.
HH.–Finalmente, não pode deixar de se reiterar que a utilização de ferramentas de e-discovery pela AdC não pode funcionar como um espartilho para execução de uma diligência de busca e apreensão.
II.–Pense-se que o procedimento pretendido pela Vodafone nunca se poderia aplicar às pesquisas de documentos físicos que a AdC também realiza: como se pode antecipar que dentro de uma pasta de arquivo contendo 400 páginas, a página 100 constitui um e-mail impresso e arquivado que contém nos remetentes um advogado? E, nesse caso, deve concluir-se que no momento em que o funcionário da AdC põe os olhos nesse mesmo documento verifica-se, de modo imediato e automático como pretende a Vodafone, a nulidade da busca?

JJ.–A resposta só pode ser negativa. Se a empresa não consegue identificar a priori as comunicações que possam estar sujeitas a sigilo profissional ou sequer uma lista completa de potenciais advogados, deve admitir-se que a AdC possa pesquisar livremente arquivos de colaboradores não advogados, sem prejuízo de, a título residual, de modo involuntário e sem que a AdC ou a própria Vodafone pudessem prever, a introdução de uma palavra-chave na pesquisa eletrónica ou a análise de uma pasta física de arquivo poderem revelar um documento em que tenha intervindo advogado.

(v)-Do bloqueio alegadamente ilegal de contas de correio eletrónico dos colaboradores

KK.–A AdC entende que os termos do mandado emitido permitiam claramente à AdC realizar buscas na Vodafone durante o tempo necessário à obtenção de prova da infração indiciada e executar o mandado de modo a adquirir e preservar a eventual prova existente, apenas condicionada ao prazo de execução 30 dias referido expressamente no mandado.
LL.–No início da diligência foram identificados vários colaboradores da empresa como potencialmente relevantes para a investigação. Para minimizar o impacto das diligências na empresa, a AdC procedeu à cópia temporária dos arquivos informáticos e computadores daqueles colaboradores para posterior pesquisa, podendo cada funcionário regressar de imediato ao seu quotidiano, não voltando normalmente a ter contacto com a equipa da AdC (conforme melhor descrito no auto de apreensão).
MM.–Não se contestando (e não contestando a Vodafone) que a AdC possa proceder à cópia temporária da informação potencialmente relevante para realização das pesquisas subsequentes (conducente a eventual apreensão), importa clarificar que o bloqueio informático das contas dos colaboradores relevantes se resume a um mero passo informático necessário e prévio à cópia da informação.
NN.–Não sendo bloqueada a conta em causa, não haveria certeza de que durante o processo de cópia (que pode demorar uma ou duas horas) a informação existente no momento do início da diligência fosse exatamente a mesma (devido à entrada de nova informação na conta desse utilizador ou à eliminação de informação já existente).

OO.–Para a empresa ficar protegida no que respeita ao seu dever de colaboração, procede-se à cristalização no tempo (início das diligências) da informação existente potencialmente relevante e procede-se de imediato à sua cópia, libertando-se num curto espaço de tempo (uma ou duas horas) o respetivo computador, permitindo-se que o colaborador volte a trabalhar (podendo mesmo apagar toda a informação relevante se o pretender), sem que tenha novo contacto com a AdC até ao final da diligência.
PP.–Não existe neste procedimento informático tendente à cópia temporária de informação relevante qualquer selagem de computadores, instalações ou arquivos.
QQ.–O bloqueio das referidas contas de correio eletrónico no primeiro dia de diligência apenas ocorreu porque os referidos membros do conselho de administração da Vodafone se encontravam ausentes da empresa e para assegurar que nenhum elemento de prova fosse eliminado ou modificado para efeitos da cópia temporária da informação existente no momento do início das diligências.
RR.–Os poderes conferidos pelo mandado emitido abrangem, naturalmente, os poderes de preservar a eventual prova existente.
SS.–Mais: a AdC apresentou várias soluções possíveis para que a situação em apreço fosse ultrapassada logo no próprio dia 11.12.2018, tais como a entrega dos computadores nas instalações da empresa pelos próprios ou por estafeta (ou seja, nunca foi sequer exigida a presença dos membros de administração na empresa) ou a apresentação de uma solução informática por parte da empresa que, permitindo o imediato desbloqueio dos computadores, assegurasse no entanto que a solução apresentada não permitiria interferências na eventual prova existente.
TT.–Não obstante, a Vodafone não acedeu em adotar nenhuma daquelas soluções alternativas, razão pela qual o bloqueio das caixas de correio eletrónico foi mantido até ao dia 12.12.2018 (cfr. auto de apreensão)
UU.–No caso concreto a prova considerada potencialmente relevante foi preservada, por meio de bloqueio informático, no próprio dia em foi solicitada pela AdC a disponibilização dos computadores em causa, inexistindo qualquer tipo de selagem de quaisquer gabinetes ou arquivos (físicos ou digitais), ou até mesmos dos computadores dos administradores identificados nos autos.
VV.–O procedimento em causa reconduz-se, não a uma selagem de dispositivos informáticos tal como alegado pela Vodafone, mas antes ao dever de colaboração que recai sobre as empresas tal como previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 1 do artigo 68.º da Lei da Concorrência e ao dever de execução do mandado para recolha e exame de informação que recai sobre a AdC.
WW.–Em síntese, não se reconhece a existência de qualquer irregularidade ou nulidade suscetível de invalidar a prova apreendida.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá ser negado provimento ao presente recurso da Vodafone, na parte em que subsidiariamente requer a invalidade da decisão da AdC de 22.01.2019.

10-O Magistrado do Ministério Público na 1ª instância, apresentou resposta, invocando além do mais, que a sentença recorrida do TRCS proferida em 3.9.2020, é vazia de “fundamentação”, o que determina a respectiva nulidade – nos termos do artº 374º/2 e 379º/1 a) do C.P.P, concluindo a sua resposta com a seguinte (transcrita) argumentação:
13.-“(…) De acordo com a decisão da RL (leia-se a decisão de 26.2.2020) das duas uma: ou o TCRS se declarava incompetente [em razão da matéria] ou teria que apreciar a decisão da AdC de 22/01/2019 à luz das questões colocadas pela visada.
14.-Lida a sentença constata-se que esta decidiu de mérito o recurso da arguida sobre a legalidade da decisão interlocutória da AdC proferida no dia 22/01/2019 — cfr. o dispositivo cujo teor aqui se reproduz.
Contudo, a fundamentação da sentença não visou as questões diretamente colocadas pela visada e que suportariam a decisão final de mérito do TCRS mas as relativas à competência deste Tribunal, apesar de reconhecer que esta não era a tarefa que lhe estava a ser pedida (21., p. 17) «...desmerecemos qualquer abordagem que incida sobre a violação de foro jurisdicional quando está em causa é a decisão da AdC de 22.01.2019, proferida na sequência das diligências de busca e apreensão efectuadas entre os dias e 11.12.2018 e 21.12.2018 em cumprimento de mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa». Na verdade, ao desviar-se das questões diretamente colocadas pela visada, a sentença argumentou que esta não recorria de uma decisão interlocutória mas de atos de investigação (19. e 101.), reiterou o seu entendimento sobre a diferença entre validade e execução do mandado (38. a 71.), considerou a inoportunidade do recurso por a AdC ainda não ter feito utilização da prova recolhida (72. a 100.), que a Vodafone o que visava era o despacho de autorização do MP (105. e 119., 137. e 138.), carecendo o TCRS de competência para o apreciar (112., 116. e 122.). A respeito da competência do MP aludiu às mensagens de correio eletrónico (123., 124), à limitação temporal (127. a 131.), ao âmbito material do respetivo mandado (131. a 135.).
A fundamentação da sentença culminou «136. Atente-se que, mercê da nossa posição, abstemo-nos de avançar sobre outros eventuais e/ou adjacentes fundamentos do requerimento interlocutório da visada, nomeadamente: i. âmbito subjectivo e objectivo, fundamentação e conteúdo do despacho de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público; ii. inadmissibilidade legal da busca e apreensão de correspondência eletrónica no âmbito do processo contra-ordenacional; iii. inadmissibilidade legal da busca e apreensão de correspondência eletrónica sem prévia autorização judicial; iv. irregularidade, invalidade e ilegalidade das diligências de busca e apreensão por excesso e desconformidade com o despacho de autorização do Ministério Publico, nomeadamente quanto ao respectivo âmbito temporal23 e materia124; e v. natureza da invalidade».
15.-Com eventual ressalva da limitação temporal e material, não se vislumbra relação entre a fundamentação e o dispositivo, sendo a sentença vazia de argumentação de suporte enquadrável no conceito de "fundamentação", o que determina a respetiva nulidade — arts. 374°, n° 2 e 379°, n° 1, a) do CPP.”

