EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
ARTº. 6º DO C.P.C.
Sumário


1. A execução de prestação de facto com a prestação de contas a final é mais célere que a apresentação faseada de faturas no desenvolvimento da execução, que obriga a um escrutínio permanente, e não impedindo a prestação de contas a final, pelo que não se verifica a violação do disposto no artigo 6º do CPC atual.

Texto Integral


Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

No processo acima identificado de execução de prestação de facto, em que é exequente A. N. e outros e executado o Município de …, não se conformando com o despacho proferido a 31/05/2021, dele interpôs recurso de apelação na parte que lhe é desfavorável, formulando as seguintes conclusões:

“O disposto nos artigos 935º, 936º e 937º do CPC/61 ou nos artigos 870º, 871º e 872º do NCPC/13 devem ser analisados casuisticamente, com as devidas adaptações porque havendo trabalhos faseados e contas parciais antecipadas, a conta final no Tribunal da execução ou as contas ao Juiz do processo não trazem nada de novo, até porque será sempre o empreiteiro da obra, como pessoa idónea para valorizar cada lanço ou parte da obra quem também quantificará a conta final no Tribunal de execução, pois será a pessoa mais qualificada de quem se servirão os exequentes para o cabal cumprimento dessa derradeira obrigação, que dessa forma será satisfeita em duplicado.
SEGUNDA
Não é lícito realizar no processo actos inúteis ou absolutamente inócuos (art.º 137º do CPC/61 ou art.º 130º do NCPC/13: princípio da limitação dos actos).
TERCEIRA
Nesta perspectiva, o Despacho ora recorrido de 31/05/2021, de Fls…, sob a referência 23.440.406, ao adiar desproporcional e desnecessariamente, contra a praxis fixada já no processo de execução, o pagamento das obras e trabalhos necessários intermédios para a derradeira prestação de contas ao Juiz do processo é desrazoável, impertinente e meramente dilatório porque contraria o andamento célere do processo e constitui um obstáculo na engrenagem dos mecanismos de simplificação e agilização processual, consubstanciando clara violação da norma do art.º 6º do NCPC/13, cujo dever de gestão processual cumpre ao Juiz observar, dirigindo activamente o processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e providenciando pela remoção dos obstáculos.
QUARTA
O executado Município de … ao contestar ou impugnar o final das obras e trabalhos necessários para a prestação do facto chegará obviamente à mesma conclusão e idêntico resultado que já havia extraído ao sindicar cada uma das fases ou etapas desse empreendimento porque o todo é igual à soma das partes e, por isso, a conta final, nesta situação, será uma manifesta inutilidade ou repetição das contas parciais já devidamente apresentadas.
QUINTA
As contas parciais intermédias e antecipadas não prejudicam a conta final perante o Juiz ou o Tribunal da execução, desde que o processo seja equitativo.
SEXTA
Tanto o Despacho de 22/11/2017 como o Despacho de 19/11/2020 transitarem em julgado, pelo que ambos estão cobertos pelo caso julgado (art.º 277º, 278º, 580º e 581º do NCPC/13)
SÉTIMA
O despacho recorrido não pode ou não deve desconsiderar as prestações parciais de contas atinentes da já prestadas nas 1ª e 2ª Fases e relativamente às duas etapas deve haver idêntico procedimento de pagamento, se necessário com a imposição do reforço da caução.
OITAVA
Efectivamente na Factura A/216, de 02/05/2016 e na Factura A/320, 06/10/2020 foram discriminados os trabalhos realizados e os valores correspondentes que serão tidos em consideração na conta final perante o Juiz da Execução ou do processo.
Donde há que proceder ao pagamento da Factura A/320, de imediato.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso
de Apelação merecer provimento e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada na parte desfavorável ao exequente, com todas as consequências legais, assim se fazendo Justiça.”

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se o despacho recorrido violou o princípio do dever da gestão processual consagrado no artigo 6º do CPC.

Com interesse para a decisão do recurso consignamos a seguinte matéria de facto:

1. A 31/05/2016 a empresa A. A. & Filhos Lda. juntou aos autos a Fatura A/2016, datada de 2/05/2016 e com vencimento na mesma data, no montante de 1.845€, correspondente a trabalhos solicitados no processo.
2. A 11/11/2020 a empresa A. A. & Filhos Lda. juntou aos autos a fatura A/320 emitida a 6/10/2020 com vencimento na mesma data, no montante de 30.135€, respeitante ao preço dos trabalhos executados na habitação referente ao processo mencionado.
3. A 27/11/2017 foi proferido um despacho que destacamos os seguintes excertos:
i “aguardem os autos pela concretização da obra por iniciativa dos exequentes e subsequente prestação de contas, tendo-se em consideração o montante já depositado nos autos e, se necessário, procedendo-se, caso a quantia não se afigurar suficiente, nos termos do disposto no art. 935.º (ex vi artigo 937.º, n.º 1 da redação Código de Processo Civil de 1961)”.
ii “para integral cumprimento do doutamente decidido, deverá ser construída uma casa com características em tudo idênticas à que foi demolida” e não “uma casa com um cariz moderno, dotada de actuais condições de conforto e de habitabilidade”, notando que “do relatório de avaliação efetuado nos autos e constante de fls. 170 e 171 – o qual não foi impugnado – consta o valor necessário para a reconstrução de um casa em pedra com 36m2 e as condições básicas de habitabilidade (como a água, a luz, uma casa de banho)”.
4. A 20/12/2020 foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Cumpra-se o que foi determinado na parte final do despacho antecedente.
Uma vez que, notificada a Executada nada veio a opor ao requerimento dos Exequentes datado de 26/11/2020, deverão estes prosseguir com as obras tendentes a dotar a casa de todas as condições básicas de habitabilidade.”
5. A 31/05/2021 foi proferido despacho que decidiu:
“i) julgo legalmente infundado o pedido do Executado no sentido de que «o valor que o Executado terá de pagar pelas obras realizadas pelos exequentes será de 20.000,00€, por ser o que resultou da avaliação do custo da prestação».
ii determino que os autos aguardem pela conclusão da obra por iniciativa dos Exequentes e subsequente prestação de contas, tendo-se em consideração o montante já depositado nos autos e, se necessário, procedendo-se, caso a quantia não se afigurar suficiente, nos termos do disposto no artigo 935 (ex vi artigo 937 n.º 1 do CPC de 1961).
Pese embora a quantia de 20.000,00€ que se encontra depositada à ordem dos presentes autos, considerando que a factura junta pela empresa empreiteira é no valor de 30.135,00€ ( 24.500,00€ + IVA) e respeita apenas à «execução da moradia» e os Exequentes terão de prestar contas de todas as obras e trabalhos executados para a prestação do facto, em conformidade com o que se determinou no despacho de 22/11/2017, terá o pagamento das obras aguardar pela prestação de contas, o que determino.”

O tribunal, para fundamentar o despacho recorrido, apoiou-se no disposto no artigo 1935, 1936 e 1937 do CPC. de 1961, destacando que, tendo os exequentes tomado a iniciativa de executarem a prestação de facto, terão de o fazer, sendo pagos, a final, com o que estiver depositado em tribunal, depois de prestarem as respetivas contas da execução da obra. E, no caso de ser insuficiente o montante depositado, será realizada uma avaliação ao executado e, em face da decisão sobre a prestação de contas, caso não seja suficiente para suportar os gastos realizados, será ordenado ao Executado o reforço da caução no montante necessário. Seguiu, de perto os fundamentos apontados no despacho que proferiu a 27/11/2017 referido no ponto 3 da matéria de facto provada.

A apelante insurge-se contra o decidido alegando, em síntese, que se quebrou a prática que o tribunal tinha adotado, anteriormente, ao ordenar pagar a fatura de 1.845€, junta aos autos pela empreiteira a 31/05/2016, violando o disposto no artigo 6º do CPC de 2013, que impõe um dever de gestão processual traduzido na flexibilidade, agilização processual, com vista a sanar atos dilatórios que comprometam um processo equitativo. E isto porque a obra em causa é de execução faseada, cabendo à empreiteira apresentar as respetivas faturas, cujo teor representarão o executado e o seu custo, avaliado por pessoa idónea (a empreiteira), que a final traduzem o valor global da obra, sendo inútil, a final, fazer uma nova prestação de contas por parte dos exequentes, uma vez que se socorrerão do apresentado pela empreiteira, que, entretanto, foi escrutinada pelo Executado, ao pronunciar-se sobre cada fatura apresentada. Verifica-se uma duplicação da atividade processual, para atingir o mesmo objetivo, traduzido na determinação do valor global da obra que foi objeto de escrutínio faseado.

Esta atuação é mais complexa que a prevista no artigo 936 e 937 do CPC de 1961 (atual 871 e 872) na medida em que implica uma fiscalização do executado e do tribunal a cada fatura apresentada, quando na prestação de contas imposta pelo artigo 936 e 937 do CPC de 1961 apenas há a apresentação de todos os atos executivos da obra acompanhados de prova documental, a contestação do executado e a decisão do tribunal a considerar prestadas ou não as contas. Além de que o processamento aventado pela apelante não está dispensada de uma prestação de contas para análise de toda a execução no sentido de apurar se foi cumprido o ordenado ou não, inclusive se houve obras a mais ou a menos.

Daí que o despacho proferido a 22/11/2017, além de transitado em julgado e vinculativo das partes no processo, corresponde ao ordenado pela legislação prevista para a execução de facto e que se torna mais ágil e célere processualmente, pelo que o despacho recorrido, tendo-o como fundamento, não viola o disposto no artigo 6º do CPC atual.

Apenas tem um senão, que se traduz na responsabilização do pagamento da exequente perante a empreiteira, vindo a ser ressarcida pelo depositado à ordem do tribunal para suportar todos os custos após a decisão sobre a prestação de contas.

E, talvez por isso, a apelante pretenda a alteração processual para evitar ter de adiantar o dinheiro necessário à execução, cujo pagamento passaria a ser direto pelo tribunal. Mas este procedimento, além de ser ilegal, é mais moroso, não se verificando a violação do disposto no artigo 6º do CPC. atual.

Daí que é de manter a decisão recorrida.

Concluindo: 1. A execução de prestação de facto com a prestação de contas a final é mais célere que a apresentação faseada de faturas no desenvolvimento da execução, que obriga a um escrutínio permanente, e não impedindo a prestação de contas a final, pelo que não se verifica a violação do disposto no artigo 6º do CPC atual.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Guimarães,

1 - Apelação 272.14.3T8BGC.K.G1– 2ª
Proc. Execução
Tribunal Judicial Comarca Bragança – Bragança
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos