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MINISTÉRIO PÚBLICO
NOTIFICAÇÃO
SEGURO
Sumário
I - Analisando em pormenor todo o elenco de competências do MºPº consignadas nos nºs 1 e 2 do artº 3º do estatuto do MºPº não pode deixar de concluir-se que as funções e competências dos mandatários judiciais e do MºPº são claramente distintas e daí que essa realidade não poderá deixar de reflectir-se na tramitação processual e em concreto no que diz respeito a esta previsão do artº 229-A do CPC quanto à sua inaplicabilidade ao MºPº. II - O seguro escolar é uma medida de assistência social ou segurança social, um serviço público, cuja relação deriva da lei, por contraposição aos seguros privados, que são contratados com as seguradoras em obediência às regras do mercado.
Texto Integral
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
B.........., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra o réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, na comarca de Vila do Conde, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 9.366.610$00, a título de dano patrimonial, e 7.500.000$00 a título de dano moral sofridos pelo mesmo.
Alegou, para tanto, o autor que no dia 19.02.1986, na escola, durante o período de recreio, sofreu um acidente, tendo fracturado o úmero esquerdo e que em consequência de tal fractura teve muitas dores, apresentando várias deformidades, incluindo uma I.P.P. de 31%, além de outros prejuízos que sofreu.
Na contestação o réu deduziu excepção arguindo a incompetência em razão da matéria deste tribunal e impugnou ainda a versão dos factos alegados pelo autor, concluindo pela procedência pela improcedência da acção.
Houve replica onde o autor pugnou pela improcedência da arguida excepção de incompetência, alegando ainda que o acidente escolar em causa, sempre foi tratado no âmbito do seguro escolar, além de que atenta a gravidade da lesão sofrida, só após o terminus da fase de crescimento, é possível determinar o valor da incapacidade definitiva para o trabalho.
No desenvolver do tramitação do processo e já após decisão em despacho saneador da improcedência da excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, o MºPº veio apresentar o requerimento de fls.103 e 104, onde defende que o autor as notificações que o autor lhe vem fazendo por carta registada devem ser feitas pela secretaria já que não se pode equiparar a mandatário judicial.
No despacho de fls.120/121 foi indeferido o requerimento do MºPº, defendendo-se que não havia qualquer invalidade na notificação que o autor vem fazendo ao MºPº tal como se tratasse de mandatário judicial, nos termos do artº 229-A do CPC, mas dele foi interposto recurso tendo-se concluído nas respectivas alegações apresentadas de fls. 133 a 137,que o artº 229-A do CPC é uma norma de carácter especial que regula apenas a notificação entre mandatários judiciais razão pela qual as notificações a operar ao MºPº têm de ser efectuadas através da secretaria judicial.
Por sua vez o autor relativamente ao mesmo despacho de fls.120/121 veio a declarar (fls. 125) pretender também interpor recurso.
Notificado para aclarar este seu requerimento de interposição de recurso dum despacho que indeferira o requerimento do MºPº veio esclarecer a fls. 140 que o fazia quanto a esse despacho de 7.12.2001, mas expressamente do seu primeiro parágrafo, no que respeita à admissão da prova apresentada pelo MºPº com incumprimento do disposto no artº 229-A do CPC.
Embora a fls. 141 se despachasse no sentido de que o anterior despacho de fls. 103/104 apenas é vinculativo para as partes após transitar em julgado e nos limites nele enumerados, ou seja, apenas tem subjacente a pronúncia sobre a invocada nulidade de notificação feita pelo autor ao réu, sendo este representado pelo MºPº e que a omissão de notificação (quanto ao requerimento de interposição de recurso por parte do MºPº) não se enquadrava naquela decisão, acabou por admitir-se o recurso do autor, na forma em que foi interposto a fls.125 e no esclarecimento de fls. 140.
O autor veio a apresentar as alegações quanto a esse agravo conforme fls. 162/164 onde conclui a pedir a nulidade de todo o processado posterior respeitante à admissão dos meios de prova por parte do Réu, devendo assim substitui-se o despacho recorrido datado de 7.12.2001- 1º parágrafo.
Após julgamento a acção veio a ser julgada parcialmente procedente e, em consequência condenou-se o réu Estado Português, representado pelo Ministério Público na comarca de Vila do Conde, a pagar ao autor B.......... a quantia de 10.500,00 euros (dez mil e quinhentos euros) e absolveu-se do demais pedido.
Inconformados com o decidido os autores recorreram, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte:
Primeira: O Apelante formulou o pedido tendo por base a Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data, pelo que a resposta ao quesito deve ser dada de acordo com a mesma tabela e não com outra diferente.
