PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
PENDÊNCIA DA ACÇÃO PENAL
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REJEIÇÃO
ENTREGA DE MENOR A TERCEIRO
Sumário


I. A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem, como primeiro princípio orientador e estruturante do direito das Crianças e Jovens, o interesse superior da criança e jovem em perigo.
II. Sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo.
III. Estando cometido aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, e cabendo aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, é natural que o processo de promoção e protecção deva subordinar-se ao princípio da prevalência da família.
IV. A intervenção do tribunal no seio da família deve ser a mínima, mas tendo sempre em vista salvaguardar o superior interesse da criança, que, por vezes não é visado pelos progenitores.
V. Quando os pais não sabem, não querem, ou, por qualquer outro motivo, não conseguem acautelar o bem-estar e são desenvolvimento da criança, o tribunal tem que intervir em defesa dos seus superiores interesses, devendo na sua actuação privilegiar as medidas que integrem a criança em família, de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes.
VI. Num contexto de elevada conflitualidade entre os progenitores, com registo, ao longo de vários anos, de incumprimentos reiterados por parte da progenitora do regime das responsabilidades parentais, devidamente sancionados, e de queixas criminais contra o progenitor por abuso sexual da menor, que deram origem a despachos de arquivamento dos respectivos inquéritos, e levaram a que a criança tivesse sido submetida a exames invasivos e traumatizantes, qualquer outra queixa tem que ser criteriosamente avaliada e ponderada no contexto em que surge, sob pena de estar descoberta a forma de se obstar à aplicação das medidas que se perspectivavam como mais adequadas à defesa dos interesses da criança.
VII. Deste modo, a apresentação de nova queixa criminal contra o progenitor, desta vez por maus tratos à criança, não pode, nas circunstâncias do caso concreto, fundamentar a não aplicação imediata da medida de promoção e protecção de apoio junto do pai, que se perspectivava como adequada à situação concreta, quando estão comprovadamente demonstradas as capacidades e competências parentais para que a criança lhe seja confiada, como já antes se tinha verificado em sede de aplicação de anterior medida, não há factos que sustentem que a criança passou a adoptar uma conduta reveladora de rejeição da figura parental, e a criança, que está quase a perfazer 11 anos de idade, vem dizendo, desde o início do seu acolhimento institucional, que quer voltar para casa da progenitora e, recentemente, também para casa do progenitor.
VIII. Assim, não se justifica a aplicação da medida de acolhimento institucional, a qual deverá ser substituída pela medida de promoção e protecção de apoio junto do pai, pois, esta medida acautela o risco em que se encontra a criança, decorrente da situação de conflitualidade existente entre os progenitores, e permite manter a criança no seu meio natural, proporcionando condições adequadas ao seu desenvolvimento integral, através de apoio psicopedagógico e social, e com o acompanhamento das competentes equipas multidisciplinares do sistema da segurança social. (sumário do relator)

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. O Ministério Público requereu a instauração de processo de promoção e protecção a favor da menor E…, nascida em 3/11/2010, filha de J… e de H….

2. Foi declarada aberta a instrução dos autos e proferida decisão provisória e urgente de acolhimento institucional, a qual foi sucessivamente revista e mantida.
Foram realizadas as necessárias perícias e avaliações às competências parentais de ambos os progenitores e agendada conferência tendo em vista a celebração de acordo de promoção e protecção, o qual não se afigurou possível, por manterem, ambos os progenitores, as suas posições iniciais.

3. Concluindo os relatórios juntos aos autos pela aplicação de medida de promoção e protecção de acolhimento institucional, e não se afigurando possível a obtenção de solução negociada de medida de promoção e protecção, determinou-se a notificação do Ministério Público e dos progenitores para a apresentação de alegações, tendo os progenitores apresentado as suas alegações e arrolado testemunhas.

4. O debate judicial decorreu com observância das formalidades legais que disciplinam o acto, conforme melhor consta da respectiva acta.
Após veio a ser proferido acórdão, no qual se decidiu:
«… aplicar à menor E… a medida de acolhimento institucional (artigo 35.º n.º 1, al. f) e 49º, ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
*
A medida agora aplicada dura enquanto se manifestar necessária e carece de revisão de seis em seis meses (artigo 62.º n.º 1, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).»

5. Inconformados recorreram ambos os progenitores.
5.1. O progenitor J… pretende a revogação da medida aplicada e que em sua substituição se aplique a medida de apoio junto do pai, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O presente recurso tem por objecto a decisão que aplicou à menor, E…, filha do Recorrente, a medida de acolhimento institucional (art.º 35 nº1 al. f) e 49º ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
2.ª A douta decisão em crise está ferida de nulidade por falta de pronuncia – art.º684 n.º2 do CPCiv:
a) Quando o recorrente nos presentes autos foi notificado nos termos do n.º 3 do art.º107 da LPCJP, por reputar as mesmas como adequadas, veio requerer como diligência de prova que o Tribunal a quo se dignasse mandar extrair certidão dos autos de Promoção e Protecção que correram seus termos por apenso (G) dos autos principais de várias peças processuais;
b) Nos termos da conclusão de 29-7-2020 (ref.ª citius 30240778) entendeu o Tribunal a quo e bem que “Quanto à certidão das peças processuais requerida pelo progenitor, indefere-se ao requerido uma vez que as peças mencionadas constam do já volumoso processo nos vários apensos mencionados e que, pese embora arquivados, são facilmente consultáveis por se encontrarem apensos por linha aos presentes autos.”
c) Contudo da factualidade dada como provada e da fundamentação da decisão de facto resulta que o Tribunal a quo não considerou a documentação/ informação constante dos autos como requerido pelo recorrente e não teve os mesmos em conta quanto à decisão da matéria de facto.
d) Designadamente no que diz respeito ao Facto 21 (Além das sentenças proferidas e constantes do facto dado como provado existiram outras decisões), Factos 26, 27 e 28 (Da matéria dada como provada parece resultar que o processo que mediou a aplicação da medida de apoio junto do pai, passando pelas visitas supervisionadas e a pernoita da menor ao fim de semana foi célere e pacífico o que não corresponde à verdade, resultando da prova constante dos autos (designadamente do apenso G) que até que a menor passou a pernoitar em casa da mãe existem diversos factos dignos de registo que o Recorrente reputa como essenciais à boa decisão da causa e que resultam dos relatórios de acompanhamento das visitas), Fato 29 (Da matéria dada como provada parece resultar que a medida de apoio junto do pai foi sendo revista e prorrogada de forma pacifica até ao arquivamento dos autos de promoção e protecção o que não corresponde à verdade, resultando da prova constante dos autos (designadamente do apenso G) existem diversos factos dignos de registo que o Recorrente reputa como essenciais à boa decisão da causa e que resultam da prova documental junta.)
e) O Tribunal a quo, ao não se ater à documentação e factualidade que dela resulta, como requerido pelo recorrente, cuja junção de certidão indeferiu por entender que podia aceder a ela com facilidade por estar arquivada, violou do estatuído no nº 2, do artigo 608.º, do CPC.
f) De facto, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, sendo que a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito.
g) Tratando-se a falta de pronuncia de uma nulidade da decisão em crise, de acordo com o art. 684.º, n.º 2, do CPC, deve ordenar-se a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância com vista ao respectivo suprimento, o que se pede.
3.ª A douta decisão em crise, carece de fundamentação bastante por conter em si mesma, contradições notórias, entre a fundamentação e a decisão.
4.ª A douta decisão em crise padece de erro de julgamento por não se ater a factos que havia de ter dado como provados, por ser contrária aos factos apurados e contra a lei que lhe impunha uma solução jurídica diferente.
5.ª Os factos dados como provados não podem fundamentar como não fundamentam a decisão agora em crise de aplicar à menor Elisa a medida de acolhimento institucional, que devidamente julgados e conjugados com aqueles que não foram tidos para a decisão da matéria em crise, necessariamente levariam a uma decisão diferente daquela.
6.ª O progenitor, ora recorrente entende que a medida aplicada se revela pouco criteriosa e inadequada na sua escolha;
7.ª As Sras Juízes Sociais não analisaram aprofundadamente os autos principais, todos os seus apensos e assim nos presentes autos fizeram “tábua rasa” e basearam a sua decisão apenas com o que assistiram nas audiências do debate judicial
8.ª Se o Tribunal a quo tivesse de facto analisado exaustivamente a prova constante nos autos (todos os relatórios, declarações, prova pericial, decisões transitadas em julgado e outros) em conciliação com as alegações e posições do progenitor nos mesmos tinham constatado fatos a considerar e que impunham uma solução de mérito diferente: fatos 21, 26 e 27, 29, 33, 45 e 46.
9.ª A medida de acolhimento institucional não salvaguarda o superior interesse da menor, podendo designadamente colocá-la em perigo de ser afectada negativamente no seu direito ao desenvolvimento são e normal, no plano físico, moral, intelectual, espiritual e social, pelo afastamento do pai, que é aquele que apresenta variáveis afectivas, cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para estabelecer um cuidado responsável e estrutura para incrementar procedimentos educativos consistentes, podendo assim estar atento e dar uma resposta adequada às necessidades da filha.
10.ª Termos em que nos melhores de Direito, V.Exas suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso sendo, a douta Sentença revogada e substituída por outra que não aplique medida de Acolhimento Residencial à menor, mas outrossim, medida de apoio junto do pai.
11.ª Fazendo-se JUSTIÇA.

5.2. A progenitora H… também discorda da decisão, pretendendo que seja aplicada a medida de apoio junto da mãe, fundamentando a sua pretensão nas seguintes conclusões:
1.ª Os seguintes factos da sentença do Tribunal a quo deverão ser dados como não provados:
51-Foi realizada avaliação às competências parentais da progenitora e características da personalidade tendo o senhor perito do INML concluído que a progenitora apresenta uma perturbação da personalidade com características mistas do tipo paranóide, histriónico e obsessivo-compulsivo, tipicamente resistentes à mudança psíquica e a propostas terapêuticas;
52-Estes traços de personalidade têm impacto nas competências parentais da progenitora que exerce a parentalidade de forma intrusiva, com interacções menos satisfatórias, criando menor empatia pela menor e transmitindo-lhe os seus medos e ansiedades;
53-O estilo parental da progenitora é do tipo permissivo, indulgente, tolerante, não impondo limites e fazendo poucas exigências à menor;
54-A dinâmica relacional observada pelo perito decorrente dos presentes autos sugere uma dinâmica de alienação parental perpetrada pela progenitora o que se traduz num verdadeiro abuso psicológico e emocional para a menor.
2.ª Na realidade o que resulta do relatório e esclarecimentos em sede de audiência da Dr.ª M…, é que o perito V… derrogou etapas no método de avaliação psicológica, isto é não realizou a entrevista preliminar para adequação/actualização dos testes posteriores a aplicar, senão veja-se “...O teste vem ajudar, mas num momento posterior à tal entrevista, à tal avaliação, digamos qualitativa, é mesmo o método qualitativo. Que estamos a avaliar aquela pessoa com base no conhecimento científico que podem decorrer no DSM4, há todo um manancial teórico e aí é que podemos escolher a bateria de testes adequada às pessoas, ou seja. Portanto eu podia, imagine como é que eu sei que uma pessoa tem dificuldades de interpretação de um teste, eu tenho que perceber como é que aquela pessoa é antes para poder perceber se o teste é adequado àquela pessoa, do ponto de vista cognitivo, não posso aplicar uma Vaíse, por exemplo que tem um teor cultural onde a pessoa culturalmente é pobre e, portanto o teste ou o resultado, assim vai estar alterado e não vai poder corresponder ao funcionamento cognitivo da mesma maneira que se eu acho que a pessoa me pode enganar vai haver essa tentativa de manipulação, da maneira como fala, a discursividade ao longo desse primeiro momento qualitativo e não quantitativo. Portanto num segundo momento a bateria de testes deve ser escolhida, pensada de acordo com a pessoa que eu vou avaliar...” cf. Ficheiro 20210615144110_1063642_2871416 (12,11 a 13,3).
3.ª A progenitora não tem, nem nunca teve comportamentos de alienação parental, ou distúrbios psicopatológicos.
4.ª A progenitora, não sofre, nem sofreu de qualquer doença do foro psiquiátrica, que possa pôr a menor, numa situação de perigo.
5.ª Deverão ser dados como provados os seguintes factos:
B-Que a progenitora reúna as condições necessárias para que a E…, neste momento, a viver consigo;
E-Que a progenitora não tenha comportamentos de alienação parental ou distúrbios psico-patológicos.
6.ª A mãe da menor é educadora, cuida diariamente de outras crianças e contacta as respectivas famílias, desempenhando as suas funções com equilíbrio reconhecido por essas famílias e pelos seus superiores hierárquicos. Nas suas funções todos os dias é avaliado o seu desempenho. Ora melhor que ninguém saberá cuidar da sua filha E…, apesar de estar disponível e receptiva para colaborar com as Equipas Técnicas que o tribunal entender.
7.ª A mãe da E…, cuida da filha, como qualquer outra mãe, preocupa-se com o seu desenvolvimento, com a sua educação, e com o seu bem-estar físico, psíquico e emocional, como qualquer outra mulher o faz.
8.ª Assim, deve ser aplicada a medida de apoio junto da mãe, nos termos dos artigos 35º nº 1 a) e 39º da LPCJP, em vez do acolhimento residencial.
9.ª Efectivamente, foi violado o princípio da prevalência da família (artigo 4º alínea h) da LPCJP) na medida em que privilegiou-se a institucionalização e coartou-se a criança das suas referências afectivas.
10.ª Simultaneamente, foram violados os princípios da proporcionalidade e actualidade (artigo 4º, alínea e), da LPCJP) na medida em que o acolhimento residencial não é apto para alcançar o desiderato pretendido com os presentes autos de protecção.
11.ª Concluindo: é possível, através do apoio junto da mãe, com esforço e empenho dos técnicos, com agilização dos procedimentos, alcançar a aproximação e reconstrução dos laços afectivos.
Deve a sentença do Tribunal a quo ser revogada ou alterada com todas as consequências legais daí resultantes.

6. Contra-alegou o Ministério Público, concluindo pela improcedência de ambos os recursos, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
A Recorrente/progenitora também apresentou contra-alegações, nas quais concluiu que deve ser aplicada a medida de apoio junto da mãe, como, aliás, sustentou no seu recurso.

7. Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas nos recursos, importa decidir as seguintes questões:
(i) Das nulidades da sentença;
(ii) Da impugnação da matéria de facto;
(iii) Da reapreciação/substituição da medida de promoção e protecção aplicada.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos [constam dois factos diversos com o n.º 29]:
1. A menor E… nasceu em 3 de Novembro de 2010 encontrando-se registada como filha de H… e de J…;
2. Em 10 de Maio de 2012, e na sequência da separação dos seus progenitores, o Ministério Público instaurou acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes à menor;
3. Em 19 de Junho de 2012, em sede de conferência de pais, foi homologado por sentença acordo referente ao exercício das responsabilidades parentais relativas à menor, tendo sido estipulado que a menor ficaria à guarda e cuidados da mãe e que o pai poderia ver e estar com a menor domingo à tarde, quinzenalmente, e ainda, nos dias úteis, durante duas horas diárias, em horário a combinar com a progenitora;
4. Em 20 de Maio de 2013, o progenitor deduziu o primeiro incidente de incumprimento do regime de visitas fixado o qual terminou com novo acordo referente a alteração do regime de visitas primeiramente fixado, e novamente homologado por sentença proferida em 9 de Julho de 2013, pelo qual ficou estipulado que o progenitor poderia ver e estar com a menor sábados quinzenalmente, das 10.00 às 19.00 horas;
5. Em 18 de Julho de 2013, suscitou a progenitora suspeita de abuso sexual alegadamente cometido pelo progenitor sobre a menor o que ditou a suspensão provisória do regime de visitas fixado por decisão proferida em 7 de Agosto de 2013;
6. Mercê das suspeitas supra referidas, foram instaurados os autos de inquérito nº 441/13.3JDLSB, os quais terminaram com prolação de despacho de arquivamento em 15 de Outubro de 2014 e onde se concluiu, em suma que “do acervo probatório junto aos autos não resulta um quadro de abuso sexual, mas antes um conflito aceso entre os progenitores, com versões contraditórias, em que se destaca o «comportamento ansioso, invasivo e controlador» da progenitora, sendo altamente provável que tenha sugestionado a menor no sentido de a mesma se referir ao pai como alguém pernicioso para si, quando, na verdade, a mãe receia é que o progenitor lhe retire a menina.”;
7. Em 15 de Dezembro de 2014, e na sequência do despacho de arquivamento supra mencionado, foi alcançado acordo pelos progenitores em sede de conferência de pais, devidamente homologado por sentença e no qual se estabeleceu um regime provisório de visitas a vigorar pelo período de três meses e de modo a permitir uma reaproximação gradual do progenitor à menor;
8. Entre pelo menos 7 de Agosto de 2013, e Janeiro de 2015 o progenitor e a menor não mantiveram qualquer contacto, mercê da suspensão do regime de visitas;
9. Em diversas ocasiões, aquando da tentativa de cumprimento do regime de visitas provisório fixado, foi possível registar, por parte da progenitora, as seguintes expressões: “Diz ao teu pai o que me dizes a mim, que não queres ir com ele” e “Vá E…, diz o que costumas dizer, diz que não queres ir, vá diz que não queres ir, não é só a mim que tens que dizer” e “Tens que dizer que não queres ir, tens que dizer que não queres ir”;
10. O regime provisório de visitas fixado para decorrer entre final de Dezembro de 2014 e final de Março de 2015, foi pautado por sucessivos incumprimentos por parte da progenitora, conforme resulta da informação social reportada aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais em 16 de Abril de 2015 com ref. 240754 e do qual se transcreve “(…) A técnica acompanhou esta última visita do pai à criança e observou uma interacção positiva entre pai e filha. E… participou em jogos que ela própria organizou… A E… colocou o pai sempre em lugar de destaque no lugar da frente e premiava o passageiro que se portava bem e, na sua avaliação, o passageiro que merecia ser premiado era o seu pai. A criança… neste período de convívio, conseguiu abstrair-se e viver aquele momento de forma espontânea e alegre, jogou à apanhada e refugiava-se com carinho no colo da tia. Sentou-se de forma espontânea no colo do pai para lerem uma história ilustrada… e a E… estava entusiasmada a brincar quando a mãe chegou. A mãe chamou-a de forma impositiva mas a E… continuou no colo do pai, não foi logo, a mãe insistiu para que fosse, não mostrando tolerância ou flexibilidade de tempo.”, e onde se conclui: “(…) os convívios da E… com o pai são sentidos por este como gratificantes para si e para a sua criança… Da observação que efectuámos constatámos que a criança, quando colocada em espaço neutro, consegue exprimir os seus sentimentos, sem constrangimentos ou problemas de lealdade. (…) A ambivalência da mãe e as suas desconfianças em relação à figura paterna, representam um conflito emocional que, na nossa perspectiva necessita de ser apaziguado e está a dificultar o trabalho de cooperação necessário para educar em complementaridade e acompanhar o processo de desenvolvimento da filha, podendo, esses sentimentos negativos, ainda que de forma involuntária, repercutir-se no comportamento da criança. (…)”;
11. Na sequência do acompanhamento técnico efectuado ao regime provisoriamente fixado, foi, em sede de conferência de pais realizada em 13 de Maio de 2015, acordada nova alteração ao regime de visitas fixado, devidamente homologado por sentença, pelo qual o progenitor poderá ver e estar com a menor quinzenalmente aos sábados, indo para o efeito buscá-la ao parque infantil sito no Jardim do Tarro, pelas 10.00 horas da manhã e entregá-la pelas 19 horas e 30 minutos em casa da progenitora;
12. No dia 16 de Maio de 2015, em cumprimento do regime de visitas fixado, a E… esteve com o progenitor;
13. Nesse mesmo dia 16 de Maio de 2015, ao final do dia, a progenitora fez transportar a menor ao serviço de urgências do Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, por nova suspeita de abuso sexual de menor, onde, após insistência da progenitora e após sedação, a menor foi sujeita a exame ginecológico;
14. Mercê da queixa apresentada pela progenitora foi autuado o inquérito nº 186/15.0JACBR;
15. No dia 18 de Maio de 2015, a menor foi, novamente, sujeita a exame ginecológico desta feita no Instituto Nacional de Medicina Legal de Coimbra;
16. Em informação de 1 de Julho de 2015, foram reportadas aos autos alterações comportamentais da menor pela psicóloga que efectuava o seu acompanhamento na ULSNA de …, tendo sido por esta descrito que “Verificamos diversos indicadores psicológicos que evidenciam o actual sofrimento da menor, sendo eles: comportamentos agressivos, grandes dificuldades na auto-regulação emocional, comportamento de insegurança e desconfiança em relação ao adulto, comportamentos regressivos, comportamentos de violência auto-dirigida (agredindo-se por vezes a si própria), recusa em frequentar a escola, e alterações de natureza psicossomática (nomeadamente elevado nível de ansiedade e recusa em alimentar-se).”;
17. Em sede de avaliação pericial pronunciou-se a perita do INML de Coimbra em relatório datado de 6 de Julho de 2015, afirmando que “Durante a entrevista, a examinanda mostrou-se agressiva e mal-educada, recusando-se a responder a quaisquer perguntas dos examinadores, tais como nome e idade. Manteve-se sempre ao colo da mãe, agitada e agressiva para com esta, puxando-lhe os cabelos, dando-lhe beliscões e apertando-lhe o pescoço. Gritava constantemente exigindo sair do gabinete de exame, deitando a língua de fora num tom desafiador e desrespeitador, com a conivência da mãe, que se mostrava impotente perante o comportamento da filha, desculpando-a (legitimando tais actos, com a justificação dos alegados actos abusivos). Durante a realização deste exame a mãe mostrou-se muito apelativa e ansiosa, exigindo aos peritos a observação da filha, mesmo que forçada, com o auxílio da avó e dos peritos médicos. (…) Genitais externos normalmente conformados para a idade, não sendo visíveis quaisquer lesões traumáticas ou seus vestígios ao nível do monte púbico, pequenos lábios, clitóris e orifício uretral externo. Membrana himenial anular com ostíolo diminuto quase imperceptível. Padrão reticular da fase medial dos pequenos lábios, próprio para a idade, não sendo visíveis quaisquer lesões traumáticas nomeadamente fissuras, lacerações, edema ou eritema. O ostíolo himenial não é sequer permeável à polpa do quinto dedo de um dos peritos que realizou o exame. Ao exame anal (na posição de rã) evidenciou boa tonicidade do esfíncter anal externo, dilatação anal reflexa, sem visualização de lesões traumáticas. Posteriormente ao exame a examinanda tornou-se mais agressiva para com as examinadoras e acompanhantes (mãe e avó), começando a desferir pontapés e murros. Seguidamente apertou violentamente com as mãos a região genital, e as nádegas e arranhou as pernas, alegando que queria que ficasse tudo vermelho. Quando questionada por nós o porquê de querer que ficasse tudo vermelho, retorquiu «foram vocês que me puseram tudo vermelho», por esta altura a mãe denotou um choro contido e estado de ansiedade.(…) e conclui pela inexistência de “lesões traumáticas a nível da superfície corporal em geral, bem como da região ano-genital relacionados com o evento em apreço… sugere-se valorização de avaliação psicológica da examinanda, de forma a esclarecer as alterações comportamentais apresentadas pela mesma e que os dados clínicos apurados e atrás descritos configuram uma situação de risco para a Examinanda, requerendo, por isso, a adopção de medidas psicossociais tendentes a assegurar o seu acompanhamento e protecção.”;
18. Em 3 de Novembro de 2015, e na sequência do aniversário da menor e de decisão que autorizava o progenitor a tomar uma refeição com a mesma, foi necessário recorrer ao auxílio das forças de segurança, tendo sido determinada a actuação da GNR de … a fim de proceder à entrega da menor ao progenitor;
19. Em aproximadamente 2 anos, a menor mudou de estabelecimento de ensino pré-escolar pelo menos 4 vezes;
20. No ano lectivo de 2015/2016, a menor ingressou no estabelecimento de ensino de creche e pré-escolar de …, tendo por educadora a própria progenitora;
21. Por sentenças proferidas em 22 de Setembro de 2015 (apenso A), 12 de Janeiro de 2016 (apenso C), 11 de Janeiro de 2016 (apenso E), 25 de Janeiro de 2016 (apenso F) e 22 de Janeiro de 2016 (apenso H), foi julgado verificado o regime de visitas a favor da menor em relação ao progenitor e a progenitora condenada no pagamento de multas;
22. Em 30 de Dezembro de 2015, foi proferido nos autos de inquérito nº 186/15.0JACBR despacho de arquivamento ali se concluindo pela inexistência de indícios suficientes da prática do crime de abuso sexual de crianças;
23. A assiduidade da progenitora no estabelecimento de ensino pré-escolar onde leccionava e igualmente frequentado pela menor foi pautada pela irregularidade, o que motivou o descontentamento dos pais dos alunos;
24. A partir de 11 de Janeiro de 2016, a progenitora encontrava-se “de baixa”, não comparecendo no estabelecimento escolar onde lecciona;
25. Mercê do supra exposto, também a menor deixou de comparecer no estabelecimento de ensino desde o dia 11 de Janeiro de 2016;
26. Por decisão proferida nos autos de processo de promoção e protecção que correram sob o apenso G foi, a título provisório e urgente, em 29 de Janeiro de 2016 aplicada a medida de apoio junto do pai, sendo então a menor entregue à guarda e cuidados do progenitor;
27. Foi então determinado que a progenitora teria direito a visitas supervisionadas pela Segurança Social, que decorreram nas instalações do ISS de Portalegre;
28. Mercê da evolução favorável do regime de visitas fixado, foram autorizadas visitas em casa da progenitora, com pernoita, ao fim-de-semana;
29. Em 12 de Julho de 2016, foi aplicada, por acordo de promoção e protecção, a medida de apoio junto do pai, sucessivamente revista e prorrogada;
29. Em 19 de Julho de 2018, foi determinado o arquivamento dos autos de promoção e protecção por ter sido considerado, então, que cessara a situação de risco em que a menor se encontrava relacionada com o grave conflito parental dos seus progenitores;
30. Por sentença homologatória de acordo proferida em 18 de Outubro de 2019 (apenso D), entretanto transitada em julgado, foi fixado o regime de exercício das responsabilidades parentais relativas à menor E…, tendo sido determinado que a menor passaria a residir, alternadamente, com cada um dos progenitores por períodos de uma semana;
31. A progenitora não entregou a menor ao progenitor no dia 1 de Junho de 2020 não tendo comparecido no local e hora designados, tendo a menor permanecido então a residir juntamente com a progenitora;
32. Por sentença proferida em 8 de Julho de 2020 foi julgado verificado novamente o incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas à menor E… e a progenitora condenada em multa, tendo sido determinada a entrega coerciva da menor ao progenitor;
33. No dia 9 de Julho de 2020, a menor deu entrada no serviço de urgências do Hospital Dr. José Maria Grande em Portalegre, com quadro de ansiedade e apresentando queixas de abuso sexual por parte do progenitor, tendo sido internada no serviço de pediatria desse mesmo hospital;
34. A menor foi sujeita a avaliação psicológica pelo INML, tendo sido verificado então o estado de ansiedade da menor e reportadas alterações comportamentais relacionadas com a sua instabilidade emocional;
35. Mercê de nova denúncia efectuada pela progenitora correram os seus termos os autos de inquérito nº 148/20.5PBPTG os quais terminaram com a prolação de novo despacho de arquivamento em 21 de Janeiro de 2021;
36. Inconformada com a decisão de arquivamento do inquérito a progenitora deduziu requerimento de abertura de instrução, a qual ainda decorre, encontrando-se os autos a aguardar a realização de diligências instrutórias;
37. Até dia 1 de Junho de 2020 menor residia, alternadamente, com a progenitora e com o progenitor, por períodos de uma semana, em Portalegre, em habitações próprias de ambos onde a menor tem quartos próprios com todas as comodidades;
38. A progenitora é educadora de infância no Agrupamento…, auferindo cerca de 1.400,00 € mensais;
39. O progenitor é professor no Agrupamento de …, e aufere 1.250,00 € líquidos;
40. Na sequência do seu internamento no serviço de pediatria do Hospital …, a menor E… foi, provisoriamente, acolhida na Casa de Acolhimento Residencial …, sita em …, onde se encontra desde o dia 15 de Julho de 2020;
41. Depois de um período inicial de adaptação à sua vida em contexto institucional, a E… apresenta-se bem integrada na Casa de Acolhimento, revelando uma relação adequada com os seus cuidadores e com os seus pares;
42. Desde Setembro de 2020, a E… frequenta o Centro …, encontrando-se no 4º ano de escolaridade onde se encontra bem integrada e onde revela bom aproveitamento escolar;
43. A E… frequentou a Academia …, tendo pouco tempo depois abandonado essa actividade extra-curricular;
44. A E… continua a beneficiar de visitas de ambos os progenitores em contexto institucional, as quais decorrem com satisfação da menor;
45. Na sequência da recusa da menor em deslocar-se a casa do progenitor por ocasião das férias da Páscoa e dos relatos feitos às técnicas da Casa de Acolhimento, foi instaurado novo inquérito, desta feita, pela alegada prática do crime de maus tratos a menores, o qual corre termos sob o número 312/21.0t9pt;
46. Encontram-se em curso diligências no âmbito dos autos de inquérito crime supra mencionado, no qual o progenitor é arguido, não tendo sido ainda proferido despacho final do inquérito;
47. A menor é seguida em consultas de psicologia na ULSNA, em …, apresentando uma franca evolução ao nível da sua estabilidade emocional e comportamento;
48. Dos registos das visitas realizadas por ambos os progenitores à menor é possível perceber que as mesmas decorrem de forma satisfatória para a menor, que estabelece interacção com ambos os progenitores, perguntando insistentemente à progenitora quando pode regressar a casa;
49. Apesar do exposto, a postura da progenitora apresenta-se algo ansiosa e inquisitiva questionando frequentemente a menor sobre detalhes da sua vida diária o que, por vezes, aborrece a menor;
50. A postura do progenitor apresenta-se mais calma e assertiva, interagindo com a menor mediante recursos que traz consigo do exterior como jogos lúdicos, o que agrada à menor;
51. Foi realizada avaliação às competências parentais da progenitora e características da personalidade tendo o senhor perito do INML concluído que a progenitora apresenta uma perturbação de personalidade com características mistas do tipo paranóide, histriónico e obsessivo-compulsivo, tipicamente resistentes à mudança psíquica e a propostas terapêuticas;
52. Estes traços de personalidade têm impacto nas competências parentais da progenitora que exerce a parentalidade de forma intrusiva, com interacções menos satisfatórias, criando menor empatia pela menor e transmitindo-lhe os seus medos e ansiedades;
53. O estilo parental da progenitora é do tipo permissivo, indulgente, tolerante, não impondo limites e fazendo poucas exigências à menor;
54. A dinâmica relacional observada pelo perito decorrente dos presentes autos sugere uma dinâmica de alienação parental perpetrada pela progenitora o que se traduz num verdadeiro abuso psicológico e emocional para a menor;
55. Foi realizada avaliação às competências parentais do progenitor e características da personalidade tendo o senhor perito do INML concluído que o progenitor não apresenta quaisquer alterações psicopatológicas, demonstrando conhecer as práticas educacionais adequadas, apresentando motivação e afectividade positiva em relação à filha;
56. O estilo parental do progenitor é do tipo autorizado, moderado, orientador da criança e estimula a sua independência e autonomia, exercendo um controlo firme e regrado do comportamento da criança;
57. O progenitor apresenta variáveis afectivas, cognitivas e sociais que o capacitam a um cuidado responsável e estruturado da menor, com práticas educativas consistentes que lhe permite dar uma resposta adequada às necessidades da menor;
58. Foi realizada avaliação psicológica à menor, tendo esta apresentado, do ponto de vista cognitivo, um percentil 95 na escala de inteligência o que revela uma inteligência acima da média;
59. Do ponto de vista da sua avaliação emocional, a E… apresenta traços de impulsividade, manifestados em condutas expansivas com pouco auto-controlo e fraca capacidade de inibição, tendências agressivas, mostrando dificuldade de aproximação e relacionamento com outras pessoas;
60. A E… apresenta imaturidade afectiva, vulnerabilidade e instabilidade emocional, com baixo nível de auto-confiança e forte necessidade de apoio e suporte;
61. No que diz respeito às relações significativas da menor, surgem indícios de conflito parental sentindo-se a criança oprimida pelos conflitos dos pais o que lhe acarreta grave sofrimento emocional;
62. A menor apresenta angústia depressiva ligada à relação de continente e suporte, por falta de continente materno fiável, sendo a imagem paterna internalizada como fragilizada;
63. A progenitora é consultada em consultas de psicoterapia e, ocasionalmente, de psiquiatria, fazendo toma de Escitalopran desde os 5 anos de idade de E…;
64. A menor deslocou-se com o progenitor, pelo menos por três ocasiões distintas, desde final de Maio, a provas de atletismo, tendo mostrado satisfação e vontade de repetir;
65. A menor verbaliza frequentemente, desde o início do seu acolhimento, que quer voltar para casa da progenitora e, recentemente, também para casa do progenitor.
*
A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
A. Que a E… seja uma criança com elevado nível de maturidade para a sua idade;
B. Que a progenitora reúna as condições necessárias para que a Elisa volte, neste momento, a viver consigo;
C. Que a menor E… não sinta afecto pelo seu pai;
D. Que a menor, até aos seus seis anos de idade, sempre tenha residido com a progenitora;
E. Que a progenitora não tenha comportamentos de alienação parental ou distúrbios psico-patológicos;
F. Que a progenitora desempenhe as suas funções profissionais com reconhecido equilíbrio pelas famílias e pelos seus superiores hierárquicos;
G. Que não tenham sido atendidos telefonemas da progenitora para a Instituição que acolhe a menor em dias e horas combinados;
H. Que a E… sinta receio em expressar o seu afecto pela progenitora e que o seu afecto pela progenitora não esteja repercutido nas informações sociais;
I. Que a E… não esteja integrada na Instituição que a acolhe, nomeadamente, na relação com os seus pares.
*
B) – O Direito
1. Das nulidades da sentença
1.1. O Recorrente J… discorda da sentença, começando por invocar a nulidade da mesma, por omissão de pronúncia, prevista da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Neste preceito comina-se com a nulidade a sentença quando: “O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
De facto, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, como resulta do n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil.
Quando assim não suceda, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, ocorre a nulidade da sentença.
E tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. Daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
No caso concreto, o que o recorrente invoca como causa de nulidade é o facto de o Tribunal ter indeferido o pedido de emissão de certidão de várias peças processuais dos autos de promoção e protecção, que correram termos pelo apenso G dos autos principais, por ter entendido que tinha acesso aos vários apensos (que apesar de arquivados eram consultáveis) e, depois, não ter atendido à documentação e factualidade que deles resulta, que, se bem percebemos, serviria para complementar a factualidade enunciada nos pontos 21, 26, 27, 28 e 29 dos factos provados, que demonstra a existência de outras decisões para além da enunciada em 21, que o processo que mediou a aplicação da medida de apoio junto do pai não foi célere nem pacífico e que existem outros factos dignos de registo que interessam à boa decisão da causa (cf. conclusão 2ª).
Porém, não é correcta a afirmação de que o Tribunal não atendeu à prova resultante dos autos de promoção e protecção, que constitui o apenso G, pois aos mesmos se reportam os factos enunciados sob os pontos 26 a 29 dos factos provados, e, do ponto 21, constam indicados os processos de incumprimento que se tiveram por relevantes para a decisão, ainda que outros efectivamente existam, pois apurámos que são 12 os que se encontram por apenso ao processo principal. E não tinha o Tribunal recorrido que elencar todos os factos que ocorreram no âmbito do referido processo (apenso G), que levaram à prolação das decisões nele tomadas, e que ali foram apreciados, mas, tão só, os que relevavam para a decisão a proferir nos presentes autos, tendo apreciado todas as questões que o objecto do processo impunha.
Se o recorrente entendia que o tribunal deveria ter feito constar da sentença outros factos, o meio de alcançar tal desiderato não é a invocação da nulidade da sentença, mas sim o recuso de impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, meio de que o recorrente não lançou mão, pois não pede o aditamento de quaisquer factos, concretamente nas conclusões apresentadas.
Deste modo, improcede a arguida nulidade.

1.2. Refere também o recorrente, na conclusão 3ª, que a sentença “carece de fundamentação bastante por conter em si mesma contradições notórias entre a fundamentação e a decisão”.
Deste modo, afigura-se-nos pretender o recorrente invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação e contradição.
Vejamos:
A necessidade de fundamentação de facto e de direito da generalidade das decisões judiciais constitui corolário do princípio do Estado de Direito e do papel criador e aplicador do direito desempenhado pelos tribunais.
Em face do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta disposição legal está em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e, bem assim, com o artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia a um processo equitativo (cf. artigo 20º, nº 4, da Lei Fundamental).
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[o] due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”
E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se, pois, o direito à fundamentação das decisões.
Daí que, na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (cf. artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Porém, como é pacífico, o vício de falta de fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, só ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respectiva nulidade.
Quanto à nulidade por contradição, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Porque assim é, as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cf. Ac. RC de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1).
No caso em apreço, a sentença está fundamentada de facto e de direito e os fundamentos invocados apontam precisamente no sentido da decisão tomada.
Questão diferente é a de saber se ocorreu erro de julgamento, que é o que verdadeiramente o recorrente pretende invocar na parte II do texto alegatório, em função da leitura e da integração que faz dos factos apurados.
Mas, tal como acima se referiu, o erro de julgamento, a verificar-se, não consubstancia nulidade da sentença, implicando antes a alteração da decisão tomada.
Deste modo, improcedem também as arguidas nulidades.

2. Impugnação da matéria de facto
2.1 A recorrente H…, também discorda da decisão, começando por impugnar os pontos 51, 52, 53 e 54 dos factos provados e as alíneas B) e E) dos factos não provados, que entende deverem ter sentido inverso, indicando as provas em que baseia a sua pretensão.

2.2. Como ponto prévio, antes de passarmos a analisar a factualidade impugnada, importa sublinhar que, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retractada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (Remédio Marques, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).
Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, “[a]lgumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347).
E, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 25/01/2016 (processo n.º 05P3460), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt: “(…) VII - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
VIII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)”
Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.
Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.
Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
Vejamos o caso concreto.

2.3. Nos referidos pontos 51 a 54 deu-se como provado que:
«51.Foi realizada avaliação às competências parentais da progenitora e características da personalidade tendo o senhor perito do INML concluído que a progenitora apresenta uma perturbação de personalidade com características mistas do tipo paranóide, histriónico e obsessivo-compulsivo, tipicamente resistentes à mudança psíquica e a propostas terapêuticas;
52. Estes traços de personalidade têm impacto nas competências parentais da progenitora que exerce a parentalidade de forma intrusiva, com interacções menos satisfatórias, criando menor empatia pela menor e transmitindo-lhe os seus medos e ansiedades;
53. O estilo parental da progenitora é do tipo permissivo, indulgente, tolerante, não impondo limites e fazendo poucas exigências à menor;
54. A dinâmica relacional observada pelo perito decorrente dos presentes autos sugere uma dinâmica de alienação parental perpetrada pela progenitora o que se traduz num verdadeiro abuso psicológico e emocional para a menor.»

2.4. A respeito desta matéria e bem assim da indicada nos pontos 55 a 62, referiu o tribunal recorrido que «… considerou ainda extremamente pertinentes os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito nomeado, V…, responsável pela avaliação de ambos os progenitores e cujas conclusões se encontram exaradas nos relatórios juntos aos autos (referências 1750068 e 1750071 de 20 de Janeiro de 2021), cujas conclusões se mostram, em grande medida corroboradas pelos esclarecimentos prestados pela Srª Psicóloga que avaliou a menor, A…, psicóloga clínica na ULSNA de … e que presta acompanhamento à menor desde o seu acolhimento institucional, bem como corroborados pelas declarações da Srª perita do gabinete de Portalegre do INML, responsável pela avaliação da menor nos autos de inquérito crime então em curso, M…. As mesmas prestaram declarações de forma objectiva e imparcial sobre factos do seu directo conhecimento, comprovando a existência de grave conflito parental e salientando o profundo sofrimento emocional da menor e, por isso, mereceram o acolhimento do tribunal».
A recorrente discorda da inclusão da referida factualidade na matéria de facto provada, pois considera que o perito foi parcial, questionando as conclusões do relatório pericial, invocando a propósito, o depoimento da testemunha M…, psicóloga, que referiu, além do mais, que o perito derrogou etapas no método de avaliação psicológica, não tendo realizado a entrevista preliminar para adequação/actualização dos testes posteriores a aplicar.
Porém, tal argumentação não colhe.
Em primeiro lugar importa ter em conta que a factualidade em causa, no que aos factos impugnados se reporta, tem por base, essencialmente, o relatório da perícia médico-legal realizada nos autos e nos esclarecimentos do perito ouvido em audiência.
Ora, o que consta dos referidos factos são as conclusões alcançadas pelo perito em face da avaliação que fez da requerida, com base na documentação constante dos autos, da observação clínica, da entrevista clínico-forense e da avaliação instrumental que refere no relatório, que esclareceu em audiência.
A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais de que os julgadores não disponham e a força probatória das respostas por eles dada é fixada livremente pelo tribunal (cf. artigos. 388° e 389° do Código Civil).
Distingue-se do depoimento, que consiste no relato do que a testemunha captou através do seu aparelho sensorial na imediação com o acontecer fáctico.
Na prova pericial, releva o princípio da decisão segundo a convicção que o julgador tenha formado em relação a cada facto controvertido (cf. artigo 607, n.º 5, do Código de Processo Civil).
Mas, embora o julgador aprecie livremente as provas (cf. artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil), designadamente a pericial, não pode, sem elementos sólidos, afastar-se do resultado da peritagem, especialmente quando os peritos forem unânimes ou proferirem decisão por maioria. Tal só não acontecerá no caso de se concluir que os peritos basearam o seu raciocínio em erro manifesto ou critério legalmente inadmissível.
E, no caso, não vemos que tal tenha sucedido, mostrando-se convincentes as conclusões alcançadas pelo Sr. Perito, precisamente pelas razões indicadas na sentença recorrida, onde se disse: «Em desabono das conclusões do Sr. Perito V… e dos seus esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, juntou a progenitora parecer técnico elaborado pela psicóloga forense, M…, que procedeu a avaliação psicológica da progenitora a seu pedido. Prestou a Srª Psicóloga declarações em sede de audiência de discussão e julgamento que, embora nos tenham parecido credíveis, se encontram, em nosso entendimento, inquinadas pelos elementos de informação e pelas fontes da Srª Psicóloga, uma vez que apenas teve acesso à versão dos factos que lhe foi transmitida pela progenitora. Por outro lado, e pese embora tenha referido estar em desacordo com o Sr. Perito nomeado pelo tribunal no que à metodologia por este utilizada diz respeito, discorda das suas conclusões no sentido de que a progenitora padeça de uma psico-patologia da personalidade, embora assuma que a mesma apresente os traços de personalidade ansiosa que igualmente lhe detectou. Assim, e no entendimento deste tribunal, os senhores psicólogos chegaram às mesmas conclusões, discordando, embora, no que ao grau ou intensidade dessas características diz respeito, o que estará relacionado, não só com as avaliações psicométricas realizadas por ambos, mas, sobretudo, pela consulta dos elementos documentais juntos aos autos feita pelo Sr. Perito nomeado e que lhe permitiu contextualizar o comportamento processual da progenitora e integrá-lo de acordo com as suas características de personalidade dominantes e lhe permitiram concluir que a mesma padece efectivamente de uma perturbação de personalidade. Neste conspecto, e porque se afigurou absolutamente seguro, prestando os esclarecimentos que lhe foram sendo solicitados, estamos com as conclusões do Sr. Perito nomeado, não logrando o parecer técnico junto aos autos pela progenitora infirmar ou contrariar as mesmas.»
Deste modo, e concluindo-se que a perícia realizada teve como suporte uma maior informação da situação em análise, sobretudo devido ao conhecimento informado da situação, decorrente do acompanhamento do processo e da consulta de elementos documentais juntos aos autos, que permitiram ao perito melhor contextualizar o comportamento da progenitora e integrá-lo de acordo com as suas características de personalidade dominante, não ocorre fundamento para alteração da matéria de facto impugnada.

2.5. E também não ocorre também fundamento para alteração dos factos constantes das alíneas B) e E), onde se deu como não provado que:
«B. Que a progenitora reúna as condições necessárias para que a E… volte, neste momento, a viver consigo;
E. Que a progenitora não tenha comportamentos de alienação parental ou distúrbios psico-patológicos.»
A este respeito, diz-nos o tribunal recorrido que a razão da resposta negativa a estes factos «… prendem-se com a análise que o tribunal faz da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente, das declarações das Senhoras Técnicas da EMAT e da Casa de Acolhimento, em conjugação com o teor dos relatórios sociais juntos aos autos, mormente, o relatório social final e, bem assim, em conjugação com as declarações do Sr. Perito nomeado que foi absolutamente convicto de que a progenitora não reúne condições psíquicas e emocionais para, no momento, prestar cuidados à menor, por carecer ela própria de acompanhamento psicoterapêutico intensivo que lhe permita debelar e controlar a perturbação de que padece …».
Assim, e permanecendo inalterada a matéria constante dos pontos 51 a 54 dos factos provados e atentos os comportamentos da requerida bem espelhados nas decisões relativas aos incumprimentos a que se reportam os diversos apensos do processo principal, não se alcança a pretendida convicção para dar como provados os factos em causa.

2.6. Deste modo, permanece inalterada a matéria de facto.

3. Da reapreciação/substituição da medida de promoção e protecção.
3.1. A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos princípios orientadores vertidos no artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), de cuja alínea a) resulta que a intervenção, judiciária e não judiciária, deve atender prioritariamente, aos direitos e interesses da criança ou jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, ou seja, tem como primeiro princípio orientador e estruturante do direito das Crianças e Jovens, o interesse superior da criança e jovem em perigo.
Este princípio mostra-se internacionalmente consagrado no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança o qual prevê que «[t]odas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança»; constitucionalmente protegido no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), de acordo com o qual, «[o]s filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial», conforme decorre do artigo 69.º, n.º 1, da CRP que estabelece que «[a]s crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família …»; e legalmente consagrado, ainda, no n.º 2 do artigo 1978.º do Código Civil, onde se refere que «[n]a verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança».
Sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo.
Por outro lado, «estando cometido aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, conforme anuncia o n.º 5 do artigo 36.º da Constituição, cabendo aos pais, nos termos do artigo 1885.º do CC, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, é natural que o processo de promoção e protecção deva subordinar-se ao princípio da prevalência da família, previsto no artigo 4.º, alíneas f), g) e h) da LPCJP, de acordo com o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, devendo a intervenção ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes, tudo em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e a Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989» [cf. acórdão da Relação de Évora, de 11/05/2017 (proc. n.º 4626/10.6TBPTM-H.E1), disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt, que aqui vimos seguindo de perto e que o aqui relator subscreveu como 2º adjunto].
Como decorre do citado artigo 4º da LPCJP, a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, para além de obedecer aos princípios do interesse superior da criança e do jovem (alínea a)) e da intervenção precoce e mínima (alínea c) e d)), e, bem assim, aos princípios da responsabilidade parental e prevalência da família (alínea f) e h)), já referidos, também está subordinada aos princípios da obrigatoriedade da informação, segundo o qual “a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa” (alínea i)), e da audição obrigatória e participação, que determina que “a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção”.

3.2. Na sentença recorrida, concluiu-se em aplicar à criança E… a medida de acolhimento institucional, com revisão de seis em seis meses, com os seguintes fundamentos:
«… No caso resulta que, antes de a E… ser acolhida em instituição, os seus progenitores estavam a colocá-la em grave perigo na medida em que se envolveram num litígio sem fim à vista e que afecta sobremaneira a estabilidade psíquica e emocional da menor.
Com efeito, resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que, anteriormente ao seu acolhimento institucional, a menor E… passou por diversas situações de carácter extremamente intrusivo, mormente, perícias ginecológicas motivadas pelas sucessivas queixas da progenitora contra o progenitor pela alegada prática de abuso sexual cometido na pessoa da menor.
No entanto, e sem querer desvalorizar a gravidade das imputações feitas pela progenitora, e que mereceram sempre o devido acompanhamento do ponto de vista da sua investigação, resulta dos sucessivos inquéritos que as mesmas redundam em arquivamentos, não tendo sido colhida qualquer prova que indicie a alegada prática do crime de abuso sexual de menores cometido pelo progenitor contra a menor.
Por outro lado, encontra-se ainda em fase de investigação inquérito ao progenitor pela alegada prática do crime de maus tratos, por imputações feitas pela menor aquando da sua recusa em deslocar-se com o progenitor a casa por ocasião das férias da Páscoa e que merecem o devido tratamento e investigação. Com efeito, a menor imputa ao progenitor agressões que, a terem ocorrido, demonstram um comportamento inadequado por parte do progenitor e configuram, em teoria, a prática de crime de maus tratos a menores.
Por seu turno, a progenitora apresenta-se hoje, como desde o início da sua intervenção processual, alterada e ansiosa, impulsiva e manipuladora, apresentando a sua versão dos factos como a sua “realidade” e na qual, aparentemente, demonstra acreditar. O seu comportamento obsessivo e insistente de inquirir e pressionar a menor em relação ao progenitor parece incomodar a menor que começa a rejeitar as pressões maternas, manifestando incómodo pela persistência das questões apontadas pela progenitora.
Ora, a menor apresenta-se fortemente fragilizada pelo conflito parental e pela sua evidente inabilidade e incapacidade de se relacionarem entre si no que diz respeito às questões atinentes à filha comum de ambos, sendo que, decorrido um ano de medida provisória de acolhimento institucional não se notam quaisquer alterações no seu comportamento.
Não deixam, infelizmente, a este tribunal qualquer alternativa senão a da necessidade de manutenção da medida de acolhimento institucional em vigor até que sejam trabalhadas as questões da psico-patologia de que padece a progenitora e sejam totalmente debeladas e esclarecidas as imputações feitas pela menor ao seu progenitor.
O mesmo foi o parecer da EMAT que acompanha a execução da medida de acolhimento e se mostra muito prudente e cautelosa em facilitar os contactos da menor com ambos os progenitores, o que tem vindo a ser, ainda que com limitações, fomentado por este tribunal com as autorizações de saída da menor.
Por fim, realçar que a menor é a pessoa que, sem culpa sua, mais penalizada sai com a sucessão de processos judiciais e que a tentativa deste tribunal foi sempre a de mitigar o seu sofrimento permitindo-lhe, ainda que com limitações, beneficiar da companhia de ambos os progenitores em condições de equidade e igualdade, o que não tem sido possível, mas que se deseja que, com o devido tratamento e encaminhamento por parte da equipa técnica possa vir a, no breve trecho, acontecer.
No caso concreto e neste momento, afigura-se que a fonte de perigo na vida desta criança é, justamente, o seu contacto com os progenitores que manifestamente se revelam incapazes de zelar pelo seu bem-estar e segurança.
Dos elementos constantes dos autos, resulta por demais evidente que a menor E… se encontra numa situação de perigo porquanto não recebe os cuidados adequados à sua situação pessoal, estando sujeita a comportamentos que afectam gravemente o seu equilíbrio emocional (artigo 3º, nºs 1 e 2, als. c) e e) da LPCJP).
Com efeito, são inequívocas as alterações comportamentais da menor, facto igualmente presenciado por diversas ocasiões distintas por este tribunal aquando da tentativa de estabelecer contacto com a mesma.
Perante tão severas alterações comportamentais, verifica-se a total impotência da progenitora para contrariar os ímpetos agressivos e disruptivos da filha.
Por outro lado, continua a progenitora a associar os distúrbios comportamentais da menor aos alegados abusos sexuais supostamente praticados pelo progenitor. Não obstante a existência de quatro despachos de arquivamento proferidos, que indicavam a inexistência do mínimo indício de abuso sexual perpetrado pelo progenitor, o certo é que a menor, hoje com 10 anos e a caminho dos 11, continua a verbalizar que o pai lhe bate, manifestando rejeição em relação ao mesmo.
Ora, apesar de termos na progenitora uma figura maternal controladora e ansiosa, que impede os contactos pai/filha alegadamente com fundamento na sua defesa, o certo é que não pode este tribunal descurar a existência do inquérito criminal em curso que deverá seguir os seus trâmites e o seu termo, após realizadas todas as diligências instrutórias tidas por pertinentes.
Existem, por outro lado, elementos periciais suficientes nos autos que nos apontam para patologia do foro psicológico da progenitora, encontrando-se a menor ainda em acompanhamento.
No entanto, podemos desde já descortinar alterações comportamentais da menina, devidamente documentadas no relatório do INML e que dizem respeito, pelo menos, à situação de elevada conflitualidade entre os progenitores e aos efeitos perversos que um processo judicial em curso durante tantos e longos anos produziu na menor.
A progenitora denota, como supra mencionado, grande instabilidade no seu comportamento, quer ao nível pessoal e familiar, quer ao nível profissional, sendo visivelmente incapaz de fazer face às alterações comportamentais da filha e denotando total ausência de espírito crítico para o seu comportamento alienante.
Por outro lado, e em relação ao progenitor, verifica-se, no momento, alguma rejeição por parte da E… que se pressupõe não se prende única e exclusivamente com o comportamento alienante da própria progenitora.
Com efeito, a menor manifestou repúdio pelo progenitor, rejeitando a sua figura e acusando-o de maus tratos físicos aquando do deferimento da visita ao progenitor no período de férias escolares da Páscoa.
Apenas com o decurso do inquérito criminal será possível aferir da veracidade e credibilidade das declarações da menor, o que, no momento se mostra insuficiente para, com segurança, podermos entregar a menor aos cuidados do seu progenitor.
Ora, pese embora se trate de medida de último recurso, o certo é que não se encontra o tribunal em condições de confiar a menor ao seu progenitor, sendo necessário aferir por que razão uma menina com quase onze anos faz imputações tão gravosas e que, a serem verdade configuram a prática de um crime gravíssimo e, a serem mentira, denotam bem a sua rejeição da figura paterna, o que apenas se compreende com uma vinculação afectiva e emocional fragilizada e ambivalente com o progenitor, o que, passados tantos meses de residência alternada, se mostra de todo em todo incompreensível.
Neste conspecto, a menor deverá continuar a beneficiar de acompanhamento psicológico e/ou pedo-psiquiátrico a fim de se proceder a uma avaliação diagnóstica da situação e correspondente encaminhamento e tratamento subsequente.
Assim, consideramos existirem razões ponderosas e suficientes para ser determinado o acolhimento institucional da menor, e enquanto se procedem às averiguações tidas por pertinentes no âmbito dos autos de inquérito supra mencionados. (…)»

3.3. Os progenitores discordam da decisão, não propriamente por entenderem que a criança não se encontra em risco, mas porque entendem que a medida de promoção e protecção aplicada não é a adequada, requerendo a sua substituição. A este respeito, pretende a requerida que seja aplicada a medida de apoio junto da mãe, invocando ainda a violação do princípio da prevalência da família, e o requerido que dever ser aplicada a medida de apoio junto do pai.
Em primeiro lugar, não podemos deixar de constatar que esta criança, com actualmente 10 anos de idade (quase a completar 11 anos), tem sofrido ao longo da sua vida com os desentendimentos dos seus progenitores e com o elevado clima de conflitualidade existente entre ambos, o que está bem retratado nos diversos relatórios juntos aos autos e nos muitos apensos respeitantes à regulação das responsabilidades parentais, alterações, incumprimentos e medidas de promoção e protecção, já para não falarmos no recente apenso de habeas corpus.
De facto, esta criança apresenta-se fortemente fragilizada pelo conflito parental e pela evidente inabilidade e incapacidade dos progenitores de se relacionarem entre si no que diz respeito às questões atinentes à filha comum de ambos, sendo que, decorrido um ano de medida provisória de acolhimento institucional não se notam quaisquer alterações no seu comportamento.
Tal ambiente de conflitualidade, em que a criança se sente como o objecto das desavenças entre os progenitores, sentimento que se agrava à medida do seu crescimento e da maior percepção que passa a ter dos acontecimentos, deixa necessariamente marcas no seu comportamento que, se não forem tomadas medidas adequadas, podem vir a condicionar o seu desenvolvimento.
A intervenção do tribunal no seio da família deve ser a mínima, e, como acima dissemos, deve salvaguardar o interesse da criança, que por vezes não coincide com o dos progenitores.
Não há pais ideais, mas há um mínimo que se exige aos progenitores no sentido de acautelarem o bem-estar e desenvolvimento da criança e de proverem às suas necessidades, no cumprimento dos deveres a que estão adstritos.
Porém, quando os pais não sabem, não querem, ou, por qualquer outro motivo, não conseguem acautelar o bem-estar e são desenvolvimento da criança, o tribunal tem que intervir em defesa dos seus superiores interesses, dando ainda prevalência ao principio da protecção da família, privilegiando as medidas que integrem a criança em família, devendo a intervenção ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes.
Como refere Tomé Ramião, «… se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar (cf. artigo 35º, n.º 1, alíneas a) e b). Daqui decorre igualmente que a criança ou o jovem não deve ser separada da sua família, ainda que temporariamente, a não ser em caso de absoluta necessidade. (…).
Por conseguinte, no caso da criança ou do jovem ter uma família disfuncional haverá que a tentar recuperar e apoiar, encontrando-se as respostas adequadas, ainda que provisoriamente. Não se mostrando possível essa recuperação, então há que encontrar uma família substitutiva para a criança, em vez da sua institucionalização/lar residencial» (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 9ª edição, Quid Juris, pág.44)

3.4. Em abono da sua pretensão, visava a requerida a alteração da matéria de facto, com vista a demonstrar que detinha, neste momento, as condições necessárias para que a criança E… voltasse a viver consigo.
Tal desiderato não foi alcançado e na decisão recorrida bem se explicam, em termos que merecem a nossa inteira concordância, as razões pelas quais a progenitora não reúne as necessárias condições para manter a criança a residir consigo.
E não estamos apenas a falar do comportamento da requerida apurado nos diversos processos de incumprimento das responsabilidades parentais, nos quais foi condenada, mas também no resultado da sua actuação em data anterior ao acolhimento institucional, tendo feito passar a criança por diversas situações de carácter extremamente intrusivo, mormente, perícias ginecológicas motivadas pelas sucessivas queixas da progenitora contra o progenitor pela alegada prática de abuso sexual cometido na pessoa da menor, as quais, sem se querer desvalorizar a gravidade das imputações feitas pela progenitora, e que mereceram sempre o devido acompanhamento do ponto de vista da sua investigação, resulta dos sucessivos inquéritos que as mesmas redundaram em arquivamentos, não tendo sido colhida qualquer prova que indicie a alegada prática do crime de abuso sexual de menores cometido pelo progenitor contra a menor.
Acresce que, como igualmente se diz na sentença, a progenitora apresenta-se hoje, como desde o início da sua intervenção processual, alterada e ansiosa, impulsiva e manipuladora, apresentando a sua versão dos factos como a sua “realidade” e na qual, aparentemente, demonstra acreditar. O seu comportamento obsessivo e insistente de inquirir e pressionar a menor em relação ao progenitor parece incomodar a menor que começa a rejeitar as pressões maternas, manifestando incómodo pela persistência das questões apontadas pela progenitora.
Deste modo, e pelas demais razões evidenciadas na decisão recorrida, concordamos que a requerida não tem, neste momento, condições para manter a criança a residir consigo, como pretende.

3.5. Quanto ao recorrente progenitor, em face da situação apurada nos autos, entende-se que o mesmo reúne as capacidades e competências para que a menor lhe seja confiada (cf., entre outros, os pontos 50 e 55 a 57 dos factos provados).
De facto, não obstante o elevado clima de conflitualidade entre os progenitores, certo é que não se mostra confirmada qualquer conduta do pai que obste a que a menor fique a residir consigo, nem que venha a obstaculizar os contactos com a mãe, nos termos em que o Tribunal os venha a fixar.
Na verdade, como resulta dos factos apurados constantes dos pontos 29 [há dois factos com o mesmo número], em 12 de Julho de 2016 foi aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto do pai, a qual foi sucessivamente prorrogada, vindo a ser extinta, em 19 de Julho de 2018, por arquivamento dos autos de promoção e protecção, por se ter considerado, então, que cessara a situação de risco em que a menor se encontrava, relacionado com o grave conflito parental dos progenitores, o que revela as competências do progenitor.
Não podemos deixar de notar, como se apura da consulta ao apenso G, que a medida de apoio junto do pai, decretada em 12 de Julho de 2016, já vigorava provisoriamente desde 29 de Janeiro de 2016, e que no período em que a menor permaneceu confiada ao progenitor apresentou evolução ao nível comportamental, aproveitamento escolar e relacional, que bem denotam as competências do progenitor para o exercício das responsabilidades parentais.
É isso mesmo que resulta do despacho de arquivamento proferido naquele apenso, onde se consignou:
«Compulsados os autos, nomeadamente o teor dos relatórios sociais, verificamos ter a E…, actualmente com 7 anos de idade, revelado uma notória evolução ao nível comportamental, adoptando este uma postura adequada dentro e fora da escola, relacionando-se normalmente com colegas e professores, apresentando bom aproveitamento escolar e, pese embora a vivacidade que habitualmente a caracteriza, encontrando-se bem integrada do ponto de vista familiar. Com efeito, a menor apresenta um relacionamento saudável com o progenitor e conta com o apoio da família paterna, mormente, dos tios avós que apoiam e auxiliam o pai nos seus impedimentos.
Por outro lado, contrariamente ao pretendido pela progenitora, a menor apresenta-se bem cuidada ao nível do seu aspecto físico geral, e pese embora a sua fisionomia magra, inexistem indícios de que a mesma padeça de qualquer doença ou maleita, mormente, anorexia como foi sugerido pela progenitora.
A inquietude que habitualmente a caracteriza carece de estabilidade emocional e previsibilidade das suas rotinas e vivências e as quebras ou alterações poderão determinar regressões comportamentais como as verificadas nos últimos 15 dias de aulas antes do período de férias escolares, em que foi frequentemente visitada pela progenitora em contexto escolar, o que não se mostrou benéfico para a menor.
Por fim, a medida de promoção e protecção aplicada estava condicionada à frequência, pela progenitora, de sessões de acompanhamento psicológico a fim de debelar eventual patologia ou maior instabilidade emocional, situação que não veio a verificar-se por falta de adesão da progenitora, que, sucessivamente, inviabilizou sessões e faltou a perícias psiquiátricas designadas.
Contudo, a subsistência dos presentes autos não pode pautar-se por critérios de necessidade de acompanhamento da progenitora, que, nitidamente, não pretende mais ingerência na sua vida nem se mostra colaborante com o tribunal, mas sim por critérios de necessidade de acompanhamento da menor que, já se viu, evoluiu muito favoravelmente.
Assim, verificamos ter deixado de subsistir a situação de perigo que motivou a instauração do presente processo de promoção e protecção, não carecendo a E… da aplicação de qualquer medida no âmbito dos presentes autos.» (sublinhados nossos)

3.6. Também não podemos deixar de salientar que, entretanto, em face da decisão proferida no apenso D, em 18 de Outubro de 2019, foi alterado o regime das responsabilidades parentais, tendo a criança passado a residir, alternadamente, por períodos semanais, com cada um dos progenitores, o que sucedeu até 1 de Junho de 2021, data em que a progenitora não entregou ao progenitor a menor, incumprindo com o estabelecido, e, por isso, mais uma vez, veio a ser condenada no incidente de incumprimento, por sentença de 8 de Julho de 2020 (cf. pontos 30 e 32 dos factos provados).
É ainda relevante que se refira que as queixas apresentadas pela progenitora contra o progenitor, por abuso sexual da menor, não foram comprovadas, pois deram origem a despachos de arquivamento proferidos nos inquéritos crime a que se reportam os pontos 6, 22 e 35, dos factos provados.
É certo que, entretanto, passou a correr o inquérito, sob o n.º 312/21.0T9PTG, no qual é arguido o progenitor, instaurado na sequência da recusa da menor em deslocar-se a casa do progenitor, por ocasião das férias da Páscoa do corrente ano, e dos relatos feitos às técnicas da Casa de Acolhimento, pela alegada prática de crime de maus tratos a menor.
Compreendemos que, em face desta ocorrência, o Tribunal a quo tenha manifestado reservas em alterar a medida que se encontrava provisoriamente em vigor e não tenha optado por aplicar a medida de promoção e protecção de apoio junto do pai, preferindo, cautelarmente, aguardar pelo desfecho do inquérito.
Porém, não vemos que tal se justifique, em face do historial de queixas infundadas, não comprovadas, contra o requerido progenitor, que levaram à submissão da criança a exames médicos extremamente invasivos e traumatizantes e à sua institucionalização, dos relatórios sociais juntos aos autos, e, bem assim, das perícias médico-legais efectuadas, que revelam que o progenitor não evidencia um perfil compatível com tais comportamentos.
Num contexto de elevada conflitualidade entre os progenitores, com registo, ao longo de vários anos, de incumprimentos reiterados por parte da progenitora e devidamente sancionados, e de queixas criminais contra o progenitor, cujos factos não se comprovaram, qualquer queixa tem que ser criteriosamente avaliada e ponderada no contexto em que surge, sob pena de estar descoberta a forma de se obstar à aplicação das medidas que se perspectivavam como mais adequadas à defesa dos interesses da criança.

3.7. Acresce que, não obstante a criança em 31 de Março se ter recusado a acompanhar o progenitor, não há factos que sustentem que a criança passou a adoptar uma conduta reveladora de rejeição da figura parental.
Na verdade, basta atentar que há registo nos autos, e a isso se refere o ponto 64 dos factos provados, de que a criança deslocou-se com o progenitor, pelo menos por 3 ocasiões distintas, desde o final de Maio, a provas de atletismo, tendo mostrado satisfação e vontade de repetir.
Acresce que, no caso em apreço, se dúvidas houvesse quanto à conduta do progenitor, no que se reporta aos factos indiciados pela notícia que deu origem ao processo criminal, por alegados maus tratos à menor, que se refere na sentença, as mesmas resultariam ultrapassadas, em face do despacho de arquivamento proferido nos autos de processo crime, em 12 do corrente, de que foi junta cópia aos presentes autos.
Por outro lado, também não podemos deixar de atender à vontade da menor, que tem quase 11 anos de idade, e que, como se provou, “verbaliza frequentemente, desde o início do seu acolhimento, que quer voltar para casa da progenitora e, recentemente, também para casa do progenitor.” (sublinhado nosso)
Aqui chegados, importa relembrar que medida a aplicar deverá ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra, devendo ser ainda dada prevalência às medidas que integrem a criança ou jovem na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos originais, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores a assumir e cumprir devidamente os seus deveres parentais.

3.8. Deste modo, em face dos factos provados, entendemos que não se justifica a aplicação da medida de acolhimento institucional, a qual deverá ser substituída pela medida de apoio junto do progenitor – com a duração de 1 (um) ano, devendo ser revista ao fim de seis meses (cf. artigos 35º, nº 1, al. a), 60º, nº 1 e 62º, nº 1, da LPCJP) –, a qual acautela o risco em que se encontra a criança, decorrente da situação de conflitualidade existente entre os progenitores, e que permite manter a criança no seu meio natural, proporcionando condições adequadas ao seu desenvolvimento integral, através de apoio psicopedagógico e social, e com o acompanhamento das competentes equipas multidisciplinares do sistema da segurança social.
Quanto ao regime de convívios com a progenitora, não tem este tribunal de recurso elementos suficientes para o definir nesta fase, pelo que será o Tribunal recorrido, em sede de execução da medida, a estabelecer esse regime, estipulando a frequência, duração e modo de realização (se supervisionados ou não), após realização das diligências que tenha por pertinentes.
Resta referir, tal como se disse na sentença, que a EMAT deve providenciar pelo acompanhamento de ambos os progenitores em consulta de mediação e terapia familiar, tendo em vista a gestão do conflito parental e a partilha dos afectos da filha de ambos, e que se tem como positivo o facto de os progenitores terem dado o seu consentimento expresso para serem encaminhados para consulta de psicoterapia junto da ULSNA, “tendo em vista, por um lado e do ponto de vista da progenitora, trabalhar a perturbação de personalidade de que padece e, do ponto de vista do progenitor, trabalhar métodos e instrumentos de gestão do conflito parental tendo em vista alcançar uma relação equilibrada e madura entre ambos os progenitores no que diz respeito à filha comum de ambos.”
Do sucesso destas intervenções a principal beneficiária será a menor e queremos acreditar que esse será o interesse de ambos os progenitores.

4. Deste modo, improcede a apelação da progenitora e procede o recurso do progenitor, com a consequente revogação da sentença recorrida, como se indicou.

IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
1) Julgar improcedente a apelação da requerida progenitora, H…;
2) Julgar procedente a apelação do requerido progenitor, J…, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, aplicando-se à criança E… a medida de promoção e protecção de apoio junto do pai, com a duração de 1 (um) ano, a qual será revista ao fim de seis meses (cf. artigos 35º, nº 1, al. a), 60º, nº 1 e 62º, nº 1, da LPCJP), devendo o tribunal de 1ª instância, após a realização das diligências que tenha por pertinentes, estabelecer o regime de convívios com a progenitora, estipulando a sua frequência, duração e modo de realização (se supervisionados ou não).
Sem custas.
*
Évora, 14 de Outubro de 2021
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)