ARRESTO
CRÉDITO
JUSTIFICADO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
BEM DE TERCEIRO
Sumário


1. No Arresto, o crédito do requerente terá de ser atual e não futuro, hipotético, resultante de eventos futuros.

Texto Integral


Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

T. B., solteiro, maior, com o NIF …….., residente no Lugar de …, freguesia de …, Paredes de Coura, na qualidade de empresário em nome individual, o qual explora um estabelecimento comercial denominado “M. Automóvel“, sito na Zona Industrial de ..., lugar de …, Lote …, freguesia de ..., Paredes de Coura, propôs um procedimento cautelar de arresto contra B. R., residente em Rua …, Vila Verde e R. S., residente na Rua … Braga.

Alegou, em síntese, ser titular de um direito de crédito sobre o primeiro requerido, fruto de um negócio de compra e venda de um veículo automóvel.

Mais alegou, por outro lado, que o 1º requerido fez registar em nome da segunda requerida o veículo automóvel que recebeu em troca, e que constitui o seu único bem próprio conhecido, desconhecendo se o Requerido tem outros bens penhoráveis.

Realizou-se audiência e julgamento, sem audição da parte contrária.

Foi proferida decisão nos seguintes termos:
“Assim, julgo a providência procedente, por indiciariamente provada e, em consequência, determino o arresto:
- veículo Honda Civic com matrícula FX do ano de 1990 junto do Stand X-sito na Avenida … n.º .., …, do concelho de Vila Verde ou onde o mesmo se encontrar, com apreensão dos documentos do mesmo em posse dos requeridos e a sua entrega ao requerente, com efetiva apreensão dos mesmos, designando-se como fiel depositário o requerente.

Nomeia-se para proceder ao arresto, a Senhora Agente de Execução indicado pela requerente.

Ao arresto são de aplicar as normas previstas para a penhora, nos termos do disposto no artigo 391º, nº 2 do CPC.
Uma vez concretizado o arresto, cite os requeridos.”

Inconformados com o decidido, os requeridos interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