Segunda:- O calculo da Incapacidade definitiva para o trabalho deve ter por base a I.P.P. calculada com base na T.N.I..
Terceira:- Atento os factos que foram dados como provados (4, 10 a 15 inclusive) deve proceder-se ao calculo aritmético das várias lesões de acordo com a T.N.I. que, somadas pelo seu valor mínimo totalizam 31%.
Quarta:- O seguro escolar atribui aos alunos o “direito a serem indemnizados pelos danos decorrentes do acidente escolar.”
Ora os danos para os alunos, neste caso de acidente escolar, podem ser patrimoniais e não patrimoniais.
Quinta:- À data do acidente do Apelante, existia um seguro escolar, o qual não era objecto de um diploma legal específico.
Sexta:- À data do acidente (19/2/86) existia um “guia prático de seguro” escolar e posteriormente em 23-6-86 foram aprovadas por despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação e Administração Escolar as “Instruções”.
Sétima:- Pelo que ao caso concreto poderá apenas e só aplicar-se o estatuto no Código Civil, que prevê dois tipos de dano, patrimonial e não patrimonial.
Oitava:- Ao presente caso não nos é possível aplicar o decreto actual em vigor para o seguro escolar, e também não nos é possível aplicar o despacho de 23-06-86 que é posterior ao acidente, pelo que o critério a adoptar será o previsto pelo Código Civil, e o cálculo da indemnização tendo por base o salário do lesado à data da consolidação da lesão, por ser o único possível de contabilizar.
Nona:- Pelo que se impõe, a inclusão na B.I. de um quesito equivalente ao vertido nos itens 46 e 47 da P.I., impondo-se a realização de novo julgamento para produção de prova, a este quesito, por forma a que se possa apurar o efectivo dano patrimonial do Apelante.
Décima:- Deve ser fixado ao Apelante, um dano não patrimonial, que de acordo com juízos de equidade atento ás graves lesões causadas, as dores que necessariamente teve, ao período de internamento hospitalar, à idade do sinistrado e, ás sequelas deixadas, deve ser fixada em valor nunca inferior a 7.500.000$00 (37.409,84 euros).
Houve contra-alegações onde se sustenta o decidido em sentença.
Corridos os vistos, cumpre decidir:
II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada.
1. O Autor entre os anos de 1982 e 1986 frequentou a escola primária de .........., hoje denominada Escola Básica do .° Ciclo de ......... .
2. No dia 19 de Fevereiro de 1986, durante o período de recreio e no espaço destinado ao mesmo, o Autor enquanto brincava com os colegas tropeçou naquele espaço e caiu.
3. 0 Autor tinha então 9 anos de idade (doc. de fls. 8) quando se deu o acidente escolar, abrangido pelo seguro do mesmo nome.
4. Em consequência da queda resultou fractura supra condiliana do úmero esquerdo, fractura esta que foi tratada "a céu aberto" (doc. de fls. 9 a 12).
5. (...) foi considerado como acidente escolar pela Direcção Regional de Educação do Norte (doc. de fls.13 a 28).
6. 0 seguro escolar pagou na data do acidente aos pais do Autor as quantias referentes a transportes, consultas e medicamentos (doc. de fls.13 a 28).
7. O Autor esteve internado 2 dias no Hospital de S João no Porto, tendo sido depois transferido para o Hospital de Vila do Conde, onde permaneceu mais de um mês.
8. O Autor sofreu dores e encontrava-se em plena fase de crescimento.
9. Em consequência da gravidade da fractura, tornou-se necessário aguardar que terminasse a fase de crescimento.
10. O autor apresenta deformidade em varo do cotovelo esquerdo com cerca de 20 graus.
11. Hipodesenvolvimento do maciço ósseo interno-condilo umeral interno.
12. (...) limitação da extensão do cotovelo esquerdo — cerca de 5-10 graus.
13. (...) atrofia muscular do braço esquerdo.
14. (...) atrofia muscular do antebraço esquerdo.
15. (...) cicatriz viciosa da região posterior do cotovelo esquerdo.
16. Tais sequelas provocam-lhe hoje uma incapacidade permanente geral de 10%.
17. O braço esquerdo do Autor apresenta deformação estética.
18. (...) a qual causa vergonha ao Autor de mostrar o braço.
19. O Autor, desde criança, que pretendia ser piloto aviador.
20. Concorreu à Academia Militar e foi reprovado no exame médico por aquelas deformações físicas.
21. (...) pela mesma razão foi impedido de entrar na Academia da Força Aérea.
22. O Autor ainda hoje tem dores no braço, nomeadamente formigueiros que o incomodam quase diariamente.
23. (...) os quais se acentuam com as variações climatéricas.
24. A mãe do menor pediu que o mesmo fosse transportado para o Hospital de S. João no Porto.
25. (...) motivo porque o menor, na companhia de sua mãe, foi então conduzido por uma professora da escola ao Hospital de S. João, onde foi atendido no mesmo dia 19/02/86, cerca das 12,00 horas, tendo sido indicada com causa do acidente "Queda".
26. (...) e não ao Hospital concelhio de Vila do Conde.
27. Nem o IASE nem a DREN mandaram submeter o autor a uma junta médica.
28. Aquando do acidente, a professora responsável pela escola de .......... transportou o autor a casa dos pais.
29. O Autor, à data do acidente, foi tratado no âmbito do acidente escolar, quer em consultas médicas ou em tratamentos.
30. O Autor foi a várias consultas de ortopedia que foram pagas pelo seguro escolar.
b)-Os recursos de agravo e de apelação.
É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.
Quanto aos agravos:
1-Foi interposto recurso de apelação pelo autor que determinou a subida dos agravos retidos.
O autor omitiu a especificação a que se alude no nº 1 do artº 748º do CPC, mas notificado para o fazer, veio declarar que mantinha interesse no agravo.
A apreciação deste agravo do autor tem subjacente uma questão que é também a que constitui o objecto do recurso por parte do réu.
Contudo quanto ao agravo do réu, face ao disposto no artº 710º nº 1 do CPC, o mesmo se interessar à decisão da causa só será apreciado se a sentença não for confirmada.
Passemos, pois, a apreciar o agravo do autor onde conclui pedindo a nulidade de todo o processado posterior respeitante à admissão dos meios de prova por parte do Réu e a substituição do despacho recorrido datado de 7.12.2001- 1º parágrafo.
Nesse primeiro parágrafo do despacho de fls. 103,consta o seguinte:
“Fls. 96 (rol de testemunhas apresentado pelo MºPº) e 97 (rol de testemunhas apresentado pelo autor): admito as provas oferecidas pelas partes”.
Entende o autor que o MºPº tinha a obrigação de notificar o autor, nos termos do artº 229-A do CPC, no tocante à apresentação deste rol e como não o fez a prova por ele apresentada no processo não devia ser admitida.
A questão objecto deste recurso não é nova e foi já apreciada em Ac do STJ de 19-02-2004-CJ-Acs.STJ-ano 2004-Tomo I, pág.71 a 74 ([Sobre a questão do regime de notificação entre mandatários das partes nos termos do artº 229º-A do CPC, no aspecto da sua aplicação aos recursos, veja-se o Ac. do STJ de 26-02-2004,publicado na CJ-ACs.STJ- Tomo I, pág.82, que neste aspecto está em divergência quanto ao decidido no Ac. de 19-02-2004, publicado no mesmo tomo I, a página 71 e ss.]).
Uma vez que o objecto deste recurso se cinge a este aspecto particular consistente em saber se o Mº Pº está ou não abrangido pela previsão do artº 229-A do CPC, louvamo-nos no citado Ac. do STJ na argumentação aí expendida, com a qual concordamos essencialmente pelas seguintes razões:
A Constituição da República nos seus artigos 219º e 220º e o Estatuto do MºPº (artº 1º) dão-nos a definição de que o MºPº representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo principio da legalidade e defende a legalidade democrática nos termos da Constituição, do seu Estatuto e da Lei.
As competência do Mº Pº estão definidas no artº 3º nºs 1 e 2, sendo que no seu nº 3 se estipula que “No exercício das suas funções, o MºPº é coadjuvado por funcionários de justiça e por órgãos de polícia criminal e dispõe de serviços de assessoria e consultadoria”.
Analisando em pormenor todo o elenco de competências do MºPº consignadas nos nºs 1 e 2 do citado artº 3º não pode deixar de concluir-se que as funções e competências dos mandatários judiciais e do MºPº são claramente distintas e daí que essa realidade não poderá deixar de reflectir-se na tramitação processual e em concreto no que diz respeito a esta previsão do artº 229-A do CPC quanto à sua inaplicabilidade ao MºPº.
Aliás, como os autos comprovam, não obstante estas divergências de entendimentos da parte do autor, que de algum modo foram acolhidas no despacho de fls. 103/104 que indeferiu o requerimento do MºPº para que se considerassem inválidas as notificações que o autor estava fazendo ao MºPº nos termos do artº 229-A do CPC, como se tratasse de um mandatário judicial, estão sanadas pela própria actuação processual pois se aceitou notificar normalmente o autor (através dos meios do tribunal) da apresentação das alegações do MºPº (fls.138).
