AÇÕES DE VALOR NÃO SUPERIOR A METADE DA ALÇADA DA RELAÇÃO.
AUDIÊNCIA PRÉVIA
ALTERAÇÃO DO REQUERIMENTO PROBATÓRIO
Sumário


1 - Nas ações de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, não é obrigatório convocar a audiência prévia, cabendo ao juiz titular do processo, fazê-lo ou não, consoante o considere adequado.
2 - Assim, se tal audiência não tiver sido convocada, optando o juiz logo por alguma das hipóteses previstas nas al. f) ou g), as partes não podem proceder a alterações nos requerimentos probatórios que tenham apresentado, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 598º e nº 3, ou do art. 423º, nº 2.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

CAIXA …, CRL, com sede administrativa na Praça … Viana do Castelo, intentou contra J. G. e mulher M. I., residentes na Travessa …, freguesia de …, Ponte de Lima, ação declarativa de condenação, que os Réus contestaram.
Na petição inicial a Autora apresentou requerimento probatório no qual requereu o depoimento de parte do Réu, pediu a realização de inspeção judicial e arrolou testemunhas.
Em 28/05/21 foi proferida decisão que fixou à causa o valor de 12.450,00€.
Em 29/5/21 foi proferido, por despacho, no processo, despacho saneador, cuja notificação a Autora e Réus foi efetuada em 31/5/21. Neste despacho foi ainda designada data para julgamento.
Em 14/6/21 veio a Autora requerer a realização de prova pericial.

Sobre este pedido, a que os Réus se opuseram, recaiu o seguinte despacho:

“Requerimentos referência citius 3193455 e 3210986: Veio a autora, já depois de proferido despacho saneador e de designada data para a realização da audiência final, requerer a realização de prova pericial, mais consignando que, caso se entenda não ser este o momento oportuno para o fazer, pretender reclamar do despacho nos termos do disposto no artigo 593.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Notificados, vieram os réus pugnar pelo indeferimento do requerido. Cumpre decidir. A presente causa tem o valor de € 12.450,00, logo, valor não tem valor superior a metade da alçada da Relação. Por conseguinte e desde logo, não se aplica aos presentes autos o disposto no citado artigo 593.º do Código de Processo Civil. Com efeito, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, como sucede no caso vertente, tem antes aplicação o disposto no artigo 597.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual, apenas será convocada audiência prévia quando o Juiz entenda necessário e adequado ao fim do processo, o que não sucedeu in casu. Assim, não tendo sido convocada audiência prévia, não pode a autora alterar o respectivo requerimento probatório nos termos previstos no artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que expressamente reconduz tal possibilidade de alteração às situações em que haja lugar à realização de audiência prévia, o que não sucedeu nos presentes autos. Nesta conformidade e uma vez que impendia sobre o autor apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova aquando da apresentação da petição inicial, sem prejuízo da possibilidade de alteração do requerimento probatório na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de dez dias a contar da notificação da contestação, nos termos previstos no artigo 552.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou ainda do disposto no artigo 598.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, linearmente se conclui pela manifesta extemporaneidade do requerimento probatório ora apresentado pela autora. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o requerimento probatório ora apresentado pela autora. Notifique.”

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Inconformada veio a A. recorrer deste despacho, formulando as seguintes Conclusões:

