RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
FACTOS JURÍDICOS
FACTOS CONCLUSIVOS
BALDIOS
LEGITIMIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I - Não se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.
II - Para que o embargo judicial (e a ratificação do embargo extrajudicial) de obra nova) possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: execução de uma obra, trabalho ou serviço novo que se não mostre já concluído, a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra e a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo
III - Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A. E. e mulher V. M. vieram instaurar procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova contra J. C. e mulher M. F., pedindo, a final, que se ordene a ratificação do embargo extrajudicial efetuado e notificação dos Requeridos atenta a sua qualidade de donos da obra.
Para tanto e em síntese alegam que são donos do prédio identificado no artigo 1º da Petição Inicial, sendo os Requeridos donos do prédio aludido no artigo 2º do mesmo articulado, existindo entre ambos os imóveis uma parcela de terreno que, durante anos, foi utilizada por Demandantes e Demandados, quer a pé, quer por via de veículos motorizados, sendo que em meados de 2016 tal passagem teria sido obstruída pelos Demandados, facto que foi discutido, primeiro em procedimento cautelar nº 82/17.6T8BGC, no âmbito do qual foi dada razão aos Demandantes, e, de seguida, na ação principal que correu termos no Processo n.º 812/17.6T8BGC, processo esse no qual foi proferida sentença, posteriormente, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que deu razão aos Requeridos, apesar de reconhecer a existência de um logradouro comum entre ambos os prédios.
Mais alegaram os Requerentes, não obstante, que, apesar de, na ação anterior terem alegado que tal passagem constituiria caminho público ou, pelo menos, terreno onerado com servidão de passagem a favor daqueles, alegação essa que não foi aceite pelo Tribunal, na verdade, após consulta da Junta da Freguesia, apuraram que o referido terreno seria baldio, sendo aqueles compartes e tendo, portanto, direito de defender a posse do mesmo pela comunidade a quem tal terreno serve.
Referiram ainda que, por essa razão, embargaram no passado dia 04/07/2020 o muro que os Requeridos se encontram a construir no referido terreno baldio, requerendo, como tal, a ratificação judicial de tal embargo.
Citados os Requeridos vieram deduzir oposição invocando a ineptidão da Petição, bem como a ilegitimidade ativa dos Requerentes.
Mais alegaram que a ação anterior com o n.º 812/17.6T8BGC, havia considerado não terem os Demandantes qualquer direito de passagem sobre o local onde o muro se encontra a ser edificado, existindo apenas um logradouro comum a ambos os prédios de Requerentes e Requeridos que iria da rua pública até ao portão intermédio da casa dos Demandantes, sendo que, após tal portão, local onde o muro se encontra a ser erguido, o que existiria seria apenas o prédio rústico propriedade dos Demandados.
Mais alegaram que a construção não colide nem impede o uso desse espaço comum.
Finalmente, concluíram, requerendo, não só a improcedência do procedimento cautelar, como também a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.
A exceção de ineptidão da Petição Inicial foi julgada improcedente por se entender que a causa de pedir se encontrava minimamente alegada, tendo os Requerentes convidados a aperfeiçoar tal articulado, o que fizeram, tendo os Requeridos respondido.
Foi proferido ainda despacho a julgar improcedente a exceção de ilegitimidade ativa deduzida pelos Requeridos.

Realizada a audiência foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar:

“Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Julgar improcedente, por não provado, o procedimento cautelar instaurado pelos Requerentes, A. E. e V. M., absolvendo os Requeridos, J. C. e M. F., do pedido.
II. Condenar os Requerentes, A. E. e V. M., como litigantes de má-fé nos termos dos artigos 542º nº2 alínea a) e 543 do CPC, bem como 27º nº3 do RCP, em multa fixada em 10 UC.
III. Condenar os Requerentes em custas (artigo 527º nº1 do CPC)”.

Da sentença recorreram os Requerentes concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“IV. CONCLUSÕES

a) Nos presentes autos foi proferida sentença na qual se julgou improcedente, por não provado, o procedimento cautelar instaurado pelos aqui Recorrentes, A. E. e V. M., absolvendo os ali Requeridos, J. C. e M. F., do pedido.
b) Mais se decidiu, condenar os aqui Recorrentes, como litigantes de má-fé nos termos dos artigos 542º nº 2 alínea a) e 543 do CPC.
c) Acontece que, face à prova produzida o Tribunal a quo devia ter decidido em sentido diverso.

Senão vejamos:
d) Foi incorretamente provado o facto constante do ponto 22, pois encerra formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica, pelo que, à luz do entendimento jurisprudencial, devem tais factos ter-se como não escritos.
e) Com efeito, na matéria de facto provada tãõ só podem constar verdadeiros factos pelo que, verificada essa desconformidade com a lei (art. 607º, n.º 4 do CPC), os mesmos devem considerar-se não escritos, ser desconsiderados, expurgados, para efeitos da decisão a proferir nos autos.
f) A factualidade vertida nos pontos 1 a 5 não podia ter sido dada como provada com base no acordo das partes, uma vez que apenas se pode provar por documentos escritos (art. 574º, n.º 2 do CPC e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, entre outros, datado de 09-05-2006, proc. 966/06, disponível em www.dgsi.pt).
g) Também os factos 6 a 8 não podiam ter sido dados como provados porquanto não existe qualquer confissão judicial, qualquer prova de usucapião e/ou prova testemunhal que permita concluir nesse sentido.
h) Antes pelo contrário, a testemunha E. A. – que referiu estar de relações cortadas com os AA. – questionada pela Ilustre Mandatária dos AA. sobre a identidade do vendedor do terreno em causa responde “comprou à junta, mas eles venderam aquilo que não era deles” (sessão do dia 24-06-2021, intervalo 14:09:20 a 14:28:35, minutos 07:40 a 07:45).
i) Por sua vez, a testemunha H. R., que esteve ligado ao executivo autárquico e que não tem qualquer relação de proximidade nem com os AA. nem com os RR., afirmou “ao presidente de junta ouvi isto: toda a área da Feira era baldia” (sessão do dia 24-06-2021, intervalo 10:40:59 a 11:04:28, minutos 06:53 a 06:58).
j) Sendo que o Tribunal a quo podia, e devia, face a tal afirmação, ter ordenado a notificação do então presidente de junta por existirem razoes para presumir que tem conhecimento de factos importantes para a descoberta da verdade (arts. 411º e 526º todos do CPC).
k) Ainda, os factos 13, 14 e 15 não resultam nem da inspeção ao local levada a cabo no processo 812/17.6T8BGC, nem dos depoimentos das testemunhas E. A. e J. A., pelo que, não se percebe a motivação do Tribunal quanto a estes factos não podendo, por isso, ter sido dados como provados.
l) Por sua vez, os factos 9 a 12 também não podiam ter sido dados como provados com base na inspeção ao local levada a cabo no processo 812/17.6T8BGC.
m) Pois que, o art.º 421º, n.º 1 do CPC é claro ao determinar que “Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova” (o sublinhado é nosso).
n) E porque assim é, este preceito não se aplica à inspeção ao local – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-05-2005, proc. 05B691, disponível em www.dgsi.pt.
o) Nem tão pouco podiam dar-se como provados com base nos depoimentos das testemunhas E. A. e J. A., pois que, como se disse, revelaram um depoimento claramente tendencioso e a configuração de prédios não pode determinar-se, apenas e tão só, através dos depoimentos das testemunhas.
p) Sem prescindir, sempre deveriam ter sido considerados provados com interesse para causa - “Que a faixa de terreno referida em 12) integre desde tempos imemoriais o designado “Largo /Lugar ...”, baldio afeto à gestãõ da Uniãõ de Freguesias de ... e de …”;
- “Abrangendo tal baldio toda a extensãõ e área que confronta a Norte e Sul com a Rua Pública e Poente com Caminho Publico, bem como Nascente com Rua Pública”.
- “Competindo à Junta de Freguesia a gestão e distribuiçãõ das parcelas de terreno aí existentes, a sua administraçãoo e cedência para plantaçãõ, fruição, apascentamento de gado e realização de feiras semanais, publicitando aquela aos domingos no termo das missas, quer as contas, quer os arremates públicos”.
- “Tendo sido, pois, a Junta de Freguesia que, no referido local, sempre determinou a utilização das parcelas que integram o baldio, inclusivamente cedendo áreas para construçãõ, conforme sucedeu com os prédios urbanos de Autores e Réus”;
- “Sendo ainda a Junta quem, no referido local, cede, no âmbito dos seus poderes de gestãõ do referido baldio, terrenos para pastoreio ou para plantação de castanheiros”.
q) Expurgados os factos que o não são (porque conclusões ou conceitos jurídicos), desconsiderados aqueles que não estão fundamentados e os que, no entender dos recorrentes não foram provados, restam, assim, como factos que o Tribunal considerou provados e aceites, os refletidos nos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 23 e 24.
r) Tais factos consubstanciam referências documentais ao processo n.º 812/17.6T8BGC, contudo, os mesmos não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer faixa de terreno, pois que a propriedade de uma faixa de terreno não se prova por presunção registral ou sequer e muito menos matricial.
s) Isto posto, a ser bem decidida a questão, devem ser alterados, após reapreciação da prova produzida nos termos expostos, os factos provados e enumerados na decisão como 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 21, para não provados, bem como aditados os factos supra mencionados no ponto 36, como factos provados, deve ser expurgado e desconsiderado o facto 22, por não estar fundamentado, conter meras conclusões e conceitos jurídicos; por sua vez, em face dos restantes factos que se aceitam como provados, estes não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer faixa de terreno.
t) O que, tudo conjugado, teria de levar à procedência da presente ação.
u) Sem prescindir, também não se concorda com a fundamentação jurídica da sentença.
v) Com efeito, lê-se na sentença ora objeto de recurso que “Como referido no acórdão TRG de 18/12/2017 (relator: José Alberto Moreira Dias), pressuposto da procedência da providência cautelar de embargo de obra nova é que os Requerentes sejam proprietários do prédio objeto dos autos ou de qualquer outro direito real ou pessoal sobre o mesmo ou ainda possuidores do aludido imóvel e vejam tais direitos lesados ou ameaçados pelo comportamento do Requerido, traduzido este na construção ou desenvolvimento de obra, trabalho ou serviço novo.
Ora, como decorre da não comprovação (cfr. alíneas A) a E) dos factos não indiciados1) de que a faixa de terreno referida em 12) dos factos indiciados integre terreno baldio, baldio esse do qual os Requerentes sejam compartes, forçoso se torna julgar improcedente o procedimento cautelar instaurado por estes”.
w) Ora, com base em tudo quanto se disse supra o Tribunal a quo devia ter dado como provado que a faixa de terreno em causa integrava o baldio afeto à gestão da União de Freguesias de ... e de ..., pelo que verificam-se todos os pressupostos da procedência da providência cautelar de embargo de obra nova – 397º, n.º 1 do CPC.
x) Sem prescindir, caso assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se aduz, sempre deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos RR., aqui Requeridos, o que não fez, antes tendo sido indeferida!
y) Ora não pode, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo indeferir a referida exceção e, por fim, nesse mesmo processo, julgar a ação improcedente com base, precisamente, na ilegitimidade dos AA.!
z) Nem tão pouco se aceita a condenação dos aqui Recorrentes como litigantes de má-fé por terem deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, ao pretender que se ratificasse um embargo de uma obra levada a cabo num terreno que o Tribunal já havia dito integrar o prédio rústico dos RR..
aa) Ora, como aquele próprio Tribunal explana na sentença ora objeto de recurso, tal decisão não tem qualquer força de caso julgado!
bb) Tanto mais que, conforme consta do facto provado em 18, “(...) os Autores haviam instaurado procedimento cautelar de restituição provisória posse da parcela de terreno referida em 12), o que lhes havia sido deferido, decretando o Tribunal a referida providência cautelar (...)”.
cc) Assim, não pode entender-se que os Recorrentes deduziram uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, pois que até já havia sido colhida pelo Tribunal noutra sede.
dd) Uma vez mais, não pode o Tribunal a quo reportar-se a situações jurídicas anteriores apenas e tão só para descredibilizar a versão dos AA. e não ter em conta o que ali foi dito e decidido que corrobora a versão dos mesmos.
ee) Nem se diga que a participação criminal apresentada pelos aqui Recorrentes demonstra “uma vontade nítida de perturbar a paz dos Requeridos”, antes demonstrando que aqueles estão plenamente convencidos dos direitos que se arrogam, utilizando todos os meios de defesa que a lei lhes confere. Aliás, resulta do articulado – Petição Inicial apresentada nos presentes autos, pelos RR,, a descrição factual dos processos findos e pendentes – seja, P.C. Restituição Posse, Ação principal, proc. 812/17.6T(BGC, assim das respetivas Sentenças transitadas em julgado, das Queixas Crime – pendente contra a junta – assim, conforme Documentos que com a P.I. foram, pelos Requerentes juntos.
ff) Olvidando o Tribunal a Quo a factualidade vertida na P. Inicial, idem para a Documentação que pelos Requerentes foi junta –Tanto deveria bastar ao Tribunal para considerar, que não existem elementos nos autos que permitam a Condenação dos RR. como Ligantes de Má-Fé.
A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto e de convencer os destinatários sobre a sua correção.
gg) No caso sub judice, as declarações prestadas em sede de Audiência, os documentos juntos pelas partes, não suscitam quaisquer dúvidas quanto à necessidade de se impor decisão diversa da recorrida, quer quanto à matéria de facto, quer em termos de direito.
hh) Ocorreu pois, manifesta precipitação e erro notório na valoração da prova, que devia ser tida em conta e valorada de forma bem diversa, conforme as razões supra expostas e invocadas.
ii) Assim, o Tribunal a quo ao julgar a presente açãõ procedente, por provada, violou o disposto nos artigos 352º, 355º, n.º 2, 358º e 1268º, n.º 1 todos do Código Civil, bem como nos artigos 397º, n.º 1, 411º, 421, n.º 1, 526º, 542º, 574º, n.º 2, 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o art.º 7 do Código de Registo Predial.
jj) Porquanto, da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas o Tribunal a quo só́ poderia, expurgado o facto 22 porque conclusivo e conceitos de direito, dando como não provados os factos 6 a 12, mesmo aceitando-se como provados os factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 21, dando como provados os factos A. a E dos factos não indiciados, salvo melhor entendimento, concluir pela existência dos pressupostos da providência cautelar em causa.
kk) Sem prescindir, que se se entendesse dever ser produzida outra prova, ao Tribunal competiria o poder-dever de a mandar produzir- art 411 e 6, n.º 1 CPC.”
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por acórdão que julgue a providência cautelar procedente e não condene os Requerentes em litigância de má-fé.
Os Requeridos apresentaram contra-alegações pugnando pela rejeição do recurso por não se mostrar cumprido o ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil e pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
1 - Saber se deve ser rejeitado o recurso quanto à impugnação da matéria de facto;
2 - Saber se se verificam os pressupostos para decretamento da providência;
3 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos;
4 – Saber se os requerentes litigaram de má-fé.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos indiciariamente provados, tal como adquiridos em 1.ª instância:
1. Os Requerentes, A. E. e, esposa, V. M., são donos e legítimos proprietários do prédio urbano destinado a habitação e comércio composto por R/C e .. Andar, inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... e Faílde sob o artigo ….
2. Tal prédio fica situado na Rua ..., Lugar ..., União de Freguesias de ... e Faílde, possuindo o número de porta .. e uma área total de 100 m2.
3. São ainda os Requerentes donos de um terreno situado nas traseiras do prédio aludido em 1) e 2), terreno esse inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, a confrontar, segundo a respetiva certidão matricial, a Sula e a Nascente com C. R., a Norte com M. M. e a Poente com J. R., o qual passaram a utilizar como quintal da casa de habitação sita no imóvel referido em 1) e 2).
4. Por sua vez, os Requeridos, J. C. e M. F., são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua ... nº .., no Lugar ..., União de Freguesias de ... e ..., concelho de Bragança, inscrito na matriz predial urbana da mesma União de Freguesias, como possuindo a área bruta privativa de 111,8 m2 e área bruta dependente de 9,67 m2.
5. Foi no prédio referido em 4) que os Requeridos constituíram a respetiva casa de habitação, explorando, pelo menos, desde o final da década de 70 do século passado, o estabelecimento de café no R/C do referido edifício.
6. Nas traseiras do prédio identificado em 4) e 5), existe um prédio rústico igualmente situado no lugar do …, União de Freguesias de ... e ..., concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo …º, o qual, segundo a respetiva matriz predial, confronta a Norte com M. M., a Sula com A. P., a Nascente com R. D. e a Poente com A. P. com a área descrita de 400 m2.
7. Os Réus adquiriram o prédio rústico referido em 6) por compra e venda meramente verbal celebrada em 1989 com D. R., filho da respetiva anterior dona, C. R., tendo, desde a referida data, de forma ininterrupta por mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém e na convicção de exercerem o direito de propriedade sobre tal terreno procedido à respetiva lavragem.
8. Tendo, em consequência, instaurado processo de justificação notarial, o qual lhes foi deferido, tendo, nessa sede, em 15/3/2010, por decisão do Exmo. Sr. Conservador em funções na Conservatória do Registo Predial de … sido reconhecido aos mesmos a titularidade do prédio aludido em 6) e 7).
9. Quer a casa dos Autores – 1) e 2) -, quer a casa dos Réus – 4) e 5) – a que, repita-se, correspondem os números de porta, respetivamente, de 46 e 48, confrontam com a Rua Pública denominada Rua ..., existindo à frente das portas de ambas as casas um espaço de 2-3 metros de logradouro, o qual fica situado imediatamente antes do passeio da aludida rua.
10. As paredes laterais das casas dos Autores e dos Réus distam entre si numa distância de 4,40 metros de largura.
11. O espaço com a largura de 4,40 metros e comprimento de 15,20 metros que vai desde a Rua ... até ao final de um portão intermédio situado na casa dos Demandantes constitui um logradouro comum da casa dos Autores e da casa dos Réus, destinando-se a permitir aos proprietários vizinhos, Demandantes e Demandados, a abertura de portas e janelas nas paredes laterais das respetivas habitações.
12. Entre o final do aludido portão intermédio situado na casa dos Demandantes e até ao portão de tal casa situado nas traseiras do quintal da habitação dos Autores percorre-se um trajeto de 17,10 metros, o qual fica localizado, na totalidade da referida extensão, no prédio rústicos dos Réus referido em 6) a 8), constituindo parte integrante deste imóvel, o qual confronta naturalmente com o quintal dos Autores.
13. Em data incerta, mas situada em 2020, os Réus ergueram um muro no limite do prédio rústico aludido em 6) a 8).
14. Tendo os Autores, em 4/7/2020, pelas 15h35m, embargado a obra referida em 13) por entenderem que a mesma foi erguida em terreno baldio, baldio esse do qual são compartes.
15. Tal embargo foi feito na presença dos Requeridos e do empreiteiro, razão pela qual este último abandonou posteriormente os trabalhos.
16. Anteriormente, os Autores já haviam instaurado o proc. 812/17.6T8BGC que correu termos neste Juízo Local Cível (J2), processo esse no qual alegaram ser titulares de um direito de servidão de passagem sobre o prédio rústicos dos Réus aludido em 6) a 8), bem como 12), tendo os pedidos atinentes a tal servidão de passagem sido julgados improcedentes por sentença, confirmada por acórdão do Venerando Tribunal da Relação, transitada em julgado.
17. Na sentença, confirmada pelo referido acórdão proferido no proc. 812/17.6T8BGC julgou o Tribunal que o espaço aludido em 11) que vai da Rua ... até ao portão intermédio da casa dos Autores construída no prédio referido em 1) e 2) constituía um logradouro comum aos prédios urbanos de Demandantes e Demandados identificados, respetivamente, em 1) e 2), bem como em 4) e 5), sendo que a parcela de terreno aludida em 12) estaria totalmente integrada no prédio rústico dos Réus identificado em 6) a 8), inexistindo qualquer direito de passagem dos Autores sobre esta última faixa de terreno.
18. Antes da instauração do processo judicial referido em 16), os Autores haviam instaurado procedimento cautelar de restituição provisória posse da parcela de terreno referida em 12), o que lhes havia sido deferido, decretando o Tribunal a referida providência cautelar, a qual, no entanto, foi julgada caducada em 19/6/2020 por despacho em razão da decisão transitada em julgado proferida no processo principal aludido em 16) e m 17).
19. Antes ainda dos processos (principal e cautelar) referidos em 16) e 18), os Autores haviam apresentado queixa na Câmara Municipal, visando obter a declaração que a faixa de terreno referida em 12) constituiria um caminho público, não tendo, no entanto, o Município reconhecido tal facto, entendendo que não estavam comprovados os requisitos para a qualificação da referida faixa de terreno como caminho público.
20. Em função do referido em 13) e 14), já depois dos processos referidos em 16) e 17), os Autores apresentaram ainda queixa-crime contra os Réus nos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal, pretendendo ainda que este instaure ação declarativa, tendo em vista o reconhecimento de que a parcela de terreno referida em 12) constitui terreno baldio.
21. Em função do referido em 16) a 20), os Autores já alegaram em diferentes sedes que a faixa de terreno referida em 12) constitui caminho público, constitui prédio dos Réus sujeito a servidão de passagem e, agora, no âmbito deste procedimento cautelar, constitui baldio;
22. Estando cientes, aquando da instauração do presente procedimento cautelar e até por serem representados em ambos os processos pela mesma Ilustre Mandatária, que, no processo 812/17.6T8BGC, o Tribunal já havia decidido por decisão transitada em julgado que a faixa de terreno referida em 11) constitui logradouro comum sujeito à compropriedade de Autores e Réus e que, por sua vez, a faixa de terreno aludida em 12) constitui terreno sujeito a um direito de propriedade exclusivo dos Réus, direito esse não onerado por qualquer direito dos Demandantes, não obstante, tendo decidido instaurar o referido novo processo.
23. O Autor, marido, nasceu e cresceu na aldeia de ..., tendo aí casado e construído a sua casa de morada de família.
24. Sendo os Demandantes domiciliados na referida União de Freguesias de ... e ....
***
Factos indiciariamente não provados
A. Que a faixa de terreno referida em 12) integre desde tempos imemoriais o designado “Largo /Lugar ...”, baldio afeto à gestão da União de Freguesias de ... e de ...;
B. Abrangendo tal baldio toda a extensão e área que confronta a Norte e Sul com a Rua Pública e Poente com Caminho Público, bem como Nascente com Rua Pública.
C. Competindo à Junta de Freguesia a gestão e distribuição das parcelas de terreno aí existentes, a sua administração e cedência para plantação, fruição, apascentamento de gado e realização de feiras semanais, publicitando aquela aos domingos no termo das missas, quer as contas, quer os arremates públicos.
D. Tendo sido, pois, a Junta de Freguesia que, no referido local, sempre determinou a utilização das parcelas que integram o baldio, inclusivamente cedendo áreas para construção, conforme sucedeu com os prédios urbanos de Autores e Réus;
E. Sendo ainda a Junta quem, no referido local, cede, no âmbito dos seus poderes de gestão do referido baldio, terrenos para pastoreio ou para plantação de castanheiros.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

A) Do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil
Decorre do preceituado n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Dispõe este preceito (sob a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”) que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Resulta deste preceito que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
Os Requeridos nas contra-alegações que apresentaram vieram suscitar a questão de não ter sido dado cumprimento pelos Recorrentes aos ónus impostos pelo referido preceito, designadamente ao disposto na alínea b) do n.º 1, uma vez que não indicam os concretos meios de prova que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto que entendem estar mal julgados, e pugnam pela rejeição do recurso.
Vejamos se assiste razão aos Recorridos quando sustentam que o recurso deve ser rejeitado.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe obrigatoriamente a especificação dos pontos de facto incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “[O] Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Uma das questões que a este propósito se vem suscitando é relativamente ao que deve constar obrigatoriamente das conclusões de recurso; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Conforme se lê no Acórdão desta Relação de 28/06/2018 (Relator Desembargador Jorge Teixeira, disponível em www.dgsi.pt) “deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. A este propósito pode ainda ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017 (Relator Conselheiro Tomé Gomes, também disponível em www.dgsi.pt) que são condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que “postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC”.
No mesmo sentido pode ler-se no sumário do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019 (Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt) que “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.

Podemos então sintetizar dizendo que o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado quando se verificar alguma das seguintes situações:
- Ausência de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635º n.º 4, e 641º n.º 2, alínea b);
- Falta de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640º n.º 1, alínea a);
- Falta de especificação, nas conclusões ou na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
- Falta de indicação, nas conclusões ou na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Por outro lado, haverá ainda de distinguir, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se salienta ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Temos também entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade (neste sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, página 770, referindo que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”).
Ora, analisado o corpo das alegações e as conclusões do recurso conclui-se que os Recorrentes indicam os concretos pontos de facto que consideram não deviam ter sido dados como indiciariamente provados - pontos 1 a 5, 6 a 8, 9 a 12, 13, 14, 15, 21 e 22 dos factos provados – e os que pretendem sejam considerados provados e que correspondem a todos os pontos julgados não indiciados pelo tribunal a quo.
Relativamente aos pontos 1 a 5, 6 a 8, 9 a 12, 13, 14, 15 e 22 dos factos provados, e ainda que verdadeiramente os Recorrentes não procedam nas suas alegações a uma análise critica da prova produzida, indicando os meios de prova que justificam que os mesmos devam ser julgados não provados, a verdade é que invocam no essencial questões de direito que em seu entender impossibilitavam o tribunal a quo de julgar tais factos como provados da forma como o fez; considerando a especificidade dos fundamentos invocados e atendendo ao referido princípio da proporcionalidade, até porque as conclusões se apresentam delimitadoras do objeto do recurso quanto à impugnação da matéria de facto referente a estes pontos, entendemos ser de considerar minimamente cumprido o ónus que sobre os Recorrentes recaia, não sendo de rejeitar, nessa parte, o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto.
Já relativamente ao ponto 21) dos factos indiciariamente provados e aos pontos A) a E) da matéria de facto indiciariamente não provada, nada consta quer das conclusões, quer do corpo das alegações, quanto aos motivos, designadamente os meios de prova, que justificam que os mesmos devam ser julgados não provado e provados, respetivamente, pelo que, nesta parte, e conforme já referimos, deve o recurso ser rejeitado.
Assim, nada constando quanto ao ponto 21) dos factos provados e aos pontos A) a E) dos factos não provados, não se mostra cumprido o ónus quanto aos mesmos, impondo-se rejeitar o recurso nessa parte, o que não prejudica, a apreciação da parte restante.
***
B) Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 1 a 5, 6 a 8, 9 a 12, 13, 14, 15 e 22 dos factos provados
Entendem os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto relativamente aos pontos 1 a 5, 6 a 8, 9 a 12, 13, 14, 15 e 22 dos factos provados.
Vejamos se lhes assiste razão.
Impõe-se começar por referir que, com exceção do ponto 22) que interessa à questão da condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé, a qual é também objeto do presente recurso, a circunstância dos demais factos constarem ou não da factualidade indiciariamente provada é irrelevante para a pretensão dos Recorrentes.
De facto, os Recorrentes embargaram extrajudicialmente a obra levada a cabo pelos Recorridos por alegadamente o muro se encontrar a ser construído numa parcela de terreno que integra desde tempos imemoriais o designado “Largo/Lugar ...”, baldio afeto à gestão da Junta de Freguesia, invocando para o efeito a sua qualidade de compartes, a ofensa “do seu direito de posse sobre o baldio” e a sua legitimidade para defesa da posse do baldio perante atos de apropriação ou apossamento do mesmo.

Conforme decorre do já decidido, em face da rejeição do recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto constante dos pontos A) a E) dos factos indiciariamente não provados, a matéria de facto fixada em 1ª Instância mantém-se inalterada nessa parte de onde decorre que os Recorrentes não lograram demonstrar o por si alegado de que:
“A. Que a faixa de terreno referida em 12) integre desde tempos imemoriais o designado “Largo /Lugar ...”, baldio afeto à gestão da União de Freguesias de ... e de ...;
B. Abrangendo tal baldio toda a extensão e área que confronta a Norte e Sul com a Rua Pública e Poente com Caminho Público, bem como Nascente com Rua Pública.
C. Competindo à Junta de Freguesia a gestão e distribuição das parcelas de terreno aí existentes, a sua administração e cedência para plantação, fruição, apascentamento de gado e realização de feiras semanais, publicitando aquela aos domingos no termo das missas, quer as contas, quer os arremates públicos.
D. Tendo sido, pois, a Junta de Freguesia que, no referido local, sempre determinou a utilização das parcelas que integram o baldio, inclusivamente cedendo áreas para construção, conforme sucedeu com os prédios urbanos de Autores e Réus;
E. Sendo ainda a Junta quem, no referido local, cede, no âmbito dos seus poderes de gestão do referido baldio, terrenos para pastoreio ou para plantação de castanheiros”.
Estes factos, julgados não indiciados em 1ª Instância, são essenciais à procedência da pretensão dos Recorrentes e à procedência da presente providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova; não resultando indiciariamente provado que o muro se encontra a ser erguido na parcela de terreno que integra desde tempos imemoriais baldio afeto à gestão da Junta de Freguesia, de que os Recorrentes são compartes mostra-se de imediato votada ao insucesso a presente providência.
Temos, pois, de concluir que ainda que fosse alterada a decisão desta matéria de facto impugnada, nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tal nunca seria suscetível de alterar a decisão jurídica da causa relativamente improcedência, por não provado, do procedimento cautelar e consequente absolvição dos Recorridos.
Assim, apreciar a pretendida alteração à matéria de facto provada traduzir-se-ia na prática de um ato absolutamente inútil, que a lei não permite por força do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil (v. neste sentido, entre vários outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2017, Processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, Relatora Conselheira Fernanda Isabel Pereira, desta Relação de 08/02/2018, Processo n.º 96/14.8TBAMR.G1, Relatora Desembargadora Maria Amália Santos e de 22/10/2020, Processo n.º 5397/18.3T8BRG.G1, Relatora Desembargadora Maria João Matos e do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020, Processo n.º 1429/18.3T8VLG.P1, Relatora Desembargadora Rita Romeira, todos em www.dgsi.pt.).
Não se deverá, por isso, proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.
Acresce ainda dizer que, de todo o modo, nem sequer se alcança qual o interesse dos Recorrentes na reapreciação de parte dos pontos impugnados que, saliente-se, correspondem à própria matéria por si alegada. É o que ocorre desde logo com os pontos 1) a 4) onde está em causa a propriedade e posse dos Recorrentes e dos Recorridos sobre os prédios aí identificados, e com os pontos 14) e 15) onde consta terem “os Autores, em 4/7/2020, pelas 15h35m, embargado a obra referida em 13) por entenderem que a mesma foi erguida em terreno baldio, baldio esse do qual são compartes” e que o “embargo foi feita na presença dos Requeridos e do empreiteiro, razão pela qual este último abandonou posteriormente os trabalhos”, o que corresponde à matéria alegada pelos Recorrentes nos artigos 22 e 24 da petição inicial.
Não se compreende, aliás, como podem os Recorrentes peticionar a ratificação judicial do embargo que alegam ter realizado extrajudicialmente e ao mesmo tempo pretender sejam julgados não provados os pontos 14) e 15) que se reportam a esse mesmo embargo; julgar não provados tais factos significaria não terem os Recorrentes demonstrado ter realizado qualquer embargo extrajudicial justificativo da ratificação que peticionam.
Improcede, assim, e nesta parte, a pretensão dos Recorrentes.
Relativamente ao ponto 22) dos factos indiciariamente provados sustentam os Recorrentes que foi incorretamente julgado provado pois encerra formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica, pelo que, deve ter-se como não escrito, ou ser desconsiderado, pois na matéria de facto provada só podem constar verdadeiros factos.
A este propósito cumpre referir que atualmente não consta do Código de Processo Civil preceito equivalente ao anterior artigo 646º n.º 4 que considerava “não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito”.
Atualmente, prevê-se que a produção de prova em audiência tenha por objeto temas da prova e a opção recaiu em inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, decidindo-a no momento da elaboração desta (artigo 607º n.º 3), eliminando o prévio julgamento da matéria de facto.
Conforme refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, p. 248 e 249) em face “desta modificação e ainda da opção de na mesma sentença se proceder à respetiva integração jurídica, segundo o método pendular que implica a ponderação conjugada de elementos de facto e de questões de direito, parece-nos defensável uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal. (…) Por isso a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito (…).
De forma inovadora Teixeira de Sousa (em https//blogippc.blogspot.pt) defende que a chamada proibição de factos conclusivos não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil e que se o tribunal considerar provados factos que preenchem uma determinada previsão legal é irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão.
Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “fatos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de principio assimile a causa de pedir e o pedido” (v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit. p. 722, dando como exemplo a circunstância de numa ação de reivindicação onde se discute a titularidade do direito de propriedade se afirme simplesmente que “o autor é proprietário do prédio”).
De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto” (v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit. p. 721).

In casu, o ponto 22) dos factos indiciariamente provados que os Recorrentes impugnam tem a seguinte redação:
“22. Estando cientes, aquando da instauração do presente procedimento cautelar e até por serem representados em ambos os processos pela mesma Ilustre Mandatária, que, no processo 812/17.6T8BGC, o Tribunal já havia decidido por decisão transitada em julgado que a faixa de terreno referida em 11) constitui logradouro comum sujeito à compropriedade de Autores e Réus e que, por sua vez, a faixa de terreno aludida em 12) constitui terreno sujeito a um direito de propriedade exclusivo dos Réus, direito esse não onerado por qualquer direito dos Demandantes, não obstante, tendo decidido instaurar o referido novo processo”.
Como já referimos este ponto da matéria de facto releva para a matéria da litigância de má-fé, uma vez que os Recorrentes foram condenados em multa por terem litigado de má-fé.
Importa aqui lembrar que a conduta das partes só releva para a condenação por litigância de má fé se for de considerar gravemente negligente ou dolosa (cfr. artigo 542º nº 2 do Código de Processo Civil).
A matéria constante do ponto 22) reporta-se ao facto dos Recorrentes não desconhecerem, ou melhor, conhecerem, o decidido, por sentença transitada em julgado, no processo n.º 812/17.6T8BGC; não entendemos, por isso, que a sua formulação seja uma mera conclusão, que estejamos perante uma afirmação absolutamente conclusiva e insuscetível de ser considerada como facto indiciariamente provado, que deva ser desconsidera ou ter-se por excluída da matéria de facto indiciariamente provada.
Os Recorrentes acrescentam ainda na parte final das suas alegações e de forma genérica e conclusiva que o ponto 22 deve ser desconsiderado “por não estar fundamentado”.
Analisada a sentença recorrida constatamos que na motivação e de forma expressa a mesma se reporta ao ponto 22) explicitando porque deu como provada tal matéria; inexiste, por isso, qualquer falta de fundamentação.
Improcedendo também nesta parte a pretensão dos Recorrentes mantêm-se inalterada a matéria de facto tal como fixada em 1ª Instância.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

No que se refere à decisão jurídica propriamente dita, e em face da manutenção da decisão da matéria de facto, terá a mesma também que se manter, tanto mais que a alteração da decisão jurídica no sentido pretendido pelos Recorrentes, mesmo na sua perspetiva, pressupunha a alteração da decisão de facto, pelo que, não tendo procedido a sua pretensão de ver alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, terá de se manter a decisão por este proferida.
De facto, o artigo 397º do Código de Processo Civil dispõe no seu n.º 1 que aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
O n.º 2 deste preceito estatui que o interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar.
In casu os Recorrentes procederam diretamente ao embargo extrajudicialmente e requerem agora a ratificação do embargo que levaram a cabo.
O embargo de obra nova é uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias destinada a tutelar “o conteúdo material de direitos reais ou de direitos equiparados (posse ou direitos pessoais de gozo), isto é de direitos com origem obrigacional que conferem ao seu titular a possibilidade de fruir do bem, embora sem os atributos dos direitos reais de gozo” (v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit. p. 471).
Resulta assim que para que o embargo judicial (e a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova) possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: execução de uma obra, trabalho ou serviço novo que se não mostre já concluído; a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra e a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo (v. Marco Gonçalves Carvalho, Providências Cautelares, Almedina, 2015, p. 284 onde se refere ainda que Moitinho de Almeida considera como requisitos desta providência que o requerente seja titular de um direito, que se julgue ofendido no seu direito em consequência da obra, trabalho ou serviço novo e que a dita obra, trabalho ou serviço novo lhe cause ou ameace causar prejuízos).
A alegação e a prova da verificação destes requisitos competem ao requerente nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342º do Código Civil.
No caso, não se verifica desde logo o requisito atinente ao alegado direito dos Recorrentes.
Como já referimos os Recorrentes embargaram extrajudicialmente a obra levada a cabo pelos Recorridos por alegadamente o muro se encontrar a ser construído numa parcela de terreno integrante desde tempos imemoriais o designado “Largo/Lugar ...”, baldio afeto à gestão da Junta de Freguesia, invocando para o efeito a sua qualidade de compartes, a ofensa “do seu direito de posse sobre o baldio” e a sua legitimidade para defesa da posse do baldio perante atos de apropriação ou apossamento do mesmo.
Conforme decorre da matéria de facto indiciariamente provada (e ainda dos factos indiciariamente não provados) os Recorrentes não lograram demonstrar que a parcela de terreno onde se encontra a ser erguido o muro pelos Recorridos integre o referido baldio do qual aqueles sejam compartes inexistindo, por isso, ofensa do direito dos Recorrentes.
Sustentam ainda os Recorrentes, para o caso de se entender não se verificarem os requisitos necessários ao decretamento da providência, que o tribunal a quo devia ter julgado procedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos Recorridos, o que não fez; mais alegam que não podia o tribunal a quo indeferir a referida exceção e, por fim, no mesmo processo, julgar a ação improcedente com base precisamente a ilegitimidade dos Recorrentes.
Para além da estranheza de pretenderem agora os Recorrentes assistir razão aos Recorridos quando invocaram a ilegitimidade ativa, cumpre salientar a sua confusão evidente entre a legitimidade das partes, pressuposto processual, e a verificação dos referidos requisitos necessários ao decretamento da providência, questão que se prende já com o mérito da causa.
Como é evidente o tribunal a quo, que efetivamente julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos Requeridos, não julgou improcedente a presente providência com base na sua ilegitimidade.
Como é consabido a legitimidade é hoje identificada em função da relação jurídica tal como configurada pelo autor; apresenta-se hoje absolutamente clarificado pelo n.º 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil que são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Assim, o autor é parte legítima se em face da relação jurídica que invoca surgir nela como o sujeito que beneficiará diretamente do efeito jurídico pretendido pois o autor é parte legitima quando tem interesse em demandar, o que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo 30º).
Ora, tal como os Recorrentes configuram a relação jurídica, invocando o terreno baldio e a sua qualidade de compartes, não há dúvidas do seu interesse em demandar nos termos defendidos na decisão que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade.
A Lei n.º 75/2017 de 17/08 (que estabelece o regime aplicável aos baldios e revogou a Lei n.º 68/93, de 4/09) dispõe no artigo 6º n.º 4 que “[O]s atos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, por terceiros, tendo por objeto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais de direito, exceto nos casos expressamente previstos na presente lei”.
E o n.º 9 do mesmo preceito estabelece na alínea a) que a declaração de nulidade pode ser requerida pelos órgãos da comunidade local ou por qualquer dos compartes; prevendo o n.º 10 que estas entidades têm também legitimidade para requerer a restituição da posse do baldio, no todo ou em parte, a favor da respetiva comunidade ou da entidade que legitimamente o explore.
Assim, estando em causa um alegado ato de apropriação ou apossamento do terreno baldio com a construção do muro e tal como decidido pelo tribunal a quo, os Recorrentes têm legitimidade para instaurarem a presente providência, pois tal pressuposto afere-se pela relação controvertida tal como eles a configuraram.
Questão distinta, que não se prende com tal pressuposto processual, mas já com o mérito da causa, é a verificação dos necessários requisitos para a procedência da providência cautelar; e, tal como já referimos, os Recorrentes não lograram comprovar o por si alegado quanto à natureza de baldio da parcela de terreno e sua qualidade de compartes, não se verifica desde logo o requisito atinente ao seu alegado direito.
Não há assim razão nem fundamento, em face do exposto, para alterar a decisão proferida.
Improcede, pois, também nesta parte, a apelação.
*
3.4. Da condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé

Os Recorrentes, que foram condenados pelo tribunal a quo na multa de 10 UCs como litigantes de má-fé, sustentam não poder entender-se que deduziram uma pretensão, cuja falta de fundamento não podiam ignorar, pois que até já havia sido colhida pelo tribunal noutra sede (em anterior procedimento cautelar).
Vejamos se lhes assiste razão.
O artigo 8º do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 266º-A) estabelece que as partes devem agir de boa-fé.
Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à sua responsabilização (princípio da autorresponsabilidade das partes).
É nestes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado atualmente nos artigos 542º e seguintes do Código Processo Civil o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.
Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na negligência grave ou dolo do litigante.
Se a parte atuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, não obstante poder não provar a sua pretensão, a sua conduta é lícita e é condenada no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua atuação. Se a parte procedeu de má-fé, na medida desde logo em que sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais.
Nos termos do disposto no artigo 542º nº 1 do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 456º), tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária.

E nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Resulta da redação desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
Analisemos então a conduta dos Requerentes.
Os Requerentes vieram alegar no presente procedimento cautelar que embargaram extrajudicialmente a obra levada a cabo pelos Recorridos por alegadamente o muro se encontrar a ser construído numa parcela de terreno integrante desde tempos imemoriais um baldio afeto à gestão da Junta de Freguesia, invocando para o efeito a sua qualidade de compartes.
Conforme decorre dos autos e da factualidade indiciariamente provada os Recorrentes não lograram demonstrar a sua versão dos factos.
Ficou, contudo, demonstrado que os Recorrentes vêm qualificando a faixa de terreno em causa de forma distinta, conforme o que lhes interessa e a finalidade que pretendem alcançar, designadamente como caminho público, o que não foi reconhecido pela Câmara Municipal de …, e como pertencendo aos Requeridos, tendo os Recorrentes direito de servidão de passagem. Não lhes tendo sido reconhecido tal direito de servidão de passagem por sentença transitada em julgado, vieram agora com providência cautelar invocando que afinal a faixa de terreno não é caminho público e nem parte integrante do prédio dos Requeridos, mas constitui baldio, de que são compartes.
Tal alegação é contrária à anterior atuação dos Recorrentes e à sua própria alegação no processo que anteriormente instauraram (812/17.6T8BGC) onde invocaram a existência de servidão de passagem a favor do seu prédio, pedindo exatamente a condenação dos aqui Requeridos a reconhecerem que a favor do seu prédio se encontra constituída uma servidão de passagem sobre o prédio destes, sendo certo que no procedimento cautelar de restituição provisória de posse n.º 82/17.6T8BGC, onde peticionaram a restituição da posse da passagem invocaram também a servidão de passagem; e não pode deixar de ser censurada pois, em face da matéria de facto dada como indiciada, deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, pois que tinham conhecimento de ter o Tribunal considerado, em sentença transitada em julgado e com base, na sua própria alegação no processo n.º 812/17.6T8BGC, em que pretendiam que lhes fosse reconhecido o direito de servidão de passagem, que a faixa de terreno (para além do logradouro comum a ambas as casas) pertence aos Requeridos.
Como se refere na decisão recorrida “as partes não podem dizer e desdizer o que lhes é mais conveniente em diferentes processos como se não estivessem sujeitas a um dever de verdade ou, pelo menos, de não mentir perante a parte contrária e o Tribunal (pergunta-se, pois: se ambas as alegações são absolutamente contraditórias, quando é que os Requerentes disseram a verdade? No processo anterior ou neste?). E, sobretudo, não o devem fazer quando, como se afigura ser o caso nestes autos, nenhuma prova documental possuíam de que a faixa de terreno em causa pudesse integrar um baldio, pois que todos as certidões matriciais e os próprios documentos emitidos pela Junta de Freguesia, das duas uma: ou fariam admitir que tal terreno pertencesse aos Requeridos – como julgado em ambos os autos, no proc. 812/17.6T8BGC e nestes autos – ou que, pelo menos, fosse propriedade da Junta de Freguesia (e não da comunidade, dona do suposto baldio)”.
No regime atual, a condenação por litigância de má-fé pode fundar-se, não só numa situação de dolo, mas também de negligência grave; esta verificar-se-á designadamente nas situações resultantes da falta de precauções, exigidas pela elementar prudência ou desaconselhadas pela previsão mais elementar, e que devem ser observadas nos usos correntes da vida.
E a mais elementar prudência ditaria que, face à relatada atuação anterior, os Recorrentes só partissem para o embargo da obra, e consequentemente para o procedimento cautelar de ratificação, depois de diligenciarem e aferirem com segurança que a faixa de terreno em causa integraria efetivamente terreno baldio, munindo-se de prova que o comprovasse.
Por outro lado, a justificação apresentada pelos Recorrentes de que a sua pretensão até já havia sido colhida pelo tribunal noutra sede, isto é, em anterior procedimento cautelar, também não pode aqui proceder. É que a sua pretensão que alegam ter sido colhida no anterior procedimento de restituição provisória de posse n.º 82/17.6T8BGC, onde peticionaram a restituição da posse da passagem, teve exatamente por base a invocação do direito de servidão de passagem.
A condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé afigura-se-nos, por isso, adequada, pelo que não viola a decisão recorrida o preceituado no artigo 542º do Código de Processo Civil.
Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC (cfr. artigo 27º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais), sendo o montante fixado pelo juiz tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste (n.º 4 do referido preceito).
Não resultando dos autos a situação económica concreta dos Recorrentes (sendo certo que não litigam com apoio judiciário) haverá que considerar essencialmente a gravidade da sua atuação concluindo-se que a multa aplicada se revela em nosso entender excessiva, procedendo-se à sua redução para 5 UC.
Em face do exposto, e na parcial procedência do recurso, deverá ser alterada a decisão proferida, condenando os Recorrentes como litigantes de má-fé na multa de 5 UCs, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.
Quanto à questão da condenação em indemnização a favor dos Recorridos, por estes suscitada nas contra-alegações, não sendo tal questão objeto de recurso não pode este tribunal pronunciar-se sobre a mesma.
As custas da apelação são da responsabilidade dos Recorrentes (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)

I - Não se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.
II - Para que o embargo judicial (e a ratificação do embargo extrajudicial) de obra nova) possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: execução de uma obra, trabalho ou serviço novo que se não mostre já concluído, a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra e a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo
III - Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação:

a) Em rejeitar o recurso quanto à reapreciação da decisão da matéria de facto respeitante à impugnação do ponto 21) dos factos indiciariamente provados e dos pontos A) a E) dos factos indiciariamente não provados;
b) Em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alterando a sentença recorrida, condenar os Recorrentes na multa de 5 UCs como litigantes de má-fé, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 11 de novembro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)