11- O recurso foi admitido por despacho proferido em 25.9.2020.

12- Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu em 9.11.2020 parecer no sentido de subscrever na íntegra a posição do M.P na resposta ao recurso, deduzida na 1ª instância.
Acompanhou assim a invocação feita na 1ª instância, da nulidade decorrente do artº 374º/2 e artº 379º/1 a) do C.P.P, por também entender que na sentença recorrida do TCRS inexiste relação entre a fundamentação e o dispositivo final.

13- Após ter sido inicialmente distribuído o recurso interposto pela Vodafone, à Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão na Relação de Lisboa, seguiu-se um incidente de conflito negativo de competência entre essa secção e a 3ª secção criminal da Relação de Lisboa, o qual acabaria por ser decidido pela Srª Presidente da Relação de Lisboa, no sentido da atribuição de competência à 3ª secção criminal da Relação de Lisboa.  

14-Na 3ª secção criminal da Relação de Lisboa, foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P por despacho datado de 28.10.2021 e nenhuma resposta foi proferida.

15-Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II–Fundamentação de Facto

1.–Questões a decidir

Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
As questões suscitadas pela recorrente Vodafone, segundo as conclusões da sua motivação, são as seguintes:
1)-Nulidade da sentença proferida em 3.9.2020 por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
2)-A declaração do TCRS acerca da falta de efeito útil do recurso de impugnação judicial da Vodafone, que teve por objecto a decisão interlocutória da AdC de 22.1.2019, porquanto as diligências de busca e apreensão já haviam terminado aquando do proferimento daquela decisão de 22.1.2019;
3)-A violação por parte da AdC, dos limites temporal e material do mandado do M.P de 10.2.2018;
4)-A violação do segredo profissional;
5)-O bloqueio ilegal do acesso ao sistema informático da Vodafone, imposto pela AdC aquando das buscas.

2.–A decisão recorrida
Procede-se de seguida à transcrição parcial do texto da sentença recorrida, na parte aqui considerada relevante:
(…)

II.– MATÉRIA DE FACTO1.
12.-Da instrução e discussão da causa, com interesse para a decisão, resultou provada, por admissão expressa da visada/recorrente, por falta de impugnação dos documentos e peças processuais constantes do apenso A2 e do apenso C3, juntas pela AdC, e quanto ao seu alcance probatório, e por corroboração da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, a seguinte factualidade relativa à tramitação administrativa do processo de contra-ordenação e diligências processuais, nomeadamente quanto à emissão do mandado e efectivação da diligência de busca e apreensão:
A.–A AdC instaurou processo de contra-ordenação, sob a referência interna PRC/2018/05, por práticas restritivas da concorrência, em que é visada a sociedade VODAFONE PORTUGAL-COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A..
B.–No âmbito do processo de contra-ordenação PRC/2018/05, a visada/recorrente foi alvo de diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizada entre os dias 11 de Dezembro e 21 de Dezembro de 2018, em cumprimento do mandado emitido pela Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP – Juízo de Turno), datado de 10 de Dezembro de 2018 e respectivo despacho de fundamentação para apreender documentos e informações que revelem a existência directa ou indirecta de práticas restritivas da concorrência.
1 Por adequação processual e por atenção ao objecto processual, a produção de prova para o Apenso A e C foi concentrada na mesma diligência, com aproveitamento para ambos os apensos – cfr. acta de 08-05-2019.
2 Auto de apreensão de dia 21.12.2018, de fls. 130 a 136 (doc. 2); requerimento de 11.12.2018 apresentado pela visada junto da AdC, de fls. 138 a 142 (doc. 3); requerimento de 13.12.2018 apresentado pela visada junto da AdC, de fls. 144 a 156 (doc. 4); Decisão da AdC de 22.01.2019 que inferiu os requerimentos de 11.12.2018 e de 13.12.2018, de fls. 158 a 173 (doc. 5); requerimento de 11.11.2018 apresentado pela visada junto do Ministério Público do DIAP de Lisboa de fls. 175 a 179 (doc. 6); notificação do proc. 28999/18.3T8LSB a correr termos no Juízo de Instrução criminal de Lisboa – Juiz 5 de fls. 181 a 186 (doc. 7); credencias dos funcionários da AdC que participaram nas diligências de busca e apreensão, de fls. 188 a 192 (doc. 8), auto de notificação de fls. 194 a 196; autos de suspensão e de continuação de fls. 197 a 232 (doc. 9).
3 Mandado emitido pela Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP – Juízo de Turno), datado de 10 de Dezembro de 2018, de fls. 211, e respectivo despacho de fundamentação de fls. 212 a 214 (doc. 1); credencias dos funcionários da Adc que participaram nas diligências de busca e apreensão, de fls. 216 a 220 (doc. 2); auto de notificação de fls. 222 a 224, autos de suspensão e de continuação de fls. 225 a 260 (doc. 3); Auto de apreensão de dia 21.12.2018, de fls. 262 a 268 (doc. 4); requerimento de 11.12.2018 apresentado pela visada junto da AdC, de fls. 270 a 274 (doc. 5); requerimento de 13.12.2018 apresentado pela visada junto da AdC, de fls. 276 a 288 (doc. 6); Decisão da AdC de 22.01.2019 que inferiu os requerimentos de 11.12.2018 e de 13.12.2018, de fls. 290 a 304 (doc. 7); requerimento de 21.12.2018 apresentado pela visada junto da AdC, de fls. 306 a 354 (doc. 8).

C.–Pode ler-se no despacho do Ministério Público que:
“ (...) no decurso de diligências efetuadas no âmbito do [processo PRC/2018/5] vieram a ser conhecidas mensagens de correio eletrónico trocadas por uma das empresas visadas com a respetiva agência de comunicação e mensagens de correio eletrónico trocadas entre agencias de comunicação, citando contactos entre estas últimas a respeito de um «acordo de cavalheiros» celebrado entre várias operadoras de telecomunicações. O conteúdo das referidas mensagens sugere que o aludido acordo visará, pelo menos, garantir que o potencial cliente que pesquisa online as ofertas de determinada operadora não tem acesso a informação das operadoras concorrentes”.
(...) tendo em vista a aquisição e recolha de melhores elementos de prova – atenta a complexidade dos factos em apreço, os recursos tecnológicos e financeiros das partes envolvidas e a especial dificuldade de obtenção de prova no sector das comunicações –, importa proceder à realização de buscas na sede e instalações das empresas identificadas [nomeadamente a Vodafone], para exame e recolha de cópias ou extratos da escrita e demais documentação, bem como a eventual apreensão de objetos”.

D.–O mandado emitido pela Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP – Juízo de Turno), datado de 10 de Dezembro de 2018 “autoriza e ordena que, com observância das formalidades legais e nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1, alínea c), 2, 3, 4, alíneas a) e b), 20.º, nº 1, e 21.º, da Lei nº 19/2012, de 8 de maio (...) [fosse] efetuada BUSCA [À SEDE DA VODAFONE], para exame, recolha e apreensão de cópias ou extratos da escrita e demais documentação, designadamente mensagens de correio eletrónico trocadas entre as referidas operadoras de telecomunicações e entre estas e as respectivas agências de comunicação, bem como destas últimas entre si, de documentos internos de reporte de informação entre níveis hierárquicos distintos e de preparação de decisões a nível da politica comercial de marketing digital das operadoras de telecomunicações, quer se encontrem ou não em lugar reservado ou não livremente acessível ao publico, incluindo em quaisquer suportes informáticos ou computadores, que estejam direta ou indiretamente relacionados com práticas restritivas da concorrência, e exame e cópia da informação que contiverem” (...)”.