1.ª - A recorrente não concorda com a decisão do tribunal de 1.ª instância porque, salvo melhor opinião, subjacente à mesma transparece uma interpretação demasiado formalista da tramitação subsequente aos articulados nas ações de valor inferior a metade da alçada da Relação, em prejuízo da apreciação daquela que era a verdadeira pretensão da recorrente: a produção de prova pericial que se revela, no caso sub judice, de extrema pertinência para a boa decisão da causa - vd. art.º 388.º do CC e arts. 467.º e 597.º do CPC
2.ª - A recorrente discorda dessa decisão porque o valor da ação apenas se mostrou fixado no despacho saneador, após realização de arbitramento especialmente ordenado para o efeito e, nessa medida, não se afigura correto imputar à recorrente o dever de antever, aquando da propositura da ação, que poderia não vir a ser realizada audiência prévia
3.ª - A recorrente também discorda da decisão porque só no despacho saneador foi decidido que seria protelada a decisão quanto à inspeção judicial ao local por si requerida na petição inicial.
Foi precisamente quando confrontada com a possibilidade de o tribunal vir a prescindir dessa diligência, que tomou consciência da relevância que assumiria a produção de prova pericial para o auxiliar nesse conhecimento.
Dito de outro modo, a prova pericial tornou-se elemento probatório essencial em face da decisão do tribunal de 1.ª instância de protelar a decisão quanto à inspeção judicial e também por isso não se poderia impor que tivesse requerido, em momento anterior, esse meio de prova
- vd. art.º 467.º do CPC
4.ª - Acresce ainda que, mesmo que se considerasse intempestivo o pedido formulado pela recorrente, sempre deveria o tribunal a quo tê-lo admitido pelo facto de a prova pericial se mostrar necessária e essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa
- vd. Ac. TRG de 12.11.2021, proc. n.º 3102/12.7TBBCL-H.G1
5.ª - Ao não ter admitido tal meio de prova, o tribunal de 1.ª instância negou à recorrente o seu direito a fazer prova, e, pois, feriu o seu direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva
- vd. art. 20.º, n.º 1 CRP e art. 5.º, n.ºs 1 e 2 do CPC
6.ª - A jurisprudência e doutrina têm entendido, de forma maioritária, que sobre o tribunal recai um poder-dever, não discricionário, de realizar e/ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer
- vd. Acs. TRG de 04.05.2020, proc. n.º 828/19.8T8BRG-B.G1; TRL de 30.06.2011, proc. n.º 439/10.3TTCSC-A.L1-4; TRC de 21.04.2015, proc. n.º 124/14.1TBFND-A.C1; TRP de 02.05.2013, proc. n.º 16295/11.7YIPRT-A.P1 e TRL de 21.02.2019, proc. n.º 1922/17.5T8VFX-A.L1-2
- vd. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil: Teoria Geral - Princípios, Pressupostos, 2.ª ed., 2018, UCEP, p. 151; Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, p. 273; Nuno Lemos Jorge, “Os problemas instrutórios do juiz: alguns problemas”, in Julgar, n.º 3, setembro/dezembro 2007, Coimbra Editora, p. 65; Luís Lameiras, “O princípio do Inquisitório: um poder-dever ou um poder discricionário do juiz?”, II Colóquio de Processo Civil, 2016, Almedina, p. 30; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 363 e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2.ª ed., Almedina, 2017, p. 32
7.ª - Ao indeferir a prova pericial por mera extemporaneidade, o tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da conjugação do disposto no art.º 388.º do CC, com o princípio do inquisitório, que impõe ao juiz, em qualquer estado do processo, determinar a realização da prova pericial quando se mostrem necessários, para a boa decisão da causa, especiais conhecimentos de que o tribunal não dispõe, - vd. art.º 388.º do CC
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Os Réus contra-alegaram, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:

- Analisar se é tempestivo o requerimento a pedir a realização de prova pericial.
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Os factos a considerar são os que constam do relatório desta decisão.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o disposto no art. 552º, nº 2, do C. P. Civil requerimento probatório deve ser apresentado na p.i., podendo ser alterado na réplica, quando haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
O requerimento probatório pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar, nos termos do disposto no art. 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do art. 593º.
No entanto, nas ações de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, como a presente, não é obrigatório convocar a audiência prévia, cabendo ao juiz titular do processo, fazê-lo ou não, consoante o considere adequado. É o que decorre do disposto na alínea b) do art. 597º do C. P. Civil.
Na verdade, tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 703), nas ações cujo valor não supere metade da alçada da Relação (15.000,00€) é ao juiz que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da ação e a necessidade e adequação dos atos ao seu julgamento.
Assim, explicam ainda estes autores na mesma obra que, se o juiz tiver convocado a audiência prévia, as partes podem aproveitar o ensejo para alterarem os requerimentos probatórios nessa diligência (art. 598º, nº 1). Já se tal audiência não tiver sido convocada, optando o juiz logo por alguma das hipóteses previstas nas al. f) ou g), as partes não só não podem requerer potestativamente a audiência prévia a que alude o art. 593º, nº 3, como também não podem proceder a alterações nos requerimentos probatórios que tenham apresentado (sem prejuízo do aditamento ou alteração do rol de testemunhas previsto no nº 2 do art. 598º, com o ónus imposto pelo respetivo nº 3, ou do art. 423º, nº 2 quanto aos documentos).
Deste modo, tendo no caso o juiz optado por não realizar a audiência prévia, não podia a Autora proceder a uma alteração do requerimento probatório na altura em que o fez, pedindo a realização de prova pericial.
Com efeito, tendo em conta o valor da ação e o disposto no mencionado art. 597º, a Autora deveria ter requerido a alteração do requerimento probatório no prazo de 10 dias após a apresentação da contestação, acautelando a dispensa de realização de audiência prévia, como ocorreu.
Deste modo, tendo sido intempestivo o requerimento no sentido do aditamento do requerimento probatório, com o pedido de realização de perícia, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferi-lo.
Nem se diga que foi violada qualquer norma constitucional, designadamente o art. 20º, pois a Recorrente teve ao seu dispor meios para indicar, querendo, prova pericial, desde que o fizesse no momento processual próprio, mas tal não aconteceu e, por outro lado, o princípio do inquisitório não serve para suprir eventuais falhas e instrução que sejam de imputar às partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova, pois tal princípio coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilização das partes (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 484)
Confirma-se, pois a decisão apelada.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 11 de novembro de 2021

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo