TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
EQUIPAMENTOS
VIGILÂNCIA PRIVADA
Sumário

Em virtude do trabalhador exercer actividade de vigilância em unidade própria, com identidade, e uma vez que parte do equipamento foi retomado pela empresa adjudicatária, dever-se-á concluir que ocorreu transmissão parcial do estabelecimento, nos termos previstos no art.º 285º do CT.
(Elaborado pela relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1- Relatório:
AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação contra  BBB”, “CCC” e DDD.,  pedindo que sejam as 1ª e 3ª rés condenadas solidariamente a pagar ao autor as quantias já vencidas no montante de € 2.132,86 (dois mil cento e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), acrescidas das que se vencerem até decisão final e de juros contados à taxa legal de 4% ao ano, calculados desde a citação até integral pagamento e a manter o autor ao seu serviço, sem prejuízo do direito do autor a resolver o contrato de trabalho com fundamento em justa causa.
A título subsidiário, o A. formulou o seguinte pedido: Se se considerar que não houve transmissão de estabelecimento, sempre as 2ª e 3ª rés, devem ser condenadas pelo pagamento daquelas quantias já vencidas no valor de € 2.132,86 (dois mil, cento e trinta e dois euros e oitenta e seis euros), acrescido do que se vencer até decisão final e de juros contados à taxa legal de 4% ao ano, calculados desde a citação e até integral pagamento, devendo ainda a 2ª ré ser condenada a manter o autor ao seu serviço, sem prejuízo do autor resolver o contrato de trabalho com fundamento em justa causa, sendo ainda condenadas as 2ª e 3ª rés solidariamente.
Para tanto, o A. alegou, em síntese:
- O A. foi admitido ao serviço da 2ª ré em 20.12.1994, para exercer sob as suas ordens, direcção e fiscalização funções de vigilante;
- O A. tinha um horário de quarenta horas semanais, como local de trabalho o (…), a retribuição base mensal, subsídio de alimentação e horas de trabalho nocturno no montante global de € 1.035,81;
- A 2ª ré executou a empreitada de serviços de vigilância naquele local até 30.06.2020;
- Em 08.06.2020 a 2ª R. comunicou ao A. a cessação daquela prestação de serviços, tendo a mesma sido adjudicada à 1ª ré a partir de 01.07.2020, pelo que passaria a estar vinculado por contrato de trabalho à 1ª ré;
- A partir desta última data, o autor apresentou-se no seu posto de trabalho habitual, tendo sido impedido de entrar pela 1ª ré com o argumento que não tinha existido uma transmissão de estabelecimento e, por isso, o seu contrato se mantinha com a 2ª ré.
 A ré BBB. apresentou contestação, refutando a existência de uma transmissão de estabelecimento.
A ré CCC apresentou contestação, pugnando pela transmissão de estabelecimento e pela transmissão do contrato de trabalho do A. para a 1ª ré.
O DDD, apresentou contestação refutando qualquer responsabilidade pelo pagamento das quantias peticionadas.
Procedeu- se a Julgamento e foi proferida sentença.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos :
1. O autor foi admitido ao serviço da 2ª ré, CCC, em 20 de Dezembro de 1994.
2. O autor exercia sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª ré, as funções inerentes à categoria profissional de vigilante e tinha até 30 de Junho de 2020, as seguintes condições:
a) Horário de trabalho – 40 horas semanais;
b) Local de trabalho – instalações do (…);
c) Retribuição base mensal de € 765,57 acrescida de subsídio de alimentação sendo o montante diário por cada dia de trabalho efectivo nos termos do CCT aplicável e de horas de trabalho nocturno nos termos do CCT aplicável.
3. O autor é filiado no (…).
4. A retribuição mensal do autor passaria, a partir de 1 de Julho de 2020, a ser de € 769,19, acrescida de subsídio de alimentação e horas de trabalho nocturno.