“1. Dispõe o artigo 391.º que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, completando o artigo 362.º que sempre que alguém mostre fundado receio que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2. Como tal, servem de requisitos legais para o decretamento a providência cautelar a existência de um crédito e o fundado receio de perda da garantia patrimonial que, salvo melhor opinião, são requisitos que não se encontram preenchidos.
3. O Requerente/Recorrido alegou e consta da decisão que o Requerido/Recorrente vendeu um veículo BMW e, em troca, recebeu do Requerente/Recorrido um veículo Honda Civic e a quantia de € 10.750,00, tendo sido o contrato de compra e venda válido e eficaz.
4. Ademais, apenas é alegado e dado como provado que no dia 02/07/2021 o veículo de marca BMW, na posse do Requerente/Recorrido, foi apreendido pela Polícia de Segurança Pública de Braga no âmbito do processo n.º 251/21.4PCBRG, sendo
Igualmente dado como provado que o Requerente/Recorrido ficou com um prejuízo de € 20.010,00, apesar de não ter qualquer prova documental.
5. Não obstante, dos factos alegados e provados, não se demonstra nem se alega a existência de qualquer crédito, o que é requisito essencial para a providência cautelar em causa.
6. Apesar de faltar tal alegação no requerimento inicial do Requerente/Recorrido, pode-se ler no despacho que «havendo probabilidade de existência de um crédito, uma vez que está provado que o requerente adquiriu ao 1.º requerido um veículo automóvel do qual veio a ser desapossado no âmbito de um processo criminal em que o 1.º requerido figura como, pelo menos, suspeito. Ora, da resolução ou anulação do negócio efetuado entre o requerente e o 1.º requerido resultará para o requerente um direito de crédito».
7. Ora, além de ser falso que o 1.º Requerido/Recorrente figure como suspeito e de o Requerente/Recorrido não ter logrado provar o referido, bem como quais os sujeitos processuais no processo n.º 251/21.4PCBRG, qual o crime e veículo em causa, se houver algum, se o crédito em questão de facto tiver origem na resolução ou anulação do
negócio efectuado entre Requerente/Recorrido e 1.º Requerido/Recorrente, tal não se trata mais do que um possível crédito futuro.
8. Apesar de ser certo que apenas se pede ao Tribunal uma apreciação de mera probabilidade ou verosimilhança, não sendo, como tal, necessário que o crédito esteja plenamente comprovado, é igualmente certo e amplamente entendido por jurisprudência vária que, para o preenchimento desse requisito, o crédito deverá já estar constituído e ser atual, não sendo comportável que se trate de um crédito futuro, hipotético ou meramente eventual.
9. Ora, salvo melhor opinião, não sendo provado que o processo em causa seja de burla nem a posição dos Requeridos em tal processo, a terem alguma; nem havendo sentença ou acórdão, sempre se dirá que, se por mera eventualidade do processo 251/21.4PCBRG resultar decisão que leve à resolução ou anulação do negócio celebrado entre Requerente/Recorrido e 1.º Requerido/Recorrente, o crédito que daí advenha é, à data, um crédito meramente especulativo e não constituído, tratando-se, nada mais, nada menos, do que um crédito futuro eventual, pelo que não poderá servir de fundamento ao arresto decretado – cfr. Acórdãos do Tribunal de Lisboa (processo n.º 52/10.5T2MFR.L1-2, de 20 de maio de 2010, e processo n.º12428/18.5T8LSB.L1-7, de 8 de janeiro de 2019).
10. Aliás, do próprio despacho aqui em causa se pode ler, na secção “IV. Direito”, que «Ora, da resolução ou anulação do negócio efetuado entre o requerente e o 1.º requerido resultará para o requerente um direito de crédito» (sublinhado nosso).
11. Assim, por tudo quanto foi referido, não é passível de se entender que haja um direito de crédito, nem que seja verossímil de existir, bem como não se poderá considerar o mesmo atual, pelo que o despacho de decisão que decretou o arresto viola o disposto no artigo 391.º e 392.º do C.P.C.
12. Quanto ao segundo requisito legal para que possa ser decretada a providência cautelar de arresto, este prende-se com o fundado receio do credor perder a garantia patrimonial do seu crédito, e, salvo melhor opinião, tal requisito também não se verifica
13. No requerimento inicial e decisão aqui em causa, fundamenta-se o justificado receio de perda de garantia patrimonial com o facto de o veículo ter sido visto à venda no Stand X.
14. Ora, sempre se dirá que tal alegação se baseia num print de instagram onde se vê um Honda Civic à venda mas não é possível aferir a data nem a matrícula é visível.
15. Além do mais, o veículo não foi colocado à venda com intuito doloso de dissipar património, mas sim com objetivo de conseguir dinheiro com a sua venda, pelo que é igualmente falso que o 1.º Requerido/Recorrente o tenha feito com intuito consciente e doloso.
16. Aliás, sempre se dirá que o facto de o veículo estar à venda nunca poderia ser entendido como ação consciente e dolosa pois, se o intuito fosse a dissipação de património, tal objetivo já estaria cumprido com o registo do veículo em nome da 2ª Requerida/Recorrente.
