SIMULAÇÃO
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
SOCIEDADE INSOLVENTE
PERDÃO DIVIDA
DECLARAÇÃO UNILATERAL
PROVA
FACTOS ESSENCIAIS OU COMPLEMENTARES
FALTA DE LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Sumário


Sumário (da exclusiva responsabilidade do Relator – art.º 663º n.º 7 do CPC)

I. A simulação pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (1) um acordo entre o declarante e o declaratário, (2) no sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das partes, (3) com o intuito de enganar terceiros.
II. Os factos constitutivos destes requisitos devem ser alegados e provados por quem pretenda valer-se da simulação (art.º 342º n.º 1 do CC).
III. O facto de ter ficado provado que em 2016 a sociedade, declarada insolvente em 2019, perdoou uma divida à Ré, este perdão apenas beneficiou a Ré e o mesmo não consta da contabilidade da sociedade declarada insolvente, não são factos essenciais ou complementares consubstanciadores da simulação, nem podem ser tomados como instrumentais.
IV. Caso se tivesse provado - e não se provou - que o documento de perdão da divida, que reporta os seus efeitos a 2016, havia sido, afinal, assinado em 2019, depois de declarada a insolvência, tornaria o mesmo inidóneo para demonstrar um perdão de divida em 2016, apenas provando uma declaração unilateral de perdão de divida em 2019, ineficaz em relação á Massa, por falta de legitimidade substantiva dos seus subscritores, que à data já não eram representantes da sociedade.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

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1. Relatório

Por apenso aos autos de insolvência da devedora X – Tratamento de Superfícies, Ld.ª, veio a Massa Insolvente da X – Tratamento de Superfícies, Ld.ª intentar acção de processo comum contra R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª pedindo seja declarada a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a insolvente e a Ré e neste seguimento, declarando-o ineficaz em relação à massa, mantendo-se assim em dívida o saldo existente na consta corrente da insolvente contra a Ré no montante de por força da reconstituição da situação que existia se o ato não tivesse sido praticado.
Alegou para tanto que por sentença de 29 de Outubro de 2018 foi declarada a insolvência da X, em Outubro de 2019 a A. enviou carta registada à Ré com o fim de aferir se aquela teria uma dívida para com a insolvente no valor de € 82.363,47, relativa a serviços prestados e facturados e espelhado na contabilidade da insolvente, a Ré veio dizer que a 30/09/2016 havia sido celebrado entre a insolvente e a Ré acordo particular de perdão da referida dívida, ficando a mesma saldada, a Sra. Administradora de Insolvência ( doravante apenas AI) solicitou o envio do referido Acordo e do lançamento do mesmo na contabilidade da Ré, o que a Ré fez, o referido acordo foi elaborado apenas após a notificação da Sra. AI, a data aposta no mesmo – 30/08/2016 – foi escolhida para uma data anterior aos dois anos antes da declaração de insolvência para que o negócio não pudesse ser resolvido, as assinaturas não foram reconhecidas, o que só se compreende se tivesse sido elaborado agora, o gerente da Ré é marido e pai dos gerentes da X na data da suposta data do acordo de perdão, apesar de o mesmo se encontrar subscrito por outro gerente, o mesmo afirma não ter aposto qualquer assinatura em nenhum documento que lhe tenha sido apresentado agora pela Ré e que não se recorda de o ter feito na data aposta, tendo o acordo sido assinado na data nele posta não se compreende porque não foi o perdão lançado na contabilidade, o referido perdão foi negociado pelos antigos gerentes e pelo actual, aquando da venda da insolvente em 30/10/2016, realizado na data oposta ou elaborado só agora, o negócio de perdão da divida é simulado e serviu para a Ré se eximir ao pagamento da mesma, o que faz dele um acto prejudicial á massa, aquando da outorga do acordo em causa em Outubro de 2019, a Ré sabia da situação de insolvência da X.
Mais alega que sendo simulado, o negócio é nulo e assim ineficaz em relação à A., não tendo esta recebido qualquer contrapartida, não recai sobre a mesma qualquer obrigação de restituir, antes se mantendo a divida da Ré para com a Massa, o facto de o CIRE prever um modo especial de conservação da garantia patrimonial da massa, não afasta a possibilidade de poder ser declarada judicialmente a nulidade de negócios jurídicos efectuados pelo devedor, a legitimidade do AI encontra apoio no art.º 286º do CC.
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A Ré, citada, contestou, por impugnação dizendo em síntese que a X foi declarada insolvente por sentença de 29 de Outubro de 2018, mas a mesma interpôs recurso, tendo a Relação julgado nulo todo o processado da insolvência, no seguimento de tal decisão aquela citada para exercer o contraditório, reconheceu que estava em insolvência, que veio a ser decretada por sentença de 05/06/2019 e junta aos autos o balancete do período de janeiro a dezembro de 2017, no qual aparece reflectido o perdão da divida datada de 30/09/2016, se o documento fosse forjado, como a A. defende, o mesmo não seria simulado, uma vez que a sua versão dos acontecimentos todas as partes pretenderam de facto fazer operar um perdão da divida, é requisito da simulação as partes declararem algo que enferma de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o que não aconteceu com o documento de perdão da divida.
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Realizou-se a audiência prévia, tendo sido consignado como objecto do litigio “ A existência do acto simulado identificado na petição inicial (perdão de dívida).” e como temas da prova “ os elementos de facto da simulação; intenção de criar um dano e um benefício para outrem”.
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Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que decidiu:
Termos em que, na procedência da acção,
a) Declaro a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a insolvente e a Ré, declarando-o ineficaz em relação à massa,
b) Em consequência, declaro que se mantem em dívida o saldo existente na consta corrente da insolvente contra a Ré no montante de por força da reconstituição da situação que existia se o ato não tivesse sido praticado
Custas pela R. por vencida – art. 527.º, 1 e 2, do CPC e Tabela I-A do RCP. “
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos e notificada à Ré em 07/07/2021, que veio julgar a acção totalmente procedente e, em conformidade declarar a nulidade do acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a Insolvente e a Ré, declarando-o ineficaz em relação à massa insolvente e em consequência, declarar que se mantém em dívida o saldo existente na conta corrente da insolvente contra a Ré, no montante de € 82.363,47 (oitenta e dois mil trezentos e sessenta e três euros e quarenta e sete euros).
II. A Recorrente foi ainda condenada no pagamento das custas do processo.
III. Ora, sucede que, o objecto do presente processo era apenas a existência ou não de simulação do acordo particular de dívida, tendo a sentença a quo fundamentado a sua decisão no referido instituto jurídico.
IV.Com a apresentação do presente recurso a Recorrente pretende arguir a nulidade da sentença proferida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, bem como impugnar a decisão proferida sobre o julgamento da matéria de facto e de Direito.
V. No entender da Recorrente, a sentença recorrida enferma de uma errada análise e julgamento da matéria submetida a apreciação, de uma errada interpretação e aplicação das normas de Direito, bem como de uma errada e insuficiente valoração da prova produzida, e que impunham uma decisão diversa daquela que veio a ser proferida pelo Tribunal recorrido.
VI. Deste modo, e no que à nulidade da sentença diz respeito, a Recorrente entende que a proferida pelo Tribunal a quo padece das constantes do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão, os fundamentos estão em oposição com a decisão, ocorrendo ainda ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, e bem assim porque, conheceu o Tribunal recorrido de questões de que não poderia tomar conhecimento.
VII. Assim, é possível verificar que a sentença foi proferida dando por assentes factos que nunca poderiam ter sido dados como provados e que se encontram em contradição com a própria sentença. A sentença recorrida é ainda um mero depósito de doutrina, legislação e jurisprudência sem aplicação concreta aos factos dados como provados e não provados e sem qualquer conclusão que permita concluir pela boa aplicação do Direito aos factos.
VIII. O conteúdo da sentença, salvo melhor opinião, é assim desconexo com os factos discutidos na causa, o seu objecto, sendo a sua argumentação ininteligível, desconhecendo-se e não se compreendendo o processo cognitivo e conclusivo, e bem assim o processo pelo qual foi o Direito aplicado aos factos dados como provados e não provados na acção.
IX. A sentença é ainda um longo desiderato repetitivo, redundante, mas sem que em qualquer momento proceda de facto a conclusões e à boa aplicação dos factos ao Direito. Ao longo do seu texto, em momento algum se depreende ou compreende como é que os requisitos da simulação do negócio jurídico se encontram preenchidos e verificados em face daquilo que são factos provados e não provados.
X. O que, desde já se refira, não poderia acontecer, uma vez que, da matéria dada como provada, não resulta quaisquer elementos que permitam concluir pela verificação de qualquer dos requisitos cumulativos da existência de uma simulação de negócio jurídico nos termos do artigo 240.º e seguintes do CC.
XI. Da vasta doutrina e jurisprudência carreada para a sentença, e tendo em consideração a matéria factual assente, sempre se poderia apenas concluir pela totalmente improcedência da acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
XII. A sentença de que se recorre, não explica assim o iter cognitivo e valorativo percorrido pelo Tribunal, tornando-se assim ininteligível, considerando a sua decisão, uma vez que, qualquer aplicação do Direito aos factos da causa, torna impossível concluir pela verificação de qualquer requisito da simulação do negócio jurídico. A decisão recorrida não poderia assim ser outra que não fosse a absolvição da Ré.
XIII. O julgador não procedeu assim à aplicação do Direito ao caso concreto, pelo que, e tal não o sendo feito, não pode a Recorrente conformar-se com a condenação proferida, uma vez que esta contradiz os factos provados nos autos, bem como a própria fundamentação jurídica da sentença. A sentença recorrida é assim nula por não explicitar os fundamentos de facto e de Direito que conduziram à decisão de condenação, bem como por ser ininteligível.
XIV. A isto acresce que a sentença recorrida é ainda nula por o Tribunal recorrido se ter pronunciado, ainda que acessoriamente, sobre questões de que não podia tomar conhecimento. É que, encontrando-se o objecto da acção definido e limitado à discussão da simulação do negócio jurídico, não tem cabimento legal que a sentença inicie a sua fundamentação quanto à matéria de Direito procedendo à transcrição dos artigos 120.º e 121.º do CIRE, uma vez que nunca esteve em causa nos presentes autos uma acção especial de resolução do negócio jurídico em benefício da massa insolvente. Este regime jurídico foi desde logo afastado em sede de audiência preliminar por não ser à data da petição inicial tempestivo, pelo que, andou mal a sentença recorrida ao vir debruçar-se sobre mesmo nesta fase do processo.
XV. Deste modo, ao apreciar a tempestividade da acção especial de resolução Do negócio a favor da massa insolvente, a sentença enferma da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se refira que,
XVI. E no que diz respeito à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo vem dar como provados determinados factos que são essenciais para a decisão da causa a proferir quanto à matéria controvertida dos autos, e com os quais a Recorrente concorda, contudo, outros existem que nunca poderiam ter sido dados como provados, desde logo, porque da prova extensamente produzida ficou provado o seu contrário.
XVII. Alguns dos factos dados como provados não podem, além do mais, estar redigidos com a formulação com que contam na sentença, pelo que, devem ser corrigidos e alterados.
XVIII. Também a apreciação e ponderação feita da prova testemunhal produzida é, salvo melhor opinião, totalmente desconexa da realidade das sessões de audiência de discussão e julgamento, e incompreensível, tendo em consideração o que foram os depoimentos da testemunha F. O. e M. F..
XIX. Estas duas testemunhas, que foram objecto de acareação por apresentarem depoimentos contraditórios, foram valoradas de forma totalmente oposta ao que resultou da acareação, bem como a evidência deque o Sr. F. O. cometeu crime de falsas declarações. A apreciação da credibilidade das testemunhas, levaria assim a que nunca se pudesse concluir pela nulidade por simulação do acordo de perdão de dívida discutido nos autos.
XX. Desde já se refira que o desrespeito da sentença recorrida pela prova produzida nos autos fica ainda patente no facto de no ponto 5 dos factos dados como provados da petição inicial, e pese embora a extensa prova documental carreada, se continuar a identificar a mandatária da Ré como D. C., quando o seu nome é D. R..
XXI. O lapso de escrita do Tribunal e a total falta de atenção e consideração pelo que é o julgamento e o processo, fica ainda claro quando da decisão consta a identificação da testemunha F. A., quando na realidade a mesma tem o nome de FA.. Lapso que nunca seria cometido se tivessem sido tidos em consideração os róis de testemunhas do processo, bem como a própria identificação das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento.
XXII. Relativamente à valoração da prova testemunhal, não se pode deixar de assinalar que a sentença considera que “O gestor F. O., que comprou a insolvente em 31-10-16, afirmou, convictamente, que antes de se decidir pela aquisição da empresa, analisou a documentação de contabilidade, nomeadamente o balancete junto aos autos a fls. 212, de onde consta a dívida da R. Afirma, convictamente, que se estabeleceram negociações para que este valor fosse pago, nomeadamente através da prestação de serviços. O seu depoimento, por desinteressado, afigurou-se credível.”.
XXIII. Ainda na valoração da prova testemunhal, é referido quanto à testemunha M. F. que “gerente da insolvente de 2014 a 2016, e esposa do gerente da R. depôs no sentido vertido na contestação, nomeadamente que o perdão de dívida foi assinado em finais de Setembro (contrariamente ao depoimento do outro gerente, supra id). Alegou, ainda, que o Dr. F. O. conhecia o perdão de dívida, que este negou perentoriamente. O seu depoimento é um depoimento interessado, aliado, portanto, aos interesses da R. e contrário aos depoimentos das testemunhas arroladas pela A., qualificados como credíveis.”. O facto de o seu depoimento ser interessado, não significa obrigatoriamente que seja falso ou não credível. Até porque, sempre se refira, a mesma era já interessada na data em que foi celebrado o acordo de perdão de dívida, o que, novamente, sempre se diga, por si só seria suficiente para se concluir pela inexistência de qualquer simulação.
XXIV. Não obstante, refira-se novamente que as duas testemunhas foram acareadas, uma vez que o Sr. F. O. declarou perante o Tribunal que desconhecia o perdão de dívida datado de 30/09/2016 que se encontra em discussão nos autos, bem como, que desconhecia o balancete provisório de Janeiro a Setembro de 2016, da empresa X, onde além de aposta a sua assinatura, se encontrava contabilizado o perdão de dívida.
XXV. Por seu turno, a Sra. M. F. depôs no sentido de que a referida testemunha conhecia o documento de perdão de dívida, tendo concordado com a sua assinatura. Mais depôs no sentido de que a prova de que o Sr. F. O. conhecia o documento, estava patente no facto de ter assinado em cartório notarial, e com sujeição a termo de reconhecimento presencial de assinaturas, o balancete provisório do ano de 2016 onde o perdão de dívida se encontra contabilizado e a dívida da Ré a zero.
XXVI. Veja-se assim o depoimento da Sra. M. F., gravado no ficheiro 20210107112221_5792124_2870548, e produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07/01/2021, com início às 11h48min e fim às 12h14min, mais concretamente nas passagens entre os minutos 02:29 a 03:28 e 14:39 a 15:01, em que a testemunha identifica de forma cabal e sem rodeios que o documento era do conhecimento do Sr. F. O., de que o mesmo foi com ele negociado no âmbito da cessão de quotas da empresa, e que, tudo isso resulta provado do balancete assinado em cartório notarial escolhido pelo próprio Sr. F. O..
XXVII. Por seu turno, e no que à acareação diz respeito, deve ser confrontado o depoimento das duas testemunhas, gravado no ficheiro 20210325140829_5792124_2870548, e produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 25/03/2021, com início às 14h23min e fim às 14h37min, mais concretamente, as passagens supra transcritas entre os minutos 02:37 a 04:43, 05:16 a 06:16, 06:51 a 08:19 e 10:00 a 10:59. Das referidas passagens, resulta claro que a testemunha F. O. mantém a falsidade das suas declarações, mesmo depois de saber que existe o documento original com o reconhecimento presencial das assinaturas e que o mesmo seria junto pela Ré aos autos.
XXVIII. Acontece que, após junção do original aos autos, foi agendada nova sessão em que foram novamente acareadas as testemunhas e em especial o Sr. F. O., que foi confrontado com o original junto aos autos. Quanto ao seu depoimento gravado no ficheiro 20210504114656_5792124_2870548, e produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 04/05/2021, com início às 12h21min e fim às 12h55min, sempre se deve atentar em especial às passagens transcritas e com início ao minuto 02:20 a 02:44. Não existem assim dúvidas de que esta testemunha incorreu no crime de falsas declarações, pelo que, não se compreende como veio o seu depoimento a ser valorado em detrimento do depoimento da Sra. M. F..
XXIX. Valorando-se de outra forma o depoimento das referidas testemunhas, e caso a sentença não denotasse cada vez mais um claro enviesamento a favor da Autora, sempre se diga, novamente, que outra não poderia ter sido a decisão proferida, que não fosse no sentido de absolver a Ré totalmente do pedido.
XXX. Sem prescindir, sempre se refira que quanto à data da assinatura do acordo de perdão de dívida, ficou também cabalmente demonstrado que a mesma ocorreu no ano de 2016. Mais concretamente, entre 30/09/2016 e 08/11/2016. Além da prova documental, cumpre também apreciar a prova testemunhal dos Senhores FA., P. M. e M. F., que confirmam a existência do documento em 2016 e que relacionam aliás a sua celebração com a cessão de quotas da empresa.
XXXI. A própria sentença afirma em pontos vários que o documento foi assinado em 2016, pelo que, jamais poderia o ponto 13 dos factos dados como provados da petição inicial apresenta a redação que apresenta.
XXXII. Assim, e no que diz respeito à sentença recorrida, a mesma dá como assente que o acordo foi assinado em 2016 desde logo no ponto 19 dos factos dados como provados da contestação, quando refere que a testemunha FA. referiu que assinou vários documentos “entre os quais o perdão de dívida de fls. 21, e que isto ocorreu nos 8 dias seguintes à compra da empresa pelo Dr. F. O. ou seja, em Outubro de 2016.”, quando, em tom de conclusão, fixa que “Na matéria atinente à simulação ficou assente e é oponível à Massa Insolvente que o perdão de dívida foi assinado em Outubro de 2016, pretendendo apenas beneficiar a R.”, e, por fim, já na decisão, quando menciona que “acordo particular de perdão de dívida celebrado em 30 de Setembro de 2016, entre a insolvente e a ”.
XXXIII. Ou seja, a sentença conclui pelo menos em quatro pontos diferentes que o perdão de dívida foi celebrado em Setembro ou Outubro de2016, considerando até que a referida data ficou assente como sendo a da feitura do negócio. O ponto 13 dos factos dados como provados da petição inicial nunca poderia ter assim a redação que tem, uma vez que é falso no seu teor, e tal resulta demonstrado pela própria sentença recorrida.
XXXIV. Outra conclusão quanto à data da celebração do perdão de dívida não poderia também ser sido obtida, uma vez que também as próprias testemunhas confirmam a data do documento.
XXXV. Senão vejamos, no depoimento do Sr. FA., gravado no ficheiro 20201124120057_5792124_2870548, e produzido em sede de audiência e discussão e julgamento no dia 24/11/2020, com início às 12h15min e fim às 12h30min, mais concretamente nos minutos 09:52 a 10:14, 11:17 a 11:32 e 13:00 a 14:31. A testemunha confirma que assinou o documento e que o terá assinado em 08/11/2016, reconhecendo também que o documento faria parte da negociação da cessão de quotas da empresa X e que o Sr. F. O. conhecia o seu teor.
XXXVI. Atente-se ainda no depoimento da testemunha P. M., cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro 20210107105047_5792124_2870548, tendo sido produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07/01/2021, com início às 11h21min e fim às 11h52min, mais concretamente entre os minutos 08:54 a 10:09 e 17:52 a 18:00. Esta testemunha também foi bastante assertiva ao localizar o acordo de perdão de dívida como tendo sido assinado ainda em 2016.
XXXVII. Por fim, refira-se ainda a testemunha M. F., cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro 20210107112221_5792121_2870548, tendo sido produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07/01/2021, com início às 11h48min e fim às 12h14min, mais concretamente nas já referidas passagens dos minutos 02:29 a 03:28, 14:39 a 15:01 e ainda na passagem 01:56 a 02:56. Novamente, e como já foi referido infra, a testemunha localiza claramente a celebração do acordo em data contemporânea à cessão de quotas da empresa.
XXXVIII. É assim inequívoco, que o documento foi celebrado no ano de 2016, pelo que, o ponto 13 dos factos dados como provados da petição inicial apenas poderia ter sido dado como provado caso tivesse a presente redação:
13. Aquando da outorga do acordo em causa (ainda no ano de 2016) a Ré, gerida pelo marido da gerente da insolvente, não sabia nem poderia saber da insolvência da mesma, pois o pedido de insolvência da Autora apenas deu entrada em juízo em 24/10/2018.
XXXIX. Apenas esta formulação vai ao encontro à prova produzida nos autos, que espelha a realidade dos factos. Fica ainda demonstrado que, tendo sido celebrado em 2016 e simultaneamente à cessão de quotas da empresa, nunca poderia o documento ter sido simulado, uma vez que a sua assinatura corresponde ao que era a vontade das partes. Assim, e sem prescindir,
XL.E no que diz respeito à inexistência de simulação do perdão de dívida celebrado, tendo em consideração os depoimentos transcritos, resulta evidente que o documento de perdão de dívida foi celebrado entre a data de 30 de Setembro de 2016 e 08 de Novembro de 2016, tendo sido efectivamente assinado pelos seus intervenientes e querido pelas partes nos seus precisos termos.
XLI. A isto acresce que o documento foi considerado contabilisticamente no balancete provisório da insolvente relativo ao período de Janeiro a Setembro de 2016, por ter sido negociado, sendo ainda condição essencial da cessão de quotas da empresa. Ressalve-se ainda, como consta do ponto 9 e 10 dos factos dados como provados da petição inicial, que o gerente da Ré à data da celebração do acordo é Marido e Pai da M. F. e R. T..
XLII. Dos factos dados como provados não consta qualquer facto ou menção à divergência de vontades entre os outorgantes do perdão de dívida e o documento assinado.
XLIII. Assim, sempre se deve novamente recorrer ao depoimento da testemunha M. F. que se encontra gravado no ficheiro 20210107112221_5792121_2870548, tendo sido produzido em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 07/01/2021, com início às 11h48min e fim às 12h14min, mais concretamente nos minutos 07:10 a 08:56, 19:42 a 20:19 e 21:10 a 21:23.
XLIV. Do que é o testemunho e desabafo da testemunha, outra não pode ser a conclusão, que não seja no sentido de que os outorgantes do perdão de dívida quiseram de facto declarar o perdão de dívida, não existindo entre si qualquer acordo de simulação ou qualquer divergência de vontade entre o querido pelas partes e o efetivamente declarado.
XLV. Da prova produzida e em particular dos excertos transcritos, resulta claro que o perdão de dívida celebrado o foi feito com o intuito de perdoar efectivamente a dívida existente da sociedade R. S. à então X.
XLVI. Do circunstancialismo inerente à sua celebração, ou seja, o facto de os outorgantes irem ceder a sua quota na empresa a um terceiro, bem como de considerarem que durante os anos que estiveram ligados à empresa tinham já investido e tido prejuízos suficientes com a X, resulta por demais provado que a intenção foi claramente fazer o perdão de dívida e desonerar a Ré de qualquer valor que ainda lhe pudesse vir a ser pedida pela agora insolvente.
XLVII. Deste modo, deveria ser aditado um ponto aos factos dados como provados da contestação, que poderá ser identificado como ponto 20. E que deveria ter a seguinte redacção:
20. O perdão de dívida datado de 30/09/2016 foi celebrado pelas partes com a intenção de perdoar a dívida existente à data, da sociedade R. S. - Soluções de Acabamentos de Tampografia, Unipessoal, Lda. à sociedade X Tratamentos de Superfícies, Lda., tendo sido contabilizado no balancete provisório da empresa no período de Janeiro a Setembro de 2016 e anulando o saldo existente na conta corrente da Autora.
XLVIII. No mesmo sentido, sempre deveria ser dado como não provada a existência de qualquer simulação do documento, o que se impunha, tendo andado mal o Tribunal a quo ao não se pronunciar em sede de factos dados como provados e não provados na sentença sobre o que é, afinal, o objecto do litígio e a questão essencial em discussão nos autos.
XLIX. Por fim, e no que à matéria de Direito diz respeito, o Tribunal a quo fundamentou, e bem, a sua sentença nos termos do regime jurídico da simulação de negócios jurídicos, regulado nos artigos 240.º, 242.º e 243.º do CC.
L. Tecendo, e bem, diversas considerações sobre a natureza deste instituto jurídico, os requisitos da sua verificação, bem como as consequências deste vício dos negócios jurídicos.
LI. Contudo, e considerando tudo o que vem exposto, é impossível compreender como é que, partindo de uma correcta e por demais completa análise da matéria jurídica, e bem assim tendo em consideração os factos provados e não provados, o Tribunal a quo concluiu pela procedência da acção, condenando a Ré.
LII. De acordo com o n.º 1 do artigo 240.º do CC, os requisitos da simulação são cumulativos e são os seguintes: divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, acordo entre declarante e declaratário e intuito de enganar terceiros.
LIII. E pese embora toda a desconstrução que se possa fazer de cada um dos requisitos, construindo e preenchendo os mesmos com recurso à doutrina e à jurisprudência, certo é que não se encontra, na factualidade dada como provada, qualquer actuação por parte da Ré e dos intervenientes do negócio que demonstre que estamos perante um acordo de perdão de dívida simulado.
LIV. É que, e como fica claro da transcrição dos depoimentos das testemunhas, bem como de toda a prova documental junta, a Massa Insolvente construiu um processo com base em várias suposições que foram sendo desmentidas e que não se verificaram, o que fica até claro pelas próprias testemunhas que arrolou nos autos.
LV.O documento de perdão de dívida foi assinado em 2016. Assim, ficou solidamente provado e sem qualquer dúvida, que de facto o documento junto pela Ré aos autos e enviado à Administradora de Insolvência da Autora era um documento verdadeiro, assinado no ano de 2016.
LVI. Ficou ainda demonstrado que esse perdão de dívida chegou até a ser contabilizado em balancete provisório da sociedade X no período de Janeiro a Setembro de 2016, data em que a conta da Ré aparecia a zeros. Ficou ainda provado que este perdão de dívida foi contabilizado na contabilidade da Ré em 2017, o que também demonstra a existência do acordo de perdão de dívida.
LVII. Dos depoimentos das três testemunhas FA., P. M. e M. F., fica ainda claro que o perdão de dívida foi além do mais negociado e celebrado como contrapartida do negócio de cessão de quotas da X.
LVIII. De forma mais simples e clara, ficou demonstrado que quando cederam as suas quotas na empresa X, os outorgantes do perdão de dívida assinaram o documento para desonerar a Ré de qualquer pagamento futuro à agora insolvente. E fizeram-no também, porque dois dos seus gerentes à data são filho e esposa do gerente da Ré. A existência da relação familiar, que ficou, além do mais, dada como provada, como não poderia deixar de ser, é suficiente para que se verifique que de facto a vontade dos intervenientes no documento de perdão de dívida era efectivamente perdoar e desonerar a Ré do montante em caixa.
LIX. Deste modo, e salvo melhor opinião, não se consegue compreender ou destrinçar como é que a sentença ora impugnada pode concluir em sentido diverso.
LX. Saliente-se novamente de que de toda a prova produzida não resulta em momento algum qualquer facto provado que demonstre a existência de uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada. As partes quiseram perdoar e declararam que quiserem perdoar.
LXI. Os motivos que os levaram ao perdão são assim irrelevantes para a boa decisão da causa, sendo ainda irrelevante qualquer juízo de valor que se pudesse fazer quando ao perdão de dívida. Esse não era de facto o objecto da acção, e não se provando a simulação, nunca poderia a acção ser julgada procedente, como o foi.
LXII. Assim, e não ficando demonstrada a divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada e em consequência não ficando provada a existência de um acordo simulatório entre as partes, nunca se poderia concluir pela nulidade do negócio por simulado.
LXIII. Não obstante, sempre se refira, por mera cautela de patrocínio, que também o terceiro requisito cumulativo da simulação também não se encontra verificado, isto é, não ficou demonstrado que com a celebração do acordo de perdão de divida existisse qualquer “intuito de enganar terceiros”.
LXIV. É que, como a própria sentença dá como assente, o perdão de dívida foi assinado em 2016 e a petição de insolvência da Autora apenas deu entrada em juízo em 14/10/2018. Na data em que o perdão de dívida foi assinado, não havia qualquer forma de os intervenientes saberem que a empresa X viria a ser declarada insolvente, uma vez que nenhum deles é dotado da capacidade de realizar juízos de prognose. Assim, não poderia nunca ser considerado que o documento teve por finalidade prejudicar os credores da insolvência, nem a massa insolvente.
LXV. Em suma, andou mal a sentença impugnada, uma vez que pese embora a competente fundamentação de Direito, à qual a Ré adere na sua totalidade, certo é que a mesma implicaria uma decisão totalmente diferente do Tribunal a quo.
Não ficam demonstrados quaisquer dos requisitos da simulação do negócio jurídico e como tal, nunca poderia ter sido julgado como nulo o perdão de dívida.
LXVI. Nestes termos, e uma vez que é a própria sentença omissa na concreta aplicação e interpretação dos factos dados como provados que preenchem cada um dos requisitos cumulativos da simulação absoluta, apenas se pode concluir que a mesma deve ser totalmente revogada e substituída por sentença que venha a absolver a Ré totalmente do pedido.
LXVII. A sentença não concretiza nem preenche cada um dos requisitos tendo em conta os factos provados, uma vez que não o podia fazer: não resulta, da presente acção, qualquer prova ou facto dado como provado, de que o acordo de perdão de dívida outorgado foi simulado! O documento nunca poderia assim ser declarado nulo e nunca poderia a sentença julgar a acção totalmente procedente.
LXVIII. Portanto, e por tudo o exposto, tendo em consideração toda a prova produzida nos autos, bem como corrigidos os lapsos de que padece a sentença, nunca poderia a acção ter sido julgada, como foi, totalmente procedente, devendo a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada e ser a Ré absolvida do pedido.
*
O Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

I – A douta sentença ora recorrida não padece de nenhuma das nulidades invocadas pela Recorrente, sendo perfeitamente inteligível, especificando os fundamentos de facto e de Direito que justifcam a sua decisão.
II - A decisão ora recorrida não extrapolou as questões das quais tinha de tomar conhecimento, não se verificando a nulidade invocada.
II – O Tribunal a quo fez uma correcta valoração da prova testemunhal, ao abrigo dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade, e consequentemente, fez uma correcta subsunção dos factos ao Direito, devendo manter-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi proferida.
III – A sentença recorrida deverá ser rectificada, quanto aos lapsos de escrita constantes da mesma, mas que em nada alteram o sentido da decisão ali proferida.
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2. Questão prévia / Rejeição do recurso

Nas suas contra-alegações a recorrida alega que o recurso apresentado pela Ré deve ser rejeitado por não cumprir os elementos formais legalmente exigíveis, padecendo de falta de conclusões, citando dois acórdãos referentes ao facto de nas conclusões o recorrente reproduzir o anteriormente vertido no corpo das alegações.
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Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (art.º 637º n.º 1 do CPC), requerimento que contém, obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (art.º 637º n.º 2 ), especificando o art.º 639º n.º 1 do CPC, cuja epígrafe é “Ónus de alegar e formular conclusões”, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Decorre do referido que as conclusões são uma indicação, sintéctica, dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão ou como refere Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em processo Civil, 8ª edição, 2008, Almedina, pág. 167, “ expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face á sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Como se refere no Ac. do STJ de 18/02/2021, proc 18625/18.6T8PRT.P1.S1, “ a elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente e facilitando, também, ao tribunal ad quem, a delimitação do objecto do recurso (…) potenciando uma eficaz administração da justiça.”

Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada ( cfr. art.º 639º n.º 2 )

Se tiver por objecto a impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art.º 640º n.º 1 do CPC), o recorrente deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, na motivação, deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas ( cfr. o Ac. do STJ de 19.02.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, www.dgsi.pt/jstj).

Mas as conclusões podem ser ( cfr. art.º 639º n.º 3 do CPC):
- deficientes (“quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando na mesma não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondem a proposições logicamente adequadas ás premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas á matéria de facto e questões de direito (confusas)” – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, Almedina, 6ª edição, pág. 183);
- obscuras (as que “razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama” – aut. e ob. cit. pág. 183);
- complexas (“quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão o caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituam mera repetição de argumentos anteriormente apresentados” – aut. e ob. cit., pág. 183).
Nestas situações manda o art.º 639º n.º 3 que o relator deve convidar o recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar as alegações.
Se o recurso for interposto sem a alegação ou esta não tenha conclusões ( falta absoluta de conclusões, adianta-se desde já), o recurso deve ser indeferido – art.º 641º n.º 2 b) do CPC.
Alguma jurisprudência, de que são exemplos os Ac.s citados pela recorrida - desta Relação, de 24/01/2019, proc. 3113/17.6T8VCT.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg e da RP de 09/11/2020, proc. 18625/18.6T8PRT.P1, consultável in www.dgsi/pt/jtrp - tem considerado que a situação em que nas conclusões, o recorrente reproduz a motivação constante da alegação propriamente dita, configura um caso de falta absoluta de conclusões, a determinar a rejeição do recurso.
Não só os referidos Acordãos foram revogados pelo STJ, por acórdãos de, respectivamente, 07/11/2019, proc. 3113/17.6T8VCT.G1.S1 e 18/02/2021, proc 18625/18.6T8PRT.P1.S1, como no primeiro deles procede-se a uma recensão de vários Acordãos do STJ e conclui-se que “ a orientação da jurisprudência consolidada do STJ é no sentido de que a circunstância de, em sede de conclusões, o recorrente reproduzir a motivação constante da alegação propriamente dita não configura um caso de falta de conclusões, não podendo, por isso, o recurso ser rejeitado de imediato, antes devendo ser proferido despacho convidando ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas.” e no segundo dos citados Acordãos, conclui-se que “mesmo com conclusões que são repetições da maioria das alegações, sendo possível a triagem do que verdadeiramente interessa, (…) é de rejeitar o convite a que se refere o nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil, devendo a Relação colocar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.”
*
Analisadas as conclusões da recorrente e compaginando-as com a sua alegação, há que concluir que as mesmas não são uma exacta reprodução da motivação constante da alegação propriamente dita. Para tanto basta verificar que as alegações vão da pág. 1 a 29 e as conclusões se iniciam na pág. 29 e terminam na pág. 41, ou seja, estendem-se por 12 páginas.
Mas também não é possível deixar de constatar que a recorrente incluiu nas conclusões referências a concretos meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto ao ponto da matéria de facto impugnado ( cfr. conclusões XXII a XXVIII, XXX, XXXIV a XXXVII e XLIII) quando, como referido supra, as mesmas apenas têm cabimento na motivação.
Também não é possível deixar de considerar que as mesmas poderiam ter sido apresentadas de forma mais sintética e concisa pois, como se alcança das mesmas, as questões que se pretende suscitar são: conclusões V a XV: a nulidade da sentença à luz do disposto no art.º 615º n.º 1 alíneas b),c) e d); conclusões XVI a XLVIII: impugnação da matéria de facto, tendo indicado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (conclusões XXXI e XLVII); conclusões XLIX a LXVIII: não estão provados factos consubstanciadores da simulação, nomeada e concretamente, a existência de uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada – e que a recorrida compreendeu claramente como resulta das suas contra-alegações.
A solução, como refere Abrantes Geraldes, in ob.cit., pág. 184, é “eliminar o que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou alteração do julgado”
E, sendo assim, não há sequer lugar à aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil, colocando-se os princípios da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal (cfr. o Ac. do STJ de 18/02/2021, proc 18625/18.6T8PRT.P1.S1).
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Em face do exposto, não se verifica o fundamento de rejeição do recurso constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 641º do CPC, assim improcedendo a pretensão da recorrida.
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3. Questões a apreciar

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões – art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC.

As questões que cumpre apreciar são:
- nulidade da decisão da recorrida á luz das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC;
- rectificação do ponto 5) dos factos provados;
- impugnação da decisão de facto quanto ao ponto 13) dos factos provados;
- aditamento de um facto;
- errada aplicação do Direito.
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4. Fundamentação

4.1. A sentença recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos:
“A – Da petição
1. Por sentença proferida, nos autos acima referenciados, em 29 de Outubro de 2018, foi declarada a insolvência da insolvente X - Tratamento de Superfícies, Lda.
2. Sentença que foi publicitada no Portal Citius e registada no dia 29/10/2018 -Cfr. Doc 1, transitando tal decisão em julgado, em 05/06/2019.
3. Em Outubro de 2019, a A., através de carta registada enviada no dia 02/10/2019 entrou em contacto com a Ré a fim de aferir se Aquela teria uma dívida para com a Insolvente no valor de 82, 363,47. -Cfr. Doc. 2, fls. 10.
4. Valor referente a serviços prestados e facturados e espelhado na contabilidade da insolvente - Cfr Doc 3 e 4, fls. 11 a 16.
5. No dia 08/10/2019 veio a Ré responder à A. através de mandatária (Dra. D. C.), onde se respondia negativamente à interpelação efectuada. - Cfr. Doc. 5, fls. 17.
6. Informando a A. de que no dia 30/09/2016 havia sido celebrado acordo particular de perdão dessa dívida, entre a insolvente e a Ré, ficando alegadamente saldada a referida quantia
7. Na mesma data a Sra. AI solicitou o envio do referido acordo e do lançamento do mesma na contabilidade da insolvente. - Cfr. Doc. 6., fls. 18.
8. Não remetendo a Ré, porém, qualquer acordo nesse dia, e remetendo-o apenas em 9 de Outubro pelas 12:28 e pelas 15:55 remetendo os alegados documentos contabilísticos de suporte àquele perdão. - Cfr. Doc 7 , 7.1 , 8 e 8.1 – fls. 19 a 24.
9. O gerente da Ré, cuja dívida foi perdoada em Setembro de 2016, era e é R. S., que agiu em representação da Ré, como gerente, no acordo em causa. - Cfr. Doc 9, fls. 25.
10. Que se trata do MARIDO e PAI de M. F. e R. T., respectivamente. - Cfr Doc 10, fls. 27 a 31.
11. Estes últimos, à suposta data do acordo de perdão, gerentes da insolvente e que nessa qualidade assinaram igualmente o referido acordo, a perdoar a dívida.
12. Trata-se de um ato prejudicial à massa insolvente, por as obrigações assumidas pela insolvente excederem manifestamente as obrigações assumidas pela Ré, abdicando de um crédito de €82.363,47, sem qualquer contrapartida para a insolvente.
13. Aquando da outorga do acordo em causa (em outubro de 2019) a Ré, gerida pelo marido da gerente da Insolvente, sabia da situação de insolvência da mesma
*
B – Da contestação

14. A Ré apenas foi declarada insolvente, transitando tal decisão em julgado, em 05/06/2019.
15. O Dr. P. M., TOC, disponibilizou à Ré duas exposições que enviou em 02 de Abril de 2019 à Ordem dos Contabilistas certificados, uma a que foi atribuída a referência 85892/29, e outra a que foi atribuída a referência 85892/27 – fls. 68 v. e ss.
16. Nas exposições é referido pelo Dr. P. M. que existe um contrato de perdão de dívida, datado de 2016, que é reconhecido pelo seu cliente, neste caso, a X, sendo solicitado o auxílio da Ordem dos Contabilistas Certificados sobre como corrigir o lapso na contabilidade da Ré.
17. Em resposta, a Ordem dos Contabilistas Certificados, através do seu departamento jurídico, veio esclarecer que o contabilista, ao detectar o erro em questão, deveria entrar em contacto com o Administrador de Insolvência em funções nos autos de insolvência.
18. Por esse motivo, no dia 11/05/2019, o Dr. P. M. enviou mensagem de email que “Tendo sido alertado, e confirmando a existência de erros na contabilização de dívidas de dois clientes da X Lda. NIF ........., neste caso, das empresas R. S., Lda., NIF ........., e ...Obras, Lda., NIF ........., que no balancete surgem como devedores, respetivamente, de 82.363,47€ e 80.646,70€ mas que, de facto, não têm qualquer divida presente à entidade devido à existência de um acordo de perdão de dívidas datado de Outubro de 2016, venho por este meio, e de acordo com a recomendação da Ordem dos Contabilísticas Certificados, solicitar que vossa excelência, como administradora de insolvência da empresa referida em assunto, me preste informação sobre a melhor forma de correção deste erro, nomeadamente se deverei ser eu a corrigi-lo e se o devo fazer prospectivamente ou retrospetivamente.“ - Cfr. doc. de fls. 71 v..
19. Foi pela Ré junto aos autos o seu balancete do período de Janeiro a Dezembro de 2017, no qual se encontra reflectido o perdão de dívida datado de dia 30/09/2016 - cfr. doc. de fls. 72 a 86
*
Estão, ainda, provados os seguintes factos, conforme resulta da consulta do processo principal:
- A petição da acção de declaração de insolvência deu entrada em 24-10-18;
- A presente acção entrou em juízo a 18-3-20.
*
Todos os outros factos foram considerados não provados, de direito, conclusivos, ou irrelevantes para o desfecho da causa.”
*
4.1. Da nulidade da sentença recorrida á luz das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC

Dispõe o o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em contradição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”
A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter ( cfr. M. Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.
*
Em concreto:
A alínea b) está correlacionada com o disposto no art.º 205º n.º 1 da CRP - que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei -, com o disposto no art.º 154º do CPC - que dispõe no n.º 1 que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e no n.º 2 que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo, quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade – e especificamente, no que respeita à sentença, com o disposto no art.º 607º do CPC – cujo n.º 3 dispõe que nos fundamentos, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes e cujo n.º 4 dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Este n.º 4 tem em vista a fundamentação da decisão de facto, que tem de ser incluída na sentença e que tem em vista possibilitar o controlo da decisão, dada a possibilidade que as partes têm de recorrer da matéria de facto, cumpridos que sejam os requisitos do art.º 640º do Código de Processo Civil.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª edição, pág. 707 “A fundamentação [ da decisão de facto] passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional”.
Coloca-se a questão de saber se, quando a alínea em referência alude a “…fundamentos de facto…” abrange apenas a ausência dos factos fundamentes da decisão ou, também, a falta de motivação da decisão de facto, ou seja, a indicação dos meios de prova decisivos e a análise critica da prova a que alude o art.º 607º n.º 4 do CPC.
Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, 2020, pág. 80, responde afirmativamente, com base no disposto no n.º 4 do art.º 607º, na necessidade de respeitar a unidade sistemática dos dois normativos – 607º e 615º - e com o argumento de que a ausência da análise critica das provas ou uma fundamentação da decisão da matéria de facto que seja genérica, sem especificação da prova que foi decisiva é, funcionalmente, por se tratar de uma falta de fundamentação indirecta, da parte dispositiva, que não respeita o art.º 205º n.º 1 da CRP e, finalmente, ponderando que actualmente a motivação da decisão da matéria de facto passou a constar da sentença.
Diversamente Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in ob. cit. pág. 736 entendem que a eventual falta de fundamentação da matéria de facto é aplicável o regime do art.º 662, n.ºs 2, alínea d) e 3.
Tendo em consideração que o art.º 9º n.º 1 do CPC manda ter em conta na interpretação das normas a unidade do sistema, que o art.º 607º n.º 4 determina que a motivação da decisão da matéria de facto seja incluída na sentença e a importância da referida motivação da decisão da matéria de facto para controlo da mesma, o art.º 615º n.º 1 alínea b) ao referir-se aos fundamentos de facto que justificam a decisão, também abrange a motivação da decisão de facto.
Mas tal situação só se verifica quando exista uma falta absoluta de motivação, mas não quando se trate de: a) fundamentação deficiente, no sentido de não estar devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, situação que segue o regime do art.º 662º n.º 2, alínea d) do CPC; b) ou fundamentação medíocre, insuficiente, incompleta, não convincente ou contrária à lei, em que poderá haver erro de julgamento de facto, a constituir, por isso, objecto de recurso de impugnação da matéria de facto, salvo as situações em que esteja pura e simplesmente em causa a aplicação de normas de direito probatório material ( cfr. Abranges Geraldes, ob. cit. pág. 333-334).
Finalmente, Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, 140, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão e utilizando a locução “motivação” no sentido de “fundamentos de facto e de direito”, locução que restringimos à fundamentação da matéria de facto, afirmava: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”
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A alínea c) tem dois fundamentos: a contradição e a ininteligibilidade.
Quanto á primeira verifica-se quando ocorre incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 763.
A contradição entre fundamentos e a decisão é estritamente no plano lógico da construção da decisão. Coisa diversa é o próprio silogismo estar errado no seu mérito, por conter uma contradição com os factos ou com o direito: trata-se, então, de erro de julgamento, por o juiz decidir contra os factos ou contra “lei” que lhe impunha uma decisão diversa (Rui Pinto, ob. cit., pág. 83). Se a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto for contraditória, a solução passa pela aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 662º do CPC.
A este respeito afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. 2, 3ª edição, pág. 736-737;
“Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgado seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição se confunde com o erro na subsunção dos factos á norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.”
Quanto á segunda verifica-se quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade, ou seja, respectivamente, quando da decisão – e é apenas á decisão/dispositivo que a norma se refere - se puder extrair mais de um sentido ou quando não se puder retirar um sentido lógico, racional e coerente
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Finalmente quanto á alínea d), contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
A primeira está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”
O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça das questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes ( sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).
A segunda das situações referidas (excesso de pronúncia) está correlacionada com a 2ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Destarte, esta situação verifica-se quando o tribunal conhece de questões que não foram invocadas pelas partes e de que não podia conhecer oficiosamente.
Naturalmente, que tal conhecimento há-de importar consequências para a decisão da causa, ou seja, desse conhecimento hão-de ser extraídos efeitos jurídicos. Caso assim não suceda, caso o juiz conheça de uma questão que é desnecessária para a boa decisão da causa, no sentido em que o seu conhecimento se revela inconsequente para a decisão final, o juiz terá praticado um acto inútil ( art.º 130º), mas não ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Não há excesso de pronúncia se o juiz para decidir usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes ( Ac. do STJ de 27/04/2017, proc. 685/03.6TBPRG.G1.SI, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
*

Concretizando:
Impõe-se observar que nas conclusões VI a XV a recorrente produz um conjunto de afirmações, sem estabelecer a sua correspondência entre as normas que convoca – alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

Em síntese alega que a sentença é nula invocando as seguintes situações:
- deu por assentes factos que nunca poderiam ter sido dados como provados = Estamos perante a invocação de erro de julgamento de facto, que como ficou referido supra, não integra nenhuma das nulidades taxativamente previstas no art.º 615º n.º 1.
- os factos estão em contradição com a própria sentença. = Estamos perante a invocação de uma errada subsunção dos factos ao direito. Esta situação constituiu erro de julgamento, mas não contradição entre a decisão e os fundamentos.
- a sentença recorrida é um mero depósito de doutrina, legislação e jurisprudência sem aplicação concreta aos factos dados como provados e não provados. = Invoca-se uma deficiência da sentença, que não constitui nulidade, por não integrar nenhuma das situações previstas no art.º 615º n.º 1 e nomeadamente as supra analisadas.
- a argumentação da sentença é ininteligível, desconhecendo-se e não se compreendendo o processo cognitivo e conclusivo, e bem assim o processo pelo qual foi o Direito aplicado aos factos dados como provados e não provados na acção. = A 2ª parte da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º - ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível - diz respeito à decisão em si mesmo considerada e não às premissas. E sendo assim o alegado irreleva à luz da citada alínea.
- face à doutrina e jurisprudência carreada para a sentença, e tendo em consideração a matéria factual assente, dever-se-ia ter concluído pela improcedência da acção. = Mais uma vez estamos perante um alegado erro de julgamento, mas não certamente perante uma das nulidades invocadas.
- a sentença não explicita os fundamentos de facto e de Direito que conduziram à decisão de condenação. = A sentença explicita os fundamentos de facto e de direito que conduziram á decisão. Pode tê-lo feito de forma deficiente ou errada, quer quanto aos factos, quer quanto á subsunção jurídica. Mas essa é uma questão que diz respeito ao erro de julgamento, de facto e de direito, que não integra a nulidade da alínea b) do n.º 1 do art.º 615º, por tudo o que ficou dito supra.
- a sentença pronuncia-se quanto á a tempestividade da acção especial de resolução do negócio a favor da massa insolvente. = É um facto que na fundamentação de direito, após citar o disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE a sentença refere:
“ Ora, no caso em apreço, por ter sido ultrapassado o limite de tempo previsto, ficou a massa inibida de recorrer a esta forma de processo especial.
Restou-lhe, portanto, recorrer à acção comum, pedindo a declaração de nulidade, por simulação, do perdão de dívida objecto dos autos.”
Esta questão foi suscitada pela A. na sua petição inicial.
Mas a mesma não era o objecto da causa e não tinha qualquer influência no desfecho da acção, ou seja, não era uma questão essencial, pelo que o tribunal recorrido conheceu de questão que não era necessário conhecer. Mas isso não determina nulidade por excesso de pronúncia.
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Em face de tudo o exposto, improcedem as invocadas nulidades da sentença.
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4.2. Da rectificação do ponto 5) dos factos provados

O ponto 5) tem o seguinte teor:
5. No dia 08/10/2019 veio a Ré responder à A. através de mandatária (Dra. D. C.), onde se respondia negativamente à interpelação efectuada. - Cfr. Doc. 5, fls. 17.
A recorrente invoca que o último nome da sua Ilustre mandatária não é C., mas R..
A questão é absolutamente inócua para a decisão da causa.
Ainda assim e na medida em que dos documentos 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial resulta que o último nome da Ilustre mandatária da Ré é R. e não C., determina-se a respectiva rectificação.
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4.3. Da modificação da matéria de facto

A recorrente pretende a alteração da redacção do ponto 13) dos factos provados e o aditamento de um facto com o seguinte teor
20. O perdão de dívida datado de 30/09/2016 foi celebrado pelas partes com a intenção de perdoar a dívida existente à data, da sociedade R. S. - Soluções de Acabamentos de Tampografia, Unipessoal, Lda. à sociedade X Tratamentos de Superfícies, Lda., tendo sido contabilizado no balancete provisório da empresa no período de Janeiro a Setembro de 2016 e anulando o saldo existente na conta corrente da Autora.
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O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto” dispõe:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
(…)”
A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que:
- havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC ( cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) (sendo que ainda no âmbito do art.º 712º n.º 1 do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/09, o Ac. do STJ de 24/09/2013, proc. 1965/04.9TBSTB.E1.S1 declarou: “ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise”) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recurso em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC;
- oficiosamente:
i) repute a decisão da matéria de facto sobre pontos determinados da matéria de facto deficiente, obscura ou contraditória e constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida (cfr. art.º 662º n.º 2 alínea c);
ii) quando o tribunal recorrido tenha considerado não provado um facto apesar de estar junto ao processo meio de prova com força plena ( documento – art.ºs 371º n.º1 e 376º n.º 1 do CC) ou tenha desatendido uma declaração confessória ( art.ºs 358º do CC e art.sº 484º n.º 1 e 4463º do CPC) ou tenha desconsiderado algum acordo das partes quanto a determinado facto ( art.º 574, n.º 2 do CPC) ou tenha considerado provado um facto que só podia ser provado por documento ou confissão, na medida em que nestas situações a Relação se limita a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material ( cfr. art.º 607º n.º , aplicável ex vi art.º 663º n.º 2) ( cfr. Abranges Geraldes, ob. cit. pág. 333-334);
iii) quando na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pela recorrente, o Tribunal recorrido procedeu à reapreciação e à alteração desta decisão e, numa reapreciação conjunta e global dos factos, seja necessário alterar algum facto não impugnado, a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
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4.3.1. Do ponto 13) dos factos provados

O ponto 13) dos factos provados tem o seguinte teor:
13. Aquando da outorga do acordo em causa (em outubro de 2019) a Ré, gerida pelo marido da gerente da Insolvente, sabia da situação de insolvência da mesma
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Nas suas contra-alegações a recorrida invoca que no ponto 13) dos factos provados há lapso de escrita na data - onde está escrito 2019, deveria estar escrito 2016 – que deve ser rectificado.

Não se compreende a posição da recorrida, pois foi a mesma quem alegou no art.º 27º da PI o seguinte:
“Ademais aquando da outorga do acordo em causa (em Outubro de 2019) a Ré, gerida pelo marido da gerente da insolvente, sabia da situação de insolvência da mesma”
Ou seja: o facto dado como provado é transcrição do alegado pela A.. E esta em momento algum invocou que houvesse um lapso de escrita na sua peça…
Destarte, a pretensão que agora deduz é contraditória com o que alegou e que em momento algum rectificou.
Dito isto ( e sem prejuízo de a posição da recorrida ser valorada aquando da reapreciação do ponto 13)), não existem quaisquer elementos dos quais seja possível extrair que a referência a 2019 constitua um lapso manifesto.
Em face do exposto, improcede a pretendida rectificação da data aposta no ponto 13).
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O tribunal recorrido não motivou de forma especifica o ponto 13) dos factos provados, tendo consignado, globalmente, o seguinte:
“ O tribunal fundou a sua convicção no acervo probatório, que consistiu na analise e confronto dos documentos juntos aos autos, e identificados junto de cada um dos factos a que respeitam. Relevou ainda, a prova testemunhal ouvida, cuja análise passamos a dissecar.
O gestor F. O., que comprou a insolvente em 31-10-16, afirmou, convictamente, que antes de se decidir pela aquisição da empresa, analisou a documentação de contabilidade, nomeadamente o balancete junto aos autos a fls. 212, de onde consta a dívida da R. Afirma, convictamente, que se estabeleceram negociações para que este valor fosse pago, nomeadamente através da prestação de serviços. O seu depoimento, por desinteressado, afigurou-se credível.
F. A., engenheiro de materiais na insolvente, e gerente da empresa até à venda da empresa, referiu que a D. M. F. lhe trouxe documentos para assinar, entre os quais o perdão de dívida de fls. 21, e que isto ocorreu nos 8 dias seguintes à compra da empresa pelo Dr. F. O., ou seja em Outubro de 2016. Nessa altura assinou, também, o balancete junto aos autos pela R, constante de fls. 19. O seu depoimento, calmo, desinteressado e objectivo, obteve a credibilidade do tribunal.
A Sr. AI depôs no exacto sentido plasmado na petição inicial, quanto a datas e factos.
O contabilista P. M. que trabalhou para a insolvente até ao seu final, bem assim como para a R, desde há 4 anos, teve um discurso algo inconsistente, especialmente ao assumir lapsos de gravidade considerável, nomeadamente no não reflexo na contabilidade da insolvente do perdão de dívida, mas já sim no da R. Ora, tal parece um comportamento não compatível com o nível de exigência que se impõe a um contabilista certificado, criando uma ficção contabilística de forma consciente. Alega que o balancete junto aos autos pela R. é o correcto, pois aí se contabiliza o perdão de dívida, considerando que o balancete junto a fls. 212 e ss se encontra errado.
Esta testemunha não demonstrou a necessária consistência no depoimento e isenção para convencer o tribunal da veracidade do seu depoimento, alias improvável, atendendo às regras da experiência comum.
Por fim, M. F., gerente da insolvente de 2014 a 2016, e esposa do gerente da R. depôs no sentido vertido na contestação, nomeadamente que o perdão de dívida foi assinado em finais de Setembro (contrariamente ao depoimento do outro gerente, supra id). Alegou, ainda, que o Dr. F. O. conhecia o perdão de dívida, que este negou perentoriamente.
O seu depoimento é um depoimento interessado, aliado, portanto, aos interesses da R. e contrario aos depoimentos das testemunhas arroladas pela A., qualificados como credíveis.
Estas duas testemunhas foram acareadas, mantendo os seus depoimentos, opostos, intocados. “
*
Impõe-se em primeiro lugar proceder ao enquadramento do facto em apreço na factualidade provada e que é:
- em Outubro de 2019, a Sra. AI solicitou à Ré o pagamento do valor 82, 363,47. – é o que resulta do Doc. 2 junto com a petição inicial - valor referente a serviços prestados e facturados e espelhado na contabilidade da insolvente - Cfr Doc 3 e 4 juntos com a PI;
- a Ré respondeu dizendo que não devia o citado valor por a 30/09/2016 ter sido celebrado acordo particular de perdão dessa dívida, entre a insolvente e a Ré – Cfr. Documento 5 junto com a PI;
- a Sra. AI solicitou o envio do referido acordo e do lançamento do mesmo na contabilidade da empresa R. S., Lda. . - Cfr. Doc. 6 junto com a PI;
- a Ré remeteu então os documentos 7, 7.1 , 8 e 8.1 juntos com a PI e que são:
a) o documento 7 é um e-mail da Ilustre Mandatária da Ré, datado de 09/10/2019, em que afirma: “Em anexo remeto o documento de perdão de dívida. Mais informo que aguardo o envio dos documentos contabilísticos que suportam tal perdão.
b) 1) o documento 7.1 está denominado “Acordo Particular de Perdão de Dívida” tem o seguinte teor:
“ Entre:
Primeiro: X (…)
Segundo: R. S. – Sol. De Acab. E Tamp., Unip., Ldª (…)
É celebrado o presente acordo particular de perdão de dívida com as seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª
O segundo outorgante, cliente do primeiro outorgante tem uma dívida no valor de € 82.363,47 euros (…)
Cláusula 2ª
Ambos os outorgantes aceitam o perdão total da dívida mencionada na Cláusula 1ª, com efeitos a 30 de Setembro de 2016
Ribeirão, 30 de Setembro de 2016”
b) 2) este documento está subscrito (cfr. pontos 9), 10) e 11) dos factos provados) por M. F. e R. T., gerentes da X – Tratamento de Superfícies, Ld.ª.
c) o documento 8 é um e-mail da Ilustre mandatária da Ré datado de 09/10/2019 em que se afirma: “Remeto em anexo a nota de lançamento contabilístico do perdão de dívida ocorrido.”
d) o documento 8.1. é um documento de lançamento no Diário de operações diversas da Ré em que figura como data de lançamento “31/10/2017” e data do documento “ 31/10/2017”, na “ descrição [do documento] “ Acordo Perdão Divida”, a débito € 82.363,47, a crédito igual montante e movimentos na conta ....63 a crédito e na conta ....57 a débito, constando ainda na parte final do documento o seguinte: “ Última alteração em 19/12/2017 por P. M.”
*
A A. alega que o documento que titula o “perdão da divida” não foi subscrito na data nele aposta, mas em Outubro de 2019, já depois de a Sra. Administradora de Insolvência ter notificado a Ré para proceder ao pagamento do citado valor ( cfr. art.º 10º da PI).
E nesta sequência alega no art.º 27º que “… aquando da outorga do acordo em causa (em Outubro de 2019) a Ré, gerida pelo marido da gerente da insolvente, sabia da situação de insolvência da mesma”
Portanto o facto essencial que cumpre apurar é se o documento em referência foi subscrito em Outubro de 2019.
*
Além dos documentos já referidos, com relevância para a apreciação da questão em referência, foram juntos:
- com a contestação - foi junto impressão do balancete da Ré, relativo ao período de Janeiro a Dezembro de 2017, em cuja pág. 3, sob a conta ....57, surge a X – Tratamento de Superfícies, Ldª, com um lançamento a débito no citado “Período” de € 82.363,47 e no “Acumulado” o mesmo valor a débito e a crédito e um saldo final de € 0,00.
A conta ...11 respeita a fornecedores (cfr. http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/Codigo%20de%..Contas.pdf)
- com o requerimento da Ré de 16/10/2020 - foi junto o balancete da X – Tratamento de Superfícies, Ldª, de Janeiro de 2016 a Setembro de 2016, em que na pág. 1, sob a conta 2111001, surge a R. S., Ldª, com um lançamento a débito e a crédito no citado “Período” de € 179.084,09 e no “Acumulado” o mesmo valor a débito e a crédito e um saldo final de € 0,00.
A conta 2111 respeita a fornecedores (cfr. http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/Codigo%20de%...pdf)
O citado documento contém no canto superior direito diversas rubricas.
O original deste documento foi junto com requerimento da Ré entrado a 29/03/2021, requerimento em que junta também o original do acordo parassocial relativo á X, assinado a 31 de Outubro de 2016, tendo como outorgantes M. F., divorciada, FA., R. T., R. S., I. R. e Investment ... Company, com sede no …, representada por F. O..
No final deste Acordo Parassocial consta: “ Este acordo tem por base os dados contabilísticos presentes no balancete analítico de Setembro de 2016 e que é assinado juntamente com este Acordo, sendo elemento essencial para o presente acordo.”
O documento em causa não refere que o balancete analítico de Setembro de 2016 faz parte integrante do Acordo Parassocial. Limita-se a dizer que foi assinado juntamente com o mesmo, o que é realidade diferente.
Tanto assim é que vem junta uma certificação da fotocópia do Acordo Parassocial e na mesma refere-se “Que ocupa cinco folhas…”, que são o número de páginas do citado Acordo.
Neste conspecto, os dois reconhecimentos de assinatura presenciais juntos - um (conta 04) relativo ao reconhecimento das assinaturas de M. F., FA., R. T., R. S. e I. R., e outro (conta 05) relativo à assinatura de F. O., na qualidade de procurador da Investment ... Company – só dizem respeito ao Acordo Parassocial e não, também, ao balancete analítico de Setembro de 2016.
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Foi ouvida a gravação da audiência não se podendo deixar de sinalizar que aquando dos depoimentos das testemunhas F. O. e FA., não são cabalmente perceptíveis as perguntas formuladas pela Mmª Juiz, as testemunhas P. M. e M. F. não estão identificadas no Citius Media Studio e o depoimento da testemunha P. M. é, em algumas partes imperceptível.
No entanto, uma vez que o o teor dos depoimentos é apreensível pelo contexto, as situações expostas não interferem com a reapreciação nem a prejudicam.
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A Sra. Administradora de Insolvência não foi ouvida em primeiro lugar, mas considera-se desde já as suas declarações.
Assim, a mesma declarou que analisou o último balancete analítico da sociedade X, vindo a referir, já no final do seu depoimento, que analisou o balancete da mesma de janeiro a Setembro de 2016, foi confrontada com o documento 8.1 junto com a petição inicial e já acima referido, dizendo que se houve um perdão da divida em 2016, o lançamento do mesmo na contabilidade da Ré viola o principio contabilístico da especialidade, ou seja, o proveito em causa devia ter sido declarado no exercício relativo a 2016.
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Quanto à prova testemunhal, foram ouvidos
- F. O., declarou que passou a ser gerente da X a partir de 30 de Outubro de 2016, negociou a aquisição com M. F. e R. S., analisou os créditos e os débitos e verificou então existir um crédito da X sobre a R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª no valor aproximado de 80.000,00, após a compra nunca tentou resolver a questão da dívida com a Ré porque as relações entre si e R. S. entrou “em colapso”, sugeriu ao contabilista se havia um consenso, mas interpôs-se a cobrança de um crédito de terceiro no valor de € 100.000,00, foi confrontado com o documento de perdão da divida, dizendo que nunca esteve na contabilidade, afirmando que se houve perdão, tinham corrigido na conta-corrente, o contabilista é o mesmo, há um balancete que faz integrante do Acordo Parassocial, foi confrontado com o mesmo, tendo declarado que “ não é o documento que eu assinei”, o balancete foi alterado, nas negociações para a venda da empresa nunca hou discussão quanto ao crédito da R. S., declarou que o balancete que lhe foi exibido, foi o que analisou, com alteração do valor quanto ao credito da X sobre a R. S.;
- FA., engenheiro de materiais, que foi gerente da X de 2013 a 2016 e trabalhador até 2018, declarou que uns dias depois da venda da empresa, a D. M. F. [querendo referir-se a M. F.] lhe levou uns papeis para assinar; confrontado pelo Ilustre Mandatário da A. com o documento [extrai-se do contexto, já que ninguém o nomeia] percebe-se denominado “Acordo Particular de Perdão da divida, reconheceu que o assinou e que o fez 8 dias depois da data nele aposta, ou seja, a 08/11/2016; declarou espontaneamente que também assinou um balancete; foi confrontado com o balancete da X junto pela Ré com o requerimento de 16/10/2020, tendo declarado ter assinado o mesmo também na mesma altura; nunca analisou os documentos na perspectiva das suas consequências;
- P. M., declarou (do que foi possível captar) que prestou serviços de contabilidade para a X desde a fundação da mesma, em 2008 até à insolvência e que presta os mesmos serviços para a Ré, desde 2016/2017, teve conhecimento do acordo de perdão de divida quando o contabilizou em 2017, que lançou o perdão de divida na contabilidade da Ré porque lhe deram o documento e não o fez na contabilidade da X porque não fizeram o mesmo para tal, questionado pela Ilustre Mandatária da Ré quanto ao facto de o balancete da X junto aos autos não coincidir com a demais documentação contabilística da mesma, referiu que se tratava de um balancete “provisório”, que cometeu um erro técnico, que quando emitiu o balancete da X dos autos já tinha conhecimento do perdão de divida, mas não tinha sido validado, teve conhecimento do acordo de perdão de divida em 2016, não lançou o acordo de perdão de divida na contabilidade da X, o balancete da mesma de Janeiro a Setembro de 2016 que está junto aos autos é uma “simulação”, é “provisório”, a contabilização definitiva é quando se fecha o ano, o mesmo não é correcto, o balancete exibe um saldo €0,00, quando não havia documentação de suporte, situação que foi corrigida no fecho, foi-lhe pedida uma simulação,
- M. F., que foi gerente da X de data que não soube precisar, tendo referido entre 2014 e 2016, que o acordo de perdão de divida foi assinado em Setembro de 2016, foi negociado entre si, o M. e o seu marido, F. tinha conhecimento do perdão de divida, foram perdoadas outras dividas ao M. e à …Obras, perguntada se o Sr. P. M. na data já era contabilista da R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª, respondeu achar que sim, tinha iniciado à pouco, o contabilista sabia do perdão de divida porque foi ele que o fez, recorda-se ter sido feito um balancete provisório até setembro de 2016 onde consta o perdão de divida, o balancete foi assinado em notário, acha que a documentação foi toda enviada para a contabilidade, mas não era a função dela, o documento foi contabilizado na R. S. em 2017, a X nunca pediu o pagamento do valor em dívida, só depois da insolvência é que a AI pediu o pagamento, o perdão de divida foi feito porque “nós metemos “ muito dinheiro na empresa, tendo pago ordenados e segurança social, o M. também devia dinheiro, fez-se um perdão de divida ao M., o perdão de divida foi falado com o Sr. F., entregou-lhe documentação, concordou com tudo, não sabe porque é que o crédito ficou em aberto na contabilidade, surgiram problemas com uns avais, que o Sr. F. não assumiu ao contrário do que consta do acordo parassocial, é colaboradora da R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª, o seu marido é seu gerente, confrontada com o facto de o resultado da presente acção atingir o seu rendimento, respondeu afirmativamente, reafirmou que o Sr. F. O. conhecia o perdão de dívida, era a R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª quem punha dinheiro na X, queria livrar-se da empresa onde colocavam muito dinheiro e não queria continuar a fazê-lo, o que continuou a fazer pagando os avais, tendo pago € 300.000,00 a esse título,
- foi requerida e deferida a acareação entre F. O. e M. F., a qual se realizou, tendo o primeiro declarado que mantinha o seu depoimento, se fosse “esse” o balancete (refere-se ao balancete da X junto aos autos) tinha de ser classificado e não foi, se era para anular a divida, porque não era feita no momento; a segunda declarou que o balancete foi assinado pelo Sr. F. O., assinatura que ocorreu no notário e o perdão de divida já estava contemplada; o primeiro declarou que mesmo que haja um balancete, tem de haver documentos de justificação, que lhe deu conhecimento do perdão de divida; a segunda declarou que o perdão foi sugestão do contabilista e por isso foi feito o balancete que contempla o perdão; o primeiro declarou que nunca houve um documento de perdão de divida, que não assinou o balancete, confrontado com o documento declarou que há uma rubrica parecida com a sua, mas não a reconheço, porque é rubrica; a segunda declarou que o contabilista não se esqueceu de lançar o perdão de divida, posteriormente é que houve alteração, este balancete faz parte do documento assinado.
*
O facto, quando ocorre, esgota-se em si mesmo, é sempre impossível a sua reconstituição natural e o que se pretende fazer numa audiência de julgamento é reconstituir como se passou o que se passou, na base do que ficou documentado, no que retido ficou em quem a ele assistiu ou dele teve conhecimento, ou mesmo no que técnicos especializados expressaram sobre como teria ocorrido.
A função da prova é demonstrar a realidade dos factos (art. 341º, CC), é a de fazer convencer quem tem de julgar ("fazer prova significa produzir no Tribunal a convicção da justeza de uma afirmação" - Nikisch) e, como tal, não é - nem pode ser - a certeza absoluta da ocorrência do facto, dada a impossibilidade de fugir à deformação sofrida até à apreensão pelos receptores dos factos e desde a apreensão até ao seu relato: é da natureza das coisas.
A prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.
São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram.
Imposição que é legal como decorre do disposto no art.º 607º n.º 2, 2ª parte do CPC: na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Análise crítica das provas significa, desde logo, uma análise conjugada de toda a prova produzida e depois uma análise que assinale os aspectos essenciais que determinaram a convicção.
Na análise dos concretos meios de prova produzidos, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art.º 607º n.º 5 do CPC.
A liberdade de convicção confere ao magistrado a faculdade de decidir com fundamento em qualquer prova.
E prova livre quer dizer prova apreciada segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e segundo a sua experiência – Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume IV, 343.
A motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada resposta e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.
A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.” (Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014).
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Aqui chegados e tendo presente que o facto essencial que cumpre reapreciar é saber se o documento denominado “ Acordo de Perdão de Divida” foi subscrito em Outubro de 2019 e tendo em consideração que a reapreciação dessa decisão, em sede de recurso, não se traduz num novo julgamento da causa, mas sim numa sindicância sobre o invocado erro de julgamento da 1.ª instância, no sentido de que compete ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção sobre a prova produzida com vista a concluir pela existência ou não desse erro, temos de concluir que não foi produzida qualquer prova que sustente a afirmação de que o documento denominado “ Acordo de Perdão de Divida” foi subscrito em Outubro de 2019.
Aliás, toda a prova produzida permite razoavelmente concluir que o Acordo foi assinado em 2016.
Assim o declararam as testemunhas FA. e M. F., que o subscreveram na qualidade de gerentes da X e P. M., contabilista da X à data.
De referir que a testemunha M. F. respondeu, de forma clara, que o desfecho desta acção não lhe é indiferente, dada a sua ligação a R. S.. Porém, nada no seu depoimento ou externo ao mesmo revelou que a mesma faltou á verdade. Aliás o seu depoimento foi corroborado pela testemunha FA..
Quanto à testemunha P. M., pese embora alguns aspectos relativos ao exercício da sua função de contabilista, que aqui não cabe sindicar, não só declarou ter conhecimento acordo de perdão da divida em 2016, como assumiu o erro de ter emitido o balancete de Janeiro a Setembro da X com um saldo negativo relativo ao seu cliente R. S. – Soluções de Acabamentos e Tampografia, Unipessoal, Ldª, quando não tinha, naquela, a documentação de suporte para tal, isto é, o perdão da divida, vendo-se obrigado a alterar a situação no fecho do ano.
Neste contexto o depoimento da testemunha F. O., não é relevante. Mas sempre se dirá que a sua declaração de que a rubrica que consta do balancete da X de janeiro a Setembro de 2016 como sendo a sua, “é parecida, mas não a reconheço”, não merece atendimento.
Desde logo verifica-se que no final do Acordo Parassocial consta: “ Este acordo tem por base os dados contabilísticos presentes no balancete analítico de Setembro de 2016 e que é assinado juntamente com este Acordo, sendo elemento essencial para o presente acordo.”
É certo que o documento em causa não refere que o balancete analítico de Setembro de 2016 faz parte integrante do Acordo Parassocial. Limita-se a dizer que foi assinado juntamente com o mesmo, o que é realidade diferente. Mas para a questão que agora se analisa, isso não releva.
O que releva é que no dia da outorga do acordo parassocial também foi rubricado o balancete.
Por outro lado, a declaração da testemunha mostra-se evasiva, sem consistência interna.
E foi contrariado pelo depoimento da testemunha M. F., que, como já referido, pese embora tenha declarado não lhe ser indiferente o destino da acção, depôs com consistência interna e externa, nada havendo, de objectivo, a apontar ao seu depoimento.

Retomando a questão que cumpre apreciar, relevam ainda dois outros elementos:
a) a impressão do balancete da Ré, relativo ao período de Janeiro a Dezembro de 2017, junto com a contestação, em cuja pág. 3, sob a conta ....57, surge a X – Tratamento de Superfícies, Ldª, com um lançamento a débito no citado “Período” de € 82.363,47 e no “Acumulado” o mesmo valor a débito e a crédito e um saldo final de € 0,00. A conta ...11 respeita a fornecedores ( cfr. http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/Codigo%20de%20Contas.pdf); b)
b) o documento de lançamento no Diário de operações diversas da Ré junto com a petição inicial sob o n.º 8.1., em que figura como data de lançamento “31/10/2017” e data do documento “31/10/2017”, na “ descrição [do documento] “ Acordo Perdão Divida”, a débito € 82.363,47, a crédito igual montante e movimentos na conta ....63 a crédito e na conta ....57 a débito, constando ainda na parte final do documento o seguinte: “ Última alteração em 19/12/2017 por P. M.”
De referir que não foi alegado nem foi produzida qualquer prova de que estes documentos sejam produto de alguma adulteração do programa informático em que se encontram, sendo certo que o lançamento foi confirmado pela testemunha P. M..
Finalmente não é possível deixar de assinalar que a própria A., ao pretender a rectificação deste ponto da matéria de facto, de forma a que onde consta “2019” passe a constar “2016”, reconhece que o documento foi subscrito em 2016.
Destarte, impõe-se considerar a factualidade constante do ponto 13) dos factos provados como Não Provada, assim julgando a apelação procedente nesta parte.
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4.3.2. Do aditamento requerido pela recorrente
Pretende a recorrente o aditamento de um facto com o seguinte teor:
20. O perdão de dívida datado de 30/09/2016 foi celebrado pelas partes com a intenção de perdoar a dívida existente à data, da sociedade R. S. - Soluções de Acabamentos de Tampografia, Unipessoal, Lda. à sociedade X – Tratamentos de Superfícies, Lda., tendo sido contabilizado no balancete provisório da empresa no período de Janeiro a Setembro de 2016 e anulando o saldo existente na conta corrente da Autora.
A A. veio invocar nos autos que o “Acordo de Perdão de Divida“ era simulado e pedir a declaração de nulidade do mesmo.
À A. cabia alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e á Ré cabia alegar os factos em que se baseiam as exceções invocadas.
A Ré não invocou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da A., tendo-se limitado a contestar por impugnação.
Destarte, para além de juntar factos com provas, o que a recorrente/ré pretende agora ver aditado não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
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Em face do exposto, improcede o recurso nesta parte.
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4.4. Das expressões conclusivas constantes da fundamentação de facto
Verifica-se que a sentença recorrida transpôs acriticamente o alegado na petição inicial de tal modo que (sublinhados nossos):
- no ponto 8 dá-se como provado “…remetendo os alegados documentos contabilísticos de suporte àquele perdão. (…)”, o que corresponde exactamente ao alegado no art.º 8º da PI e encerra um juízo valorativo sobre a valia probatória dos documentos remetidos;
- no ponto 9 dá-se como provado “O gerente da Ré, cuja dívida foi perdoada em Setembro de 2016, (…)”, o que:
a) corresponde parcialmente ao alegado no art.º 14º da PI, já que neste entre “dívida“ e “perdoada” existe o advérbio “alegadamente”;
b) era contraditório com o que constava do ponto 13, onde se deu como provado “ Aquando da outorga do acordo em causa (em outubro de 2019)…”
- no ponto 11 dá-se como provado que “Estes últimos, à suposta data do acordo de perdão…“, o que corresponde exactamente ao alegado no art.º 16º da PI e encerra uma conclusão quanto à veracidade/falsidade da data aposta no documento de perdão, isto é, 30.09.2016.;
- no ponto 19 dá-se como provado que “Foi pela Ré junto aos autos o seu balancete do período de Janeiro a Dezembro de 2017, no qual se encontra reflectido o perdão de dívida datado de dia 30/09/2016 - cfr. doc. de fls. 72 a 86”, o que constitui juízo valorativo quanto ao que resulta provado do referido documento.
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Hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
No entanto, o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu.

O art.º 607º, nº 4 do CPC dispõe:
"Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Assim, na fundamentação (de facto) da sentença, só relevam factos.

No sentido exposto, o Acordão desta Relação de 11.10.2018, consultável in www.dgsi.pt/jtrg pelo processo 616/16.3T8VNF-D.G1:
“De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), (…) que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
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Em face do exposto, consideram-se não escritas as seguintes locuções:
- no ponto 8 : “…os alegados documentos contabilísticos de suporte àquele perdão. (…)”, “ passando a constar: “…os documentos 7.1. e 8.1. juntos com a petição inicial”;
- no ponto 9: “… cuja dívida foi perdoada em Setembro de 2016, (…)”;
- no ponto 11: “ …à suposta data do acordo de perdão…“, passando a constar: “… a 30 de Setembro de 2016…”;
- no ponto 19: “… no qual se encontra reflectido o perdão de dívida datado de dia 30/09/2016.”
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4.5. Factualidade fixada após a rectificação da matéria de facto, decisão da impugnação da matéria de facto, decisão do pretendido aditamento de factos e exclusão das expressões conclusivas

A – Da petição
1. Por sentença proferida, nos autos acima referenciados, em 29 de Outubro de 2018, foi declarada a insolvência da insolvente X - Tratamento de Superfícies, Lda.
2. Sentença que foi publicitada no Portal Citius e registada no dia 29/10/2018 -Cfr. Doc 1, transitando tal decisão em julgado, em 05/06/2019.
3. Em Outubro de 2019, a A., através de carta registada enviada no dia 02/10/2019 entrou em contacto com a Ré a fim de aferir se aquela teria uma dívida para com a Insolvente no valor de 82, 363,47. -Cfr. Doc. 2, fls. 10.
4. Valor referente a serviços prestados e facturados e espelhado na contabilidade da insolvente - Cfr Doc 3 e 4, fls. 11 a 16.
5. No dia 08/10/2019 veio a Ré responder à A. através de mandatária (Dra. D. C.), onde se respondia negativamente à interpelação efectuada. - Cfr. Doc. 5, fls. 17.
6. Informando a A. de que no dia 30/09/2016 havia sido celebrado acordo particular de perdão dessa dívida, entre a insolvente e a Ré, ficando alegadamente saldada a referida quantia
7. Na mesma data a Sra. AI solicitou o envio do referido acordo e do lançamento do mesma na contabilidade da insolvente. - Cfr. Doc. 6., fls. 18.
8. Não remetendo a Ré, porém, qualquer acordo nesse dia, e remetendo-o apenas em 9 de Outubro pelas 12:28 e pelas 15:55 remetendo os 7.1 e 8.1. juntos com a petição inicial. - Cfr. Doc 7 , 7.1 , 8 e 8.1 – fls. 19 a 24.
9. O gerente da Ré, era e é R. S., que agiu em representação da Ré, como gerente, no acordo em causa. - Cfr. Doc 9, fls. 25.
10. Que se trata do MARIDO e PAI de M. F. e R. T., respectivamente. - Cfr Doc 10, fls. 27 a 31.
11. Estes últimos, gerentes da insolvente e que nessa qualidade assinaram igualmente o referido acordo, a perdoar a dívida.
12. Trata-se de um ato prejudicial à massa insolvente, por as obrigações assumidas pela insolvente excederem manifestamente as obrigações assumidas pela Ré, abdicando de um crédito de €82.363,47, sem qualquer contrapartida para a insolvente.
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B – Da contestação

14. A Ré apenas foi declarada insolvente, transitando tal decisão em julgado, em 05/06/2019.
15. O Dr. P. M., TOC, disponibilizou à Ré duas exposições que enviou em 02 de Abril de 2019 à Ordem dos Contabilistas certificados, uma a que foi atribuída a referência 85892/29, e outra a que foi atribuída a referência 85892/27 – fls. 68 v. e ss.
16. Nas exposições é referido pelo Dr. P. M. que existe um contrato de perdão de dívida, datado de 2016, que é reconhecido pelo seu cliente, neste caso, a X, sendo solicitado o auxílio da Ordem dos Contabilistas Certificados sobre como corrigir o lapso na contabilidade da Ré.
17. Em resposta, a Ordem dos Contabilistas Certificados, através do seu departamento jurídico, veio esclarecer que o contabilista, ao detectar o erro em questão, deveria entrar em contacto com o Administrador de Insolvência em funções nos autos de insolvência.
18. Por esse motivo, no dia 11/05/2019, o Dr. P. M. enviou mensagem de email que “Tendo sido alertado, e confirmando a existência de erros na contabilização de dívidas de dois clientes da X Lda. NIF ........., neste caso, das empresas R. S., Lda., NIF ........., e ...Obras, Lda., NIF ........., que no balancete surgem como devedores, respetivamente, de 82.363,47€ e 80.646,70€ mas que, de facto, não têm qualquer divida presente à entidade devido à existência de um acordo de perdão de dívidas datado de Outubro de 2016, venho por este meio, e de acordo com a recomendação da Ordem dos Contabilísticas Certificados, solicitar que vossa excelência, como administradora de insolvência da empresa referida em assunto, me preste informação sobre a melhor forma de correção deste erro, nomeadamente se deverei ser eu a corrigi-lo e se o devo fazer prospectivamente ou retrospetivamente.“ - Cfr. doc. de fls. 71 v..
19. Foi pela Ré junto aos autos o seu balancete do período de Janeiro a Dezembro de 2017, no qual se encontra reflectido o perdão de dívida datado de dia 30/09/2016 - cfr. doc. de fls. 72 a 86
*
Estão, ainda, provados os seguintes factos, conforme resulta da consulta do processo principal:
- A petição da acção de declaração de insolvência deu entrada em 24-10-18;
- A presente acção entrou em juízo a 18-3-20.
*
Não ficou provado que:
- Aquando da outorga do acordo em causa (em outubro de 2019) a Ré, gerida pelo marido da gerente da Insolvente, sabia da situação de insolvência da mesma
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5. Direito
Do objecto da causa

Tendo em consideração o pedido formulado – a declaração de nulidade do “Acordo de Perdão da Dívida” – e a causa de pedir invocada – a simulação – a questão que cumpre apreciar é a de saber se se verificam os respectivos pressupostos.
A A. na sua petição inicial refere-se ao instituto da resolução de tal acto em benefício da massa. Mas a mesma afasta a sua aplicação por terem decorrido mais de dois anos entre a data que consta do mesmo e a declaração da insolvência (cfr. art.º 39º da PI).
Destarte, o instituto da resolução em beneficio da massa não é objecto da causa.
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Da simulação

“Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado” - art. 240º nº 1 do CCiv.
“O negócio simulado é nulo” - art. 240º nº 2 do CCiv.
A simulação pressupõe, assim, a concorrência de três requisitos: (1) um acordo entre o declarante e o declaratário, (2) no sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das partes, (3) com o intuito de enganar terceiros.
Os factos constitutivos destes requisitos devem ser alegados e provados por quem pretenda valer-se da simulação ( art.º 342º n.º 1 do CC).
Tal como decorre do art.º 240º do CC para a verificação de uma situação de simulação exige-se a divergência entre a declaração e a vontade real, a existência de conluio simulatório – “pactum simulationis“ – e o intuito de enganar terceiros ( realidade diversa da intenção de prejudicar Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, pág. 555 ).
Uma das classificações da simulação é a que distingue entre simulação inocente e simulação fraudulenta, consoante os propósitos que animam os simuladores.
Existe a primeira se houve o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar («animus decipiendi»), e existindo a última se houve o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei («animus nocendi») – Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 357.
Mas também na segunda modalidade, a simulação implica necessariamente um artifício enganoso, subjacente a ela.
Outra classificação distingue a simulação absoluta e relativa.
Verifica-se a primeira quando as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem negócio nenhum; verifica-se a segunda quando as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso.
Na simulação absoluta o negócio é nulo e não se põe mais nenhum problema.
Na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real, que ficará descoberto com a nulidade do negócio simulado. Este negócio oculto, que não é arrastado pela nulidade do simulado, será válido e subsistente se tiverem sido observadas as exigências legais da forma "ad subs-tanciam". É o que resulta do art.º 241º n.º 1 do CC que dispõe: “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.”
*
Importa ainda ter em consideração a distinção entre simulação e falsidade.
A falsidade verifica-se quanto as partes confessam algo que não se passou.
Como refere Castro Mendes, in TGDC, AAFDL, 1979, II, pág. 166, a diferença mais saliente está no objecto das duas figuras. Simulação é uma situação possível quanto a actos jurídicos, é um fenómeno do domínio da volição; falsidade é uma qualidade possível quanto a factores de convicção, mais especificamente meios de prova – ainda mais especificamente, testemunho e documentos – e é um fenómeno do domínio da cognição.
A figura da falsidade releva em particular quanto a documentos, podendo verificar-se uma de duas situações:
- a falsidade ideológica ou intelectual – é a discrepância entre o conteúdo do documento e a verdade, podendo ter origem em erro ou dolo (mentira)
- a falsidade material – o documento é forjado. Se o documento tem aposta uma data, quando na realidade não foi assinado nessa data, há uma falsidade material
Em sentido semelhante, refere Barreto Menezes Cordeiro, in Da simulação no direito civil, Almedina, 2014, pág. 147, que “a simulação não se confunde com a simples falsidade. A simulação consubstancia um vicio interno, exprime uma declaração divergente da vontade, mas efectivamente declarada pelas partes. O documento através do qual a vontade simulada se manifesta não é forjado: é verdadeiro. A falsidade, por sua vez, constitui um vicio externo ou formal, não assenta numa divergência de vontade, mas na falsificação de um documento: existe uma divergência entre o conteúdo do documento e a vontade manifestada. A simulação respeita ao conteúdo do negócio e a falsidade ao documento que o titula.”
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Está em causa nos autos o “Acordo de Perdão da Divida“ junto com a petição inicial sob o documento 7.1., que tem o seguinte teor:
“ Entre:
Primeiro: X (…)
Segundo: R. S. – Sol. De Acab. E Tamp., Unip., Ldª (…)
É celebrado o presente acordo particular de perdão de dívida com as seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª
O segundo outorgante, cliente do primeiro outorgante tem uma dívida no valor de € 82.363,47 euros (…)
Cláusula 2ª
Ambos os outorgantes aceitam o perdão total da dívida mencionada na Cláusula 1ª, com efeitos a 30 de Setembro de 2016
Ribeirão, 30 de Setembro de 2016”
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Percorrendo a factualidade provada não se vislumbra em parte alguma factos que permitam concluir pela verificação dos pressupostos da simulação quando ao “Acordo de Perdão da Divida” datado de Setembro de 2016, ou seja, não se encontra um acordo entre o declarante e o declaratário, no sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das partes, ou seja, não resulta da factualidade provada que as partes fingiram celebrar um negócio (perdão da divida) não querendo nem esse nem qualquer outro negócio ou não querendo esse negócio, mas outro, com o intuito de enganar terceiros (que não se confunde com o carácter prejudicial do acto, que poderia relevar em outra sede, afastada pela própria A.)
O facto de o acordo de perdão da divida ter sido assinado em 2016, apenas beneficiar a Ré e não constar da contabilidade da insolvente não são factos essenciais ou complementares consubstanciadores da simulação.
Na sentença recorrida faz-se referência a um Acordão desta RG de 05/04/2018, processo 340/16.7T8MNC.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que é Relator o aqui 1º Adjunto e em cujo sumário (citado pela sentença recorrida) consta:
VI. A procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos essenciais, que podem ser alegados e demonstrados directa ou indirectamente. Por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em parcas manifestações externas, eles são de difícil percepção. Logo, a sua prova é quase sempre feita através da de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência.
VII. Apontando todos os factos indiciários apurados, em conjugação com as máximas da experiência e as presunções naturalmente extraíveis, no sentido de que o contrato foi efectivamente simulado, devem dar-se como provados os respectivos factos essenciais, ainda que de carácter subjectivo. A partir destes se fará, então, a subsunção jurídico-normativa.
Refere-se ainda um outro Acordão desta RG de 02/02/2017, processo 6420/14.6T8VNF-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que é Relatora Maria João Matos, e em cujo sumário consta:
I. Sendo a prova da simulação quase sempre indirecta, por se reportar a eventos do foro interno dos simuladores (nomeadamente, à divergência entre a sua vontade real e a sua vontade declarada, ao acordo havido entre eles, e à sua intenção de enganar terceiros), fará comumente uso de presunções judiciais, alicerçadas em indícios condensados pela uniforme prática jurisprudencial.
II. Entre os indícios/presunções da simulação avulta o pretium vilis, isto é, uma efectiva divergência entre o preço declarado na transacção de bens havida (inferior) e o real valor de mercado dos ditos bens (superior).

E na respectiva fundamentação consta:
“ Ora, sendo necessário, em matéria de simulação, apurar a intenção das partes ao outorgarem o negócio, não pode o Tribunal que a aprecie deixar de se valer das mais comuns presunções judiciais nesta matéria (arts. 349º e 351º, ambos do C.C.), condensadas pela uniforme prática jurisprudencial.
Com efeito, os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v.g. a determinação da vontade real do declarante, uma certa intenção, o conhecimento de dadas circunstâncias) constituem factos cujo conhecimento pode ser atingido directamente pelos sentidos ou através das regras de experiência.
(…) A prova directa dessas intenções é rara (v.g. confissão) pelo que quase sempre terá que ser feita por meio de indícios/presunções. Verifica-se o mesmo tipo de dificuldade na prova de outros factos do foro interno designadamente no requisito da má fé na impugnação pauliana (Artigo 612º)».
Assim, quer «na simulação quer na impugnação pauliana, impõe-se a indagação de condutas humanas em que a motivação tem um papel essencial como elemento propulsor. O simulador actua de forma planeada com o intuito de se esquivar a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos. O motivo ou interesse que determinam a actuação do simulador constitui a causa simulandi, a qual corresponde assim ao interesse que leva as partes a celebrar um contrato simulado ou o motivo que as induz a dar aparência a um negócio jurídico que não existe ou a apresentá-lo de forma diversa da que genuinamente lhe corresponde».
Contudo, para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi. A causa simulandi constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento».
Mas não poderá deixar de ser valorado o facto do simulador, demandado enquanto tal, não veicular «para o processo qualquer explicação justificativa do negócio», isto é, «o silêncio pode ser valorado como indício endoprocessual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa. Se o simulador apresenta uma causa justificativa inverosímil ou que não logra subsequentemente demonstrar, haverá que concluir que falta à verdade e que o que presidiu à sua actuação entronca numa causa simulandi.
Estes dois Acordãos (que acompanhamos) respondem a uma questão muito relevante no dia-a-dia dos tribunais e que é a de saber como é que se prova a simulação, uma vez que esta ocorre ao nível interno ou psíquico e são parcas as suas manifestações externas: através de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência.
O facto de o acordo de perdão da divida ter sido assinado em 2016, apenas beneficiar a Ré e não constar da contabilidade da insolvente não podem ser tomados como factos instrumentais, na medida em que, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência, deles não emerge a prova dos factos essenciais que em abstracto traduzem os pressupostos da simulação.
Aliás, o alegado na petição inicial - que o referido acordo foi elaborado apenas após a interpelação da Ré, pela Sra. AI, para a mesma pagar a dívida, datada de 08/10/2019 e que foi escolhida uma data anterior aos dois anos antes da declaração de insolvência – não quadrava, desde logo, à simulação, mas sim á falsidade material do documento apresentado, que a provar-se – e não se provou que o documento só tivesse sido elaborado em 2019 – tornaria o documento inidóneo para demonstrar um perdão de divida em 2016, apenas provando uma declaração unilateral de perdão de divida em 2019, ineficaz em relação á Massa, por falta de legitimidade substantiva dos seus subscritores, que à data já não eram gerentes da X.
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Em face de tudo o exposto e sem outras considerações por desnecessárias, concluindo-se pela inverificação dos pressupostos da simulação, a sentença recorrida não se pode manter, impondo-se julgar a apelação procedente e em consequência revogar aquela, absolvendo a Ré de tudo o peticionado.
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5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em julgar a apelação procedente e em consequência revoga-se a sentença recorrida, absolvendo a Ré de tudo o peticionado.
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Custas pela recorrida – art.º 527º n.º 1 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 04/11/2021
(O presente acórdão é assinado electronicamente)