5. A 2ª ré, CCC executou a empreitada de serviços de vigilância nas instalações do  (…)até 30 de Junho de 2020.
6. Por escrito datado de 8 de Junho de 2020, junto a fls. 15 verso e 16, a 2ª ré comunicou ao autor que, “(I)nformamos que o serviço prestado pela nossa empresa no estabelecimento do Cliente (…) e (…), foi adjudicado à empresa, BBB, de acordo com o relatório final “Concurso Público para a Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Preventiva das Instalações (…) e (…)”.
Considerando que estamos perante uma unidade económica e que as gestões de Serviços estão subordinadas ao Cliente (…) e (…), transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho.
Como resultado deste concurso e consequentemente a cessação do serviço de vigilância à CCC, pela adjudicação do mesmo serviço à empresa supra indicada, constata-se que se mantém e transmite aquele, enquanto unidade económica para o novo operador, o qual deve receber a transmissão e a manutenção dos postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções no local – Hospital Santo António dos Capuchos, ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no artº 285 do Código do Trabalho.
A referida transmissão de estabelecimento ocorrerá no dia 01 de julho de 2020, data em que a empresa BBB., assumirá a prestação de serviço.
Considerando a transmissão de estabelecimento operada, a CCC procederá ao pagamento do vencimento correspondente aos dias trabalhados nesta empresa até à data de 30 de junho de 2020, data da cessação do contrato com a CCC.
Com a presente missiva, esta empresa deu cumprimento dos deveres de prévia informação e subsequente consulta dos trabalhadores em causa, tal como previsto nos nº 1 e 2 do artº 286º do Código do Trabalho, comunicando aos mesmos a transmissão dos respectivos contratos de trabalho para a empresa BBB, com sede na Avenida Torre de Belém, nº 24, 1400-343 Lisboa.
Mais se informa que a empresa BBBB., foi informada da lista dos trabalhadores a operar no estabelecimento (…)e (…) e informação necessária para os contratos de trabalho.
Deverá ainda, V. Exa., proceder, a partir do dia 01 de julho de 2020, nos escritórios da nossa Filial de Lisboa, à entrega em condições aceitáveis de manutenção do fardamento que lhe será distribuído e ou outros materiais que tenha em seu poder. …”
7. O autor apresentou-se no seu posto de trabalho habitual a partir de 01.07.2020, não tendo prestado o seu trabalho na medida em que as funções de segurança privada desempenhada pelo autor ao serviço da 2ª ré, CCC, até 30.06.2020 no mencionado local de trabalho, passaram a ser prestados por outros trabalhadores designados pela 1ª ré, BBB., o mesmo tendo sucedido com outros trabalhadores que prestavam serviço no mesmo local ao serviço da 2ª ré CCC.
8. Na sequência da adjudicação que lhe foi efectuada no âmbito do Concurso Limitado por Prévia Qualificação n.º 3-0.0001/2020 para a prestação de serviços de vigilância e segurança aberto pelo DDD, ora 3ª ré.
9. Iniciou-se na 1ª ré em 1 de Julho de 2020 a prestação dos referidos serviços nos hospitais que integram o (…)da 3ª ré – (…)e (…).
10. …Tendo para o efeito utilizado os seus próprios recursos humanos, vigilantes/supervisor/inspector.
11. A 2ª ré não deixou à 1ª ré qualquer documentação de apoio à execução dos serviços.
12. Nenhuma peça de uniforme/fardamento foi cedida pela 2ª ré à 1ª.
13. A CCC não integrou na listagem de trabalhadores remetida à BBB qualquer trabalhador com a categoria de Inspector e/ouSupervisor.
14. A CCC não deixou à BBB qualquer viatura.
15. A CCC não integrou na listagem de trabalhadores remetida à BBB qualquer trabalhador com a função/categoria de Director Técnico.
16. A CCC não prestou à ré BBB qualquer informação, metodologia de trabalho ou organização de meios.
17. A 2ª ré remeteu à 1ª ré o escrito datado de 08.06.2020, junto a fls. 75 verso e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. Por escrito de 7 de Julho de 2020, junto a fls. 76 vs a 1ª ré comunicou ao autor que “…A BBB não tem, nem nunca teve ao seu serviço, qualquer colaborador de nome AAA.”
19. Desde Dezembro de 2018 a 30.06.2020, o autor desempenhou as suas funções de vigilante no (…), em Lisboa, por colocação da ora 2ª ré para cumprimento de um contrato de prestação de serviços de segurança privada celebrado entre a CCC e o DDD que foi vigente no período compreendido entre 05.07.2018 a 30.06.2020.
20. Entretanto, o DDD abriu concurso público (refª interna CHULC_3-0.0001/2020) para aquisição de serviços de segurança e vigilância privada nas instalações do referido Centro Hospitalar, pelo período de 1 ano, 2020, prorrogável por acordo expresso das partes até ao limite máximo de vigência de 31.12.2022.
21. O concurso incluía diversas Unidades Hospitalares pertencentes ao DDD, nomeadamente, os Hospitais de (…) e (…), nos quais a CCC tinha colocado a prestar serviço cerca de 20 vigilantes, sendo que o autor estava colocado, no (…), desde Dezembro de 2018.
22. A proposta do júri datada de 13.05.2020 foi a adjudicada à BBB da prestação de serviços de segurança e vigilância às instalações do DDD, objecto do referido concurso que incluía o (…) e o (…).
23. A CCC recebeu a notificação da decisão em 22.05.2020.
24. O autor trabalhava sob a autoridade e direcção da CCC no  (…), em Lisboa, a exercer as funções de vigilante naquele Hospital, para satisfação dos serviços de vigilância e segurança que àquela tinham sido adjudicados até 30.06.2020.
25. No âmbito daqueles serviços adjudicados à 2ª ré, os vigilantes que faziam a abertura e fecho das instalações ou serviços, rondas às instalações, controlo de acessos às instalações, prestavam informações e davam orientação aos utentes que demandavam aqueles serviços, efectuavam relatórios de turnos e prestavam toda a segurança para que quer o pessoal que trabalhava nas instalações adjudicadas quer os doentes e acompanhantes, visitantes e outros utentes em geral, pudessem estar seguros e tranquilos, bem como a protecção de bens e equipamentos.
26. As instalações e os meios utilizados pelos vigilantes ao serviço da 2ª ré, CCC, (nomeadamente, secretária, cadeira e computador) pertenciam ao DDD os mesmos passaram a ser utilizados a partir de 01.07.2020 pela 1ª ré, BBB nos mesmos termos que eram utilizados pela 2ª ré CCC.
27. O autor usava no desempenho das suas funções, farda da 2ª ré, CCC com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da CCC.
28. Os modelos de uniformes são aprovados pelo Ministério da Administração Interna e são parte integrante do alvará ou licença como anexo.
29. Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas que não podem ser utilizados pelas outras empresas.
30. A 2ª ré, CCC remeteu ao  (…)  o escrito datado de 05.06.2020, sob registo postal e com aviso de recepção, junto a fls. 99 vs. e 100 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
31. A 2ª ré, CCC remeteu à ora 1ª ré BBB o escrito datado de 05.06.2020, sob registo postal e com aviso de recepção, junto a fls. 99 vs. e 100 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
32. A 2ª ré, CCC remeteu à ora 1ª ré BBB novo escrito datado de 17.06.2020 em aditamento ao referido no número anterior, sob registo postal e com aviso de recepção, junto a fls. 106 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
33. Na mesma data – 05.06.2020 – a 2ª ré CCC remeteu à Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) o escrito junto a fls. 107 vs e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
34. Dos dezoito trabalhadores que constavam das listas enviadas à 1ª ré, BBB em 05.06.2020 e 17.06.2020, a 2ª ré, CCC chegou, entretanto, a acordo com os seguintes três trabalhadores que estavam colocados no hospital de  (…) para serem transferidos para outros estabelecimentos:
-  (…)
-  (…);
-  (…).