Por outro lado, como também é salientado no citado Ac. do STJ que vimos acompanhando, a disposição do artº 229-A e a do artº 260-A do CPC conexas entre si, estão associadas também ao conceito de domicílio profissional dos advogados, conforme resulta do disposto nos artsº 467-1-b e 474-c do CPC, o que nos evidencia estarem as referidas normas vocacionadas para os mandatários judiciais enquanto sujeitos do exercício de profissão liberal mas neste caso com funções de colaboração e participação na realização da justiça como está contemplado nos artºs 6º e 113º da LOTJ.
Por sua vez o Mº Pº sendo o representante do Estado nas acções que contra ele são intentadas (como é o caso dos autos) está sediado na comarca ou tribunal onde exerce funções e acompanha aí a acção no exercício das suas funções.
Concluímos, pois, que o MºPº não está abrangido pela previsão do artº 229-A, nº 1 do CPC, por não lhe ser aplicável (cfr neste mesmo sentido o Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 12-07-2002 -Nº Convencional: PGRP00001986 -Parecer: P001312001 - Nº do Documento: PPA120720020013100)
2-Quanto à apelação:
Há que referir em primeiro lugar que o tribunal de 1ª instância respondeu à matéria do questionário com base nos elementos documentais existentes no processo e tendo em conta a prova testemunhal produzida.
Concretamente e no que diz respeito à incapacidade do autor não pode este tribunal alterar a resposta que foi dada ao quesito 7º, já que se trata de questão factual a que a primeira instância respondeu com elementos de prova que lhe permitiram formar essa convicção os quais não estão presentes na apreciação do recurso.
Não se trata aqui de dar resposta ao quesito com base na TNI, mas sim apurar qual a incapacidade de que o autor é portador em função do acidente em causa.
Os técnicos especializados do IML responderam a essa questão e o tribunal, conforme consta da motivação da matéria de facto ouviu da testemunha médico C.......... a razão da divergência por ele atribuída ao autor e a atribuída pelo IML.
Acresce que a TNI que vigorava à data do acidente em 19.02.1986 era a de 1960 e não a de 30.12.1993,aprovada pelo DL nº 341/93 de 30/9.
Portanto não há que alterar a resposta ao quesito 7º.
Mantida esta matéria factual, entendemos, com respeito por opinião contrária que a decisão quanto aos danos patrimoniais está bem justificada, merecendo o nosso acolhimento, em equidade, o valor de indemnização encontrado, o qual é adequado à situação do autor no contexto factual apurado.
Estando-se em presença de um acidente que foi considerado como acidente escolar e que como tal foi tratado, devem funcionar as regras em vigor para o Seguro escolar à data do acidente.
Não deixa de reconhecer-se a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo acidente devendo assumir as correspondentes obrigações e despesas emergentes para os acidentados e ressarcimento dos danos patrimoniais em virtude dos acidentes escolares.
Daí que a indemnização a atribuir ao autor terá de apoiar-se no âmbito da legislação que regulava então o seguro escolar.
E como bem foi referido na sentença o seguro escolar é uma medida de assistência social ou segurança social, um serviço público, cuja relação deriva da lei, por contraposição aos seguros privados, que são contratados com as seguradoras em obediência às regras do mercado.
À data do acidente encontrava-se em vigor a Circular n° 2/78/FNSE, emanada do Instituto de Acção Social Escolar - FNSE - (junta a fls. 49 e ss dos autos) regulando-se aí o seguro escolar que atribui aos alunos abrangidos pelo chamado seguro escolar o direito a serem indemnizados pelos danos decorrentes do acidente escolar, sendo que o respectivo enquadramento jurídico-legal veio a ser regulado também nas Instruções (fls.65 e ss) aprovadas por despacho do Secretário de Estado da Educação Escolar, de 23/06/86,em cumprimento da Portaria nº 739/83 de 29 de Junho, posterior ao acidente de 19.02.1986.
Mas sendo os danos indemnizáveis e o Estado obrigado a repará-los nos termos do artº 562º do CC, os parâmetros que foram tomados em conta na sentença face ao que se dispõe no artº 566º do CC, estão adequados à situação dos autos.