E.–A diligência em causa foi cumprida por funcionários da AdC devidamente credenciados para o efeito, tendo a visada disponibilizado à AdC, no dia 12.12.2018, uma lista contendo a identificação dos seus advogados internos e externos, actualizada nos dias 13.12.2018 e 17.12.2018 e consolidada no dia 20.12.2018.
F.–No dia 11.12.2018, os mandatários da visada apresentaram um requerimento dirigido à presidente da AdC e ao Ministério Público, invocando a ilegalidade das ordens dadas pela AdC, nesse dia, de bloqueio das contas de correio eletrónico de MV..., ES..., PC..., JN..., MR... e HF... .
G.–As diligências de busca e apreensão continuaram no dia 12.12.2018, tendo sido nesse dia lavrado auto de suspensão de diligência de busca e apreensão do qual constava que “[ os mandatários legais da Vodafone] irão apresentar um requerimento junto da Sra. Presidente da Autoridade da Concorrência e, bem assim, junto da Magistrada do Ministério Público que emitiu o mandado de busca, invocando invalidades relativas ao bloqueio da conta da funcionária DB..., relativas à violação do sigilo profissional e relativas à violação do âmbito do objeto do mandado, o que se fará apenas após o términus da diligência por ser necessário recolher informação relevante respeitante à atividade de pesquisa que decorre no dia de hoje”, tendo esse requerimento sido entregue à AdC no dia 13.12.2018.
H.–As diligências de busca e apreensão continuaram até dia 20.12.2018 tendo, em cada um dos dias, sido lavrado auto de suspensão de diligência de busca e apreensão, nos quais consignaram os mandatários da Vodafone que foram violados o segredo profissional e o âmbito do mandado, temporal e material.
I.–No dia 21.12.2018 a diligência de busca terminou, tendo sido lavrado auto de apreensão e tendo a Vodafone apresentado um requerimento arguindo invalidades e irregularidades verificadas no decurso da diligência, bem como apresentado junto do Ministério Público e do Tribunal de Instrução Criminal requerimentos de idêntico conteúdo, arguindo as mesmas invalidades e irregularidades.
J.–No final da diligência foi entregue à Vodafone cópia dos ficheiros informáticos apreendidos.
K.–Mercê da indisponibilidade de acesso ao conteúdo da caixa de correio eletrónico do colaborador-alvo NG..., protegido por username e password, a Vodafone comprometeu-se a entregar à Autoridade, até ao dia 28.12.2018, em formato eletrónico e com o conteúdo desencriptado, as seguintes mensagens: (i) «Comunicado Interno – Celebração de acordo de conteúdos entre a Vodafone Portugal e a NOS» (caixa de entrada); (ii) «Novo método de angariação de Leads Vodafone» (caixa de entrada); (iii) «RE_Preparação reunião novo site – Configurador» (caixa de entrada); (iv) «Negativos para adicionar” (Itens Enviados); (v) «RE_Follow up de reunião Vodafone_MindSEO» (Itens Enviados); (vi) «RE_Preparação reunião novo site – Configurador» (Itens Enviados)”.

***

L.–Durante a realização das diligências de exame e recolha, os informáticos da visada efectuaram cópias dos discos rígidos dos computadores dos colaboradores da visada considerados relevantes, no total de 17 colaboradores, efectuando, posteriormente, cópia dos mesmos para o disco externo da AdC.
M.–No decurso da diligência, por se encontrarem fora das instalações da visada, o acesso às seguintes contas de correio eletrónico estive bloqueado pelo período de tempo a seguir indicado: (i) no caso de MV..., entre as 12h45 do dia 11.12.2018 e as 11h25 do dia 12.12.2018; (ii) no caso de ES..., entre as 12h48 do dia 11.12.2018 e as 11h30 do dia 12.12.2018; (iii) no caso de PC..., entre as 12h51 do dia 11.12.2018 e as 12h47 do dia 12.12.2018; (iv) no caso de JN..., entre as 12h59 do dia 11.12.2018 e as 11h39 do dia 12.12.2018.
N.–Os referidos administradores encontravam-se fora das instalações da visada, tendo os respetivos computadores sido disponibilizados para efeitos de diligência apenas no dia 12.12.2018, pelas 09h45 (no caso de MV..., ES... e JN...) e pelas 12h28 (no caso de PC...).
O.No decurso da diligência, mercê da entrega do computador ao final do horário de expediente no dia 12.12.2018 pela própria colaboradora, o acesso à conta de correio eletrónico da colaboradora DB... estive bloqueado até à manhã do dia 13.12.2018.
P.–À excepção dos colaboradores MV..., ES..., PC... e JN..., o acesso dos demais colaboradores-alvo às respectivas contas de correio electrónico foi bloqueado pelo tempo necessário para efectuar a cópia dos respectivos arquivos locais de correio electrónico.
Q.–No decurso das diligências, os funcionários da AdC devidamente credenciados procederam à execução do mandado no local, realizando nomeadamente acções de pesquisa e análise de documentos potencialmente relevantes para a investigação, contidos nas cópias obtidas dos discos rígidos dos computadores dos colaboradores da visada considerados relevantes, mediante a utilização de um programa informático e através de elementos de pesquisa temporais, temáticos e nominais dos colaboradores da visada, que não excluíram mensagens de correio electrónico aberto e/ou lido ou mensagens remetidas, destinadas ou em conhecimento de advogados constantes das listas apresentadas pela Vodafone.
R.–Mercê das operações de pesquisa, as listas de resultados eram consultadas pelos funcionários da AdC, aferindo do seu teor e relevância para o objecto do mandado e por recurso, quando necessário, à leitura parcial ou integral do seu conteúdo, sem qualquer limitação temporal por referência ao ano de 2015.
S.–Em nenhum momento das diligências de exame e recolha, os funcionários da AdC procederam a diligências de pesquisa e visualização das contas de correio dos advogados indicados pela visada.
T.–No final das operações de pesquisa, exame e recolha que procederam à selecção das mensagens potencialmente relevantes, e previamente à apreensão de documentos, a AdC fez correr um filtro que automaticamente excluía correio electrónico não lido ou por abrir, ou que fosse remetido ou destinado aos endereços electrónicos dos advogados indicados pela visada.

U.–Após a realização das diligências de exame e recolha de informação relevante para a investigação, foi determinada a apreensão de um conjunto de documentos em 21 de Dezembro de 2018, nomeadamente:
i.- FW: Vodafone-Google Asense, de 23.04.2007, 20:12, enviado por DC...;
ii.-Apresentação Google, de 16.06.2011, 11:17, enviado por CE...;
iii.-Reunião com a equipa de comunicação, de 24.11.2011, 12:38, enviado por DM...;
iv.-FW: Materiais Gráficos Vodafone, de 18.01.2012, 18:21, enviado por PA...;
v.-RE: Materiais Gráficos Vodafone, de 20.01.2012, 13:55, enviado por AM...;
vi.-RE: Materiais Gráficos Vodafone, de 20.01.2012, 20:34, enviado por DG...;
vii.-RE: Materiais Gráficos Vodafone, de 24.01.2012, 11:49, enviado por PA...;
viii.-RE: Domínio, de 30.01.2012, 08:03, enviado por AM...;
ix.-RE: Validação da campanha Google, de 02.02.2012, 09:47, enviado por AM...;
x.-RE: contacto na Vodafone para quem gere campanhas Adwords?, de 15.06.2012, 14:50, enviado por AM...;
xi.-RE: contacto na Vodafone para quem gere campanhas Adwords?, de 15.06.2012, 15:15, enviado por AM...;
xii.- FW: Análise campanha Adwords e display Tv Net Voz, de 10.07.2012, 12:35, enviado por AM...;
xiii.-RE: Campanhas Google na keyword Vodafone, de 12.12.2012, 00:30, enviado por AM...;
xiv.-RE: Reunião Google - Tv Net Voz, de 03.07.2013, 18:58, enviado por AM...;
xv.-RE: follow up - reunião Vodafone – Google, de 01.08.2013, 21:54, enviado por AM...;
xvi.-FW: follow up - reunião Vodafone – Google, de 01.08.2013, 21:58, enviado por AM...;
xvii.-RE: follow up - reunião Vodafone – Google, de 02.08.2013, 09:39, enviado por AM...;
xviii.- RE: follow up - reunião Vodafone – Google, de 05.08.2013, 09:12, enviado por AM...;
xix.-Presença no Google, de 04.02.2014, 11:36, enviado por IC...;
xx.-RE: Sugestão, de 19.02.2014, 10:12, enviado por AM...;
xxi.-RE: Passagem da área Digital, de 03.07.2014, 13:11, enviado por DS...;
xxii.-Fwd: Account Review - Follow up, de 25.07.2014, 11:21, enviado por IV...;
xxiii.-RE: Account Review - Follow up, de 25.07.2014, 14:15, enviado por AM...;
xxiv.-RE: Account Review - Follow up, de 31.07.2014, 15:20, enviado por AM...;
xxv.-Fwd: Vodafone - L4S - Follow Up, de 15.09.2014, 22:49, enviado por IC...;
xxvi.-RE: Vodafone - L4S - Follow Up, de 15.09.2014, 23:05, enviado por AM...; e
xxvii.-RE: Google - sem anúncios nossos?, de 23.09.2014, 17:04, enviado por AM...;
xxviii.-RE: MOU Pre-Roll, de 27.09.2016, 19:23, enviado por PF...; e
xxix.-FW: Novo comparador de serviços de comunicações eletrónicas, de 22.05.2017, 10:23, enviado por HS... .

***

V.–No dia 21.12.2018, a Vodafone apresentou à AdC um requerimento arguindo as diversas invalidades verificadas no decurso das diligências, havendo igualmente apresentado junto do Ministério Público e do Tribunal de Instrução Criminal requerimentos de conteúdo semelhante.
W.–A 28.12.2018, a Vodafone apresentou junto do Ministério Público e do Tribunal de Instrução Criminal novo requerimento, completando aqueles de 21.12.2018.
X.–Posteriormente, a 02.01.2019, apresentou a Vodafone, junto da AdC e dirigido a este Tribunal, um recurso no qual arguiu as invalidades que já arguira perante a AdC, o Ministério Público e o Tribunal de Instrução Criminal.
Y.–A 22.01.2019 foi proferida decisão pela AdC, nos termos da qual foram indeferidos os requerimentos apresentados nos dias 11.12.2018 e 13.12.2018.

III.–ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

13.-O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (cfr. art.° 608.°, n.° 2, do novo Código de Processo Civil, aqui aplicável “ex vi” arts.° 4.º, do CPP; 41.º, n.º 1, do referido R.G.CO. e 83.º do NRJC). A significar que, sendo várias as questões suscitadas, deverão as mesmas ser conhecidas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
14.-Impõe o presente recurso de impugnação judicial que se aprecie a seguinte
questão:
- A decisão de 22 de Janeiro de 2019, que indeferiu os requerimentos apresentados pela visada a 11.12.2018 e 13.12.2018, é legal e conforme aos limites de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade da diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa?
(…)

17.-O que vale por dizer que o NRJC há-de configurar lei especial que afasta a necessidade de aplicação subsidiária para o processo contra-ordenacional da concorrência, não só do art.º 55.º do R.G.CO., mas também do demais regime jurídico que enquadra aquele normativo, visto que o NRJC consagra, de modo pleno, um regime próprio, autónomo e tendencialmente auto-suficiente no que respeita aos meios de aquisição de prova, à intervenção das autoridades judiciárias, à competência instrutória da autoridade administrativa, aos meios de reacção interlocutórios e ao direito de defesa durante a fase organicamente administrativa do procedimento.
18.-Neste sentido, o artº 85º, nº 1 do NRJC4 encerra uma afirmação derrogativa da amplitude recursiva do artº 55º do R.G.CO., enquadrada por um regime processual e autónomo, o qual, entre o mais, faz depender o interesse e a legitimidade recursiva da preexistência de um acto decisório ou de uma actuação de conteúdo decisório por parte da AdC.

19.-Por consequência, a visada/recorrente, ao pretender recorrer com fundamento na invalidade, ilegalidade e irregularidade dos actos preparatórios e de execução antecedentes de uma eventual decisão de apreensão - nomeadamente i) a medida da AdC que determinou a ordem de bloqueio de acesso das contas de correio eletrónico de 4 (quatro) administradores da Vodafone, e a ii) medida da AdC que determinou que, desde o início da diligência de busca e tendo sido facultada a lista de advogados internos e externos (que foi sendo atualizada durante a busca), não fosse aplicado um filtro que tivesse impedido – como não impediu – a visualização de várias mensagens de correio eletrónico cujo conteúdo estava abrangido pelo segredo profissional – pretende fazer retroagir, contra legem, a tutela recursiva interlocutória, defraudando o art.º 85.º, n.º 1 do NRJC e no sentido em que o objecto da sua impugnação são aqueles actos executórios do mandado de busca e apreensão.
(…)

110.-No que importa, a visada/recorrente pretende que este Tribunal, num primeiro momento, volte a apreciar os fundamentos do deferimento das diligências de busca e apreensão determinadas pelo Ministério Público agora quanto à apreensão do correio electrónico e aos actos procedimentais preparativos ou de execução do mandado, delimitando a amplitude do seu objecto, ao mesmo tempo que, num segundo momento, pretende que este Tribunal se substitua à autoridade judiciária repetindo a apreciação própria da autorização ou de uma eventual instância de validação.
111.-Este entendimento apresenta-se vazio de qualquer atendibilidade ou razoabilidade adjectiva.
112.-À luz do enquadramento processual, este Tribunal não dispõe de qualquer competência material ou hierárquica para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no artº 18º, nº 1 al. c) e d) do NRJC, também quando a visada pretende aferir do modo de cumprimento do mandado pela AdC.
(…)
Neste sentido e sem maiores delongas, desmerecemos qualquer abordagem que incida sobre a violação de foro jurisdicional quando está em causa é a decisão da AdC de 22.01.2019, proferida na sequência das diligências de busca e apreensão efectuadas entre os dias e 11.12.2018 e 21.12.2018 em cumprimento de mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.
(…)

37.-Isto é, não obstante reconhecer procedência ao nosso entendimento da primeira instância quanto à questão da competência para conhecer da legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizada pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público, a Relação de Lisboa introduziu um elemento novo segundo o qual tal entendimento não valeria quando estivesse em causa a execução do mandado.
38.-Ora, com todo o merecido respeito que tal pronúncia do Tribunal superior nos merece, o critério enunciado de autonomizar validade do mandado e validade da execução do mandado para efeitos da competência material do Tribunal pode revelar-se inoperante ou obstaculizante dos fundamentos até agora procedidos por aquela mesma instância.
39.-E o argumento, para nós decisivo, é que é à autoridade judiciária competente para a emissão do mandado quem cabe controlar a respectiva execução, seja por acto próprio seja por sindicância da visada.

40.-Outra conclusão interpretativa não se pode retirar da obrigatoriedade de sujeitar as apreensões efetuadas pela Autoridade da Concorrência, não previamente autorizadas ou ordenadas, à validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas conforme se dispõe expressamente no art.º 20.º, n.º 3 do NRJC.
41.-Das duas uma, ou o mandado permite a apreensão ou, não o permitindo, obriga a AdC a sujeitar a apreensão não coberta pela autorização a validação judicial.
42.-Assim, se o Tribunal não pode controlar o que o mandado autorizou, certamente, por argumento lógico de maioria de razão, não pode controlar o que o mandado não autorizou porquanto isso deveria ser objecto de validação.
43.-A inexistir validação e a ocorrer preterição do art.º 20.º, n.º 3 do NRJC, tal omissão deve seguir o mesmo regime de arguição da ilegalidade, invalidade ou irregularidade das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizada pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público.
44.-Se existiu validação da apreensão, admitir a competência do TCRS para conhecer da legalidade, validade ou irregularidade da apreensão mais não será que um acto a non domino por invasão da competência das autoridades judiciárias competentes em matéria criminal.
45.-Se duplicarmos estas instâncias de controlo da execução do mandado estaremos, precisamente, a contrariar os argumentos expedidos naquelas sentenças do TCRS, e admitir, contra legem, que este mesmo Tribunal possa conhecer, afinal, de matéria que o NRJC atribuiu exclusivamente às autoridades judiciárias competentes em matéria criminal.
46.-Não obstante este contexto da instância jurisdicional, o fundamento primacial da impugnação da decisão interlocutória de 22.01.2019, prende-se com o entendimento da visada, nos termos do qual a apreensão de documentos na sequência de diligência de buscas e apreensões contendeu, de forma inadmissível e não justificada, com o direito de sigilo da correspondência e de sigilo profissional de advogados e com o direito de defesa neste processo.
47.-O centro nevrálgico desta posição da visada/recorrente neste recurso aquilata-se, de modo preclaro, na sua declarada pretensão em solicitar deste Tribunal a repetição do juízo que superintendeu à emissão do mandado pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.
(…)

54.-Como temos vindo a assinalar em várias decisões, os poderes de busca, exame, recolha e apreensão previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 18.º do NRJC6 traduzem-se numa “das linhas de força do novo RJC: a maior agressividade em termos de meios coactivos”, tanto nos locais onde as diligências podem ser efectuadas como em relação à documentação, independentemente da sua natureza e suporte - LOBO MOUTINHO e PEDRO DURO, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, Almedina, pág. 209.
55.-Todavia, por uma opção expressa e inequívoca do legislador, tais diligências estão sujeitas a um regime de controlo e validação de autoridade judiciária, integrando a protecção qualificada de espaços domiciliários ou equiparados (dependência fechadas, escritórios de advogados ou consultórios) e de apreensão de documentos - cfr. artigos 19º, 20.º e 21.º do NRJC - em linha com os poderes de investigação criminal.

56.-Por via da tutela e da dignidade constitucional conferida aos direitos, liberdades e garantias conexionadas com a protecção da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações, o legislador foi clarividente ao atribuir competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma às autoridades judiciárias com competência em matéria criminal para as diligências de busca e apreensão de documentos de visadas em processo contra-ordenacional e no âmbito do NRJC.
57.-Esta definição do foro de competência, por um lado, delimita o exercício dos poderes de investigação e aquisição probatória atribuídos à AdC, e, por outro, garante um nível de protecção dos direitos e interesses das visadas acrescido pela via da equiparação das diligências de busca, exame, recolha e apreensão, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 dos arts.º 18º, 19º e 20º do NRJC, às diligências de busca e apreensão do processo penal.
58.-Fora deste âmbito, à luz dos artigos 18º, nº 2; 19º, 20º e 21º do NRJC, este Tribunal não dispõe de qualquer competência material ou hierárquica própria, exclusiva e autónoma para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no artº 18º, nº 1 al. c) e d) do NRJC.
(…)
61.-Assim, este Tribunal, o qual não dispõe de qualquer competência própria, exclusiva e autónoma para deferir diligências probatórias invasivas e lesivas de direitos, liberdade e garantias, ver-se-ia instituído num poder horizontalmente paralelo do Juiz de Instrução mas hierarquicamente superior no que importasse à revisão, sindicância e aferição da sua legalidade/ilegalidade.
62.-O mesmo deve valer para o Ministério Público, atento o seu figurino constitucional, funções e estatuto, nomeadamente o Ministério Público junto do DIAP e enquanto autoridade competente para o exercício da acção penal.
(…)
109.-A visada/recorrente, notificada dos respectivos mandado e despacho de fundamentação do Ministério Público para as diligências de busca e apreensão determinadas no PRC/2018/05, pretende que este Tribunal assuma, perante aquela autoridade judiciária, uma competência de instância superior, criando, para tanto, duas instâncias paralelas que apreciem da legalidade das diligências de busca e apreensão em processo sancionatório, agora na perspectiva das medidas procedimentais de execução/preparação dessa apreensão.
110.-No que importa, a visada/recorrente pretende que este Tribunal, num primeiro momento, volte a apreciar os fundamentos do deferimento das diligências de busca e apreensão determinadas pelo Ministério Público agora quanto à apreensão do correio electrónico e aos actos procedimentais preparativos ou de execução do mandado, delimitando a amplitude do seu objecto, ao mesmo tempo que, num segundo momento, pretende que este Tribunal se substitua à autoridade judiciária repetindo a apreciação própria da autorização ou de uma eventual instância de validação. (…)
112.-À luz do enquadramento processual, este Tribunal não dispõe de qualquer competência material ou hierárquica para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no art.º 18.º, n.º 1 al. c) e d) do NRJC, também quando a visada pretende aferir do modo de cumprimento do mandado pela AdC. (…)
121.-Tanto mais assim é quando os fundamentos, argumentos e sustentação da nulidade têm que ver com a amplitude e alcance do mandado quanto à apreensão de correio electrónico e quanto às medidas procedimentais que a antecedem e, apenas na aparência, com a sua execução desconforme pela AdC.
122.-Quando a visada pretende que este Tribunal conheça da possibilidade e cobertura legal da apreensão de correio electrónico em processo contra-ordenacional (e bem assim sobre o conceito de documento para o art.º 18.º do NRJC ou sobre os limites dessa apreensão pela Lei do Cibercrime) está, na verdade, a solicitar que o TCRS se substitua à autorização do Ministério Público que consagrou essa mesma faculdade e finalidade da busca e apreensão.
123.-Foi aquela autoridade judiciária que expressamente admitiu e autorizou a busca, exame, recolha e apreensão de cópias de mensagens de correio electrónico abertas e lidas em quaisquer suportes informáticos ou computadores, que estejam directa ou indirectamente relacionados com práticas restritivas da concorrência – pontos C) e D) dos factos provados.
124.-Assim, se este Tribunal se colocasse na posição de reapreciar essa possibilidade legal, a consequência seria a de controlar, contra legem e em ab-rogação do art.º 21.º do NRJC, a actuação do Ministério Público da Comarca de Lisboa quando decidiu mediante uma competência própria, exclusiva e autónoma.
(…)

136.-Atente-se que, mercê da nossa posição, abstemo-nos de avançar sobre outros eventuais e/ou adjacentes fundamentos do requerimento interlocutório da visada, nomeadamente: i. âmbito subjectivo e objectivo, fundamentação e conteúdo do despacho de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público; ii. inadmissibilidade legal da busca e apreensão de correspondência eletrónica no âmbito do processo contra-ordenacional; iii. inadmissibilidade legal da busca e apreensão de correspondência eletrónica sem prévia autorização judicial; iv. irregularidade, invalidade e ilegalidade das diligências de busca e apreensão por excesso e desconformidade com o despacho de autorização do Ministério Publico, nomeadamente quanto ao respectivo âmbito temporal23 e material24; e v. natureza da invalidade. (…)
139.-Pela decisão de 22.01.2019, a AdC, ao defender a validade, legalidade e regularidade das diligências de busca e apreensão, não se arrogou a poderes mais invasivos de direitos, liberdades e garantias do que aqueles que dispõem o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal em processo penal, nem levou a cabo medidas de exame e/ou visualização sem o devido suporte de autorização, pois que esses poderes e medidas foram exercidas no âmbito de um mandado emitido por autoridade judiciária, que não a Adc.
140.-Em conclusão, a decisão interlocutória de 21 de Dezembro de 2018, no segmento em que determinou a apreensão de documentos, por estar a coberto de mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público e ao abrigo dos artigos 18.º, n.º 1, als. c) e d) e n.º 2 e 21.º do NRJC, foi legal e conforme ao regime processual.
141.-Impõe-se, por tudo o que vai dito, a consequente improcedência da declaração de nulidade da decisão proferida pela AdC em 22 de Janeiro de 2019.

***

IV.–DECISÃO.
142.-Pelo exposto, nos termos dos fundamentos e normas legais citadas, decido julgar totalmente improcedente o presente recurso de impugnação de medidas administrativas, interposto pela visada/recorrente VODAFONE PORTUGAL-COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., improcedendo os respectivos fundamentos e absolvendo a AdC do pedido de declaração de invalidade e nulidade da decisão proferida em 22 de Janeiro de 2019 no âmbito do PRC/2018/05.
143.-Mais se condena a visada/recorrente em custas processuais, em função do decaimento e complexidade das questões suscitadas, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, nos termos do art.º 93.º, n.º 3 e 4 do R.G.CO. e art.º 8.º, n.º 7 e anexo III, do Regulamento das Custas Processuais, por remissão sucessiva do art.º 83.º do NRJC.
144.-Notifique e deposite.
(…).

3.–ANALISANDO

Já vimos que o objecto do presente recurso, incide sobre a decisão da AdC de 22 de Janeiro de 2019, que indeferiu os requerimentos apresentados em 11.12.2018 e 13.12.2018 pela visada Vodafone.
Isto é, procura-se saber se a mesma é legal e conforme aos limites de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade da diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC, em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.

1)-Da nulidade da sentença recorrida de 3.9.2020, por contradição insanável entre a fundamentação e decisão final

Veio a recorrente Vodafone alegar em síntese, que o Tribunal a quo:
“(…)  incorreu em erro de julgamento e a sentença recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 84º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 19/2012, de 8 de maio ("LdC"), em conjugação com o disposto no artigo 112º, n.º 1, al. a), da Lei nº  62/2013, de 26 de agosto ("LOSJ"), porquanto, em divergência com a jurisprudência constante do Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal a quo considerou não ter competência para sindicar a validade das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC, em execução do Mandado de Busca e Apreensão emitido pelo MP.
A sentença Recorrida incorreu em erro de julgamento e é ininteligível, por obscuridade e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, sendo nula, por omissão dos motivos de direito que fundamentam a decisão, em termos apreensíveis e consequentes com o sentido da decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. a), em conjugação com o artigo 374º, nº 2, ambos do CPP, porquanto o Tribunal a quo — rejeitando a jurisprudência constante do Tribunal da Relação de Lisboa — considera não dispor de competência para conhecer o objeto, amplitude e alcance do Mandado do MP e, em consequência, para conhecer a validade da execução do Mandado pela AdC, concluindo, afinal, quanto ao mérito do recurso, pela legalidade das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC, por entender que as mesmas foram realizadas a coberto do Mandado do MP.
         
Quer o M.P na 1ª instância no âmbito da sua resposta ao recurso, quer o Sr, Procurador Geral Adjunto nesta Relação, acompanham a recorrente na invocação deste vício, que apontam à decisão recorrida.
Isto é, sustentam que sr. Juiz do TCRS fundamentou a sua sentença de 3.9.2020, com argumentação vária, visando demonstrar que não dispunha de competência para conhecer o objecto, amplitude e alcance do mandado do M.P, não podendo em consequência conhecer da validade das diligências de busca e apreensão empreendidas pela AdC, em execução desse mandado.
Mas depois em contradição com a fundamentação apresentada, acaba por decidir em 3.9.2020, pela legalidade das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC – confirmando o decidido pela AdC em 22.1.2019 - por entender que as mesmas foram realizadas a coberto do mandado do M.P – cujo objecto, amplitude e alcance afirma contudo no mesmo texto, não poder conhecer.  

Quid Juris?

Perante tudo o que acima ficou exposto, cumpre antes de mais apreciar se a sentença recorrida de 3.9.2020, padece da nulidade que lhe foi apontada pela recorrente Vodafone.
No âmbito do presente recurso, a visada Vodafone veio insurgir-se contra a decisão da AdC de 22.1.2019, que havia indeferido os seus requerimentos de 11 e 13.12 de 2018 no âmbito do PRC/2018/05, nos quais haviam sido arguidas diversas nulidades e ilegalidades referentes à execução do mandado de busca e apreensão emitido pelo M.P em 10.2.2018 - nomeadamente invocaram a invalidade dessa decisão da AdC, no que respeita à apreciação da actuação dessa entidade, que na execução daquele mandado segundo a Vodafone, nitidamente violara o âmbitos temporal e material do mandado do M.P, o segredo profissional e procedera ainda ao bloqueio ilegal de acesso ao sistema informático da visada.
E nestes termos, a Vodafone terminou o seu recurso para a Relação, sublinhando que ao não declarar, no mínimo, a irregularidade das diligências de busca e apreensão, e consequente inutilização da prova apreendida, por bloqueio ilegal de acesso a contas de correio electrónico, o Tribunal a quo (isto é, Tribunal TCRS que apreciou o recurso de impugnação judicial interposto da referida decisão da AdC) violou os artigos 13º, nº 1 e 18º, nºs 1, alínea d) e 2 da LdC, 174º2, nº2s 2 e 3, 118º, n° 2, 123º, n° 1 e 126º, nº 1 e 3 do CPP, e 41º, n° 1 do RGCO, devendo a sentença de 3.9.2020 ser substituída por outra decisão que declare a invalidade e a inadmissibilidade de utilização da prova apreendida nos presentes autos.
Para melhor compreensão da questão ora em análise, importa rever em resumo, o histórico destes autos:
Tal como já foi referido supra no relatório, resulta dos factos provados, que entre os dias 11/12/2018 e 21/12/2018, com suporte nos mandados emitidos pelo MP junto do DIAP de Lisboa no dia 10/01/2018, a AdC procedeu a diligências de busca, exame, recolha e apreensão na sede da recorrente no âmbito do dito PCR 2018/05.
A Vodafone havia reagido contra tais diligências de busca e no decurso das mesmas, havia requerido à AdC, no dia 11/12/2018 mediante a apresentação do requerimento de fls 271 a 274, o levantamento do bloqueio das contas de acesso ao sistema informático dos membros da comissão executiva da Vodafone (Doc. 5).

Este requerimento teve quatro fundamentos:
i)-o mandado do MP não permitia o bloqueio a acesso de dados informáticos ao abrigo do artº 16º, nº 7, c) da Lei 109/2009, de 15/09 (Lei do cibercrime);
ii)-do mandado do MP não resultava a indicação de suspeita sobre a actuação individual dos membros da comissão executiva da visada;
iii)-o mandado permitia o acesso aos sistemas informáticos e não o bloqueio do acesso aos dados;
iv)-ao não indicar a norma do artº 18º, nº 1, d) da LC, o mandado não permitia à AdC a selagem dos dispositivos informáticos.
No dia 13/12/2018 a recorrente Vodafone requereu à AdC, mediante a apresentação do requerimento de fls 276 a 288, que tomasse posição sobre três pretensões (bloqueio e selagem dos computadores dos colaboradores da visada; visualização de correio electrónico dirigido ou com CC a advogados com violação do sigilo profissional; limite temporal e material do mandado do MP), de modo a adequar o comportamento dos Srs. Inspectores da AdC à lei e ao mandado do MP, sob pena de invalidade da prova recolhida, sem prejuízo de outras invalidades a ser suscitadas oportunamente.
E no dia 22/01/2019 a AdC indeferiu o requerido na totalidade, como documentado a fls 290 a 304.

Para tanto considerou:
- a falta de efeito útil da decisão a tomar, face à finalidade dos dois requerimentos apresentados pela visada a 11/12/2019 e a 13/12/2019 – cfr. os pontos 13. a 25, em particular o 18. da decisão interlocutória da AdC;
- a validade do bloqueio de acesso ao sistema informático por parte de certos colaboradores da visada – cfr. os pontos 26. a 66, da decisão da AdC;
- a não violação do segredo profissional de advogado – cfr. os pontos 67. a 99. da decisão da AdC;
- o respeito pelo âmbito temporal e material do mandado do MP – cfr. os pontos 100. a 123. da decisão da AdC;
Neste termos, este Tribunal ad quem pode constatar que as razões pelas quais a Vodafone se insurgiu contra a actuação da AdC no âmbito da sua actuação, na execução da diligência de busca e apreensão que teve lugar entre 11 de Dezembro e 21.12.2018, constituem o cerne da sua oposição à decisão tomada pela AdC em 22.1.2019.
E que essa oposição assumiu primeiro a forma de impugnação judicial, deduzida nos termos legais perante o Tribunal a quo (TCRS), e depois insatisfeita com a decisão do Tribunal da 1ª instância, a oposição perante a Relação de Lisboa, foi lograda através da interposição do presente recurso.
Impunha-se por isso, que o TRCS, no caso de assumir que tinha competência para aferir da validade e eficácia da actuação da AdC na execução do mandado de busca do M.P de 10.2.2018, conhecesse da actuação dessa entidade administrativa e decidisse de mérito, julgando procedente ou improcedente o pedido da Vodafone de declaração da invalidade da decisão da AdC de 22.1.2019 (sendo o objecto desta última decisão como já vimos, uma apreciação de mérito sobre as irregularidades e ilegalidades invocadas pela Vodafone quanto à sua própria actuação, na execução do mandado do M.P).
Ou no caso de entender não possuir competência para tal, decidisse nesse sentido e fundamentadamente emitisse uma decisão final, onde declarasse essa sua incompetência, nos exactos termos já determinados pelo Tribunal da Relação em 26.2.2020.
Sucede porém que não foi isso que aconteceu no caso presente, com a prolação da sentença agora em análise.
Na realidade, convém não esquecer que desde o início, a Vodafone se insurgiu contra a referida diligência de busca e apreensão, nos termos em que a mesma foi executada pela AdC.
Como se mencionou supra, inicialmente manifestou tal oposição, através dos requerimentos formulados em 11 e 13 de Dezembro de 2018 e dirigidos à AdC e subsequentemente colocada perante o indeferimento da sua pretensão (veiculado por meio da decisão da AdC de 22.1.2019), a sua oposição manifestou-se através do recurso de impugnação judicial dessa decisão da AdC, formulado junto do TRCS onde veio expressamente pedir a declaração da invalidade e nulidade da decisão proferida por aquela entidade administrativa em 22.1.2019
O TRCS já se pronunciara quanto a esse pedido, decidindo de mérito na sentença de 28.5.2019 e julgando improcedente o recurso da Vodafone por considerar improcedentes os respectivos fundamentos (que apreciou), concluindo assim pela absolvição da AdC do pedido formulado pela Vodafone de declaração de invalidade e nulidade da decisão proferida em 22.1.2019 – não obstante nessa mesma sentença, ter começado por defender a sua incompetência para conhecer da legalidade, validade ou irregularidade da apreensão dos documentos, em resultado da busca ordenada pelo M.P. 
Contudo, essa sentença do TRCS de 28.5.2019, viria a ser anulada em sede de recurso interposto para a Relação de Lisboa, como já acima se disse, tendo ficado decidido por Acórdão da Relação de 26.2.2020, que se impunha que o TRCS elaborasse uma nova sentença, por padecer a sentença recorrida de 28.5.2019 de nulidade, em virtude de contradição insanável nos termos do artº 123º/2 do C.P.P, a qual deverá ser substituída por outra em que:
i) ou o TCRS se declara incompetente e se abstém de conhecer do mérito da impugnação judicial da decisão da AdC;
ii) ou o TCRS, se considerar que deve pronunciar-se sobre as questões suscitadas pela Vodafone, na impugnação judicial da mesma decisão da AdC, tem de declarar-se competente para aferir da validade e eficácia da actuação da AdC, na execução do mandado de busca determinada pelo M.P.
Nestes termos, na sequência desse Acórdão da Relação de Lisboa, uma vez proferida nova sentença em 3.9.2020 pelo TRCS, verificamos que o vício anteriormente apontado pela Relação à sentença de 28.5.2019, não foi sanado nos melhores termos.
Com efeito, desta feita, na nova sentença, o Tribunal a quo no dispositivo final, veio decidir de mérito e concluir pela absolvição da AdC, do pedido formulado pela Vodafone de declaração de invalidade e nulidade da decisão proferida em 22.1.2019 por aquela entidade administrativa – não obstante centrar a fundamentação da sentença, na exposição das razões pelas quais defende não ser competente para conhecer da legalidade, validade ou irregularidade da diligência de busca e apreensão dos documentos, levada a cabo pela AdC, em resultado do mandado emitido pelo M.P. 
Ou seja, o Tribunal a quo decidiu de mérito, não obstante resultar da simples leitura da fundamentação da sentença recorrida, que o Sr. Juiz do TCRS veio aí defender, ser obrigado por falta de competência, a abster-se de apreciar e decidir as várias questões colocadas pela Vodafone no âmbito do seu recurso e nomeadamente apreciar da validade e eficácia da actuação da AdC, na execução do mandado de busca determinada pelo M.P.
Não obstante essa flagrante contradição, que nos afigura ser óbvia, entendemos que a mesma não configura o vício apontado pela recorrente, previsto no artº 379º/1/a) e artº 374º/2 do C.P.P, disposições essas aplicáveis à sentença recorrida, por força da dupla remissão decorrente disposto nos artigos 83º da LC e 41º, nº 1 do RGCO.
Na verdade, recordemos que a sentença é, por regra, o acto final do processo que obedece a uma rigorosa estrutura racional, cujas patologias estão definidas de uma forma inequívoca na lei processual.
E a sentença que não obedeça aos requisitos estabelecidos na lei processual é nula, segundo o disposto no artºs 379º do CPPenal.
Determina o artº 379º do CPPenal nº 1, nas suas várias alíneas, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artº 374º, que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º, e quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Nos termos do nº 2 do artº 379º do C.P.P, estas nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao Tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º.
E dispõe por sua vez o artº 374º/2 do C.P.P o seguinte: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Por último, preceitua o nº 4 do artº 425º do CPPenal, que o disposto no artº 379º C.P.P é aplicável aos Acórdãos proferidos em recurso.

Vejamos.

O que sucede nos presentes autos pode resumir-se aos seguintes factos:
- No âmbito do processo de contra-ordenação que corre termos na AdC sob a referência interna PRC/2018/05, a Vodafone foi alvo de uma diligência de busca, exame, recolha e apreensão realizada por esta Autoridade entre os dias 11 de Dezembro e 21 de Dezembro de 2018, em cumprimento do mandado emitido pela Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP – Juízo de Turno), datado de 10 de Dezembro de 2018 e respectivo despacho de fundamentação.
- No decurso da diligência, os funcionários da AdC devidamente credenciados procederam à execução do mandado no local, realizando nomeadamente acções de pesquisa e análise de documentos potencialmente relevantes para a investigação, incluindo mensagens de correio electrónico aberto e lido, como expressamente previsto no mandado.
- Durante a realização das diligências de exame e recolha de informação relevante para a investigação, foi determinada a apreensão de um conjunto de documentos em 21 de Dezembro, conforme Auto de Apreensão cuja cópia se encontra junta aos autos.
- Reagindo contra tais diligências a Vodafone veio por meio de requerimentos no dia 11/12/2018 e 13.12.2018 requerer à AdC que tomasse determinadas providências, de modo a adequar o comportamento dos Srs. Inspectores à lei e ao mandado do MP, sob pena de invalidade da prova recolhida, sem prejuízo de outras invalidades a ser suscitadas oportunamente.
- A AdC em 22/01/2019 a AdC indeferiu o requerido na totalidade, como documentado a fls 290 a 304, pelos fundamentos já acima reproduzidos e dessa decisão veio a Vodafone interpor recurso para o TCRS.
- O TCRS na sentença ora recorrida, veio declinar a sua competência para apreciar o recurso da visada Vodafone, por ter entendido que carecia de competência para fazer o controlo jurisdicional dos actos praticados pela entidade autora dos mandados de busca, no caso o MP de turno junto do Diap de Lisboa.
- Para tanto, argumentou o TCRS não haver lugar à distinção entre “a validade do mandado em si” e “o modo de execução deste”, uma vez que é à entidade emitente (M.P) que cabe controlar o bom cumprimento do mandado de que é autora e considerou também que a visada Vodafone não pretendeu no fundo com a sua oposição, discutir a execução do mandado mas “o despacho de autorização emitido pelo Ministério Público”
- Desta forma, com fundamento na falta de competência material própria para sindicar os actos do MP, praticados ao abrigo das normas dos artigos 18º, nº 2, 20º e 21º da LC, o TCRS na sentença de 3.9.2020, enjeitou a sua competência para apreciar o recurso da visada Vodafone.

Tudo visto, e ainda que admitindo que os actos objecto de impugnação pela visada Vodafone, são actos executados pelos técnicos da AdC, - podendo-se, por essa razão, e em abstracto, concluir-se pela efectiva competência do TCRS para se pronunciar sobre a legalidade de tais actos-, o Tribunal a quo esclareceu que o conhecimento da validade de tais actos implicaria sempre a emissão de um juízo prévio sobre a conformidade, validade e legalidade do acto praticado (a montante) pelo Ministério Público, ou seja, o mandado e respectivo despacho de fundamentação,

Melhor dizendo, para o Tribunal a quo, quando o mandado de busca e apreensão e respectivo despacho de fundamentação do M.P, autorizam expressamente a AdC a apreender mensagens de correio electrónico abertas/lidas, uma vez suscitada pela Vodafone perante o TCRS, a validade da apreensão por parte da AdC de mensagens de correio electrónico abertas/lidas, a sindicância por parte do TCRS dessa apreensão levada a cabo pela AdC, implicará sempre a emissão de um juízo de validade/invalidade da decisão (a montante) do Ministério Público que confere expressamente esta possibilidade à AdC.

E é precisamente neste sentido, que o TCRS esclareceu na sua fundamentação exarada na sentença de 3.9.2010, que não detém poderes de cognição para conhecer os termos do recurso, tal como apresentado pela recorrente Vodafone.

Por tudo acima exposto, podemos concluir então que no caso em apreço, não nos parece ser possível afirmar que a sentença recorrida é nula por ausência de fundamentação, já que essa fundamentação existe, isto é, não foi omitida.

O que sucede é que a mesma incide apenas sobre a questão da falta de competência do Tribunal a quo, para sindicar a actuação da AdC no âmbito da execução do mandado do M.P de 10.2.2018 e naturalmente tal fundamentação não é idónea para sustentar a decisão de mérito que foi proferida, constante do dispositivo final da sentença.

Na realidade, e como já acima ficou mencionado, não obstante o teor da fundamentação constante da sentença aqui em análise, ser relativa à questão da falta de competência do Tribunal a quo para conhecer e decidir de mérito as questões suscitadas pela Vodafone no seu recurso, acaba esse mesmo Tribunal, por emitir uma decisão de mérito, absolvendo a AdC do pedido formulado pela recorrente Vodafone (exprimindo-se nos mesmos exactos termos em que havia já decidido em 28.5.2019).

Resulta pois ser evidente, que tal decisão de mérito, só poderia ser proferida, caso o Tribunal a quo não tivesse negado a sua competência para conhecer do objecto, amplitude e alcance do mandado do M.P, com vista à formulação de um juízo de conformidade ou de censura à actuação da AdC (isto é, para aferir da validade e eficácia da actuação desta na execução do mandado do M.P) e tivesse efectivamente conhecido e apreciado as várias questões colocadas pela visada Vodafone, o que como já vimos não aconteceu aqui.

Tudo visto, entendemos que o vício que inquina a sentença recorrida e que resulta da simples leitura do seu texto, é o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no artº 410º/2/b) do C.P.P.

Tal como decorre da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do C. P. Penal, tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no nº 2 al b) do artº 410º do C.P.P apenas se verificará, quando analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Ora analisada a decisão recorrida e como melhor se explicará de seguida, o que se constata é que existe uma notória contradição entre a fundamentação constante do texto da sentença (no sentido de perante os factos apurados se ter concluído pela falta de competência do TRCS para conhecer do mérito do recurso) e a sua decisão final (no sentido da prolação de uma decisão de mérito, julgando improcedente o pedido da recorrente Vodafone), pelo que tal sentença padece de uma contradição insanável, subsumível à alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.

Isto é, no caso em apreço, o Tribunal a quo, por sentença proferida em 3.9.2020, acompanhando o entendimento da AdC, voltou a decidir julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Vodafone, sustentando serem improcedentes os seus fundamentos e absolvendo a AdC do pedido de declaração de invalidade e nulidade, da decisão por ela proferida em 22 de Janeiro de 2019, no âmbito do PRC/2018/05.

Mas lendo atentamente o teor desta sentença, constatamos que na sua fundamentação não consta a apreciação das questões levantadas pela recorrente Vodafone, no âmbito da impugnação judicial por ela apresentada junto do TCRS e posteriormente suscitadas em sede de recurso interposto para o Tribunal da Relação.

Ou seja, na fundamentação da sentença proferida em 3.9.2020, o TCRS veio argumentar de forma mais detalhada e minuciosa, acerca das razões pelas quais defende não ser competente para apreciar e aferir da validade e eficácia da actuação da AdC na execução do mandado de busca determinado pelo M.P.

Mas nessa sentença, como já ficou dito e aqui repetimos e sublinhamos, é claro que o Tribunal a quo não foi analisar e decidir, as questões de oposição à decisão da AdC de 22.1.2019, suscitadas pela Vodafone, precisamente por entender carecer de competência para conhecer o objecto, amplitude e alcance do mandado do M.P de 10.2.2018, e como tal defender carecer de competência para conhecer dessas questões suscitadas no recurso interlocutório da Vodafone Portugal S.A.

Contudo no dispositivo final, em vez de ser consequente com a sua posição e com a fundamentação apresentada (no sentido da falta de competência para conhecer do objecto do recurso), declarando-se incompetente para apreciar de mérito o recurso da Vodafone, o Tribunal a quo acaba por proferir uma decisão de mérito e julgar válida a decisão da AdC proferida em 22.1.2019 – por meio da qual esta entidade viera assentir na legalidade das diligências de busca e apreensão -, ignorando assim todos os argumentos invocados em sentido contrário, pela recorrente Vodafone.

Do exposto conclui-se, que para poder decidir de mérito, o TCRS estava vinculado a pronunciar-se sobre todas as questões, que foram suscitadas pela visada Vodafone no recurso que interpôs da decisão da AdC de 22/01/2019 (nomeadamente sobre a alegada violação do segredo profissional, a violação dos limites temporal e material do mandado do MP por parte da AdC) mas não o fez.

Da simples leitura da sentença recorrida, resulta assim ser flagrante existir uma nítida contradição entre a fundamentação - no sentido da sustentação da posição assumida quanto à falta de competência do Tribunal a quo - e a decisão final - no sentido de apreciação do mérito do recurso -, indeferindo o pedido da recorrente Vodafone de declaração da invalidade da decisão da AdC de 22.1.2019 e dele absolvendo a AdC.

Contradição patente também, quando o TCRS considera ainda que a decisão interlocutória da AdC de 21.12.2018, no segmento em que determinou a apreensão de documentos da Vodafone, por estar a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo M.P, é legal e conforme ao regime processual ao abrigo do artº 18º nº 1 al c) e d) e nº 2 e artº 21º do NRJC – sem que se perceba as razões dessa sua conclusão/decisão de mérito, pois que a recorrente Vodafone veio precisamente suscitar várias questões, no âmbito do seu recurso, que minam e colocam em causa esse juízo formulado quanto à legalidade e conformidade à lei processual, da actuação da AdC na execução daquele mandado. 
   
Esta contradição a que nos estamos a referir consubstancia portanto o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artº 410º/2 b) do C.P.P.

Deparamo-nos sem dúvida com este vício sempre que “(…) segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados” – cfr ficou expresso no Ac. do S.T.J de 11.5.1994, no âmbito do processo nº 045987 tendo por relator o Sr. Juiz Conselheiro Amado Gomes.

E na sequência do acima exposto, impõe-se decidir o reenvio dos autos à 1ª instância para que aí seja proferida uma nova sentença pelo TCRS, onde seja sanado o vício apontado e de forma coerente e fundamentada o Tribunal a quo se pronuncie sobre o recurso da Vodafone, emitindo uma decisão que poderá ser:
A)-No sentido da declaração de incompetência do TRSC para conhecer do mérito do recurso;
Ou
B)-Ou uma decisão de mérito, no sentido do provimento ou não provimento, do pedido da recorrente Vodafone.

Fica em consequência prejudicada, a análise por este Tribunal ad quem, das restantes questões colocadas pela recorrente Vodafone.

III.–Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
A)–Declarar que a sentença recorrida padece do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão p.p no artº 410º/2 b) do C.P.P e em consequência, determinar o reenvio dos autos à 1ª instância, a fim de aí ser proferida uma nova sentença pelo TCRS, onde seja sanado o vício apontado e de forma coerente e fundamentada o Tribunal a quo se pronuncie sobre o recurso da Vodafone, emitindo uma decisão que poderá ser:
I)- No sentido da declaração de incompetência do TCRS para conhecer do mérito do recurso da Vodafone, ou
II)- Assumindo essa competência, pronunciar-se sobre as várias questões suscitadas pela recorrente Vodafone, nos termos supra expostos.
B)–Sem custas.
C)–Notifique.   

                   

Lisboa, 24 de Novembro de 2021



Ana Paula Grandvaux Barbosa
Maria Gomes Bernardo Perquilhas