35. Estes três trabalhadores foram transferidos para outros estabelecimentos antes de 30.06.2020, tendo sido comunicado à 1ª ré, BBB por carta e email que “fica sem efeito a transmissão dos vigilantes: (…). (…)(…), (…)
36. A 1.ª ré é associada na AESIRF – Associação Nacional de Empresas de Segurança.
37. A 2ª ré é filiada na AES – Associação de Empresas de Segurança.
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão :
«Nos termos e fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
1. Condenar a ré CCC. a manter o autor ao seu serviço com efeitos reportados a 1 de Julho de 2021 e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde essa data, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
2. Absolver a ré BBB do pedido.
3. Absolver a ré DDD. do pedido.
4. Custas a cargo do autor e da 2ª ré na proporção de 10% e 90% respectivamente (art.º 527.º do CPC aplicável ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT).
A 2ª R. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
A 1ª R. contra-alegou e formulou as seguintes conclusões :
  (…)
O A. pugnou pela procedência do recurso interposto pela R. CCC e terminou requerendo a condenação da R. BBB a reintegrar o A. e a pagar as retribuições vencidas e vincendas até integral reintegração do A, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento, e, em consequência, reapreciada a responsabilidade solidária da R. DDD
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Em 07.10.2021 foi proferido o seguinte despacho pela relatora do presente Acórdão :
« O A. veio subscrever na totalidade o recurso da R.”CCC” ( devendo entender-se que remete para o corpo alegatório e para as conclusões do recurso da referida R.).
Terminou efectuando o seguinte pedido : « Deverá proceder o recurso interposto pela R. CCC condenando – se a R. BBB a reintegrar o A. e a pagar as retribuições vencidas e vincendas até integral reintegração do A, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento, e, em consequência reapreciado a  responsabilidade solidária da R. DDD
Face ao pedido formulado pelo A. nas suas alegações e uma vez que é peticionada a condenação dos RR. (para o qual apenas o A. tem legitimidade), verificamos que não estamos perante uma mera adesão ao recurso da R. “CCC” (não revestindo, para o efeito, o A. o estatuto de “comparte” a que alude o art. 634º do CPC).
Quanto ao R. “DDD indefere-se o recurso, por falta alegações, mesmo pela forma remissiva ( art. 641º, nº2, b) do CPC).
Quanto à R. “BBB”, importa atender ao princípio da adequação processual ( art. 193º, nº 3 do CPC).
 Face ao pedido formulado, dever-se-á entender que o A. pretende efectivamente recorrer, pelo que assiste à parte contrária o direito de resposta.»
*
II- Importa solucionar se ocorreu transmissão do estabelecimento para a R. “BBB.
*
III- Apreciação
Os factos provados são os acima indicados.
Vejamos se ocorreu transmissão de parte de estabelecimento, nos termos e para os efeitos previstos no art. 285º do Código do Trabalho.
Para tanto, importa considerar, no caso concreto, a redacção deste preceito legal conferida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de Março que é a seguinte :
«1-Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2- O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3- Com a transmissão constante dos n.ºs1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
11 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
12 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 7, 8 ou 9.»
 Conforme refere o Acórdão da Relação de Évora de 23.09.2008- www.dgsi.pt  com regime consagrado no art. 318º do CT de 2003 « visou o legislador transpor para o nosso ordenamento a Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001 e que respeita à aproximação da legislação do Estados membros no capítulo referente à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.
Por isso e por imposição da Directiva, aquele artigo veio consagrar o princípio da transmissão de todos os contratos de trabalho existentes para o adquirente duma empresa ou dum estabelecimento e bem assim o princípio da transmissão para o seu adquirente de todas as obrigações decorrentes de tais contratos, conforme estabelece o artigo 3º nº 1 da Directiva, significando isto que a transmissão de posição jurídica de empregador não se esgota na sub-rogação legal no contrato a que aludia Mota Pinto, a propósito do artigo 37º da LCT (Cessão da posição contratual, 90 e seguintes), mas para além disso inclui a transmissão para esse adquirente de todos e quaisquer direitos e obrigações emergentes dum contrato de trabalho que mesmo que já existam antes da data da transferência da empresa ou do estabelecimento.
Foi-se portanto mais longe do que o que advinha do regime da LCT, pois no domínio da vigência desta, o ingresso automático e “ope legis” do adquirente na posição do transmitente, mantinha na esfera do transmitente as obrigações decorrentes desses contratos, dado que o adquirente apenas respondia solidariamente pelas dívidas vencidas nos seis meses anteriores à transmissão e que fossem reclamadas pelos trabalhadores até ao momento desta, conforme fluía dos nºs 2 e 3 do seu artigo 37º.