Na verdade tiveram-se em conta os critérios da legislação em vigor para o seguro escolar e considerou-se a factualidade provada de que à data do acidente-19-02-1986, o autor tinha 9 anos de idade e de que o exame médico efectuado pelo I.M.L. do Porto foi realizado no dia 07.01.2004 (fixando-se aí uma incapacidade permanente geral de 10%), altura em que o salário mínimo nacional para esse ano de 2004 foi fixado em 365,60 euros (cfr. DL 19/2004, de 20.01) e ainda o factor da esperança média de vida até aos 71 anos e a taxa de juro de 3%/ano, factores que vão ao encontro do que vem sendo o entendimento maioritário da jurisprudência .
Ponderados todos esses factores é ajustada a indemnização fixada ao autor no montante de 10.500,00 euros.
3- Relativamente aos danos não patrimoniais também a sentença merece o nosso acolhimento, sendo que questão do âmbito do seguro escolar (como é salientado nas contra-alegações do MºPº) foi já objecto de apreciação em Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 15-05-2003 - Nº Convencional: PGRP00002233 -Parecer: P000132003 -Nº do Documento: PPA15052003001300, Publicado no DR nº 164, II Série de 18-07-2003.
Embora sobre danos não patrimoniais o artº 496° do CC disponha que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o certo é que esta acção foi intentada com base na lei que regulava o seguro escolar e este apenas previa então os danos patrimoniais.
Efectivamente como se historia no referido Parecer da PGR a matéria do seguro escolar foi objecto de desenvolvimentos, com destaque para a Portaria n.º 739/83, de 29 de Junho, que reestrutura o Instituto de Acção Social Escolar e a Direcção-Geral de Pessoal, consagrando a noção de acidente escolar (3.º), enunciando os direitos reconhecidos ao acidentado (4.º) e definindo as competências da Divisão de Seguro Escolar.
De acordo com a Portaria n.º 739/83, «considera-se acidente escolar o evento resultante de causa externa, súbita, fortuita ou violenta, ocorrido no local e tempo de actividade escolar e que provoque ao aluno lesão corporal, doença ou morte» (3.º), sendo que, «em caso de acidente escolar, é reconhecido ao acidentado o direito a:
a) Assistência médica e cirúrgica, geral ou especial, incluindo todos os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;
b) Assistência farmacêutica e de enfermagem;
c) Transporte necessário para receber a assistência de que carecer e para comparência a actos determinados pela Direcção de Serviços de Medicina Pedagógica e Seguro Escolar;
d) Hospedagem sempre que, por imposição médica ou indicação da Direcção de Serviços de Medicina Pedagógica e Seguro Escolar, o sinistrado tenha de deslocar-se para fora da área da sua residência com demora que a justifique;
e) Próteses, incluindo aparelhos de ortopedia e meios auxiliares de visão, que se tornem necessários em consequência do acidente;
f) Pagamento do funeral, em caso de morte provocada por acidente escolar;
g) Pagamento de uma indemnização, em caso de incapacidade permanente, total ou parcial.
Daqui se conclui que à luz da legislação vigente à data do acidente dos autos (19-02-1986), o seguro escolar abrangia apenas a cobertura de danos patrimoniais.
Esses danos, no caso concreto, entendem-se ressarcidos pela indemnização que se decidiu em 1ª instância e que ora se confirma.
Actualmente, o seguro escolar é disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro, e pela Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho.
O Decreto-Lei n.º 35/90, tem como âmbito de aplicação os alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo, ressaltando do respectivo preâmbulo, no que respeita aos apoios sócio-educativos, o seguro escolar «destinado a garantir a cobertura financeira na assistência a alunos sinistrados», modalidade de acção social escolar prevista no seu artigo 17.º
Só pela Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, se consagrou uma das inovações mais relevantes do novo regulamento do seguro escolar, isto é, o eventual pagamento de indemnização por danos morais -alínea c) do artigo 10.º.
Assim, numa maior abrangência, o seguro escolar, para além de garantir ao aluno sinistrado assistência médica e medicamentosa (artigo 7.º), hospedagem, alojamento e alimentação (artigo 8.º), e transporte indispensável para garantir essa assistência (artigo 9.º), compreende ainda o pagamento de indemnização por incapacidade temporária, desde que se trate de aluno que exerça actividade profissional remunerada, de indemnização por incapacidade permanente e de indemnização por danos morais (artigo 10.º).
Deste modo foi correcta a decisão de julgar improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, por inexistência de apoio legal.
5-Face à decisão de confirmação da sentença fica prejudicada a apreciação do agravo do Réu, sendo que as questão que nele era suscitada acabou por, de algum modo, ser analisada no agravo do autor.
III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em:
a) negar provimento ao agravo do autor, mantendo-se a decisão recorrida, considerando-se prejudicada a apreciação do agravo do réu.
b) Julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 23 de Fevereiro de 2006
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo