CONTRATO DE REMISSÃO ABDICATIVA
RELAÇÕES LABORAIS
CRÉDITOS VENCIDOS
DATA DA CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO
Sumário


Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Vale como contrato de remissão abdicativa o documento intitulado "Recibo de Quitação", subscrito pelo trabalhador e entidade patronal em que se refere que na sequência da comunicação de encerramento se receberá dada quantia “onde estão incluídos os créditos vencidos à data da caducidade do contrato de trabalho e exigíveis em virtude desta caducidade, encontrando-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que porventura a mesma tivesse direito, e nomeadamente vencimentos, férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal, horas suplementares, diferenças salariais, prémios de assiduidade, diuturnidades, horas de trabalho noturnas, subsídio de compensação, despesas de transporte, ajudas de custo, indemnizações pela não concessão de férias, complementos de subsídio de doença e de pensões, subsídio de refeição, indemnização por antiguidade, não podendo o (a) trabalhador (a) exigir da sua entidade patronal qualquer outra quantia seja a que título for”, o qual foi entregue para melhor ponderação e aconselhamento do trabalhador seis dias antes do anunciado encerramento do estabelecimento e da cessação do contrato de trabalho, procedendo aquele à sua entrega devidamente assinado e comunicando que aceitava a proposta que o documento encerrava.
2- O contrato de remissão abdicativa é também aplicável no domínio das relações laborais quando o trabalhador se predispõe a negociar a cessação do contrato de trabalho por qualquer modo.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A. F., A. M., A. O., B. R., C. G., M. L., S. P. e V. M. requereram a insolvência de X, Lda - Em Liquidação.
Alegaram, em súmula: foram trabalhadores da requerida que ilicitamente, em 24.06.2020, procedeu ao seu despedimento; em virtude de tal despedimento e dos créditos vencidos, são titulares de créditos laborais no valor global de 39.465,38€; e a requerida encontra-se incapaz de cumprir as suas obrigações uma vez que cessou a sua atividade.
A requerida deduziu oposição à declaração de insolvência, alegando, em síntese: os requerentes carecem de legitimidade substantiva para intentar a presente causa uma vez que não são seus credores pois, que, aceitaram celebrar um acordo de remissão pelo qual receberam certa compensação global pela cessação do contrato de trabalho; existe exercício abusivo de direito; de qualquer forma, tratando-se de créditos controvertidos, sempre deveriam ser dirimidos em ação própria, no juízo de competência especializada do trabalho; e não se encontra em situação de insolvência.
Os requerentes responderam às exceções aduzidas pela requerida, mantendo a sua posição inicial e alegando que “a assinatura do[s] Requerente[s], aposta no[s] aludido[s] documento[s], foi assim obtida sob coação e ameaça do não pagamento do salário que tanta falta fazia ao[s] Requerente e ao seu agregado familiar”.
Em audiência foi proferido despacho saneador fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova, após o que se realizou audiência de julgamento onde foi proferido despacho, constando na sua ata:
“(…)
Apesar de a respeito dessa matéria parecer existir acordo das partes nos seus articulados, designadamente no que respeita à data da cessação do contrato de trabalho, 24/06/2020, o certo é que das declarações de partes das Autoras, assim como do próprio depoimento de parte do representante legal da Requerida, e agora das declarações que estão a ser prestadas pela testemunha, parece resultar que o contrato de trabalho terá formalmente cessado no dia 30/06/2020 (que aliás será a data que foi inscrita nos modelos para obtenção do subsídio de desemprego) e, como tal, o Tribunal pondera considerar esta factualidade, que considera como sendo instrumental, pelo que dá de tal conhecimento às partes para efeitos do exercício do contraditório/pronúncia até ao final da audiência.
(…)
De seguida, a Mmª. Juiz de Direito deu a palavra aos Ilustres Mandatários das partes para o exercício de contraditório/pronúncia quanto à factualidade instrumental a considerar na sentença, sendo que pelos mesmos foi dito nada terem a opor ou a requerer.
(…)
Notifique.
Do despacho proferido foram notificados os presentes.”.
Proferida sentença, a sociedade foi absolvida do requerido.

Os requerentes recorreram concluindo:
“Face ao exposto impõe-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída, pois:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida que julgou a ação improcedente e absolveu a Requerida do pedido de declaração de insolvência, já que as Recorrentes não se conformam com a mesma.
(…)
B. Os Recorrentes não se conformam com a decisão que não declarou a insolvência da Requerida.
C. A sentença recorrida fundamentou-se no facto de, no entender do Tribunal a quo, os Recorrentes terem renunciado aos seus créditos laborais, através de remissão abdicativa, tendo, consequentemente, sido decidido que estes não têm legitimidade, uma vez que não conseguiram demonstrar deter sobre a Requerida qualquer direito de crédito que lhes legitimasse o pedido de insolvência.
D. Entendem, no entanto, os Recorrentes que se impunha uma decisão diversa da recorrida e que declarasse a insolvência da Requerida, já que não renunciaram a quaisquer créditos sobre esta.
(…)
E. Os Recorrentes pretendem, com o presente recurso, ver reapreciada, apenas e só, a questão da (in)validade da alegada renúncia e remissão abdicativa que está na origem da decisão proferida.
F. Com efeito, primeiramente a sentença recorrida começa por analisar a existência ou não de créditos laborais dos Recorrentes sobre a Recorrida, concluindo o seguinte: i) a Recorrida despediu ilicitamente os Recorrentes; e ii) os Recorrentes são titulares dos créditos laborais alegados e peticionados sobre a Recorrida.
G. No entanto, conclui o Tribunal a quo que o documento assinado pelos Recorrentes (cfr. ponto K. dos factos provados) constitui uma remissão abdicativa, razão pela qual estes deixaram de ser titulares de qualquer crédito sobre a Recorrida e, consequentemente, não têm legitimidade para requerer a declaração de insolvência desta.
H. Os Recorrentes não ignoram a existência, quer de Doutrina, quer de Jurisprudência, que admite a renúncia de créditos laborais e a remissão abdicativa de créditos laborais.
I. No entanto, os Recorrentes não comungam dessas teses. Aliás, os Recorrentes julgam que tais teses, salvo o devido respeito, estão ultrapassadas e que se assiste, ainda que lentamente, a uma mudança de orientação cada vez significativa no sentido de não se admitir a renúncia e a remissão abdicativa de créditos laborais.
J. A título de exemplo citem-se os recentes Acórdãos do STJ: de 13.02.2019 (proc. n.º 1059/16.4T8PNF.P1.S1), cujo relator é o reconhecido juslaboralista Professor JÚLIO GOMES; de 22.02.2017, (proc. n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1), cujo relator é GONÇALVES ROCHA:
K. Já no âmbito Doutrinal, uma das vozes que mais se tem batido por esta questão, há já muito anos, é o Professor JOÃO LEAL AMADO, que defende a insusceptibilidade da renúncia e da remissão abdicativa de créditos laborais: “(…) sendo o crédito salarial parcialmente insuscetível de cessão a terceiro (cfr. art. 280.º do Código do Trabalho), como se poderia compreender que o trabalhador fosse livre de a ele renunciar integralmente, em óbvio benefício do seu empregador? (…) ao carácter alimentar do salário vem ainda adicionar-se a situação de dependência do credor- trabalhador relativamente ao devedor-empregador, o que contribui para reforçar a tese da irrenunciabilidade” – “Direito do Trabalho – Relação Individual”, Almedina, 2020, pág. 802.
L. Acresce ainda que “(…) a irrenunciabilidade é outrossim reclamada pela natureza do próprio direito ao salário, enquanto direito marcado por uma nota fortemente alimentar, sendo evidente que a função alimentar da retribuição não se altera com a cessação do contrato (…) – JOÃO LEAL AMADO, “Direito do Trabalho – Relação Individual”, Almedina, 2020, pág. 804.
(…)
M. Os Recorrentes alegam, na petição inicial, que foram ilicitamente despedidos pela Recorrida e peticionam o valor da indemnização decorrente dessa ilicitude.
N. Ora, em momento algum do documento assinado pelos Recorrentes existe uma renúncia ou uma remissão abdicativa do direito de impugnar o despedimento ocorrido.
O. Daí que, salvo melhor opinião, nunca existirá qualquer renúncia ou remissão abdicativa relativamente aos valores indemnizatórios a que os Recorrentes têm direito por força da ilicitude do seu despedimento.
(…)
P. Mesmo que se admita a possibilidade de renúncia de créditos laborais e da sua remissão abdicativa, os defensores destas teses, quer a nível Doutrinal, quer a nível Jurisprudencial, são unânimes em considerar que tal apenas é possível e válido se ocorrer após a cessação do contrato de trabalho.
Q. Ora, sucede que analisando os factos dados como provados na sentença, mais concretamente os pontos I., K. e O., conclui-se que os contratos de trabalho das Recorrentes cessaram, por iniciativa da Recorrida, no dia 30 de junho de 2020 e que os documentos, designados “Recibo de Quitação”, foram assinados por aqueles e entregues à Recorrida antes daquela data, ou seja, numa altura em que ainda se mantinha o vínculo laboral entre as partes.
R. Assim, mesmo sufragando as teses doutrinárias e jurisprudenciais que admitem a renúncia e a remissão abdicativa de créditos laborais, in casu nunca tal seria válida e legal, por parte dos Recorrentes, uma vez que a mesma foi efetuada na pendência do contrato de trabalho.
S. A sentença recorrida violou assim, entre outros, os artigos 279.º e 280.º do Código do Trabalho e o artigo 863.º do Código Civil.
Termos em que, …, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue a ação procedente e declare a insolvência da Recorrida, …”.
Respondeu-se a sustentar o julgado.

***
Averiguar-se-á se os recorrentes são credores da recorrida para se legitimarem à pretensão da declaração de insolvência da mesma e, neste caso, se é de reconhecer que a devedora se encontra constituída em situação de insolvência.

Consta da sentença:
“A. A requerida é uma sociedade comercial por quotas com o NIPC ………, e matriculada definitivamente na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, e tem por objeto de atividade Fabricação/transformação de componentes e acessórios para veículos automóveis, tendo a sua sede social na Zona Industrial da ... ….
B. Tem o capital social de 2.100,00€ distribuídos pelos seguintes sócios:
P. J.
F. O.
J. C.
C. Atualmente, a Requerida é gerida por um só gerente: P. J..
D. Por acordo verbal, os requerentes foram admitidos ao serviço da requerida, inicialmente para receber formação específica nas funções, máquinas e ferramentas afetas ao seu processo industrial, em pleno contexto de trabalho, e, a par da formação, desempenharem funções, cumprindo o horário de 40 horas semanais, 08 horas diárias, de segunda a sexta-feira:
A. F., em 03/04/2018
A. M., em 12/02/2018
A. O., em 02/05/2018
B. R., em 02/01/2018
C. G., em 29/03/2018
M. L., em 18/06/2018
S. P., em 01/03/2018
V. M., em 19/09/2017.
E. Auferiam, nesse período, que decorreu até
A. F., 03/07/2018,
A. M., 11/06/2018,
A. O., 22/11/2018,
B. R., 03/04/2018,
C. G., 03/07/2018,
M. L., 03/01/2019,
S. P., 11/06/2018,
V. M., 06/03/2018,
o valor mensal de 250,00€, quantia essa que a requerida pagava através de Cartão Presente Continente.
F. A. F., em 03/07/2018,
A. M., em 11/06/2018,
A. O., em 22/11/2018,
B. R., em 03/04/2018,
C. G., em 03/07/2018,
M. L., em 03/01/2019,
S. P., em 11/06/2018,
V. M., em 06/03/2018,
assinaram com a requerida um contrato de trabalho sem termo certo, exercendo as funções próprias de Estofador.
G. Os Requerentes, como contrapartida do trabalho prestado, a partir de
A. F., 03/07/2018,
A. M., 11/06/2018,
A. O., 22/11/2018,
B. R., 03/04/2018,
C. G., 03/07/2018,
M. L., 03/01/2019,
S. P., 11/06/2018,
V. M., 06/03/2018
vinham recebendo a retribuição mínima mensal de 635,00€ e um subsídio de refeição de 4,52€, por cada dia de trabalho.
H. Os requerentes e restantes trabalhadores exerciam a sua atividade profissional nas instalações fabris da requerida sita Zona Industrial da ... .
I. No dia 24 de junho de 2020, o gerente da Requerida, P. J. dirigiu-se aos Requerentes (bem como aos demais trabalhadores ao seu serviço) e comunicou-lhes expressamente que não havia condições financeiras para continuar a atividade, não havia encomendas, o estabelecimento encerraria no final do mês e, por isso, o contrato de trabalho cessaria com efeitos no final do mês (30 de junho de 2020).
J. A requerida paralisou a sua atividade.
K. Na data referida em I. a Requerida, apresentou aos Requerentes, propostas individuais de liquidação de todos os créditos destes, nos termos dos recibos de quitação anexos à contestação como docs. 2 a 9, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e de onde constam, ademais, os seguintes dizeres:
“Recibo de quitação
Na sequência da comunicação de encerramento Total, Absoluto e Definitivo da X, Lda. [Requerida], o (a) trabalhador (a) A. F./A. M./A. O./B. R./C. G./M. L./S. P./V. M. [Requerentes], com o número de cartão de cidadão ----------------------------------- receberá a quantia de 1.485,66€ [cada um dos Requerentes, com exceção da Requerente M. L., cuja quantia foi de 920,51 €], onde estão incluídos os créditos vencidos à data da caducidade do contrato de trabalho e exigíveis em virtude desta caducidade, encontrando-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que porventura a mesma [os Requerentes] tivesse direito, e nomeadamente vencimentos, férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal, horas suplementares, diferenças salariais, prémios de assiduidade, diuturnidades, horas de trabalho noturnas, subsídio de compensação, despesas de transporte, ajudas de custo, indemnizações pela não concessão de férias, complementos de subsídio de doença e de pensões, subsídio de refeição, indemnização por antiguidade, não podendo o (a) trabalhador (a) [Requerentes] exigir da sua entidade patronal [Requerida] qualquer outra quantia seja a que título for.
Cabeceiras de Basto, .. de Junho de 2020
L. A Requerida advertiu os Requerentes de que, com a assinatura do documento e recebimento da aludida quantia, ficavam saldadas as contas entre ambos, e nada mais lhe deveria ou poderia ser exigido.
M. Os Requerentes receberam esses documentos em mão, mas não os assinaram imediatamente, tendo alegado que iriam “pensar no assunto”, aconselhar-se com outras pessoas e certificar-se, junto da Segurança Social, se teriam direito ao subsídio de desemprego.
N. Os Requerentes ficaram na posse dos documentos.
O. Em data indeterminada, mas anterior a 30/6/2020, os Requerentes comunicaram à Requerida que aceitavam a proposta desta e entregaram-lhe esses documentos, assinados, com o seu número de cartão de cidadão e respetiva data de validade manuscritos, tendo em seguida o sócio-gerente e legal representante da Requerida aposto a sua assinatura sob carimbo da gerência.
P. Em seguida, a Requerida pagou aos Requerentes, por transferência bancária para a conta destes, as acordadas quantias de 1.485,66€ (920,51 €, no caso da Requerente M. L.), que os Requerentes aceitaram.
Q. A requerida não tem dívidas tributárias.
R. Não tem dívidas de contribuições e quotizações para a Segurança Social.
S. Não tem dívidas bancárias.”.
*****
Previamente diremos que a sentença, na linha do alegado no requerimento inicial, assentou na cessação dos contratos de trabalho celebrados entre os recorrentes e a recorrida em virtude de despedimento individual sem justa causa a que daria lugar ao recebimento de indemnização e de diversas compensações remuneratórias (diferenças salariais, férias, subsídios de férias e de Natal, e indemnização por despedimento ilícito).

Aí se referiu:
“Resta verificar, então, se os requerentes são, como se arrogam, credores da requerida.
Conforme resulta da análise da petição inicial, os requerentes alegam deter sobre a requerida créditos laborais resultantes quer de diferenças salariais, quer da retribuição em falta relativa ao mês de cessação do contrato, férias vencidas e não gozadas, respetivo subsídio, proporcionais de férias e subsídio de férias e de Natal do ano de cessação do contrato e indemnização por despedimento ilícito/retribuições devidas desde a data do despedimento.
Ora, inexistem dúvidas de que os requerentes viram cessado o seu contrato de trabalho por iniciativa da requerida, pois que a mesma lhes comunicou tal cessação por não ter condições financeiras para continuar tal atividade e pretender encerrar o seu estabelecimento, pelo que, não tendo tal despedimento sido precedido de qualquer procedimento (ou em ordem ao despedimento coletivo, ou em ordem ao despedimento por extinção do posto de trabalho – cfr. arts. 360.º e 369.º do CT), ou de acordo escrito de ambas as partes no sentido da sua revogação (cfr. art. 349.º, n.º 2, do CT), nem tendo sido para o mesmo invocada qualquer justa causa (cfr. arts. 351.º do CT), deve ter-se por ilícito, nos termos do art. 381.º, alin. c), 383.º e 384.º do CT, pelo que dele resultava, consequentemente, o direito dos requerentes a obterem a sua reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (cfr. art. 389.º, n.º 1, alin. b), do CT), podendo os requerentes, em substituição da reintegração, optar por uma indemnização, a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (cfr. art. 391.º do Código Civil), o que se cifrava num direito de crédito de cada requerente, sobre a requerida, no valor de 1.905,00€ (3x635,00€).
Ademais, os requerentes seriam ainda titulares de um direito de crédito sobre a requerida relativo aos demais créditos laborais reclamados, por a obrigação do seu pagamento emergir do contrato de trabalho celebrado com os requerentes, à luz dos arts. 127.º, n.º 1, alin. a), 237.º, n.º 1, 240.º, 245.º, 263.º e 264.º do CT, e o direito às diferenças salariais reclamadas uma vez que, embora num período inicial do contrato a requerida tivesse ministrado aos requerentes formação, deve ter-se tal período como experimental, que se conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador (cfr. art. 113.º do CT), formação que, de resto, era da sua obrigação e um direito dos trabalhadores (cfr. art. 24.º, n.º 1, do CT), tendo aliás os requerentes (como a própria requerida confessou – cfr. art. 10.º da contestação) exercido atividade laboral em tal período, razão pela qual tinham direito a haver a retribuição mínima garantida desde a data em que iniciaram a formação/trabalho por ordem e ao serviço da requerida, sendo certo a requerida só lhes pagou o valor de 250,00€.”.
Esta matéria sobre a cessação dos contratos e o tipo de integração patrimonial não será, portanto, aqui escalpelizada.
Com efeito, a recorrida, tão pouco recorreu subordinadamente (artº 633º do CPC), e a questão não foi propriamente levantada nas contra-alegações.
Pelo primeiro motivo apontado, o mesmo se diga quanto à questão replicada nas contra-alegações de que: “Os créditos invocados pelos Recorrentes e que “legitimam” o pedido são, pois, controvertidos no que tange à sua existência e montante, o que terá de ser dirimido em ação própria, no juízo de competência especializada do trabalho, e não num juízo de comércio, que não pode apreciar questões atinentes à cessação do contrato de trabalho e direitos de crédito emergentes da relação laboral – vide o art. 126.º, n.º 1, al. b), em confronto com o art. 128.º, n.º 1, al. a), ambos da Lei da Organização do Sistema Judiciário”; o “processo de insolvência não é formalmente adequado para dirimir questões relacionadas com créditos litigiosos, não é o processo adequado para se determinar se um hipotético crédito impugnado pelo pretenso devedor existe, qual a sua origem, montante e natureza” ; e “A Recorrida, repete-se, nega a própria existência dos créditos alegados pelos Requerentes, na sua totalidade, os quais se não mostram certos, líquidos e exigíveis, não se encontram reconhecidos extrajudicialmente, nem judicialmente reconhecidos, o que apenas ocorrerá (sem conceder) se e quando for proferida uma sentença condenatória da Requerida a pagar aos Requerentes os aludidos créditos.”.
Ou ainda por questionarem que, os recorrentes apresentem-se como credores de obrigações vencidas assim, não se observando o pressuposto objetivo do artº 3º, nº 1 do CIRE.
Na oposição e agora nas contra-alegações, com esta argumentação a recorrida tem o fito de fazer concluir que os recorrentes carecem de legitimidade, atento ao disposto nos artºs 3º, 20º, nº 1 e 25º, nº 1 do CIRE.

No entanto, atento ao objeto do recurso, são anódinas estas alegações já que consta na sentença:
“Defende a requerida que, no caso, estando em causa créditos controvertidos, não poderá reconhecer-se aos requerentes legitimidade para requerer a sua insolvência, posto que os créditos por si reclamados não poderão ser conhecidos neste juízo de comércio, tendo de ser dirimidos em ação própria, a correr termos no juízo de competência especializada do trabalho.
Sem razão, porém.
De facto, como se defende no Ac. do TRL, Acórdão de 12/1/2016, processo n.º 2314/15.6T8VFX.L1-7, disponível in www.dgsi.pt, “O titular de crédito litigioso tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do seu devedor, ex vi art. 20/1 CIRE; A legitimidade em questão não se confunde com a questão de mérito relativa à existência ou inexistência do crédito invocado”.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, págs. 202 e 203, é de reconhecer legitimidade a um titular de crédito litigioso para instaurar ação de insolvência contra o pretenso (discutido) devedor.
De igual forma se defende no Ac. da RG de 19/6/2019, processo n.º 80/18.2T8TMC.G1, disponível in www.dgsi.pt: I – Ao nível da legitimidade ativa para requerer o processo de insolvência, detém legitimidade quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não necessariamente quem seja, efetivamente, credor deste. II - Ao credor só é exigido que proceda à justificação do seu crédito, fazendo corresponder a essa justificação a menção da origem, da natureza e do montante do crédito, o que corresponde a justificar a sua legitimidade processual, ou seja de demonstrar a sua qualidade de credor, que é requisito do seu direito de ação judicial. III – Deve o credor demonstrar, contudo, no processo a existência do seu crédito, demonstração que deverá ser alcançada com uma prova sumária, compatível com a natureza própria do processo de insolvência.”.
De resto, não podia a recorrida olvidar a extensão da competência dos tribunais em matéria incidental (artº 91º do CPC), consagrada ainda, no que respeita em particular aos Juízos do Comércio e aos processos de insolvência, no artº 89º, n.º 2, da LOFTJ.
Mesmo havendo certas obrigações por liquidar ou créditos litigiosos que não se mostrassem certos, líquidos e exigíveis, não se pode afastar de forma alguma que estaríamos em face de dívidas da massa insolvente, créditos sobre a insolvência constituídos em data anterior a eventual declaração da insolvência ou equiparáveis (artº 47º do CIRE).

Daí que, como se julgou no acórdão do TRP de 16.11.2009 (88/09.9TYVNG.P1; www.dgsi.pt):
“Conforme se alcança da petição inicial (nº II supra), as requerentes invocam, para o pedido de insolvência a existência sobre a requerida de créditos emergentes de contrato de trabalho.
Na sentença recorrida conheceu-se do pedido em fase anterior a julgamento, entendendo-se que, “não sendo certo que o crédito invocado pelas requerentes exista na sua titularidade e, não sendo da competência deste tribunal a apreciação e discussão do mesmo, é manifesta a improcedência do pedido formulado — declaração de insolvência — tendo em conta os factos alegados”.
Entende, pois, face à oposição deduzida pela requerida, resultar dos autos controvérsia acerca da existência do crédito que está na génese do pedido de insolvência.
A questão prende-se, então, com a competência do Tribunal de Comércio para poder conhecer do pedido formulado pelas AA atendendo a que invocam apenas créditos laborais para fundamentar o peticionado.
Como resulta do artº 7º do [DL 200/2004 de 18/08] com as alterações do DL 282/2007 de 7 de agosto, “É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor…”.
E como decorre do Preâmbulo daquele DL, o objetivo primordial do processo de insolvência reside na satisfação, pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores.
Nos termos do artº 128º do CIRE devem ser reclamados no processo de insolvência todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja sua natureza ou fundamento.
Assim, também os créditos resultantes da violação ou cessação de contratos de trabalho devem aí ser reclamados e verificados.
E se é inquestionável a possibilidade de reclamação daqueles créditos no processo de insolvência, já se pode questionar, como o faz a sentença recorrida, se a obrigação cujo incumprimento funda o pedido tem que ser certa, líquida e exigível, como preconizava Pinto Furtado in Revista da Banca, n° 13, “Âmbito subjetivo da falência... “ pg. 42, citado na sentença.
Ora, tal autor, assim como a invocação da jurisprudência citada que é feita na sentença recorrida referem-se ao artº 8º do CPEREF, quando dizem que “Ao referir-se a crédito de qualquer natureza, o art. 8º não está a considerar créditos litigiosos, quiçá hipotéticos, quanto à sua própria existência”.
O que acontece, é que rege agora sobre esta matéria o artº 20º do CIRE que corresponde, com modificações, àquele artº 8º.
E uma dessas modificações é, desde logo, ter sido acrescentada a alínea g) do nº1, onde se considera, também (o que o artº 8º não prescrevia), como índice de insolvência, “o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou da cessação deste contrato”.
E do artº 30º nº3 do CIRE, quando se refere à oposição do devedor, resulta, como aliás refere em anotação Menezes Leitão, perante a dedução de um pedido de insolvência com base nalgum dos factos-índices referidos no artº 20º, o devedor pode opor-se com base na inexistência desse facto-índice, tal como com base na inexistência da própria situação de insolvência.
No caso concreto, como as requerentes invocam como facto-índice o referido e previsto na citada alínea g), créditos laborais, então, a ser possível oposição com base na inexistência de tais créditos, não podemos deixar de concluir que no âmbito do processo de insolvência pode o Tribunal competente para conhecer desta, conhecer da existência daqueles créditos, para os quais, em princípio - não se tratando de invocação dos mesmos para o pedido de insolvência - seria competente o Tribunal do Trabalho.
Além disso, o artº 20º define quem tem legitimidade para requerer a insolvência, aí prescrevendo, “qualquer credor, ainda que condicional…e qualquer que seja a natureza do crédito”.
É, assim, necessário, para se poder requerer a declaração de insolvência, apenas a existência do crédito, e como refere Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 2ª ed. pág. 128, “não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial, a natureza, origem e montante do crédito (artº25º nº1), tendo que fazer prova do mesmo (artº25º nº2)”. Prova esta, acrescenta aquela jurista, que pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou, ou documentação.
O requerente, tal como se dispõe no artº 25º nº1, deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito.
Tal exigência da lei é, necessariamente, para permitir a oposição do requerido ao facto-índice dos previstos no artº 20º citado, o que desde logo nos faz concluir pela evidência de, tratando-se de créditos laborais, como é o caso, não ter que ser obrigatoriamente discutida no Tribunal laboral a sua existência, porquanto o Tribunal competente para a insolvência também o é para a verificação daqueles créditos e julgamento dos mesmos, tal como o é para a sua reclamação (artº 128º do CIRE).
A questão em causa, não é, em rigor, uma questão de competência em razão da matéria do tribunal recorrido para apreciação da existência ou não dos créditos emergentes de contrato de trabalho.
No caso em apreço não se trata de discutir, tout court, a existência daqueles créditos.
Trata-se, sim, de saber se podem constituir invocação para fundamento do pedido - a declaração de insolvência da requerida.
E a resposta afirmativa resulta do previsto no artº 20º nº1, g), iii) do CIRE.
Coisa diferente será, se, depois da apreciação se concluir que, afinal, tais créditos não reúnem os pressupostos para a declaração de insolvência.
E para tal, está prevista a oposição do devedor à declaração da insolvência com base na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido (artº 30º do CIRE, nºs 1 e 3), isto é, dos factos referidos no citado artº 20º, que, como resulta dos arts.30º nº 5 e 35º nº 4, qualquer deles é condição suficiente da declaração de insolvência tal como definida no artº 3º.
Assim, sendo o tribunal recorrido - Tribunal de Comércio - competente para o julgamento do processo de insolvência, e este o local próprio para a reclamação de créditos por todos os credores (129º a 140º do CIRE), incluindo os trabalhadores, também é competente para os julgar e reconhecer, já que é nestes que as requerentes fundamentam o seu pedido.
A ação deve, pois, prosseguir, nomeadamente para os efeitos previstos no artº 35º e sgs. do CIRE.”.
Além disto, mesmo que fosse de conhecer oficiosamente a questão a título de incompetência material, tal só deveria ocorrer até ao início da audiência (artºs 64º, 65º e 97º, nº 2 do CPC) sendo certo, no caso sub judice, de modo tabular, se declarou nessa oportunidade o tribunal competente em razão da matéria e não se vislumbra que a recorrida tenha questionado a prática de qualquer irregularidade secundária, nos termos dos artºs 195º e 197º do CPC.
Posto isto.
O recurso demanda, somente, a questão de estarmos, ou não perante uma remissão abdicativa da dívida, nos termos do artº 863º do CC, atento ao teor dos documentos assinados pelos recorrentes já referidos.
Se a sua averiguação, enquanto condição de verificação de um dos pressupostos de que depende por sua vez o reconhecimento de que a recorrida se encontre efetivamente constituída em situação de insolvência, pode prejudicar o conhecimento do demais (artº 608º, nº 2 do CPC), na verdade os recorrentes ignoram tudo o resto.
Apesar disto, concentremo-nos nos denominados recibos e noutras circunstâncias atinentes que se mostram provadas contributivas do esclarecimento da questão.

Como predito, na sentença deu-se como provado:
“I. No dia .. de junho de 2020, o gerente da Requerida, P. J. dirigiu-se aos Requerentes (bem como aos demais trabalhadores ao seu serviço) e comunicou-lhes expressamente que não havia condições financeiras para continuar a atividade, não havia encomendas, o estabelecimento encerraria no final do mês e, por isso, o contrato de trabalho cessaria com efeitos no final do mês (30 de junho de 2020).
J. A requerida paralisou a sua atividade.
K. Na data referida em I. a Requerida, apresentou aos Requerentes, propostas individuais de liquidação de todos os créditos destes, nos termos dos recibos de quitação anexos à contestação como docs. 2 a 9, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e de onde constam, ademais, os seguintes dizeres:
“Recibo de quitação
Na sequência da comunicação de encerramento Total, Absoluto e Definitivo da X, Lda. [Requerida], o (a) trabalhador (a) A. F./A. M./A. O./B. R./C. G./M. L./S. P./V. M. [Requerentes], com o número de cartão de cidadão ----------------------------------- receberá a quantia de 1.485,66€ [cada um dos Requerentes, com exceção da Requerente M. L., cuja quantia foi de 920,51 €], onde estão incluídos os créditos vencidos à data da caducidade do contrato de trabalho e exigíveis em virtude desta caducidade, encontrando-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que porventura a mesma [os Requerentes] tivesse direito, e nomeadamente vencimentos, férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal, horas suplementares, diferenças salariais, prémios de assiduidade, diuturnidades, horas de trabalho noturnas, subsídio de compensação, despesas de transporte, ajudas de custo, indemnizações pela não concessão de férias, complementos de subsídio de doença e de pensões, subsídio de refeição, indemnização por antiguidade, não podendo o (a) trabalhador (a) [Requerentes] exigir da sua entidade patronal [Requerida] qualquer outra quantia seja a que título for.
Cabeceiras de Basto, .. de junho de 2020
L. A Requerida advertiu os Requerentes de que, com a assinatura do documento e recebimento da aludida quantia, ficavam saldadas as contas entre ambos, e nada mais lhe deveria ou poderia ser exigido.
M. Os Requerentes receberam esses documentos em mão, mas não os assinaram imediatamente, tendo alegado que iriam “pensar no assunto”, aconselhar-se com outras pessoas e certificar-se, junto da Segurança Social, se teriam direito ao subsídio de desemprego.
N. Os Requerentes ficaram na posse dos documentos.
O. Em data indeterminada, mas anterior a 30/6/2020, os Requerentes comunicaram à Requerida que aceitavam a proposta desta e entregaram-lhe esses documentos, assinados, com o seu número de cartão de cidadão e respetiva data de validade manuscritos, tendo em seguida o sócio-gerente e legal representante da Requerida aposto a sua assinatura sob carimbo da gerência.
P. Em seguida, a Requerida pagou aos Requerentes, por transferência bancária para a conta destes, as acordadas quantias de 1.485,66€ (920,51 €, no caso da Requerente M. L.), que os Requerentes aceitaram.”.

Baseado nesta factualidade, o tribunal a quo pronunciou-se nestes termos:
“Veio a requerida, contudo, alegar que celebrou com os requerentes um acordo pelo qual os mesmos aceitaram receber certa quantia pela cessação do contrato e nada mais reclamar da requerida, acordo este que entende dever ser tido como acordo de remissão e, consequentemente, deve considerar-se que houve da parte dos requerentes a renúncia a outros créditos, tendo os requerentes, por sua vez, excecionado a invalidade de tal acordo, por entenderem que o mesmo é anulável, à luz dos arts. 255º e 256º do Código Civil, sendo que, de qualquer forma, tal documento não configura qualquer renúncia a créditos laborais, muito menos à impugnação do despedimento, que sempre seria nula, dada a natureza das normas legais respeitantes à cessação do contrato de trabalho.
Vejamos, passando a seguir-se de perto a jurisprudência firmada no Ac. da RP de 30/5/2018, proferido no processo 1166/17.6T8OAZ.P1, disponível in www.dgsi.pt, que se transcreverá.
“Como decorre do n.º 1 do art. 863.º do CC, a remissão é um negócio jurídico bilateral, que tem como fonte um contrato, estabelecendo a norma “O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.
A remissão abdicativa é uma das causas de extinção das obrigações, consistindo na “(..) renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte” [Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1980, p. 209].
Elucida aquele mesmo autor, referindo-se ao recorte funcional que caracteriza a remissão, “(..) o direito de crédito não chega a funcionar; o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indireta ou potencialmente. E, todavia, a obrigação extingue-se. Na remissão é o próprio credor que, com a aquiescência embora do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia” [Op. cit., p. 298].
Como contrato que é, a remissão implica a existência de duas declarações negociais: uma proferida pelo credor (declarando renunciar ao direito de exigir a prestação) e outra da parte do devedor (declarando aceitar aquela renúncia). Contudo, a lei não exige que o consentimento do devedor seja manifestado por forma expressa, estando, portanto, sujeito às regras gerais sobre declarações negociais (art.s 217.º e 218.º) [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1986, p.155].
A propósito, escreve também Antunes Varela, que “Ficou, de facto, bem assente no texto definitivo do artigo 863.º, que a remissão necessita de revestir a forma de contrato (embora a aceitação da proposta contratual do remitente se possa considerar especialmente facilitada pelo disposto no art.º 234.º (..)” [Op. cit, p. 211].
Assim, a aplicação da doutrina do art.º 234.º CC à remissão, assenta nos pressupostos de que, em regra, o devedor quererá a remissão, nada impedindo que a declaração de aceitação seja tácita (art.º 217.º, n.º 1, CC), dado que a validade do contrato não está dependente da observância de forma especial (art.º 219.º do CC), nem nada obstando a que o silêncio seja valorado como possível manifestação dessa vontade (art.º 218.º CC).
Saber se determinada declaração deve ser entendida como integrada num contrato de remissão abdicativa, pressupõe a interpretação dessa declaração negocial, nessa indagação observando-se a disciplina contida no artigo 236.º do Código Civil, que consagra, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário, ao dispor que a «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (n.º 1), mas acrescentando depois que «Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (n.º 2)».
Como sublinha o recente acórdão de 04-07-2019, do STJ [Proc.º 1736/15.9TYLSB.L1.S1, Conselheiro Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt], “Esta figura, muito convocada no domínio dos conflitos laborais (como o atestam os vários acórdãos citados pela recorrente nas alegações da revista), não se presta a grandes controvérsias doutrinais ou jurisprudenciais quanto ao seu recorte, estruturação ou efeitos jurídicos. O que muitas vezes se constata (e a hipótese em causa é mais uma demonstração disso mesmo) é a maior ou menor dificuldade em interpretar como remissão abdicativa a declaração negocial inscrita em contratos com disposições ambíguas ou genéricas”.
Revertendo ao caso, temos que, atendendo ao contexto factual em que os recibos de quitação foram subscritos pelos requerentes, ou seja, depois de lhes ter sido anunciado pela requerida, no dia 24 de junho de 2020, que não havia condições financeiras para continuar a sua atividade, pois que não havia encomendas, e que o estabelecimento encerraria no final do mês e, por isso, o contrato de trabalho cessaria com efeitos no final do mês (30 de junho de 2020), tendo nessa data apresentado aos requerentes propostas individuais de liquidação de todos os créditos destes, nos termos dos ditos recibos de quitação, tendo advertido os mesmos de que, com a assinatura do documento e recebimento da aludida quantia, ficavam saldadas as contas entre ambos, e nada mais lhe deveria ou poderia ser exigido, tendo os requerentes aceitado tal proposta, assinando-o, proposta esta que foi depois também assinada pelo legal representante da requerida, que foi de facto celebrado entre as partes um contrato de remissão abdicativa, pelo qual os requerentes renunciaram ao direito de exigir da requerida os créditos laborais a que tinham direito para além do valor que esta ali aceitou pagar-lhes, extinguindo-se, em conformidade, os créditos remanescentes, incluindo as diferenças salariais, subsídios, proporcionais, retribuição após despedimento ou indemnização por antiguidade que pretenderiam ver-lhes reconhecida pela ação pois que ali declararam “não poder exigir da sua entidade patronal qualquer quantia seja a que título for”.
De facto, neste circunstancialismo e perante o texto constante dos recibos de quitação, qualquer declaratário normal, colocado na posição concreta da requerida, perante a conduta assumida pelos requerentes, que aceitaram os pagamentos propostos, estando esclarecidos de que “ficavam saldadas as constas e nada mais poderiam exigir à requerida”, tendo subscrito sem reservas a declaração de quitação, consideraria que estes estavam a renunciar a futuramente reclamar quaisquer eventuais créditos laborais que perante a requerida detivessem, evidenciando tal declaração a renúncia aos direitos que eventualmente lhes adviessem da cessação do contrato, nomeadamente dos relativos à reintegração e aos salários de tramitação.
É certo que os requerentes vieram pôr em causa a validade de tal acordo, para o que excecionaram a viciação da sua vontade por coação e aduziram a nulidade de um tal acordo, por contrariar normas imperativas.
Diz-se a tal respeito no citado Ac. da RP de 30/5/2018, no que respeita à admissibilidade da remissão abdicativa após a cessação do contrato de trabalho, isto é, sendo a declaração emitida aquando do acerto de contas após a cessação do contrato de trabalho, é sabido ser entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, uma vez que a indisponibilidade de créditos provenientes de contrato de trabalho se impõe, apenas, durante a vigência do mesmo. Entende-se que cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação [Nesse sentido, entre outros os Acórdãos do STJ de 31-10-2007, processo n.º 07S1442, VASQUES DINIS; e, de 10-12-2009, processo n.º 884/07.1TTSLB.S1, PINTO HESPANHOL disponíveis em www.dgsi.jstj].
Subjacente a esse entendimento está a consideração de que com a dissolução do vínculo laboral tende a dissipar-se a situação de subordinação jurídica e económica que justifica a indisponibilidade de certos direitos do trabalhador, solução também adotada na prescrição (só os direitos disponíveis são prescritíveis), a qual não é admissível no decurso do contrato de trabalho, mas se torna possível depois da cessação deste [Cfr. João Leal Amado, A Proteção do Salário, Almedina, Coimbra, 1993, pp. 216 e 217].
Mas, para além dessas situações, e por identidade de razões, a jurisprudência do Supremo Tribunal vem pacificamente entendendo que o contrato de “remissão abdicativa” tem também plena aplicação na fase de cessação do contrato de trabalho, por exemplo, quando o trabalhador se predispõe a negociar a cessação do contrato de trabalho.
Como escreve o Senhor Conselheiro Sousa Grandão, [Ac. STJ de 25-11-2009, proc.º 274/07.6TTBRR.S, disponível em www.dgsi.pt] «Nessa fase como sublinha o Acórdão desta Secção de 11/10/05 (Proc. n.º 1763/05) – já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho. Mais sublinha o referido Aresto: “Qualquer outro entendimento levaria ao absurdo de se concluir que os acordos de cessação do contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador seriam sempre irrelevantes – porquanto o trabalhador nunca poderia dispor dos seus direitos – isto apesar de estarem expressamente previstos na lei como uma das modalidades da cessação da relação laboral (cfr. arts. 7º e 8º da L.C.C.T.)”.
O que se deixa dito não exclui, todavia, e à semelhança do que acontece em qualquer contrato, que o mesmo não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, designadamente a existência de um erro reportado à ignorância do direito a créditos salariais que, ulteriormente, se vêm reclamar.
A situação mais frequente respeita aos casos em que a cessação do contrato de trabalho ocorre por mútuo acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, mas outras situações existem em que igualmente é possível a remissão abdicativa dos créditos eventualmente existentes e que tenham por fonte o contrato de trabalho cessado, por exemplo quando o trabalhador acorda com a empresa o reconhecimento da sua situação de invalidez e consequente transição para a reforma [Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Processo de 20-09-2006, proc.º 06S574, MÁRIO PEREIRA; e, de 11-10-2005, proc.º 05S1763, FERNANDES CADILHA, disponíveis em www.dgsi.pt].
Neste outro leque de situações em que também se admite como válida a celebração do contrato de renúncia abdicativa na fase de cessação do contrato de trabalho, isto é, antes de cessado o contrato de trabalho, mas sendo já conhecido que esse facto irá verificar-se, está subjacente a consideração de que existe um processo negocial entre o trabalhador e o empregador, anterior ao termo da relação jurídico laboral, mas que tem na sua origem precisamente esse facto futuro e destina-se a produzir os respetivos efeitos com a sua verificação.
No caso, da factualidade assente resulta óbvio que, apesar de a renúncia abdicativa (os recibos de quitação) terem sido assinados pelas requerentes antes da produção dos efeitos da cessação do contrato de trabalho que haviam estabelecido com a requerida, que apenas haveria de ocorrer em 30/6/2020, esta já lhes havia anteriormente anunciado tal cessação, tendo sido no âmbito de um processo negocial que veio a estabelecer-se entre as partes com vista à liquidação dos créditos laborais dos requerentes, incluindo os emergentes da cessação do contrato, que aqueles vieram a receber da requerida aquele recibo de quitação e a analisá-lo ao longo de dias, acabando por aceitar a proposta que lhe foi apresentada pela requerida.
Perante tal, sendo o anúncio da cessação do contrato anterior à assinatura dos recibos de quitação, e estando tal cessação apenas carecido de ulterior produção dos seus efeitos, não vemos qualquer fundamento de invalidade do contrato de renúncia abdicativa celebrado entre as partes na fase de cessação do contrato de trabalho, sendo livres os requerentes de prescindir dos seus direitos na certeza, já anunciada pela requerida, de que o contrato cessaria os seus efeitos em 30/6/2020.
Ademais, não lograram os requerentes demonstrar a factualidade que alegaram como fundamento da invalidade do negócio de remissão que aceitaram celebrar com a requerida, ou seja, a coação moral que aduziram como motivo de anulação do negócio, pelo que também por aqui nada obsta à consideração da dita remissão e aos consequentes efeitos extintivos que da mesma decorrem, tudo levando a que se conclua pela efetiva inexistência de legitimidade dos requerentes, que não conseguiram assim demonstrar deter sobre a requerida qualquer direito de crédito que lhes legitimasse a pedir a sua insolvência, devendo assim improceder o seu pedido.”.
Perante estas conclusões do tribunal a quo, atento ao antedito, os recorrentes refutam que, para além daqueles que são mencionados em tais documentos correspondente ao montante que cada um recebeu, tivessem renunciado a quaisquer outros créditos sobre a recorrida.
Para o efeito não deixam de alegar que “em momento algum do documento assinado pelos Recorrentes existe uma renúncia ou uma remissão abdicativa do direito de impugnar o despedimento ocorrido.”.
Todavia, é inconsequente esta segunda asserção.
Estamos perante a discussão da inexistência de remissão abdicativa que, embora tenha a ver com a cessação de contrato de trabalho, se resume ao domínio da extinção das obrigações a cargo da contraparte e não do próprio direito de impugnar a forma da cessação.
Acresce, sendo esta a única perspetiva pela qual os recorrentes pretendem escrutinar as suas manifestações de vontade neles declaradas, não fará sentido aludir, como fizeram, a invalidade das declarações e, nomeadamente, através da existência de qualquer falta e vício de vontade que se acaba por não descortinar nas alegações de recurso, a par do que resulta dos outros seus articulados.
Tem de se partir do pressuposto, pois, que as suas declarações resultam de circunstâncias em que se encontravam livres e esclarecidos.
O contrato de remissão abdicativa previsto no artº 863º do CC, nos termos em que o tribunal da primeira instância apreciou os documentos e as circunstâncias a eles conducentes não é colocado de parte por qualquer da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça citado pelos recorrentes que, aliás, parte de declarações com manifestações de vontade diversas na sua intensidade e extensão, bem como aceita a validade dos negócios do mesmo género para além dos casos que a lei laboral diretamente regula.
No caso concreto pode-se falar de uma negociação prévia.
Cada um dos documentos é assinado pelo trabalhador e por legal representante da empresa.
No próprio texto dos documentos consta expressamente que as declarações constantes no mesmo foram “Na sequência da comunicação de encerramento”, que por si já pressupõe a troca de argumentos e a respetiva ponderação.
Na declaração verteu-se quanto ao montante a pagar: “encontrando-se incluídos neste montante todas e quaisquer remunerações a que porventura a mesma tivesse direito, e nomeadamente vencimentos, férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal, horas suplementares, diferenças salariais, prémios de assiduidade, diuturnidades, horas de trabalho noturnas, subsídio de compensação, despesas de transporte, ajudas de custo, indemnizações pela não concessão de férias, complementos de subsídio de doença e de pensões, subsídio de refeição, indemnização por antiguidade, não podendo o (a) trabalhador (a) exigir da sua entidade patronal qualquer outra quantia seja a que título for”.
Realce-se, renunciam-se efetivamente valores indemnizatórios, atributo compensatório do despedimento ilícito, máxime sem justa causa (artºs 389º e 391º do CT).
Daí que, não se poderá alegar que “nunca existirá qualquer renúncia ou remissão abdicativa relativamente aos valores indemnizatórios a que os Recorrentes têm direito por força da ilicitude do seu despedimento”.
Inclusivamente, pois, a declaração não se fica pela simples negação de que se tenha algo ainda a receber.
Nela procede-se à especificação de cada item retributivo e indemnizatório a que se pudesse ter direito e que pressupõe que se está a enveredar por uma renúncia consciente a qualquer outro direito que não correspondesse ao montante declarado como se indo receber (note-se que não como recebido). Concomitantemente, induzindo e sugerindo o afastamento da intenção do exercício de se exigir qualquer outra prestação devida pela cessação do contrato, qualquer que ela fosse, apesar de nele constar a expressão caducidade cuja relevância não é de admitir, como de resto não referem os recorrentes, já que se trata de mera qualificativa.
Além disso, está demonstrado que cada documento é apresentado à avaliação dos trabalhadores quatro dias antes da anunciada cessação do contrato de trabalho e encerramento da empresa, os quais ficaram com ele para se aconselharem antes de o assinarem, assim, entregando-os em momento anterior à data aprazada para esse encerramento.
Ficaram necessariamente cientes dos seus termos em que com a sua assinatura e recebimento da quantia ficariam saldadas as contas para nada mais ser devido e exigido.
A assinatura dos recorrentes no respetivo documento, nestas circunstâncias, não revela mais, senão, a aceitação da apresentação de uma proposta mediante um ajuste de vontades contrapostas, chegando-se a um acordo sobretudo ponderado sobre as conveniências ou as desvantagens do mesmo.
Diga-se, quanto à questão da interpretação da declaração negocial que, ademais, a remissão abdicativa não é um negócio formal, como bem se soube explicar na sentença e essa declaração sempre poderia ser integrada ao abrigo do artº 239º do CC, pelo que, na interpretação da declaração, mesmo que se quisesse indagar da vontade hipotética objetiva, presumível ou conjuntural, não seria de ignorar o desiderato que lhe é imputado de remissão abdicativa.
Por seu turno, os recorrentes apelam ao disposto no artº 280º do CT e ao caráter alimentar do salário, mas certo é que não é de aceitar o paralelo porquanto estamos no domínio das relações internas do contrato ao contrário do objetivo e ratio da norma, que exclui qualquer raciocínio de maioria de razão no sentido pretendido.
Melhor razão não se encontra no argumento de que a renúncia abdicativa apenas é possível se ocorrer após a cessação do contrato de trabalho.
Nisso acertou também a sentença.

Como se expendeu no aresto do TRP de 23.09.2019 (1561/17.0T8VLG.P1; www.dgsi.pt):
“É sabido que a remissão é uma das causas de extinção das obrigações, traduzindo-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe seja devida, (ou possa ser devida) feita com a concordância da contraparte, que, pode ser tácita, não constar do texto do documento que contém a declaração – e não tem que constar necessariamente, por se tratar de um negócio não formal –, se revela, de forma clara, no contexto, seja pela sua não-impugnação, seja pela sua junção aos autos com invocação do respetivo teor.
Diferentemente do que se verifica com o “cumprimento”, em que a obrigação se extingue pela realização da prestação, ou com a “consignação” e a “prestação”, em que o interesse do credor é satisfeito por forma distinta da realização da prestação, na “remissão”, tal como na “confusão” ou na “prescrição”, a obrigação não chega a ser cumprida: ela extingue-se por mera renúncia do credor.
Para que se forme o contrato é necessária a verificação de duas declarações negociais: uma proferida pelo credor – declarando renunciar ao direito de exigir a prestação – e outra por banda do devedor – declarando aceitar aquela renúncia.
Porém, atente-se, o referido preceito legal não exige que o consentimento do devedor – a aceitação da proposta de remissão – seja manifestado por forma expressa, pelo que a aceitação pode ser tácita, e válida como tal nos termos dos artigos 217.º, 219.º e 234.º do Código Civil.
É verdade que no caso em apreço quando tal declaração é efetuada o contrato de trabalho ainda não tinha terminado pois que foi subscrita no dia 16 de setembro de 2016 e o despedimento coletivo só produzia efeitos no dia 21 desse mês.
Mas entendo que a indisponibilidade dos créditos resultante de ainda estar em vigor o contrato de trabalho, no caso dos autos entendo não ser insuprível, sem prejuízo naturalmente de melhor opinião, face ao circunstancialismo que rodeou a cessação do contrato e a declaração efetuada.
Efetivamente como bem se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de outubro de 2004, tal indisponibilidade se não verifica quando o trabalhador se predispõe a negociar a extinção do vínculo, “não se vê, porém, como é que a possibilidade de o credor remitir a dívida por contrato com o devedor, nessas condições (isto é, por ocasião da cessação do contrato, ou, mais precisamente: antes de operar a caducidade do contrato mas para produzir efeitos depois desta), possa contender com o direito "à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade", consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, mesmo admitindo que, nos termos do (...) artigo 17.º da Lei Fundamental, o regime de direitos, liberdades e garantias lhe seja aplicável.
Aliás, o já referido regime do n.º 4 do artigo 8.º da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (...) contém, no que importa, uma estatuição de efeitos semelhantes à que ora está em causa, e nunca foi julgado inconstitucional. Precisando melhor, a recondução da declaração de quitação total (...) ao instituto da remissão abdicativa, afastado que foi o seu enquadramento na compensação pecuniária de natureza global prevista naquele dispositivo, em razão de o contrato ter cessado por caducidade (decorrente de invalidez) e não de cessação do contrato por acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, não altera a sua compatibilização constitucional. (...)
Refere-se por sua vez no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2005 “a indisponibilidade dos créditos laborais na vigência do contrato de trabalho não tem aplicação quando o trabalhador se predispõe a negociar a sua desvinculação, como o demonstra o facto de a própria lei (o art.º 394.º, n.º 4 do CT, que, grosso modo, corresponde ao n.º 4 do art.º 8.º da LCCT) permitir que o acordo para a cessação do contrato possa conter, ele próprio, a regulamentação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral. Qualquer outro entendimento levaria ao absurdo de se concluir que os acordos de cessação do contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador seriam sempre irrelevantes - porquanto o trabalhador nunca poderia dispor dos seus direitos -, isto apesar de estarem expressamente previstos na lei, como uma das modalidades da cessação da relação laboral (cfr. art.ºs 7.º e 8.º da LCCT.”
Num caso em que também a declaração de remissão teve lugar numa data e a cessação do contrato de trabalho ocorreu em data posterior entendeu-se a bem no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de abril de 2016 que nessa situação “ainda que não pudesse produzir quaisquer efeitos durante o tempo restante da relação laboral, sempre teria de se ter por convalidada, finda que se mostrasse a relação laboral e conexa subordinação jurídica.
Só assim não seria se o trabalhador tivesse vindo alegar e demonstrar um vício de vontade imputável à empregadora, pois que se se encontrava livre e esclarecido no momento em que se predispôs a negociar a extinção do vínculo laboral então não poderia eximir-se a negociar a inclusão ou não de cláusulas típicas da remissão abdicativa, usualmente concomitantes ao referido negócio.
Não tendo o trabalhador alegado qualquer vício da vontade, deve ter-se por válida a remissão abdicativa estipulada concomitantemente ao negócio revogatório da relação laboral, para produzir efeitos após a cessação do estado de subordinação jurídica.
Ora, no que aqui é essencial, em particular na parte em que se alude ao entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso no seu douto Acórdão de 6 de dezembro de 2006 quanto à circunstância de a indisponibilidade dos créditos laborais na vigência do contrato de trabalho não ter aplicação quando o trabalhador se predispõe a negociar a sua desvinculação, já que, como aí se refere, a própria lei (hoje em dia o art.º 349º n.º 5 do CT/2009 que, grosso modo, corresponde ao art.º 394.º, n.º 4 do CT/2003 e ao n.º 4 do art.º 8.º da LCCT) permite que o acordo para a cessação do contrato possa conter, ele próprio, regulamentação definitiva dos direitos remuneratórios decorrentes da relação laboral”.
A este propósito cfr ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2009 quando salienta que “É entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros”.
Na interpretação da declaração não poderá deixar de atender-se ao que estatui o art.º 236.º do Código Civil, ou seja, que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”.
Acolhe este preceito a denominada doutrina objetivista da “teoria da impressão do destinatário”: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; mas, de acordo com o n.º 2, do mesmo preceito legal, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria do destinatário.
Como ensina Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª Edição, págs. 447-448), “releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer””.
(…)
Discorda o recorrente autor, como se disse, nos termos constantes das conclusões 16.ª a 20.ª, em síntese:
(…)
ii) A norma do artigo 349.º, tem a ver com a revogação do contrato de trabalho por acordo, pelo que as considerações invocadas na douta decisão, não tem aqui aplicação por se tratar de um despedimento coletivo.
iii) “mesmo que se entendesse que esta norma se aplicaria, tendo em conta que o Recorrente emitiu também uma declaração a manifestar vontade de exigir outros créditos salariais que não os contemplados no valor a pagar pelo despedimento coletivo, deverá o Tribunal atribuir a esta declaração não menos força do que a que atribuiu aquela declaração que emitiu por imposição da recorrida aquando da entrega dos cheques que visavam pagar a compensação pelo despedimento, e outro cheque para pagar a majoração em contrapartida da não impugnação do despedimento”.
iv) “Se tivesse sido intenção do Recorrente renunciar aos créditos que sinalizou com o e-mail que dirigiu à recorrida, seria normal que dessa declaração se fizesse constar a expressão idêntica à que se fez constar para a renúncia ao direito de impugnar a validade e eficácia do despedimento coletivo, como se fez constar dessa declaração para esse efeito, mas não quanto à renuncia de créditos”.
Diremos desde já que acompanhamos a fundamentação do tribunal a quo, entendendo-se que aprecia a questão nas vertentes que se impunham, fazendo-o com criteriosa e suficiente argumentação, bem assim aplicando corretamente o direito aos factos.
Significa isto, como decorrência lógica, que não se reconhece razão ao recorrente.
Mais, pode também dizer-se com segurança que a fundamentação da sentença dá resposta às questões colocadas pelo recorrente, praticamente dispensando outras considerações.
Não obstante, importa que deixemos as notas essenciais para justificarmos este entendimento.
Quanto ao 1.º argumento do recorrente, já o deixámos dito na parte em que nos debruçamos sobre a impugnação dirigida à matéria de facto, o recorrente faz uma interpretação da fundamentação da sentença que não é correta. Como se constata da transcrição acima - que também por esta razão é integral -, em parte alguma da fundamentação o Tribunal a quo faz qualquer referência ao facto controvertido 112.º, na sentença levado aos factos provados sob a alínea EP, para chegar à conclusão que o recorrente entende errada.
No que concerne às referências que surgem na fundamentação ao artigo 349.º, do CT, resultam da transcrição dos citados acórdãos do STJ e da Relação de Évora, e como cremos retirar-se sem dificuldade, nesses arestos o apelo a essa norma constitui um complemento, ou seja, um reforço por identidade de razões, da argumentação utilizada para justificar o afastamento do chamado princípio da indisponibilidade dos créditos laborais em caso de cessação da relação laboral.
Portanto, com o devido respeito, vir o recorrente dizer que as “considerações invocadas (..) não têm aqui aplicação por se tratar de um despedimento coletivo”, não é argumento para pôr em causa a fundamentação, no seu conjunto, a propósito dessa questão.
(…)
No acórdão de 30 de Maio de 2018, proferido no processo 1166/17.6T8OAZ.P1, relatado pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo coletivo [disponível em www.dgsi.pt], a propósito da remissão abdicativa, deixou-se expresso o seguinte:
«Como decorre do n.º 1, do art.º 863.º do CC, a remissão é um negócio jurídico bilateral, que tem como fonte um contrato, estabelecendo a norma “O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.
A remissão abdicativa é uma das causas de extinção das obrigações, consistindo na “(..) renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte” [Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1980, p. 209].
Elucida aquele mesmo autor, referindo-se ao recorte funcional que caracteriza a remissão, “(..) o direito de crédito não chega a funcionar; o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indireta ou potencialmente. E, todavia, a obrigação extingue-se. Na remissão é o próprio credor que, com a aquiescência embora do devedor, renúncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia” [Op. cit., p. 298].
Como contrato que é, a remissão implica a existência de duas declarações negociais: uma proferida pelo credor (declarando renunciar ao direito de exigir a prestação) e outra da parte do devedor (declarando aceitar aquela renúncia).
Contudo, a lei não exige que o consentimento do devedor seja manifestado por forma expressa, estando, portanto, sujeito às regras gerais sobre declarações negociais (art.s 217.º e 218.º) [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1986, p.155].
A propósito, escreve também Antunes Varela, que “Ficou, de facto, bem assente no texto definitivo do artigo 863.º, que a remissão necessita de revestir a forma de contrato (embora a aceitação da proposta contratual do remitente se possa considerar especialmente facilitada pelo disposto no art.º 234.º (..)” [Op. cit, p. 211].
Assim, a aplicação da doutrina do art.º 234.º CC à remissão, assenta nos pressupostos de que, em regra, o devedor quererá a remissão, nada impedindo que a declaração de aceitação seja tácita (art.º 217.º, n.º 1, CC), dado que a validade do contrato não está dependente da observância de forma especial (art.º 219.º do CC), nem nada obstando a que o silêncio seja valorado como possível manifestação dessa vontade (art.º 218.º CC).
No que respeita à admissibilidade da remissão abdicativa após a cessação do contrato de trabalho, isto é, sendo a declaração emitida aquando do acerto de contas após a cessação do contrato de trabalho, é sabido ser entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, uma vez que a indisponibilidade de créditos provenientes de contrato de trabalho se impõe, apenas, durante a vigência do mesmo. Entende-se que cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação [Nesse sentido, entre outros os Acórdãos do STJ de 31-10-2007, processo n.º 07S1442, VASQUES DINIS; e, de 10-12-2009, processo n.º 884/07.1TTSLB.S1, PINTO HESPANHOL disponíveis em www.dgsi.jstj].
Subjacente a esse entendimento está a consideração de que com a dissolução do vínculo laboral tende a dissipar-se a situação de subordinação jurídica e económica que justifica a indisponibilidade de certos direitos do trabalhador, solução também adotada na prescrição (só os direitos disponíveis são prescritíveis), a qual não é admissível no decurso do contrato de trabalho, mas se torna possível depois da cessação deste [Cfr. João Leal Amado, A Proteção do Salário, Almedina, Coimbra, 1993, pp. 216 e 217].
Mas para além dessas situações, e por identidade de razões, a jurisprudência do Supremo Tribunal vem pacificamente entendendo que o contrato de “remissão abdicativa” tem também plena aplicação na fase de cessação do contrato de trabalho, por exemplo, quando o trabalhador se predispõe a negociar a cessação do contrato de trabalho.
Como escreve o Senhor Conselheiro Sousa Grandão, [Ac. STJ de 25-11-2009, proc.º 274/07.6TTBRR.S, disponível em www.dgsi.pt] «Nessa fase como sublinha o Acórdão desta Secção de 11/10/05 (Proc. n.º 1763/05) – já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho. Mais sublinha o referido Aresto:
“Qualquer outro entendimento levaria ao absurdo de se concluir que os acordos de cessação do contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador seriam sempre irrelevantes – porquanto o trabalhador nunca poderia dispor dos seus direitos – isto apesar de estarem expressamente previstos na lei como uma das modalidades da cessação da relação laboral (cfr. arts. 7º e 8º da L.C.C.T.)”.
O que se deixa dito não exclui, todavia e à semelhança do que acontece em qualquer contrato, que o mesmo não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, designadamente a existência de um erro reportado à ignorância do direito a créditos salariais que, ulteriormente, se vêm reclamar».
A situação mais frequente respeita aos casos em que a cessação do contrato de trabalho ocorre por mútuo acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, mas outras situações existem em que igualmente é possível a remissão abdicativa dos créditos eventualmente existentes e que tenham por fonte o contrato de trabalho cessado, por exemplo quando o trabalhador acorda com a empresa o reconhecimento da sua situação de invalidez e consequente transição para a reforma [Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Processo de 20-09-2006, proc.º 06S574, MÁRIO PEREIRA; e, de 11-10-2005, pro.º 05S1763, FERNANDES CADILHA, disponíveis em www.dgsi.pt].
Neste outro leque de situações em que também se admite como válida a celebração do contrato de renúncia abdicativa na fase de cessação do contrato de trabalho, isto é, antes de cessado o contrato de trabalho, mas sendo já conhecido que esse facto irá verificar-se, está subjacente a consideração de que existe um processo negocial entre o trabalhador e o empregador, anterior ao termo da relação jurídico laboral, mas que tem na sua origem precisamente esse facto futuro e destina-se a produzir os respetivos efeitos com a sua verificação.
Saber se determinada declaração deve ser entendida como integrada num contrato de remissão abdicativa, pressupõe a interpretação dessa declaração negocial, nessa indagação observando-se a disciplina contida no artigo 236.º do Código Civil, que consagra, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário, ao dispor que a «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (n.º 1), mas acrescentando depois que «Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (n.º 2)».
Como sublinha o recente acórdão de 04-07-2019, do STJ [Proc.º 1736/15.9TYLSB.L1.S1, Conselheiro Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt], “Esta figura, muito convocada no domínio dos conflitos laborais (como o atestam os vários acórdãos citados pela recorrente nas alegações da revista), não se presta a grandes controvérsias doutrinais ou jurisprudenciais quanto ao seu recorte, estruturação ou efeitos jurídicos. O que muitas vezes se constata (e a hipótese em causa é mais uma demonstração disso mesmo) é a maior ou menor dificuldade em interpretar como remissão abdicativa a declaração negocial inscrita em contratos com disposições ambíguas ou genéricas”.
Revertendo ao caso, em conformidade com o que se deixou expendido, na interpretação da declaração em causa a doutrina da impressão do destinatário reclama que se atendam a todas as circunstâncias relacionadas com os termos do negócio celebrado, ou seja, é necessário atender, na sua globalidade, ao contexto factual em que a mesma foi emitida.
(…).” (cfr ainda acórdão do TRP de 18.01.2021 (www.dgsi.pt; 1957/19.3T8VFR.P1).
Nestes termos, ficando prejudicada o conhecimento de qualquer outra questão a envolver a pretendida insolvência da recorrida (igualmente o exercício abusivo do direito, invocado pela recorrida, cujo conhecimento sendo oficioso não seria a aquisição dos requisitos), deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença.
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Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença.
Custas pelos recorrentes.
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04.11.2021