Donde resulta que a transmissão da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou do estabelecimento que constitua uma unidade económica, não afecta a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar, regime que teve em vista e por um lado, tutelar o estabelecimento de modo a garantir o prosseguimento da sua actividade produtiva, mas fundamentalmente proteger os trabalhadores, garantindo-lhes o direito à segurança no emprego e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.

Aqui chegados importa definir o que se deve entender por transmissão do estabelecimento, dado que um dos argumentos do apelante para afastar a aplicação do regime dos artigos 318º e 319º do CT é que a exploração do bar resultou de concurso público e não dum qualquer negócio jurídico celebrado entre o apelante e o anterior concessionário.
Ora, conforme acentua a decisão recorrida, já no domínio do regime anterior a doutrina e a jurisprudência vinham entendendo que integravam o conceito de transmissão do estabelecimento por qualquer título situações como o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial do mesmo, a transmissão “mortis causa” do estabelecimento, a mudança da titularidade do estabelecimento resultante da fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa privada por uma pessoa colectiva de direito público, a nacionalização e até casos de transmissão inválida, na medida em que a destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido não obstaria à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos forem executados, doutrina seguida pelo STJ, acórdão de 24/5/95, CJS 294/2.
Por outro lado, importa referir que o regime actual visou transpor para o nosso ordenamento a Directiva nº 2001/23/CE de 12 de Março, que não é mais do que uma actualização da Directiva 77/187/CEE, entretanto modificada pela Directiva 98/50/CE de 29/6/98, imposta por motivos de lógica e clareza e por exigências de segurança e transparência jurídicas face à jurisprudência do TJCE, representando por isso um esforço para consolidar e consagrar os resultados duma longa e laboriosa construção jurisprudencial, conforme escreve Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, volume I, pgª 808. Ora, conforme acentua este autor (pgª 820), de importância central para a existência duma transferência do estabelecimento é que a entidade económica que este representa mantenha a sua identidade. E assim, o Tribunal de Justiça, ainda no domínio da Directiva 77/187, começou a afirmar que a aplicação da directiva não pressupunha necessariamente a existência dum vínculo contratual entre cedente e cessionário, sendo de aplicar desde que o estabelecimento mantenha a sua identidade, sendo de relevar neste ponto se a transmissão engloba os seus bens móveis ou equipamentos, mas também bens incorpórios, tais como a transmissão do know-how, a sucessão da actividade sem interrupção, a manutenção da clientela e a identidade da actividade desenvolvida após a transferência.
Por isso é jurisprudência daquele Tribunal de Justiça que esta transmissão pode ocorrer mesmo quando há sucessivos concessionários que não têm qualquer relação contratual entre si, conforme se refere a pgª 821, adoptando-se assim uma posição muito menos formalista do que a seguida por alguns tribunais portugueses.»
(sublinhados nossos).
Em anotação ao art. 285º do CT de 2009 referem Paula Quintas e Hélder Quintas  in “ Código do Trabalho Anotado e Comentado”, pág. 632 : «O TJC  para determinar se a entidade económica mantém, ou não, a sua identidade tem recorrido a um método indiciário, que assenta na ponderação de um conjunto de factores, designadamente “ a manutenção de elementos do activo corpóreo ( equipamento, edifícios), incorpóreo ( Know-how, segredos de fabrico), a manutenção da clientela, se chegou a haver um encerramento do estabelecimento e qual o hiato temporal entre esse encerramento e a reabertura, a proximidade da actividade desenvolvida, a manutenção da maioria ou o essencial dos efectivos e, mesmo, a existência de uma relação contratual entre os sucessivos responsáveis pela exploração”, Júlio Gomes in “Comentário de Urgência…”,p. 214» 
Vejamos o caso concreto.
O Tribunal já apreciou situações com similitudes com a presente no âmbito dos processos nºs 303/18.8T8HRT.L1  (Acórdão de 29.04.2020) e 1160/18.0T8AGH.L1 ( Acórdão de 24.03.2021).
Importa ainda referir que o art. 285ºdo CT sofreu recentemente uma alteração operada pela lei nº 18/2021, de 08 de Abril que permitiria responder de forma positiva à questão enunciada[1]. Esta alteração legislativa não é, contudo, aplicável à situação presente ( vide art. 3º da citada lei nº 18/2021).
No caso em apreço resultou provado :
-O autor apresentou-se no seu posto de trabalho habitual a partir de 01.07.2020, não tendo prestado o seu trabalho na medida em que as funções de segurança privada desempenhada pelo autor ao serviço da 2ª ré, CCC, até 30.06.2020 no mencionado local de trabalho, passaram a ser prestados por outros trabalhadores designados pela 1ª ré, BBB., o mesmo tendo sucedido com outros trabalhadores que prestavam serviço no mesmo local ao serviço da 2ª ré CCC ( ponto 7 dos factos provados); 
- Na sequência da adjudicação que lhe foi efectuada no âmbito do Concurso Limitado por Prévia Qualificação n.º 3-0.0001/2020 para a prestação de serviços de vigilância e segurança aberto pelo DDD, ora 3ª ré ( ponto 8 dos factos provados);
- Iniciou-se na 1ª ré em 1 de Julho de 2020 a prestação dos referidos serviços nos hospitais que integram o DDD da 3ª ré –  (…) e  (…) ( ponto 9 dos factos provados)
…Tendo para o efeito utilizado os seus próprios recursos humanos, vigilantes/supervisor/inspector ( ponto 10 dos factos provados); 
- A 2ª ré não deixou à 1ª ré qualquer documentação de apoio à execução dos serviços ( ponto 11 dos factos provados); 
- Nenhuma peça de uniforme/fardamento foi cedida pela 2ª ré à 1ª ( ponto 12 dos factos provados);
- A CCC não integrou na listagem de trabalhadores remetida à BBB qualquer trabalhador com a categoria de Inspector e/ou Supervisor ( ponto 13 dos factos provados);
- A CCC não deixou à BBB qualquer viatura ( ponto 14 dos factos provados);
- A CCC não integrou na listagem de trabalhadores remetida à BBB qualquer trabalhador com a função/categoria de Director Técnico ( ponto 15 dos factos provados);
- A ccc não prestou à ré BBB qualquer informação, metodologia de trabalho ou organização de meios ( ponto 16 dos factos provados); 
-  Desde Dezembro de 2018 a 30.06.2020, o autor desempenhou as suas funções de vigilante no  (…), em Lisboa, por colocação da ora 2ª ré para cumprimento de um contrato de prestação de serviços de segurança privada celebrado entre a CCC e o DDD que foi vigente no período compreendido entre 05.07.2018 a 30.06.2020 ( ponto 19 dos factos provados) ; 
- Entretanto, o DDD abriu concurso público (refª interna CHULC_...) para aquisição de serviços de segurança e vigilância privada nas instalações do referido Centro Hospitalar, pelo período de 1 ano, 2020, prorrogável por acordo expresso das partes até ao limite máximo de vigência de 31.12.2022 ( ponto 20 dos factos provados);
- O concurso incluía diversas Unidades Hospitalares pertencentes ao DDD, nomeadamente, os  (…) e  (…), nos quais a CCC tinha colocado a prestar serviço cerca de 20 vigilantes, sendo que o autor estava colocado, no  (…), desde Dezembro de 2018 ( ponto 21 dos factos provados);
- O autor trabalhava sob a autoridade e direcção da CCC no  (…), em Lisboa, a exercer as funções de vigilante naquele Hospital, para satisfação dos serviços de vigilância e segurança que àquela tinham sido adjudicados até 30.06.2020 ( ponto 24 dos factos provados);
- No âmbito daqueles serviços adjudicados à 2ª ré, os vigilantes que faziam a abertura e fecho das instalações ou serviços, rondas às instalações, controlo de acessos às instalações, prestavam informações e davam orientação aos utentes que demandavam aqueles serviços, efectuavam relatórios de turnos e prestavam toda a segurança para que quer o pessoal que trabalhava nas instalações adjudicadas quer os doentes e acompanhantes, visitantes e outros utentes em geral, pudessem estar seguros e tranquilos, bem como a protecção de bens e equipamentos ( ponto 25 dos factos provados);
-. As instalações e os meios utilizados pelos vigilantes ao serviço da 2ª ré, CCC, (nomeadamente, secretária, cadeira e computador) pertenciam ao DDD e os mesmos passaram a ser utilizados a partir de 01.07.2020 pela 1ª ré, BBB nos mesmos termos que eram utilizados pela 2ª ré CCC ( ponto 26 dos factos provados) ; 
- O autor usava no desempenho das suas funções, farda da 2ª ré, CCC com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da CCC ( ponto 27 dos factos provados); 
- Os modelos de uniformes são aprovados pelo Ministério da Administração Interna e são parte integrante do alvará ou licença como anexo ( ponto 28 dos factos provados) ;
- Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas que não podem ser utilizados pelas outras empresas ( ponto 29 dos factos provado) ;
- Dos dezoito trabalhadores que constavam das listas enviadas à 1ª ré, BBB em 05.06.2020 e 17.06.2020, a 2ª ré, CCC, chegou, entretanto, a acordo com os seguintes três trabalhadores que estavam colocados no hospital de (…) para serem transferidos para outros estabelecimentos:
-  (…) (…) (…) e  (…)ponto 34 dos factos provados);
- Estes três trabalhadores foram transferidos para outros estabelecimentos antes de 30.06.2020, tendo sido comunicado à 1ª ré, BBB por carta e email que “fica sem efeito a transmissão dos vigilantes: (…) (…) (…) e (…)” ( ponto 35 dos factos provados).
Entendemos que o facto de cada empresa ter a sua própria farda e os seus Directores técnicos não contende com a transmissão do estabelecimento.
Sobre a questão em apreço referiu o Tribunal de Justiça da União Europeia de 19 de Outubro de 2017 :  «O artigo 1.º, nº 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, ou de estabelecimentos, ou de parte de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa.» - (sublinhado nosso).
Ora, no caso concreto, embora não tenham sido transmitidos meio corpóreos pela 2ª R. à 1ª R., verificamos que foram retomados pela R. “BBB” secretária, cadeira e computador que pertenciam ao (…). Estes equipamentos (indicados a título exemplificativo) são essenciais para a actividade de vigilante acima indicada sob 25 dos factos provados e passaram a ser utilizados pela R. “BBB” nos mesmos termos que eram utilizados pela R.”CCC” ( facto provado sob 26).
Por outro lado, verificamos que o trabalhador não exercia actividade de vigilante de forma isolada ( vide factos provados sob 7, 21 e 34), mas sim em conjunto com outros trabalhadores. 
A assunção pela R. “CCC” de três trabalhadores não é impeditiva da transmissão do estabelecimento.
 Com efeito, o trabalhador/recorrente exercia actividade de vigilância, de forma organizada e duradoura, através de uma unidade própria, com outros trabalhadores e foram retomados pela R. “BBB” equipamentos que tinham sido utilizados pela R. CCC”, pelo que deveremos concluir que ocorreu transmissão parcial do estabelecimento.
Face aos factos provados sob 6, deveremos concluir que ocorreu um despedimento ilícito ( art. 381º, c) do CT).
A R. “BBB” deverá, assim, reintegrar o trabalhador e pagar ao mesmo as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão ( arts, 389º, nº1, b) e 390º, nº1 do CT).
Procedem, desta forma, os recursos de apelação.
*
IV-Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em :
- Julgar procedentes os recursos interpostos e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a R. “CCC” e absolveu a R. “BBB”;
- Condenar a R. “BBB -” a reintegrar o autor no mesmo estabelecimento onde exercia funções, com efeitos reportados a 1 de Julho de 2020 e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto no nº2 do art. 390º do CT,  acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Custas na primeira e na segunda instância pela R. “BBB”.
Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021
Francisca  Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos

[1] Estatui o nº10 do art. 285 do CT na redacção conferida pela lei nº 18/2021:  « O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.»