17. Ora, apesar de o veículo ser o único património conhecido do 1.º Requerido/Recorrente pelo Requerente/Recorrido, não há nenhum outro indício de tentativa de alienação de bens imóveis; não é conhecido nem existe qualquer risco de o 1.º Requerido/Recorrente ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; nem qualquer défice entre o crédito supostamente exigido e o valor do património conhecido.
18. Desta forma, entende-se não haver um real nem justo receio de perda da garantia patrimonial, pelo que também não se encontra preenchido o 2.º requisito de aplicação de arresto preventivo, sendo de concluir que o despacho em apreço violou o disposto no n.º 1 do artigo 362.º, n.º 1 do artigo 391.º e artigo 392.º do C.P.C.
19. Por tudo quanto foi dito, entende-se que não estão preenchidos os requisitos legais para decretamento do arresto, nomeadamente por não haver direito de crédito algum, nem o mesmo ter sido alegado, e, a haver, o mesmo se tratar de um crédito futuro e eventual e não um crédito constituído; e não haver fundado receio de perda da garantia patrimonial.
20. Além do mais, cumpre ainda referir que com o arresto do veículo Honda Civic de matrícula FX se procede ao arresto de um bem de terceiro.
21. Tal se verifica, pois, o referido veículo se encontra registado em nome da 2.º Requerida/Recorrente e o crédito, existindo, terá como devedor o 1.º Requerido/Recorrente.
22. Como tal, havendo o direito de crédito, com o que não se concorda, só poderiam ser arrestados bens do 1.º Requerido/Recorrente e nunca bens da sua avó, pelo que o despacho de decisão que decretou o arresto viola o disposto no artigo 391.º, n.º 1 do C.P.C. por ter sido arrestado bem não pertencente ao devedor.
23. Por fim, sempre se dirá que existe também uma incorreta apreciação de prova, há certos factos que carecem de alegação e prova documental e cuja sua inexistência tem de ser relevada.
24. Se não vejamos, o Requerente/Recorrido não logra provar documentalmente, nomeadamente o valor despendido no carregamento de ar condicionado e pintura do veículo BMW, no qual alega que despendeu a quantia total de € 760,00, o pagamento da quantia de €10.750,00 ao 1.ºRequerido/Recorrente, nem que o valor do veículo dado em troca (Honda Civic) valesse € 8.500,00, o que por sua vez também não permite aferir o prejuízo total alegado de € 20.010,00 por conta da apreensão; não demonstra que de facto procedeu ao registo do referido veículo em seu nome no dia 2 de julho de 2021; sendo que todos estes factos alegados seriam passíveis de, a serem verdade, serem provados de forma documental pelo Requerente/Recorrido, pelo que se coloca em causa os factos dados como provados nos artigos 2.º, 3.º,4.º, 6.º,8.º, 11.º e 18.º, por deles não haver prova e, portanto, não deverem ser considerados.
25. Além do mais, é ainda dado como provado que o Requerente/Recorrido foi aliciado pelo 1.º veículo a comprar o veículo BMW, o que não corresponde à verdade, bem como não corresponde à verdade que o 1.º Requerido/Recorrente deixou de atender telefonemas do Requerente, pondo-se em causa os factos dados como provados nos artigos 1.º, por falso.
26. É ainda igualmente falso que 1.º Requerido/Recorrente tenha conseguido para si o veículo em causa com base numa transferência bancária do preço que afinal não aconteceu, ao contrário do referido na Motivação da decisão.
27. Por fim, e como já referido anteriormente, há prova documental junta pelo Requerente/Recorrido da qual não é possível extrair provas de factos, nomeadamente o print de instagram junto sob n.º 3, que é claramente insuficiente, porquanto não tem qualquer data, para aferir se a venda é anterior ou posterior ao contrato de compra e venda, nem é visível a placa de matrícula, pelo que não é possível aferir se se trata do mesmo veículo ou não, pelo que se impugna o mesmo; e o Auto de Apreensão do veículo BMW, no âmbito do processo n.º 251/21.4PCBRG pouco informa sobre o processo em si, bem como tal não é alegado no requerimento inicial, não sendo possível conhecer quais as partes no processo, quem é acusado/arguido, qual o veículo em causa, se o houver, nem mesmo qual o possível crime em causa, pelo que, de forma alguma é possível afirmar como é afirmado na decisão que «No caso em concreto, atentos aos factos provados, dúvida não há de que o primeiro requisito se encontra preenchido, havendo possibilidade da existência do crédito, uma vez que está provado que o requerente adquiriu ao 1.º requerido um veículo automóvel do qual veio a ser desapossado no âmbito de um processo criminal em que o 1.º requerido figura, pelo menos, como suspeito» (sublinhado nosso).
28. Desta forma, com a incorreta apreciação das provas já referidas, mais se reforça que não há fundamento jurídico para que a providência cautelar de arresto tenha sido aplicada.
29. Assim, por tudo quanto foi dito, deverá ser revogado o douto despacho de decisão aqui em crise e substituído por outro que decida pela não aplicação da medida cautelar de arresto sobre nenhum dos Requeridos/Recorrentes.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser admitido e considerado procedente e, em consequência, ser revogado o douto despacho que decretou a providência cautelar de arresto, com os devidos e legais efeitos, e ser substituído por um que não a admita, sendo o veículo Honda Civic com a matrícula FX restituído ao 1.º Requerido.”

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1 Se é de alterar as respostas positivas para negativas aos pontos 2, 3, 4, 6, 8, 11 e 18 da matéria de facto provada.
2 Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto 1 da matéria de facto provada.
3 Se o crédito do requerente já existe ou é hipotético.
4 Se há receio de perda da garantia patrimonial.
5 Se deve ser arrestado bem de terceiro.

Vamos conhecer das questões enunciadas

1 Se é de alterar as respostas positivas para negativas aos pontos 2, 3, 4, 6, 8, 11 e 18 da matéria de facto provada.
2 Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto 1 da matéria de facto provada.

Vamos transcrever os pontos de facto questionados:

1) No passado dia 27 de Maio de 2021, o aqui requerente T. B., empresário em nome individual que se dedica à reparação e comércio de automóveis, foi aliciado pelo requerido B. R. (que se deslocou ao stand do requerente, sito em ..., Paredes de Coura), para proceder à compra de um veículo automóvel marca BMW, modelo 120D, matrícula AF, do ano de 2015.
2) Tendo o requerido B. R. pedido o valor de €21.000,00 (vinte e um mil euros) ao aqui requerente.
3) Após negociações, foi acordado entre o aqui requerente e requerido para pagamento daquele veículo, BMW, dar à troca um veículo marca Honda Civic com matrícula FX do ano de 1990 (no valor de €8.500,00) propriedade do aqui requerente.
4) E para acerto da diferença de valores, entregou também o aqui requerente o montante de 10.750,00€ (dez mil, setecentos e cinquenta euros) em dinheiro ao requerido B. R..
6) Já na posse daquele veículo BMW, o aqui requerente procedeu ao carregamento de ar condicionado e à pintura do mesmo.
8 O veículo marca BMW, modelo 120D, com a matrícula AF, foi registado no dia 2 de Julho em nome do aqui requerente.
11) O único bem conhecido ao requerido B. R. é o veículo que o requerente havia dado em troca na venda – marca Honda Civic – matrícula FX.
18) O requerente encontra-se prejudicado pela conduta do requerido, no valor total de 20.010,00€.”

O tribunal fundamentou as respostas positivas com a seguinte motivação:
“A convicção do Tribunal assentou na apreciação dos documentos juntos aos autos, das declarações de parte e na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, todos analisados e valorados de acordo com as regras do ónus da prova e das regras de direito material aplicáveis.
Assim, atentou o Tribunal no teor dos documentos juntos, nomeadamente nos registos dos veículos, no auto de apreensão e na participação criminal.
Mais se valorou as declarações de parte do autor e, com especial relevo, o depoimento de S. C., companheira do autor e que o ajuda nos negócios e que explicou, no essencial, a matéria de facto, tal como se julga provada.
Concretamente, relatou que foram aliciados pelo 1º requerido a comprar o veículo BMW do qual o mesmo era proprietário, tendo feito o negócio nos termos descritos.
Acrescentou que aquando da realização do negócio, o 1º requerido, pediu que o veículo fosse registado em nome da sua avó, a segunda requerida, dando-lhes a entender que não poderia ter o veículo registados em seu nome, mas na altura não atribuíram grande relevância a esse facto.
No entanto, passado cerca de um mês do negócio feito foram abordados pela PSP que aprendeu o veículo no âmbito de uma investigação a um crime e burla.

Nessa altura abordaram o 1º requerido, sendo que o mesmo nunca se mostrou disponível para resolver o problema, concretamente, para lhes restituir o que quer que fosse, antes tendo deixado de atender os seus telefonemas.
Contactaram ainda o anterior proprietário do veículo BMW que ou informou ter sido alvo de uma burla, já que o 1º requerido conseguiu obter para si o veículo em causa e a declaração de3 venda com base numa transferência bancária do preço, que afinal não aconteceu.
No mais, explicou que apuraram depois que o veículo Honda Civic estava já à venda num stand e é usado em corridas de veículos, facto de que tem conhecimento pelas redes sociais.”

Os apelantes questionam as respostas aos pontos 2 a 4, 6, 8, 11, e 18, alegando, em síntese, que deveriam ser provadas com documentos, o que não aconteceu.

O certo é que da motivação apresentada pelo tribunal, resulta que a sua convicção assentou num conjunto de documentos juntos aos autos e na prova oral, mais concretamente nas declarações de parte do requerente e do depoimento da sua companheira. E no que tange ao registo do BMW, em nome do requerente, o tribunal fundamentou a respetiva resposta num documento comprovativo do seu registo em julho de 2021.

E a matéria fáctica questionada não obriga a que seja provada por documento. Não estamos perante factos que imponham uma prova documental, podendo ser feita por qualquer meio de prova atendível no sistema jurídico. Além disso, apenas se exige uma prova indiciária, sumária, uma vez que estamos no domínio de um processo cautelar, pelo que é de admitir como boa a fundamentação das respostas aos pontos questionados da matéria de facto. Daí que é de manter as respostas impugnadas.

Os apelantes questionam a resposta positiva ao ponto 1 da matéria de facto provada, de forma genérica, não pondo em causa os fundamentos apresentados pelo tribunal na sua motivação. Pois, não requereram a reapreciação dos depoimentos prestados pelo requerente e sua companheira nos termos do artigo 640 do CPC. Daí que seja inócua a impugnação genérica apresentada no seu recurso, a esta resposta, pelo que é de manter.

Vamos fixar a matéria de facto provada, que passamos a transcrever:

Assim, com interesse para a decisão da causa, considero indiciariamente provados os seguintes factos:

1) No passado dia 27 de Maio de 2021, o aqui requerente T. B., empresário em nome individual que se dedica à reparação e comércio de automóveis, foi aliciado pelo requerido B. R. (que se deslocou ao stand do requerente, sito em ..., Paredes de Coura), para proceder à compra de um veículo automóvel marca BMW, modelo 120D, matrícula AF, do ano de 2015.
2) Tendo o requerido B. R. pedido o valor de €21.000,00 (vinte e um mil euros) ao aqui requerente.
3) Após negociações, foi acordado entre o aqui requerente e requerido para pagamento daquele veículo, BMW, dar à troca um veículo marca Honda Civic com matrícula FX do ano de 1990 (no valor de €8.500,00) propriedade do aqui requerente.
4) E para acerto da diferença de valores, entregou também o aqui requerente o montante de 10.750,00€ (dez mil, setecentos e cinquenta euros) em dinheiro ao requerido B. R..
5) Tendo-se concretizando o negócio no dia 14 de junho de 2021.
6) Já na posse daquele veículo BMW, o aqui requerente procedeu ao carregamento de ar condicionado e à pintura do mesmo.
7) Tendo despendido o requerente o valor total de €760,00.
8) O veículo marca BMW, modelo 120D, com a matrícula AF, foi registado no dia 2 de Julho em nome do aqui requerente.
9) Sucede que, em 02/07/2021, o referido veículo adquirido pelo requerido matrícula FX foi apreendido pela Polícia de Segurança Pública de Braga no âmbito de Proc. N.º 251/21.4PCBRG, em que investiga a prática de um crime de burla, – do qual o aqui requerente é completamente alheio e desconhece os seus termos.
10) Ficou o requerente T. B. privado do veículo que havia comprado e pago ao requerido B. R., e com um prejuízo de 20.010,00 (vinte mil e dez euros).
11) O único bem conhecido ao requerido B. R. é o veículo que o requerente havia dado em troca na venda – marca Honda Civic – matrícula FX.
12) Todavia o requerente tomou conhecimento que o veículo marca Honda Civic, com a matrícula FX, está à venda no Stand X, sito em Avenida … Braga.
13) E foi registado, a pedido do B. R., em nome de R. S., residente na Rua …, concelho de … Braga, (avó do requerido).
14) O requerente T. B. não conhece outros bens ao requerido B. R..
15) Ora, o veículo Honda Civic poderá ser facilmente dissipado por transação ou qualquer outro meio, transmitido pelos requeridos, beneficiando inclusive da morosidade processual da queixa-crime apresentada e de uma ação cível a apresentar, uma vez que nos encontramos em período de férias judiciais.
16) Se o veículo automóvel for efetivamente transmitido, coloca o requerente numa situação em que jamais conseguiria cobrar o seu crédito.
17) Com a colocação do veículo automóvel à venda, os requeridos querem proceder consciente e dolosamente à venda daquele.
18) O requerente encontra-se prejudicado pela conduta do requerido, no valor total de 20.010,00€.
19) Pois está desapossado da quantia de 10.750,00€ (dez mil, setecentos e cinquenta). Ao que acresce, o valor do veículo que entregou, no montante de 8.500,00€ (oito mil e quinhentos euros e ainda o montante de 760,00€ com a manutenção do referido veículo automóvel.
20) O aqui requerente também apresentou queixa-crime junto do Tribunal de Judicial de Paredes de Coura contra os aqui arguidos –dando origem ao processo n.º 50/21.3T9PCR.
21) O requerente, pelas atitudes suprarreferidas, teme que os requeridos em comunhão de esforços com a requerida, sua avó, possam proceder a qualquer transação ilegal ou ilegítima da sua viatura.
22) Bem assim, como tem sérios receios que o requerido, conduzindo a sua viatura, a possa danificar, provocando graves danos no veículo e desvalorizando o mesmo.”

3 Se o crédito do requerente já existe ou é hipotético.

Os apelantes alegam que o crédito invocado pelo apelado é hipotético, futuro, uma vez que está dependente do desfecho do processo que levou à apreensão do BMW que o 1º requerido vendeu ao requerente, sendo exigível, como fundamento do arresto, a sua existência atual, como defende a jurisprudência dos tribunais superiores, inclusive os acórdãos citados nas suas alegações do recurso.

A apreensão do BMW está envolvida num processo criminal, em que se discute se há crime de burla na transação de transmissão desta viatura por um terceiro (seu anterior proprietário) ao 1º requerido. Segundo o que consta da motivação da matéria de facto terá havido um contrato de compra e venda outorgado entre o terceiro e o 1º requerido, cujo pagamento seria através de uma transferência bancária, o que não ocorreu, sendo registado em nome do 1º requerido.

Daqui se depreende que houve uma transferência do direito de propriedade através do contrato de compra e venda concluído, e não cumprido pelo comprador, aqui 1º requerido. O 1º requerido, quando vendeu o veículo ao requerente era seu proprietário, pelo que, pelo contrato que outorgou com o requerente, transmitiu-lhe o direito de propriedade, que veio a ser registado, a 2 de julho de 2021, pelo requerente, em seu nome.

Este continua a ser o proprietário da viatura, neste momento, apesar de não ter a sua posse. Não se pode falar, neste momento, que tenha perdido o seu valor, como alega. O crédito invocado não existe, não é atual, sendo algo a ponderar no futuro, uma vez terminado o processo. Pois, o requerente só terá direito a receber a prestação que entregou ao 1º requerido, aquando da compra do BMW, se porventura ficar sem a propriedade deste, o que pressupõe a anulação ou resolução do contrato de compra e venda entre o 1º requerido e o terceiro.

Será que o crédito referido no artigo 391 n.º 1 e 392 n.º 1, ambos do CPC, como fundamento do arresto, poderá ser futuro, ou terá que existir no momento da propositura do procedimento cautelar?

A doutrina e a jurisprudência dominantes defendem que o crédito do requerente terá de ser atual no momento da propositura da providência, e não futuro, dependente de eventos vindouros ou de expectativas, exigindo-se apenas que seja verosímil, haja uma probabilidade séria da sua existência na sua esfera jurídica, não sendo necessário que seja líquido, exigível (conferir – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 168 a 174; Ac. STJ. 20/12/1977, BMJ. 272, pag. 169 a 174; Ac. Rla.20/05/2010; Ac. Rla. 8/01/2019; Ac. RG. 29/04/2021; Ac RG. 27/10.2014 e toda a jurisprudência e doutrina aí citada sobre a questão).

Estando-se perante um crédito futuro e não atual, como o referimos, e não sendo admissível como fundamento da providência cautelar de Arresto, julgamos que não se verifica um dos seus pressupostos.

4 Se há receio de perda da garantia patrimonial.

É o segundo pressuposto do Arresto. Exige-se que haja um receio justificado de que o requerido está a colocar em risco o seu património com vista a não cumprir os seus débitos.

No caso em apreço, o 1º requerido, ao fazer a transação do BMW com o requerente, e ao receber o preço, uma parte em numerário e outra em espécie (uma viatura marca Honda Civic – matrícula FX), teve o cuidado de transferir a viatura, de imediato, para a esfera jurídica do 2ª requerente, que a registou em seu nome, colocando-a à venda, num stand. Este facto, em si, indicia, com grande probabilidade, que o 1º requerido, em conjugação com a 2ª requerida, quis esconder o seu património de molde a que não pudesse ser responsabilizado pelo pagamento dos seus débitos. E, de acordo com a respostas 13 a 16 da matéria de facto provada, está demonstrado o justo receio de o requerente perder a garantia do cumprimento do seu crédito, neste caso na retoma do veículo em causa, pelo que este requisito do Arresto se concretizou.

5 Se deve ser arrestado bem de terceiro.

Em princípio só são arestados bens do devedor e não de terceiro, como resulta do disposto no artigo 619 n.º 2 do C. Civil. Na verdade, para que tal aconteça, é necessário que haja impugnação judicial da transmissão do bem para terceiro.

No caso em apreço, estamos perante um registo da viatura dada em pagamento, pelo requerente, na transação do BMW, em nome da 2ª requerida. Esta goza da presunção de que o direito de propriedade lhe pertence. O certo é que, face à matéria de facto provada, o 1º requerido simulou a transferência da propriedade para a 2ª requerida com vista a ocultar este direito, que não quis transmitir. Fê-lo para se proteger de eventuais agressões judiciais ao seu património. Daí que se possa concluir que se está perante uma situação em que a propriedade do veículo não foi transferida, uma vez que há fortes indícios de uma simulação de transferência do direito de propriedade. Daí que se possa concluir que não se está perante uma bem de terceiro, mas do 1º requerido, pelo que o arresto é admissível.

Mas para que o arresto seja possível de concretização é necessário que se verifique, cumulativamente, o pressuposto da titularidade de crédito atual e não hipotético e o perigo de perda de garantia. No caso em apreço, pelo que acima referimos, o crédito em causa é futuro e não atual, pelo que não se verificam os pressupostos consignados no artigo 391 n.º 1 e 392 n.º 1 do CPC. Assim é de revogar a decisão recorrida.

Concluindo: 1. No Arresto, o crédito do requerente terá de ser atual e não futuro, hipotético, resultante de eventos futuros.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, devendo ser ordenado o levantamento do arresto.

Custas a cargo do requerente.

Guimarães,

1 - Apelação 640.21.4T8VVD.G1– 2ª
Arresto
Tribunal Judicial Comarca Braga – Vila Verde
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos