OBJECTO DO PROCESSO
PROVA
DOCUMENTOS
ADMISSÃO
Sumário


I. Os temas da prova não vinculam o juiz (no sentido de o limitarem) à apreciação dos factos em discussão em sede de instrução da lide.
II. Donde, também não podem condicionar a prática de atos probatórios inúteis (de resto, proibidos nos termos do artigo 130.º do CPC) em ordem a apurar factos desnecessários para dirimir o litígio.
III. Visando os documentos em poder de terceiro provar factos que não se enquadram no objeto do litígio e, consequentemente, não têm interesse para a decisão da causa, não se encontram previstos os requisitos do artigo 429.º do CPC. (sumário da relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
N…, por apenso a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge convertido para divórcio por mútuo consentimento, propôs contra a ex-cônjuge, A…, nos termos do artigo 900.º, n.º 1, do CPC, e artigo 1793.º, n.º 3, do Código Civil, ação de alteração da atribuição da casa de morada de família, com fundamento na verificação da causa resolutiva, porquanto por acordo no âmbito do processo de divórcio, a Requerida ficou a residir na casa de morada de família (fração autónoma designada pela letra “EE” correspondente ao 1º piso, letra B do nº …, da Rua …, inscrita na matriz sob o art. … urbano, da Freguesia do Lumiar, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a descrição nº …, com o valor patrimonial de €216.017,42), até à venda ou partilha.
Porém, a habitação constitui bem próprio do Requerente que a pretende vender com o intuito de adquirir casa própria, tendo a Requerida obstaculizado a entrada na fração de perito especializado a fim de realizar atos com vista à obtenção do Certificado Energético, necessário para o processo de venda do imóvel.
Formula, a final, os seguintes pedidos cumulativos:
a) A verificação da condição resolutiva nos termos fixados no acordo relativo à utilização da casa de morada de família;
b) A caducidade do seu direito de a habitar, por verificação da condição resolutiva e consequente entrega da fração livre de pessoas e bens;
c) O comportamento da requerida como ilícito, desleal e em abuso de direito e consequentemente condenada em indemnização pelos danos causados ao requerido;
d) E que a requerida seja condenada em sanção pecuniária compulsória não inferior a 200 € por cada dia em que não se disponibilizou a agendar a vistoria ao imóvel até à entrega do mesmo.

A Requerida na oposição defendeu-se por exceção e por impugnação, invocando a falta de interesse em agir, a ineptidão da petição inicial e, ainda, que a casa de morada de família é bem comum.
Ademais, alegou que o Requerente não invocou circunstâncias supervenientes que possam justificar a alteração do acordo quanto à casa de morada de família, podendo a Requerida permanecer na casa até que seja efetivada a venda, inexistindo no acordo qualquer condição resolutiva que opere com a intenção de venda.

O Requerente respondeu às exceções.

Em sede de despacho saneador, o tribunal a quo julgou verificada a exceção da ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade do processo, absolvendo a Requerida da instância.
O Requerido interpôs recurso e por acórdão desta Relação de Évora proferido em 25/02/2021 foi decidido: «(…) revoga[r]-se a decisão recorrida relativamente à existência de uma ineptidão da petição inicial, devendo os autos prosseguir para a apreciação das demais matérias colocadas à apreciação do Tribunal «a quo» com reformulação do despacho saneador.»

Regressados os autos à 1.ª instância foi, então, em 30-05-2021, proferido o seguinte despacho:
«Em conformidade com o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora (que revogou o despacho saneador proferido em 27/11/2020 na parte relativa à excepção da ineptidão da petição inicial e considerou transitada a apreciação dos pedidos referidos nas alíneas c) e d) da petição inicial, tendo sido decidido que ocorria incompatibilidade entre tais pedidos e os formulados nas alíneas a) e b) da petição inicial), cumpre proferir o seguinte despacho:
Em conformidade com o disposto no art. 593º/2 c) e 596º/1 do CPC, fixa-se o seguinte:
a) Objecto do litígio:
Com a presente acção pretende o autor que seja verificada a condição resolutiva do acordo relativo à casa de morada de família e declarada a caducidade do direito da ré/requerida a habitá-la.
b) Temas da prova:
Discute-se na presente acção se a ré impediu a visita à casa de morada de família necessária à obtenção de certificado energético com vista à venda da casa (que o autor promoveu através de empresa de mediação imobiliária); se a ré possui condições para prover à sua habitação e sustento, dispondo de dois imóveis em Lisboa e de apoio familiar; se o autor tem condições financeiras superiores às da ré; se o autor tem a sua vida centrada na cidade de Faro.»
(…)
«No que concerne aos documentos que a ré pretende sejam juntos aos autos e que se encontram em poder de terceiros (ponto III da contestação), não se vislumbra a relevância de tais documentos para o objecto dos autos, nem que as partes, se o entenderem, não possam/devam requisitá-los junto de tais entidades, sendo que não compete ao Tribunal substituir-se às partes, a quem compete o ónus de alegação e prova dos factos. Donde, indefere-se o requerido nesta parte.»

Inconformada, a Requerida interpôs recurso apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1º - O presente recurso vem interposto do douto despacho saneador de fls.___, datado de datado de 30-05-2021 (referência 120247069), e uma vez que a Requerida com ele não se conforma vem do mesmo interpor recurso de Apelação, nos termos dos artigos 627º, 629º nº 1, 631º nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, nºs 1 e 2, 644º nº 2 alínea d), 645º nº 2, e 647º nº 1, todos do C.P.C., versando o mesmo sobre a sua parte decisória, designadamente a que rejeitou o requerimento probatório por si apresentado no seu articulado de oposição de fls.___, concretamente quanto aos pontos II e III do mesmo, tendo assim indeferido e restringido a realização dos meios de prova requeridos, nomeadamente a produção da pretendida prova documental (em poder da parte contrária e em poder de terceiros), decisão esta que é imediatamente recorrível.
2º - Com relevância factual para a decisão do caso em apreço, devem ser considerados os pontos (i) a (iv) supra reproduzidos.
3º - No final do articulado de oposição a Requerida apresentou o respectivo requerimento probatório, sendo aqui de evidenciar os seus pontos II (Documentos em poder da parte contrária) e III (Documentos em poder de terceiros), nomeadamente as suas alíneas a), d), e), f), g), h), i), j) e k), que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
4º - O Tribunal “a quo” fixou o seguinte objecto do litígio: “Com a presente acção pretende o autor que seja verificada a condição resolutiva do acordo relativo à casa de morada de família e declarada a caducidade do direito da ré/requerida a habitá-la”.
5º - No que interessa analisar para efeitos do presente recurso foi também fixado, em sede de despacho saneador, o seguinte tema da prova: “se o autor tem condições financeiras superiores às da ré”.
6º - O indeferimento questionado neste recurso cingiu-se, de forma expressa, ao ponto III da contestação, mas, por maioria de razão e uma vez que os meios probatórios são idênticos, tacitamente a decisão do Tribunal “a quo” acaba por também indeferir a prova quanto ao ponto II do requerimento probatório.
7º - Nos termos do artigo 341º do Código Civil, as provas têm por função a demonstração da realidade fáctica objecto do processo.
8º - Salvo as excepções previstas nos artigos 343º e 344º do Código Civil, quem invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (artigo 342º do Código Civil).
9º - Cabe também ao Tribunal prover o processo, dentro dos limites legais e em ordem ao cumprimento do princípio do inquisitório (artigo 411º do C.P.C.), de todas as provas relevantes para o conhecimento da efectiva realidade fáctica. E devem ser atendidos não só os factos alegados como os que resultem da própria instrução.
10º - Da leitura conjugada dos artigos 410º, 423º nº 1, 429º nº 2, 432º, e 443º, nº 1, do C.P.C., extrai-se que aos autos devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa e que assim têm interesse para decisão da causa, tendo por referência que a estes fundamentos será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.
11º - Os factos cujos documentos em causa visam provar não se encontram admitidos por acordo nem estão sujeitos a prova vinculada, pelo que, sendo relevantes carecem de instrução segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
12º - A produção dos meios de prova não só pode, como deve, incidir não apenas sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo, entendido este tanto na perspectiva da acção como na da defesa, mas também sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material.
13º - Ao Tribunal incumbe responder a factos e não a temas da prova.
14º - As partes podem produzir provas ainda que sobre factos que não lhes incumba qualquer ónus da prova.
15º - As provas devem ser produzidas quer sobre factos ocorridos (externos) quer sobre estados emocionais, psíquicos (internos), sejam reais ou hipotéticos.
16º - São ainda considerados, para efeitos de instrução e prova, os factos referidos no artigo 5º, nº 2, do C.P.C., designadamente os complementares ou instrumentais, pois os mesmos permitem, mediante presunção, chegar à demonstração de factos principais - tendo, pois, uma função probatória que permitem ao Juiz, mesmo oficiosamente, considera-los para efeitos da instrução da causa.
17º - A decisão sob recurso é, desde logo, contraditória, dado que a relevância dos documentos não se altera pelo circunstancialismo de o Tribunal ordenar a sua junção ou ser a própria parte a juntá-los.
18º - Não é apontado, na decisão impugnada, qualquer fundamento ou motivo para não serem considerados relevantes os meios de prova requeridos pela Recorrente, no seu requerimento probatórios de fls.___.
19º - A questão da admissibilidade dos requeridos meios de prova (alíneas a), d), e), f), g), h), i), j) e k), dos pontos II e III do requerimento probatório, em nada está relacionado com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, pois de um lado temos a alegação e o ónus da prova e, de outro totalmente distinto, apresenta-se os meios de obtenção da prova, sendo esta última situação a que se discute e releva no presente recurso.
20º - A decisão impugnada subverte a intenção legislativa subjacente à existência dos artigos 429º, 432º e 436º, todos do C.P.C., sendo certo que em matéria de prova vigora o princípio do inquisitório (artigo 411º do C.P.C.).
21º - No requerimento probatório apresentado pela Recorrente, o qual foi indeferido pela decisão impugnada, estão em causa os seguintes tipos de documentos:
- informações fiscais referentes a IMI do imóvel, IRS e bens do Requerente (alíneas a), e) e));
- informações bancárias referentes às contas do Requerente (alínea d)); e
- informações referentes à situação profissional e rendimentos do Requerente (alíneas f), g), h), i) e j)).
22º - Os anteditos documentos não estão ao alcance da Requerida nem podem ser obtidos directamente pela mesma, dado estarem sujeitos a sigilo e ao dever de segredo que só é possível “quebrar” através de competente e fundamentada decisão judicial.
23º - A Requerida não tem o dever de juntar aos autos tais documentos, sendo certo que justificou, em momento oportuno, a impossibilidade de os obter.
24º - É ónus do Requerente efectuar a junção da prova documental requerida (no ponto II do requerimento probatório da Requerida), por força do dever de cooperação.
25º - Todos os documentos requeridos (nos pontos II e III) estão devidamente fundamentados nos artigos da oposição que visam demonstrar-se com a sua junção, assim como se invocou os artigos do requerimento inicial em que se visa a contraprova, constando, uns e outros, nos temas da prova.
26º - A Requerida alega, no articulado de oposição, factos tendentes à verificação dos requisitos a que aludem conjugadamente os artigos 1793º do Código Civil e o artigo 990º do C.P.C., os quais constituem objecto da presente demanda.
27º - Tais normativos impõem, pois, a alegação e demonstração das condições económicas das partes, da situação profissional ou outros factores relevantes, relacionados com os filhos do casal, ónus este que resulta cumprido no articulado de oposição.
28º - Ora, percorrendo a prova documental em causa (em poder da parte contrária e em poder de terceiros), que consta das respectivas alíneas a), d), e), f), g), h), i), j) e k), dos pontos II e III do requerimento probatório, facilmente se conclui que os requeridos meios probatórios são de extrema e essencial relevância e visam alcançar a demonstração dos factos indicados a quando da sua realização, os quais se encontram integrados no objecto e fim da acção, sendo necessários para uma boa e correcta composição do litígio.
29º - A admissibilidade da produção da prova documental requerida pela Recorrente trata-se de um poder-dever do Tribunal, avaliado em função das circunstâncias, no âmbito das quais deveria aquela ter sido deferida no caso concreto (acórdão do T.R.L., datado de 03-05-2016, processo nº 3149/15.1T8BRR-A.L1-4, acórdão do T.R.G., datado de 20-02-2020, processo nº 6583/18.1T8BRG-A.G1, e acórdão do T.R.C., datado de 05-12-2012, processo nº 771/10.6T2OBR-B.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
30º - O princípio do contraditório (artigo 3º), na vertente do direito à prova, exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios de prova potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa.
31º - Sem prejuízo disso, realça-se ainda, que esse mesmo entendimento vertido no despacho recorrido não é suficiente para, por si só, determinar o indeferimento da prova documental, pois, primeiramente, deveria o Tribunal “a quo” decretar a eventual sanação de tal vício (artigo 6º, nº 2, do C.P.C.), e, seguidamente, atender que independentemente dessa indicação sempre está tal prova sujeita ao seu livre arbítrio (artigo 607º, nº 5, do C.P.C.).
32º - O Tribunal não está vinculado ao regime legal suscitado pelas partes (artigo 5º, nº 3, do C.P.C.), devendo antes ser consideradas todas as soluções plausíveis de direito (artigo 596º do C.P.C.), podendo os factos ser objecto de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590º, nº 4, do C.P.C.).
33º - Em suma, afigura-se-nos que a factualidade alegada pela Requerida, para efeitos de prova com os documentos pretendidos que fossem juntos quer pelo Requerente quer por entidades terceiras ao processo, deve ser considerada, em sede indiciária para a formação da convicção do Tribunal sobre factos essenciais da causa pedir.
34º - Assim sendo, inexiste qualquer causa legal de rejeição da admissibilidade dos documentos juntos, atento o disposto nos artigos 411º, 417º, 429º, 432º e 436º, do C.P.C., pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita a produção de prova requerida pela Recorrente, procedendo-se à subsequente tramitação dos autos.
35º - Ao omitir tais actos o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 130º, 410º, 411º, 413º, 423º nº 1, 429º nº 2, 432º, 436º, 443º, 590º, nº 4, 596º, 607º,nºs 4 e 5, e 615º, nº 1, alínea d), todos do C.P.C., e os artigos 341º a 344º, 349º a 351º e 362º, todos do Código Civil, pelo que não lhes foi conferida a devida interpretação e aplicação.»

Foi apresentada resposta ao recurso pelo apelado que pugnou pela confirmação da decisão.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), cumpre apreciar se deve ser notificada a contraparte e terceiros para juntarem aos autos os documentos pretendidos pela Requerida.

B- De Facto
Os factos e incidências processuais relevantes constam já do antecedente Relatório, a que se acrescenta o seguinte com base na consulta do processo de divórcio e respetivo apenso:
1 – N… e A… contraíram casamento em 25/09/2004 – conforme certidão de nascimento junta aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 – O referido casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença datada de 19/06/2014, transitada em julgado em 17/10/2014 – conforme averbamento à certidão de nascimento junta aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 – No âmbito do referido divórcio foi celebrado acordo quanto ao destino da casa de morada de família com o seguinte conteúdo:
«Existe casa de morada de família, sita na Rua … Lisboa, acordando ambos os cônjuges em atribuir o direito de utilização da mesma ao cônjuge mulher até à venda ou partilha».
4 – Foi ainda celebrado acordo quanto à relação de bens comuns nos seguintes termos:
«Como bens comuns do casal a partilhar, têm os seguintes:
a) Fracção autónoma, designada pela letra “EE” correspondente ao 1º piso, letra B do Nº …,, inscrita na matriz sob o art.º nº … urbano, freguesia Lumiar, concelho de Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, com o valor patrimonial determinado em 2010 de 202.209,06 €.»

5- Na oposição da Requerida e no que concerne aos meios de prova, consta o seguinte:
«II - Documentos em poder da parte contrária:
Ao abrigo do disposto nos artigos 411º, 417º, 429º e 436º, do C.P.C., e para prova do alegado nos artigos 1º a 45º e 156º a 321º, todos do presente articulado de oposição, e para contraprova dos artigos 1º a 42º (com excepção dos aceites no artigo 156º da presente), do requerimento inicial, requer-se, a notificação do Requerente para juntar aos autos todos os seguintes documentos:
a) para prova dos artigos 296º a 300º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 10º, 14º, e 42º alínea C) (pedido), do requerimento inicial, requer-se que seja junto aos autos a guia de liquidação de I.M.I., respeitante ao bem imóvel em discussão nos autos e relativamente aos anos civis de 2019 e de 2020;
b) para prova dos artigos 252º e 253º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 15º e 16º, do requerimento inicial, e do documento nº 5 com este junto, requer-se que seja junto aos autos o comprovativo do registo de ponto de entrada e saída do Requerente, no dia em causa, junto do “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”;
c) para prova dos artigos 246º a 254º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 15º e 16º, do requerimento inicial, e do documento nº 5 com este junto, requer-se que seja junto aos autos o original do “contrato de mediação imobiliária”;
d) para prova dos artigos 186º a 193º, 206º a 210º e 299º a 304º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que sejam juntos aos autos os extractos de todas as contas bancárias tituladas (individual ou conjuntamente) pelo Requerente, por referência ao mês da assinatura do “contrato de mediação imobiliária”, da entrada da presente demanda, bem com assim do mês em que se verificar a respectiva junção;
e) para prova dos artigos 186º a 194º, 206º a 210º e 299º a 304º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que sejam juntos aos autos os documentos comprovativos de todos os bens que o Requerente seja proprietário (individual ou conjuntamente), nomeadamente bens imóveis, participações em sociedades ou quaisquer outros bens detidos - ainda que de forma precária -, pelo Requerente;
f) para prova dos artigos 183º, 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que sejam juntos aos autos os recibos comprovativos do salário que o Requerente auferiu, durante todo o ano civil de 2020 e até ao momento da sua junção, junto do “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”;
g) para prova dos artigos 180º a 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que sejam juntos aos autos cópia da versão final do contrato de trabalho do Requerente, junto do “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, cuja versão inicial consta do presente articulado como documento nº 7;
h) para prova dos artigos 180º a 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja junto aos autos cópia da versão final do “contrato paralelo” ou documento equivalente do Requerente, junto do “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, o qual consta mencionado no documento nº 7 junto com o presente articulado;
i) para prova dos artigos 178º, 189º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja junto aos autos cópia do contrato de trabalho do Requerente, junto da “Universidade do Algarve”;
j) para prova dos artigos 178º, 192º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja junto aos autos cópia do contrato de trabalho ou documento equivalente do Requerente, junto do “Algarve Biomedical Center da Universidade do Algarve”;
k) para prova dos artigos 186º a 193º, 205º a 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja junto aos autos declaração de I.R.S. do Requerente, respeitante ao ano civil de 2019.
A Requerida não consegue obter qualquer destes documentos por si própria, dado o carácter pessoal entre as partes intervenientes e o respectivo sigilo a que os documentos em causa estão sujeitos, sendo que o pedido de junção de documentos é determinante ao apuramento da verdade material.

III - Documentos em poder de terceiros:
Ao abrigo do disposto nos artigos 411º, 417º, 432º e 436º, todos do C.P.C., e para prova do alegado nos artigos 1º a 45º e 156º a 321º, todos do presente articulado de oposição, e para contraprova dos artigos 1º a 42º (com excepção dos aceites no artigo 156º da presente), do requerimento inicial, requer-se, a notificação do Requerente para juntar aos autos todos os seguintes documentos:
a) para prova dos artigos 296º a 300º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 10º, 14º, e 42º alínea C) (pedido), do requerimento inicial, requer-se que seja oficiada a “Autoridade Tributária e Aduaneira”, com sede na Rua da Prata, nº 10, 1149-027 Lisboa, para que a mesma junte aos autos a guia de liquidação de I.M.I., respeitante ao bem imóvel em discussão nos autos e relativamente aos anos civis de 2018 e de 2019;
b) para prova dos artigos 252º e 253º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 15º e 16º, do requerimento inicial, e do documento nº 5 com este junto, requer-se que seja oficiado o “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, com sede na Rua Leão Penedo, 8000-386 Faro, para que a mesma junte aos autos o comprovativo do registo de ponto de entrada e saída do Requerente, referente ao dia 3 de Abril de 2019;
c) para prova dos artigos 246º a 254º, da presente oposição, e contraprova dos artigos 15º e 16º, do requerimento inicial, e do documento nº 5 com este junto, requer-se que seja oficiada a sociedade comercial com a firma “PRO-PORTUGAL, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA.”, com sede na Rua das Pedras Muitas, nº 22, 2520-000 Ferrel, para que a mesma junte aos autos o original do “contrato de mediação imobiliária” que celebrou com o Requerente;
d) para prova dos artigos 186º a 193º, 206º a 210º e 299º a304º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiado o “Banco de Portugal”, com sede na Rua do Comércio, nº 148, 1100-060 Lisboa, para que a mesma informe os autos quais as contas bancárias tituladas (individual ou conjuntamente) pelo Requerente e que,
por sua vez, obtida esta informação, que se proceda à sua difusão a cada instituição bancária ou financeira de molde a que sejam juntos aos autos os extractos de todas as contas bancárias tituladas (individual ou conjuntamente) pelo Requerente, por referência ao mês da assinatura do “contrato de mediação imobiliária”, da entrada da presente demanda, bem com assim do mês em que se verificar a respectiva junção; e) para prova dos artigos 186º a 194º, 206º a 210º e 299º a 304º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiada a “Autoridade Tributária e Aduaneira”, com sede na Rua da Prata, nº 10, 1149-027 Lisboa, para que a mesma junte aos autos os documentos comprovativos de todos os bens que o Requerente seja proprietário (individual ou conjuntamente), nomeadamente bens imóveis, participações em sociedades ou quaisquer outros bens detidos - ainda que de forma precária -, pelo Requerente;
f) para prova dos artigos 183º, 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiado o “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, com sede na Rua Leão Penedo, 8000-386 Faro, para que a mesma junte aos autos os recibos comprovativos do salário que o Requerente auferiu,
durante todo o ano civil de 2020 e até ao momento da sua junção;
g) para prova dos artigos 180º a 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiado o “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, com sede na Rua Leão Penedo, 8000-386 Faro, para que a mesma junte aos autos cópia da versão final do contrato de trabalho do Requerente, junto dessa instituição, cuja versão inicial consta do presente articulado como documento nº 7;
h) para prova dos artigos 180º a 184º, 186º, 187º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiado o “Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, com sede na Rua Leão Penedo, 8000-386 Faro, para que a mesma junte aos autos cópia da versão final do “contrato paralelo” ou documento equivalente do Requerente, junto dessa instituição, o qual consta mencionado no documento nº 7 junto com o presente articulado;
i) para prova dos artigos 178º, 189º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiada a “Universidade do Algarve”, com sede na Estrada da Penha, nº 139, 8005-139 Faro, para que a mesma junte aos autos cópia do contrato de trabalho do Requerente;
j) para prova dos artigos 178º, 192º, 206º, 209º, 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiado o “Algarve Biomedical Center da Universidade do Algarve”, com sede em Universidade do Algarve, DCBM Edifício 2, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, para que a mesma junte aos autos a cópia do contrato de trabalho ou documento equivalente do Requerente;
k) para prova dos artigos 186º a 193º, 205º a 210º e 299º a 303º, da presente oposição, e contraprova do artigo 41º, do requerimento inicial, requer-se que seja oficiada a “Autoridade Tributária e Aduaneira”, com sede na Rua da Prata, nº 10, 1149-027 Lisboa, para que a mesma junte aos autos a declaração de I.R.S. do Requerente, respeitante ao ano civil de 2019.
A Requerida não consegue obter qualquer destes documentos por si própria, dado o carácter pessoal entre as partes intervenientes e o respectivo sigilo a que os documentos em causa estão sujeitos, sendo que o pedido de junção de documentos é determinante ao apuramento da verdade material.»


C- De Direito
1.1. Como resulta da enunciação da questão a decidir está em causa aferir se o tribunal a quo deveria ter deferido o pedido de notificação da contraparte e de terceiros para juntarem aos autos os documentos que a Requerida, ora apelante, discriminou no seu requerimento probatório.
Alega a apelante que o tribunal recorrido ao negar tal pretensão violou os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 130º, 410º, 411º, 413º, 423º nº 1, 429º nº 2, 432º, 436º, 443º, 590º, nº 4, 596º, 607º,nºs 4 e 5, e 615º, nº 1, alínea d), todos do C.P.C., e os artigos 341º a 344º, 349º a 351º e 362º, todos do Código Civil.
No rol dos preceitos supra referidos, consta a violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que se reporta à nulidade da decisão por omissão ou por excesso de pronúncia.
A apelante não invoca expressamente a nulidade da decisão, aflorando, segundo cremos, na conclusão 18.ª a questão nos seguintes termos: «Não é apontado, na decisão impugnada, qualquer fundamento ou motivo para não serem considerados relevantes os meios de prova requeridos pela Recorrente, no seu requerimento probatórios de fls.___.», o que se pode configurar como uma omissão de pronúncia.
Efetivamente, por força dos artigos 615.º, , alínea d) e 608.º, n.º 2, do CPC, a decisão é nula quando o juiz deixe de conhecer questões que lhe foram submetidas a apreciação relacionadas com o objeto do litígio (causa de pedir/reconvenção/exceções).
No caso, a referida omissão não se verifica.
A Requerida pretende demonstrar determinados factos com a junção dos documentos que discrimina e que se reportam, essencialmente, à situação fiscal, económica e laboral do Requerente, em ordem a determinar qual dos dois ex-cônjuges tem condições económicas e pessoais superiores que determinem a qual dos dois deve ser atribuída a casa de morada de família.
No despacho recorrido refere-se que «(…) não se vislumbra a relevância de tais documentos para o objecto dos autos, nem que as partes, se o entenderem, não possam/devam requisitá-los junto de tais entidades, sendo que não compete ao Tribunal substituir-se às partes, a quem compete o ónus de alegação e prova dos factos.», o que evidencia que o tribunal recorrido conheceu e decidiu a questão colocada. Se incorreu em erro de direito na apreciação da questão é situação que não se enquadra na nulidade da decisão.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão.
1.2. Como a apelante reconhece o ponto II do seu requerimento probatório corresponde ao ponto III do mesmo, dirigido o primeiro à contraparte o segundo a terceiros, donde o indeferimento do ponto III também, implicitamente, significa o indeferimento do ponto II do mesmo requerimento.
Os documentos em causa reportam-se, atualmente, às alíneas a), d), e), f), g), h), i), j), e K) do ponto III e correspondem, em suma, a informações fiscais sobre o IMI do imóvel em causa nos autos, IRS e bens do Requerente, informações bancárias sobre contas do mesmo e informações sobre a sua situação profissional e rendimentos laborais.
Como a apelante expressamente refere no recurso tais documentos visam a prova dos factos tendentes à verificação dos requisitos a que aludem conjugadamente os artigos 1793.º do Código Civil e artigo 990.º do CPC, os quais, segundo a mesma, constituem o objeto desta demanda.
O artigo 1793.º, n.º 1, do Código Civil, no concernente aos critérios a considerar para a atribuição da casa de morada de família em sede de processo de divórcio, manda atender, nomeadamente, às necessidades de cada um dos cônjuges e ao interesse dos filhos do casal.
Os artigos 990.º e seguintes do CPC, inseridos no Título XV dedicado aos processos de jurisdição voluntária, regulam, entre outras matérias, a tramitação da pretensão de atribuição da casa de morada de família, por apenso caso esteja pendente a ação de divórcio, estipulando o artigo 994.º do CPC que a conversão para divórcio por mútuo consentimento exige, entre outros, que haja acordo sobre o destino da casa de morada de família (alínea f) do n.º 1).
Havendo acordo, o tribunal abstém-se de interferir nos pressupostos em que as partes se basearam para alcançar o acordo, bastando-se com a definição da vontade das partes sobre a qual dos cônjuges é atribuída a casa de morada de família.
Foi o que se verificou na situação presente, em que foi atribuída a casa de morada de família à ora apelante tendo os cônjuges vertido o seu acordo nos seguintes termos: «Existe casa de morada de família, sita na Rua … Lisboa, acordando ambos os cônjuges em atribuir o direito de utilização da mesma ao cônjuge mulher até à venda ou partilha».
Pretende agora o Requerente que seja declarada verificada a condição resolutiva inserta no acordo e declarada a caducidade do direito da requerida a habitar a casa de morada de família.
Não cabe no objeto deste recurso – atenta a fundamentação do despacho recorrido – verificar e qualificar a alegada condição resolutiva e respetiva caducidade – já que é essa a questão de fundo que o tribunal a quo ainda aterá de decidir. O que importa aferir neste momento, atendendo ao requerido pela apelante e ao teor do despacho recorrido é se existe justificação legal que determine a notificação de terceiros ou da parte contrária para juntarem aos autos os documentos que, em última análise, visam determinar as condições económicas do apelado para , em comparação com as da apelante, se decidir pela manutenção ou revogação do acordo sobre a casa de morada de família.
Contudo, não tendo o acordo assentado nesse pressuposto, dificilmente de pode conceber que haja interesse (jurídico) na junção de tal documentação, tendo em mente o que teor do acordo sobre a cada de morada de família e os fundamentos do pedido do Requerente neste apenso.
Neste ponto importa recuperar a que foi escrito no Acórdão desta Relação no apenso A:
«Os critérios a que o juiz deverá atender para atribuição da casa de morada de família são os referidos no artigo 1793º do Código Civil. Nos termos da referida disposição cabe ao Tribunal decidir tendo em conta a situação patrimonial dos cônjuges, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos e quaisquer outras razões atendíveis. Ou, por outras palavras, o artigo 1793º do Código Civil visa a protecção da casa de morada de família e do cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar.
A lei não estabelece qualquer hierarquia entre os factores ou elementos contido na enunciação legal, mas isso não significa que uma certa diferenciação hierárquica não haja de ser estabelecida pelo Tribunal, em cada caso concreto e segundo aquilo que o bom senso indicar como solução mais justa.
(….)
E, no caso sub judice, através de negócio jurídico, cujo conteúdo foi homologado por decisão judicial, as partes acordaram «em atribuir o direito de utilização da mesma ao cônjuge mulher até à venda ou partilha».
Isto não significa que o direito em causa seja perpétuo ou imutável e valida apenas a interpretação que uma simples modificação não determina ipso facto a extinção do aludido direito de uso e habitação.
(….)
Habitualmente (…) a missão do Tribunal é apurar qual dos dois ex-cônjuges está mais carenciado da casa de morada de família e se, em função disso, ocorre motivo bastante para alterar o anteriormente ajustado entre as partes. É assim indiscutida a premissa que a casa de morada de família deverá ser atribuída em função das necessidades de cada um dos (ex) cônjuges. Compete então ao ex-cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade actual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.
Com efeito, perante a alteração das circunstâncias, admite-se a modificabilidade da decisão homologatória do acordo de atribuição da casa de morada de família no âmbito de processo de divórcio.
(…)
Todavia, na situação judicanda, o Autor não afirma que precisa da casa para sua habitação e o raciocínio expresso no saneador-sentença recorrido assenta integralmente nesse cenário. Efectivamente, a sentença ancora-se na premissa que «não se vislumbra que tais factos consubstanciem qualquer alteração das circunstâncias de vida do requerente que justifique a pretendida alteração do destino da casa de morada de família. Não alega o requerente, como lhe competia, factos de onde se extraia que o mesmo necessita mais da casa de morada de família do que a requerida». Porém, por não fundamentar o seu pedido de extinção do direito de uso e habitação concedido na aludida causa de pedir, o Autor não estava vinculado a alegar factos que preenchessem o conceito da necessidade, da sua superior e emergente carência daquele espaço habitacional.
Com efeito, para além deste meio de alteração, existem outros modos de extinção do direito de habitação e, inclusivamente, em sede de liberdade contratual, as partes previram a possibilidade de o acordo cessar com a venda do prédio.
E, na realidade, mesmo nos casos em que o dono do prédio não necessite para instalação e uso individual da habitação que constituiu a casa morada de família, independentemente de se apurar se se trata de um bem próprio ou comum, o Autor tem de ter meios à sua disposição para alterar a situação em curso, sob pena de, assim não sendo, o direito de habitação passar a ter uma vocação perpétua e entrar em conflito com outros direitos constitucionais protegidos como sejam os associados à defesa da propriedade.
Reitera-se que, para fazer valer a sua posição, o requerente afastou-se da linha tradicional e propôs que a alteração se fundasse na existência de uma condição resolutiva e esta é genericamente caracterizável como uma cláusula acessória típica em virtude da qual a cessação da eficácia de um negócio é, no todo ou em parte, posta na dependência da ocorrência de um acontecimento futuro e incerto.
Em tese admite-se claramente que a venda de uma casa onde um dos ex-cônjuges tem instalada a morada de família pode congregar virtualmente os elementos necessários a modificar um prévio acordo obtido em sede de divórcio. E, aliás, em concreto, o próprio texto do acordo apela a essa eventualidade.
E da análise da factualidade subjacente é, para nós inequívoco, que os factos contidos na petição inicial não se dirigem ao objectivo finalístico de alteração do destino da casa de morada de família. Não é isso que o Autor pretende e assim o juízo firmado sobre a ineptidão da petição inicial não é sustentado.
Aquilo que o Autor diz é que pretende vender a casa e que ocorreu uma violação das obrigações de cooperação por parte da Ré, que estava vinculada a um dever de colaboração prestacional que incumpriu e que a prática – por acção ou omissão – de actos impeditivos da venda pode ser fundamento da caducidade do direito a habitar a casa de morada de família.
Na presente hipótese não foram assim alegados os factos que permitiriam traduzir um quadro de alteração superveniente das circunstâncias porque o pedido e a causa de pedir são distintos da perspectiva tradicional de instalação de outro cônjuge na casa de morada de família por ter uma situação de necessidade superior àquela que determinou que o direito de uso e habitação fosse concedido em sede de divórcio.
Isto é, nunca se pediu ao Juízo de Família e Menores de Faro que se pronunciasse sobre a ocorrência de uma circunstância superveniente que legitimasse a modificação do acordo sobre o destino da causa de morada de família, antes que emitisse um veredicto sobre uma determinada realidade relacionada com uma intenção de venda, à luz de critérios interpretativos integração negocial. E, que em função destes, o julgador decidisse se essa expectativa de negócio era suficiente sustentada para determinar a saída da requerida da antiga casa de morada de família.
Por outras palavras, ao solucionar a questão com base na não existência de uma causa superveniente de necessidade, o Tribunal afasta-se da vertente normativa significante na perspectiva do pedido formulado e faz uma interpretação convolativa para uma relação jurídica diversa daquela que foi submetida à sua apreciação e daí retira a conclusão que os factos em falta não viabilizam a construção do juízo silogístico exigido para a procedência da acção.
Não existe fundamento para julgar inepta a petição inicial, dado que, como transparece dos contributos referenciados no ponto 4.3.1 do presente acórdão, o facto genético sustentador da petição foi alegado e só a omissão total ou relevante da causa de pedir é que fundamenta uma resolução de nulidade de todo o processado. E nem o conceito de manifesta improcedência pode ser associado à falta de um pressuposto processual.
Questão diversa é saber se existe fundamento para a procedência da pretensão, mas este juízo surge num momento lógico subsequente, em que já se está em sede de avaliação do mérito. E até se admite que a acção possa ser julgada improcedente – por se entender que a permanência da cônjuge na antiga casa de morada de família até à partilha ou venda está expressamente prevista –, mas este conceito não se confunde com o da falta de causa de pedir.»
Como decorre do extratado, a revogação do despacho saneador que absolveu a Requerida da instância reside, essencialmente, na constatação que a causa de pedir não é inepta por o Requerente sustentar o seu pedido não na alteração de circunstâncias económicas que justificassem a alteração do destino da casa de morada de família, mas sim porque se verifica a vontade do ora apelante em vender a casa de morada de família nos termos previstos no acordo sobre o destino de morada de família.
Contrapõe a ora apelante que o tribunal a quo consignou nos temas da prova que os mesmos incidiam, para além de saber se a mesma impediu a visita à casa de morada de família a fim de ser realizada a certificação energética com vista à venda, também no apuramento nas suas condições para prover à sua habitação e sustento, se dispunha de outros imóveis; se o ora apelado tem condições financeiras às suas e a vida centrada na cidade de Faro.
Constata-se que efetivamente esses são os temas da prova.
Mas, salvo o devido respeito, ressalvada a questão do impedimento do acesso à casa de morada de família, todas as restantes vertentes dos temas da prova são despiciendas para a resolução do objeto da lide, atento os termos em que foi prolatado o referido Acórdão desta Relação no Apenso A.
Ademais, os temas da prova encontram-se balizados pelo objeto do litígio (artigo 596.º, n.º 1, do CPC), sendo este uma enunciação genérica, meramente jurídica do que vai ser objeto de decisão.
No caso, «(…) que seja verificada a condição resolutiva do acordo relativo à casa de morada de família e declarada a caducidade do direito da ré/requerida a habitá-la.»
Os temas da prova, embora parcamente regulamentados no CPC, o que se visa com os mesmos é estabelecer uma espécie de roteiro ou guião sobre os factos a provar (levando em conta o teor do artigo 5.º do CPC) e, consequentemente, os meios de prova que os vão sustentar, considerando a causa de pedir e as exceções invocadas.
Uma das suas caraterísticas, propaladas, aliás, como vantajosas em relação a um sistema rígido de questionário/base instrutória que o nosso sistema processual civil adotou durante décadas, é a de precisamente permitir «maleabilidade ou plasticidade»[1] na enunciação dos factos (transfigurados em «temas») sujeitos à instrução, não dispensando o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados, o que não pode deixar de significar, do mesmo modo, que deve considerar que, a final, alguns dos temas de prova ou alguma das suas vertentes se revelam desadequados ou desnecessários para a apreciação do objeto da lide.
Numa palavra, os temas da prova não vinculam o juiz (no sentido de o limitarem) à apreciação dos factos em discussão em sede de instrução da lide.
Donde, também não podem condicionar a prática de atos probatórios inúteis (de resto, proibidos nos termos do artigo 130.º do CPC) em ordem a apurar factos desnecessários para dirimir o litígio.
Ora, visando os documentos cuja junção a apelante pretende que sejam juntos aos autos, provar factos que não se enquadram no objeto do litígio e, consequentemente, não têm interesse para a decisão da causa, não se encontram previstos os requisitos do artigo 429.º do CPC, pelo que bem andou o tribunal a quo ao indeferir a pretensão da Requerida.
Nestes termos, não se encontram violados quaisquer dos preceitos legais mencionados pela apelante, ou outros, que justifiquem a revogação do despacho recorrido.
Assim, improcede a apelação.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas nos termos sobreditos.

Évora, 11-11-2021
(Maria Adelaide Domingos - Relatora)
(José Lúcio – 1.º Adjunto)
(Manuel Bargado - 2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] ABRANTES GERALDES et al., Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 701 (139.