TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRANSMISSÃO DE GESTÃO
Sumário

A mera transmissão da gestão de um estabelecimento comercial não é passível de integração no conceito de transmissão de estabelecimento comercial a que se reporta o artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009.

Texto Integral








Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A… intentou a presente acção com processo comum contra “B…, LDA” e “C…, UNIPESSOAL LDA”, pedindo:

1.Que seja:

a. Declarado como contrato de trabalho sem termo o vínculo laboral existente entre autora e 1ª Ré;

b. Declarado que a autora desempenha funções subsumíveis às categorias profissionais de Chefe de secção de controlo e de Governante geral de andares, conforme definidas no contrato colectivo aplicável, com o consequente nível remuneratório inerente;

c. Declarado ilícito e de nenhum efeito o despedimento em causa nos autos.

2. Em consequência, sejam as rés condenadas a:

d. Reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo de categoria profissional, retribuição, subsídios, outras regalias e antiguidade, ou, no caso de a autora optar pela indemnização em substituição da reintegração, pede-se que o Tribunal fixe, para estes efeitos, o montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, cifrando-se neste momento a indemnização em € 2.376.

e. Pagar à autora as diferenças salariais num total de € 4.699,83.

f. Pagar à autora a quantia devida respeitante a formação não prestada durante o contrato, no valor de € 239,93.

g. Pagar à autora o trabalho suplementar prestado, num total de € 2.792,28.

h. Pagar à autora férias vencidas e respectivo subsídio no montante de € 2.304,00.

i. Pagar à autora as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo 390.º do C.T, neste momento ascendem a € 792.

3. Devem ainda ser ambas as Rés condenadas no pagamento de juros, à taxa legal, a contar desde o vencimento das quantias acima mencionadas ou desde a citação, consoante a natureza dos pagamentos.

Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que celebrou um contrato de trabalho com a 1.ª-R., mas tendo exercido funções correspondentes a uma categoria profissional diversa da que constava desse contrato, sendo que essa R., que não lhe pagou todos os créditos laborais emergentes desse contrato de trabalho, a despediu ilicitamente e transmitiu para a 2.ª-R. a exploração do estabelecimento em que trabalhava, devendo ser reintegrada e devendo as RR. pagar-lhe os créditos laborais peticionados.


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Contestou a R. “B…, Lda.” alegando, em resumo, que não deve à A. os créditos laborais peticionados e que a mesma não foi despedida ilicitamente.

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Também a R. “C…, Unipessoal Lda.” apresentou contestação alegando, também em resumo, que é parte ilegítima para intervir, do lado passivo, na presente acção, e que não houve qualquer transmissão de estabelecimento entre as RR., não podendo a posição de empregadora da A. ter sido transferida por o respectivo contrato de trabalho já ter cessado anteriormente.

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A autora apresentou resposta a ambas as contestações.

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Por requerimento de 26.11.2019 veio a autora alterar/reduzir o pedido relativamente a férias não gozadas requerendo que os artºs 57º e 58º passem a ter, respectivamente, a seguinte redacção:

 - “Durante todo o tempo de execução do contrato de trabalho, a Autora só gozou 28 dias de férias (- cfr. doc. 23, que ora se junta), pelo que lhe são devidos 14 dias úteis de férias, acrescidos de respectivo subsídio.”.

- “- Devendo a 1ª Ré a este título a quantia de € 1.296”.


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II – Findos os articulados, foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela 2ª, dispensou-se a realização da audiência prévia, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

No prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“…, julgo a presente acção parcialmente  procedente e, em consequência:

a) Declaro como contrato de trabalho sem termo o vínculo laboral existente entre a A. A… e a 1ª-R. “B…, Lda.”, declarando ilícito o despedimento da A. A…  efetuado por essa R.;

b) Condeno a 1ª-R. “B…, Lda.” e a 2.ª-R. “C…, Unipessoal Lda.” a pagarem solidariamente à A. A…, a título de indemnização por antiguidade, a quantia de € 1.815 (mil oitocentos e quinze euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde 1/7/2018 e até efetivo e integral pagamento;

c) Condeno a 1ª-R. “B…,  Lda.” e a 2.ª-R. “C…, Unipessoal Lda.” a pagarem solidariamente à A. A…, a título de retribuições intercalares, quantia mensal a liquidar posteriormente, correspondente ao vencimento base da A., no valor mensal de € 605 (seiscentos e cinco euros), desde o dia 24/5/2019 e até ao trânsito em julgado desta sentença, deduzidas do montante de subsídio de desemprego atribuído à A. A…, devendo as RR. entregarem essa quantia à Segurança Social;

d) Condeno a 1ª-R. “B…, Lda.” e a 2.ª-R. “C…, Unipessoal Lda.” a pagarem solidariamente à A. A…, a título de férias, subsídio de férias e crédito de horas para formação contínua e respectivo subsídio, a quantia total de € 953,23 (novecentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento dessas obrigações e até efectivo e integral pagamento;

e) Absolvo as RR. “B…,, Lda.” e “C…, Unipessoal Lda.” do demais peticionado pela A. A…”.


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III – Inconformadas, vieram as rés apelar, alegando e concluindo:

 (…)

IV – Dos factos:

Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

1º A A. e a 1.ª- R. “B…, Lda.” assinaram o documento junto ao processo (e ora dado por integralmente reproduzido), intitulado “Contrato de trabalho a termo certo” e datado de 2/1/2017, em que consta que a A. irá “desempenhar as funções de Empregada de rouparia/lavandaria”, sendo que o “contrato de trabalho é estabelecido pelo prazo de 6 meses e tem o seu início em 02 de Janeiro de 2017 e termo em 01 de Julho de 2017”, aí constando igualmente que “o presente contrato destina-se a acorrer ao aumento do afluxo de trabalho motivado por um aumento das necessidades decorrentes da actividade da sociedade, decorrentes de uma reestruturação dos seus estabelecimentos hoteleiros e em face da época alta de turismo que ocorre no Verão e nos períodos circundantes, de acordo com o disposto no artigo 140.º, n.º 2, alíneas e) e f) do Código do Trabalho". (Respostas aos Artigos 1º a 3º e 9º a 21º, na sua parte aproveitável, da Petição Inicial, aos Artigos 6º a 8º, 10º a 15º e 23º da Contestação da R. “B…” e aos Artigos 68º a 74º, 110º e 114º da Contestação da R. “C…”))

2º A A. para além de trabalhar na lavandaria do Hotel “D…” também ajudava no que dizia respeito ao Hotel “E…” e na limpeza e arrumação dos quartos, no inventário de bens existentes no Hotel, nos pequenos-almoços e na aquisição de bens, tendo remetido ou recebido as diversas mensagens de correio electrónico juntas ao processo (todas aqui dadas por reproduzidas na sua globalidade). (Respostas aos Artigos 38º a 41º e 60º da Petição Inicial e aos Artigos 9º, 24º, 25º e 28º a 35º da Contestação da R. “B…”).

3º Em Junho de 2018, a A. recebeu da 1.ª-R. as quantias que constam dos seus recibos de vencimento juntos aos autos (igualmente aqui dado por totalmente reproduzidos), nunca tendo tido formação profissional enquanto esteve ao serviço dessa R.. (Respostas aos Artigos 4º, 36º, 42º a 45º e 46º a 51º da Petição Inicial, aos Artigos 42º, 45º a 48º e 55º da Contestação da R. “B…” e aos Artigos 80º, 115º, 116º, 134º a 136º, 140º e 151º da Contestação da R. “C…”)).

4º Em 18/4/2018, a 1ª-R. enviou à A., que a recebeu, a carta junta ao processo (ora dada por reproduzida na íntegra), em que consta que vem comunicar que, “por motivos estruturais da empresa”, “decidiu não proceder à renovação do contrato de trabalho” “que teve início em 02/01/2017”, sendo que esse “contrato cessará os seus efeitos em 1 de Julho de 2018”. (Respostas aos Artigos 5º a 8º e 22º a 26º, na sua parte aproveitável, da Petição Inicial, ao Artigo 20º da Contestação da R. “B…” e aos Artigos 75º e 78º da Contestação da R. “C…”).

5º O representante da 1.ª-R. B… assinou o documento junto pela A. e intitulado “Horas extra e Feriados” (aqui dado por reproduzido na sua totalidade). (Respostas aos Artigos 53º a 56 da Petição Inicial, aos Artigos 40º, 41º e 44º da Contestação da R. “B…” e ao Artigo 141º da Contestação da R. “C…”).

6º A 1.ª-R. procedeu à venda do Hotel “D…” para a sociedade “F…, Unipessoal Lda.”, em 8 de Fevereiro de 2018, para proceder à liquidação de todas as responsabilidade assumidas originalmente com a “G…, S.A.” e garantidas por hipotecas registadas sobre o aludido imóvel e cujo crédito foi cedido à sociedade “H…”, sendo o preço pago por assunção da dívida da 1.ª-R. para com essa sociedade, tendo a 1.ª-R. ficado a explorar esse Hotel até Dezembro de 2018 em virtude do “Contrato de Gestão e Exploração de Unidade de Alojamento” então também assinado e que cessou em virtude do envio, no dia 4 de Dezembro de 2018, da carta da 1.ª-R. à “F…”, sob o assunto “Antecipação de rescisão do contrato e restituição do imóvel e estabelecimento” (dando-se por reproduzidos todos os documentos relativos a esses negócios juntos ao processo). (Respostas aos Artigos 61º e 62 da Petição Inicial, aos Artigos 16º a 19º e 50º a 52º da Contestação da R. “B…”, aos Artigos 9º a 26º, 76º e 77º da Contestação da R. “C…” e aos Artigos 4º a 10º da Resposta à Contestação).

7º Em 27 de Dezembro de 2018, as sociedades “F…” e “I…, Unipessoal, Lda.” assinaram o documento junto ao processo (e ora dado por reproduzido na íntegra), pelo qual esta última adquiriu o Hotel “D…” (na sua denominação anterior “Hotel – J…”, sendo também titular da licença de exploração do Hotel concedida pelo “Turismo de Portugal, IP”, mas sendo a 2.ª-R. que gere esse Hotel, agora designado “L…”. (Respostas aos Artigos 27º a 32º e 81º da Contestação da R. “C…” e aos Artigos 4º a 10º da Resposta à Contestação).

8º O Hotel “D…” (de três estrelas) esteve encerrado perto de seis meses, com a realização de obras e aí não tendo ficado mobília ou outros materiais, tendo reaberto com a designação “L…” e sendo gerido pela 2.ª-R., sendo que há alguns trabalhadores que trabalhavam nesse primeiro Hotel e que, após a cessação dos seus contratos de trabalho, trabalham agora no segundo Hotel, onde a A. nunca trabalhou. (Respostas aos Artigos 33º a 36º e 46º a 57º da Contestação da R. “C…” e aos Artigos 12º a 18º da Resposta à Contestação)

Factos Não Provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste processo, nomeadamente:

- os Arts. 57º e 58º da Petição Inicial;

- os Artigos 26º, 27º, 37º, 39º e 43º da Contestação da R. “B…”.

Quanto aos restantes artigos dos articulados das partes, não se responde aos mesmos por não corresponderem a matéria de facto controvertida, mas antes a matéria de direito, conclusiva, irrelevante ou repetitiva, pelo que o Tribunal não pode (nem deve) pronunciar-se nesta sede sobre os mesmos.


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(…)

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O objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões.

Assim as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1.Se a sentença é nula.

2.Se a matéria de facto deve ser alterada.

3. Se o termo aposto no contrato de trabalho é nulo devendo o contrato considerar-se como contrato sem termo.

4. Se ocorreu uma transmissão do estabelecimento

5. Se a autora tem direito ao montante atribuído a título de férias não gozadas.

6. Se a autora desempenhou funções correspondentes a uma categoria profissional diferente da contratada, tendo direito a diferenças salariais relativas a remunerações e subsídios de férias e de Natal.

7. Se a autora tem direito a ser remunerada por trabalho suplementar prestado.

(…)

Da transmissão do estabelecimento[1]:

Dispunha o artº 37º nº 1 da LCT, que a “posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exercem a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento...”.

Por sua vez, o nº 4 de tal artigo estabelecia que o “disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento”.

A propósito deste artigo, surgiram várias referências doutrinais e jurisprudenciais.

Assim, e segundo Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, XXVIII, 443 e ss, quando o estabelecimento muda de sujeito de exploração, designadamente porque é transmitido para outrem, os contratos de trabalho, que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantêm-se, transmitindo-se para o respectivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.

Os trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento como que “inerem” ou “aderem” a essa empresa ou estabelecimento -estabelecimento entendido aqui como “organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria” -Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, Coimbra 1967, 717.

No dizer do Ac. do S.T.J. de 10/4/91, BMJ 406º, 553, o que há de característico no conceito do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade é que o mesmo deve ser encarado como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económico-jurídica, mais ou menos complexa, que na sua transmissão se compreende normalmente todos os elementos que o compõem, incluindo a sua organização económica e produtiva.

A “... transmissão da empresa, ..., deve entender-se em sentido muito amplo, abarcando actos negociais e não negociais. Quer dizer, o regime da norma aplica-se sempre que haja modificação subjectiva do empregador devida a circulação (negocial - venda, doação, usufruto, locação, etc.- ou não negocial- sucessão legal, nacionalização, confisco), ou a alteração objectiva da empresa”- Jorge Leite, em número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, 300.

A transmissão que releva para efeitos do artº 37º da LCT deve ter carácter global, mas não é necessário que coincida tecnicamente com o conceito de trespasse, conforme se depreende do nº 4 do mesmo artigo: a exemplo do que sucede amiúde na lei fiscal, o legislador do trabalho terá privilegiado as situações de facto em detrimento das qualificações jurídicas (cfr. J.C. Javillier, Droit du Travail, 1978, 210, citado por Abílio Neto- Contrato de Trabalho- Notas Práticas, 15ª edição, 215).

O conceito de estabelecimento deve ser entendido em termos amplos, de modo a abranger a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, os conjuntos subalternos, que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica- Ac. do S.T.J. de 24/5/95, Questões Laborais, 5º, 112.

Na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia adoptou como critério para aplicação da directiva 98/50/CE a existência de uma “unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão”, entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizados com o objectivo de prosseguir uma actividade económica.

Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso. Mas, nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, como nas áreas de serviços, o factor determinante para se considerar a existência da mesma empresa pode ser o da manutenção dos efectivos, ou, na interpretação mais recente do TJCE, "um conjunto organizado de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma unidade económica" (cfr. Joana Simão em “A Transmissão de Estabelecimento na Jurisprudência do Trabalho Comunitária e Nacional”, publicado em Questões Laborais, nº 20, pag. 203 e ss., e Júlio Manuel Vieira Gomes em a “Jurisprudência Recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão da empresa, estabelecimento, ou parte do estabelecimento – inflexão ou continuidade”, publicado em Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina, pag. 481 e ss.).

Como refere Júlio Gomes, ob. cit., 491, a determinação de se a entidade económica subsiste “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de factores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a actividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da actividade”.

O que importa é, assim, analisar, em relação a cada hipótese concreta, o conjunto de circunstâncias presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido, como se decidiu no Ac. da Relação  de Lisboa de 24/5/2006, proc. 869/06, disponível em www.dgsi.pt.

Dizendo-se, igualmente, em tal aresto:

“Deve salientar-se que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspectiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, por ex., à transmissão de elementos do activo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma actividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa (v. Júlio Vieira Gomes, in segundo estudo citado, pag. 494).

Vem-se contudo exigindo que a transferência deve ter por objecto uma entidade económica organizada de modo “estável”, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou parte das actividades da empresa cedente”.

A directiva nº 2001/23/CE refere, no seu artº 1º al. B) que é considerada “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

O legislador do Cod. do Trabalho de 2003  transpôs para o ordenamento jurídico português tal directiva, no seu artº 318º:

“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

2 -  Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.

3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.

4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.

Por sua vez o artº 285º do CT de 2009 na redacção decorrente da Lei nº 14/2018, de 19/03 preceitua: (Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento) 1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. 3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos. 4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. 6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta. (…). 10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de selecção, no sector público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.

(…)

Lendo o conceito de estabelecimento contido nesses artºs 318º e 285º, numa interpretação conforme à jurisprudência comunitária, é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

Como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, “o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus”.

Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aqueles artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

No acórdão do STJ 25/11/2010, Procº 124/07.3TTMTS.P1S1, www.dgsi.pt, escreveu-se que “(..) nos casos de transmissão da titularidade do estabelecimento ou da ocorrência de quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da sua exploração, não é afectada, em princípio, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, de tal modo que, em relação ao trabalhador, tudo se passa como se a transmissão não houvera tido lugar. Como já se consignou no aresto desta Secção de 25.02.2009 (proferido no âmbito do Proc. 2309/08, disponível www.dgsi.pt., que, embora reportado ao art. 37.º da LCCT, mantém toda a sua actualidade uma vez que o art. 318º do CT de 2003 corresponde àquele preceito, embora com alterações que, neste caso, não relevam), com este regime teve-se em vista, fundamentalmente, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no art. 53º da Constituição da República, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, por um lado, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão).

(...)

Como decorre destes normativos, as expressões “estabelecimento” e “empresa” são usadas indistintamente para designar o bem objecto da transmissão, que deve constituir uma unidade económica. Nos dizeres do n.º 4 do art. 318.º CT, considera-se unidade económica “o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”, o que corresponde ao referido na alínea b), n.º 1 do art. 1º da referida Directiva “de uma entidade económica”.

Desta forma, para os efeitos da apreciação da transferência, ou transmissão, o conceito de unidade económica corresponde ao conjunto de meios materiais e humanos organizados para o exercício de uma actividade económica, principal ou acessória, que, com a transmissão, mantém a sua identidade.

Adoptou-se com esta definição um critério material em que sobrelevam um elemento organizatório – a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas –, e um elemento funcional – esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, emitida à luz do art. 37.º da LCT e, posteriormente, face ao art. 318.º do CT, tem sido no sentido de que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica.

Da aplicação do critério material da “unidade económica” resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada actividade económica

Não obstante a lei consagrar um conceito amplo de transmissão de estabelecimento – por se poder operar por “qualquer título” e se aplicar ainda à cessão ou reversão da exploração –, a afirmação, no caso concreto, dessa transmissão pressupõe, sempre, a passagem da unidade económica que o consubstancia, entendida esta nos termos acima expostos, tendo o trabalhador de estar inserido nesse complexo jurídico-económico.

(...)

Na apreciação concreta, de molde a afirmar a existência de uma transmissão de estabelecimento, ou empresa, impõe-se que o tribunal indague se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade. Isto é, a afirmação da transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

Ou, como refere Joana Vasconcelos (In Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 71, pág. 82, remetendo, ainda para Júlio Gomes “ A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento – inflexão ou continuidade?”.), “a averiguação acerca da manutenção, ou não, da identidade da unidade económica transferida implica, em qualquer caso, a ponderação de uma série de factores – tipo de estabelecimento, transmissão ou não de elementos do activo (edifício, bens corpóreos), valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, continuidade da clientela, permanência do pessoal, grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção. O tipo de actividade desenvolvido pode, mesmo, ser decisivo para decidir do peso relativo, no caso concreto, de tais elementos: por vezes, e precisamente por tal motivo, é o complexo humano organizado que confere identidade à empresa (ou a parte dela). E quando assim suceda, frisa o TJCE, importa essencialmente atender a elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração e, ainda, sendo o caso, os meios de exploração à sua disposição.”.

Como se tem reafirmado, para apurar da identidade económica deve recorrer-se ao método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão, sendo certo que a identidade não se perde se a transferência envolver apenas uma parte do estabelecimento ou da empresa, desde que estas partes mantenham a estrutura de uma unidade económica e possam funcionar como tal- Ac. desta Relação de Coimbra de 24/10/2013, proc. 972/12.2TTLRA.C1.

Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho parte II Situações Laborais Individuais, 2ª ed. revista e actualizada, pag. 693, tal conceito legal de unidade económica tem um carácter vago que carece de concretização. “Para esse efeito, o critério a ter em conta não deve ser o da organização formal da empresa (em secções ou serviços) mas antes o critério económico da possibilidade de individualização de uma parte da sua actividade numa unidade negocial autónoma. Por outras palavras, o que parece decisivo para a equiparação da transmissão de «parte» da empresa ou do estabelecimento à transmissão da própria empresa ou do próprio estabelecimento é o conceito de unidade de negócio.

Assim, e como se refere no Ac. do STJ de 06-12-2017,  “Essencial é que tenha ocorrido, efectivamente, a transmissão de um negócio ou actividade, que constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente para a do transmissário, «mantendo a sua identidade» ( artº 1º. Nº 1 da Directiva) e que demonstre o animus translativo da operação pelo facto de o primeiro ter deixado de exercer a actividade correspondente a tal unidade e o segundo passar a exercê-la nos mesmos moldes.”

Mais se adianta em tal acórdão que “O conceito nuclear inserido nesta Directiva, conforme resulta da sua análise, não é tanto o de transferência/transmissão de empresa, mas sim o de “transferência de uma entidade económica” – cf. a alínea b), do nº 1, do seu art. 1º. Conceito que reencontramos explicitado no art. 285.º do Código do Trabalho, no seu n.º 5, com a noção aí consagrada de “unidade económica”, como o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. Reproduzindo na nossa ordem jurídica o citado art. 1.º, n.º 1, alínea b), da Directiva nº 2001/23/CE, de 12 de Março, em consonância com o entendimento da Jurisprudência do TJUE, segundo o qual é considerada como tal a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta nos mesmos termos: “como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

Asserção vertida claramente no atrás citado Acórdão do TJUE, de 09.09.2015,[proc. C-160/14 in www.curia.europa.eu] com a seguinte narrativa: «Segundo jurisprudência constante, a Directiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção dessa directiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efectiva da exploração ou da sua retoma»

Sendo considerado como elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica, pela Jurisprudência Comunitária, a autonomia de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos.

Podendo ler-se, a este propósito, no Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, que o Tribunal de Justiça acentuou a necessidade de a unidade económica manter a sua própria identidade no seio do transmissário, o que se revela pela prossecução de um objectivo próprio.

Identidade a aferir pelo conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória – cf. nº 5, do art. 285º, do Código do Trabalho de 2009.

Importa, assim, avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.

Neste sentido se expressou igualmente o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão desta Secção, de 26.09.2012 [proc. 889/03.1TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt] quando se sintetizou nos seguintes termos, no final do ponto 3.2.: «Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

É, contudo, essencial que a transferência tenha por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».

Na sentença recorrida escreveu-se que que se considera que “ a posição de empregador nesses contratos de trabalho transmitiu-se, inelutável e ope legis, para a 2.ª-R. em virtude da transmissão do estabelecimento que ocorreu e do que se deu como provado acerca dessa transmissão (mormente o facto da 1.ª-R. explorar um hotel que foi vendido in totum a uma outra sociedade, passando, depois de algumas obras e do seu encerramento por cerca de seis meses, a ser explorado, novamente como estabelecimento hoteleiro, pela 2.ª-R.)”.

E, mais à frente, depois citar e transcrever o Ac. da RP de 18 de Outubro de 2010, disponível em www.dgsi.pt  conclui que “… efectivamente, houve uma transmissão do estabelecimento da anterior entidade empregadora da A. e aqui R. “B…” para a outra R. “C…” (tratando-se de um hotel no mesmo local, que foi vendido como um todo e que só esteve encerrado por pouco tempo, destinando-se, assim e necessariamente, à mesma clientela, que corresponde, necessariamente, a quem precisa ou procura alojamento na zona da Figueira da Foz), sendo que essa transmissão do estabelecimento, a qualquer título que ocorra, tem as consequências previstas no Art. 285º do Código do Trabalho (dado também que “A transmissão tanto pode ser a título definitivo, como a título transitório. O regime, independentemente do título translativo, é construído a partir da transmissão da titularidade (n.º 1), mas ele é estendido a situações de transmissão temporária. É o que sucede, por exemplo, na concessão de exploração” – JOÃO REIS, « O regime da transmissão da empresa no Código do Trabalho» AA.VV., in Transmissão de Estabelecimento, Lisboa, 2014, consultado em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Transmissao_estabelecimento.pd f, p. 172)”

Não acompanhamos este entendimento pelas razões que a seguir procuremos demonstrar.

Na verdade, a matéria factual assente (pontos 7º e 8º) afigura-se-nos insuficiente para dela se poder retirar a conclusão de que houve uma transmissão do estabelecimento da 1ª para 2ª R.

Como acima ficou dito apontam-se, normalmente, como indícios da verificação da denominada unidade económica, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata; a transferência (ou não) de bens corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis; a reintegração (ou não), por parte do novo empresário dos efectivos; a continuidade da clientela; o grau de similitude entre as actividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão dessas actividades.”

Ora a 1ª instância deu como provado que a 2.ª R./Apelante não é a proprietária do “L…”, mas simplesmente a entidade que gere actualmente o referido Hotel;

Ora, o que a lei exige não é apenas que haja transferência de gestão, mas sim que haja transmissão do estabelecimento, ou seja, que o estabelecimento ingresse na esfera jurídica de um terceiro.

Gerir um hotel não é suficiente para se poder dizer que o hotel foi transmitido para o “gestor”, tanto mais que, por exemplo, a gestão pode ser feita por conta de outrem, situação em que nunca se poderá falar de transmissão do estabelecimento

Acresce que entidade titular da licença de exploração do Hotel concedida pelo Turismo de Portugal, IP é a “I..., Unipessoal, Lda” e não a 2.ª R./Apelante, sendo que não se encontra demonstrado que a 2.ª R./Apelante tivesse celebrado qualquer negócio com a 1.ª R.. 134.

Ficou ainda provado que apenas alguns trabalhadores que trabalhavam no “Hotel – J…”/“D…”, após a cessação dos respectivos contratos de trabalho que mantinham com a 1.ª R., trabalham actualmente no “L…”, donde se infere não ter ocorrido qualquer transferência de trabalhadores da 1.ª R. para a 2.ª R., não se verificando, assim, um dos principais indícios para se concluir no sentido da existência de uma transmissão de estabelecimento.

Também não está demonstrado ter ocorrido transferência de clientela da 1.ª para a 2.ª rés ou pelo menos a transferência do mesmo tipo de clientela, pese embora a actividade da 2ª ré continuasse a situar-se na área da hotelaria.

Não está deste modo também preenchido um importante indício caracterizador da transmissão.

Encontra-se ainda provado que o “Hotel – J…”/“D…” esteve encerrado cerca de 6 meses, tendo reaberto sob a designação “L…” e que, no decurso do tempo de encerramento, foram realizadas obras de remodelação, não tendo permanecido qualquer mobília ou qualquer outro material do “Hotel – J…”/“D…” no “L…”.

Esta interrupção na laboração e inexistência de transmissão de activos corpóreos (com excepção, obviamente, do próprio edifício) não aponta para a existência da ocorrência de uma transmissão de uma unidade económica

O simples facto do “L…” se tratar de um estabelecimento hoteleiro que exerce a sua actividade no mesmo espaço físico que o anterior “Hotel – J…”/“D…” não se revela suficiente para se concluir ter ocorrido uma transmissão do estabelecimento como unidade económica da 1.ª R. para a 2.ª R.

Daí que, não se demosntarndo a transmissão, a 2ª tenha de ser absolvida dos pedidos.

Do direito da autora ao montante atribuído a título de férias não gozadas.

Alega a ré C… que tendo o contrato de trabalho da A. tido início a 2 de Janeiro de 2017 e cessado a 1 de Julho de 2018, aquela não poderia ter direito a um total de mais do que 33 dias de férias (22 dias úteis do ano de 2017 e 11 dias úteis de 2018).

Isso mesmo, de acordo com esta ré, decorre da regra correctiva introduzida em 2009 no n.º 3 do artigo 245.º do CT: tendo o contrato durado 1 ano e meio, a duração do período total de férias (ou da respectiva retribuição) não poderia ser superior ao proporcional do período anual de férias.

Contudo, não se pode olvidar que o contrato não cessou em 1 de Julho de 2018.

Sendo o termo nulo, o contrato deve ter-se como sem termo. A cessação operada pela empregadora, conforme ficou referido, deve ter-se por ilícita tudo se passando como aquela não tivesse ocorrido, ou seja, como se a autora continuasse ao serviço até à data declaração de ilicitude, mantendo a trabalhadora todos os direitos que a relação de trabalho lhe conferia.

Tendo em conta a alteração factual introduzida por esta Relação (provou-se que a autora gozou 31 dias de férias enquanto perdurou a relação de trabalho) conclui-se, considerando o pedido formulado, que autora deixou de gozar 11 dias de férias a que tinha direito.

Assim, a este título tem a receber a quantia de € 605,00 [€ 605 : 22 x 11 dias x 2].


Da categoria profissional/diferenças salariais.
Considerando que a matéria da facto não se alterou é de concluir que a autora não tem direito às peticionadas diferenças salariais decorrentes de ter desempenhado funções diferentes das contratadas.

Do trabalho suplementar:
Com a alteração introduzida por esta Relação à matéria de facto tem a autora direito a receber o montante correspondente ao trabalho suplementar prestado calculado na base do salário contratado € 605.
Peticiona a autora a este título o montante total de € 2.792,28 (584,96+2.170.76+36,56).
Provou-se que a A. prestou trabalho em 8 dias feriados e 273 horas suplementares e, ainda que prestou meio dia de trabalho, ou seja, 4 horas, em dia de descanso semanal.”

À relação laboral é aplicável o CCT entre a AHRESP e a SITESE, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 30, de 15/08/2017, aplicável por força da Portaria de extensão n.º 318/2017, de 25 de Outubro.

Tal IRCT prevê na suas Clªs 44ª e 50ª a remuneração do trabalho suplementar prestado em dias normais com o acréscimo de 50% (1º Hora) e 75% (horas subsequentes) e com o acréscimo de 100% o prestado em dia feriado.

Porque em dia de descanso semanal prestou 4 horas de trabalho tem direito a ser remunerada com um dia completo de trabalho nos termos da Clª 49º do citado IRCT..
Considerando que o valor da retribuição horária (artº 271º do CT) é de € 3,49, temos:
- 8 Feriados x 8 horas = 64 horas x 2 =128 x €3,49= € 446,72.
- 1 dia de trabalho = € 27,92.
Quanto aos demais trabalho suplementar (273 horas) a matéria de facto não dilucida sobre o número de primeiras e horas subsequentes prestadas não sendo possível, por isso, quantificar a remuneração pela prestação desse trabalho porquanto o seu cálculo obedece a critérios diferentes (50% e 75%).
Daí que a sua quantificação seja relegada para liquidação de sentença.


****


IV – Termos em que se delibera julgar as apelações da ré B… e da AUTORA parcialmente procedentes e apelação da ré C… totalmente procedente em função do que se decide alterar o dispositivo da sentença da forma que segue:

a) Declara-se como contrato de trabalho sem termo o vínculo laboral existente entre a A. A… e a 1ª-R. “B…, Lda.”, declarando-se ilícito o despedimento da A. A… efetuado por essa R.;

b) Condena-se a 1ª-R. “B…, Lda.” a pagar à A. A…, a título de indemnização por antiguidade, a quantia de € 1.815 (mil oitocentos e quinze euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde 1/7/2018 e até efectivo e integral pagamento;

c) Condena-se a 1ª-R. “B…, Lda.” a pagar à A. A…, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal a liquidar posteriormente, correspondente ao vencimento base da A., no valor mensal de € 605 (seiscentos e cinco euros), desde o dia 24/5/2019 e até ao trânsito em julgado desta sentença, deduzidas do montante de subsídio de desemprego atribuído à A. A…, devendo a R. entregar essa quantia à Segurança Social;

d) Condena-se a 1ª-R. “B…, Lda.” a pagar A. A…, a título de férias, subsídio de férias a quantia de € 605,00 (seiscentos e cinco euros) e a título de crédito de horas para formação contínua e respectivo subsídio, a quantia total de € 183,23 (cento e oitenta e três euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento dessas obrigações e até efectivo e integral pagamento;

e) Condena-se a 1ª-R. “B…, Lda.” a pagar à A. A… a título de trabalho prestado em dias feriado e em dia de descanso semanal a quantia de € 474,64 (quatrocentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), quantias esta acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento dessas obrigações e até efectivo e integral pagamento.

f) Condena-se a ré “B…, Lda.” a pagar à autora 273 dias de trabalho suplementar, cuja quantificação se relega para liquidação de sentença.

g) Absolve-se a R “B…, Lda.” do demais peticionado pela A. A…”.

h) Absolve-se a R. “C…, Unipessoal Lda.” de todos os pedidos contra si formulados pela autora.

i) Determina-se que, em relação ao processo electrónico, não seja tomado em conta o documento junto pela autora com as suas alegações e em ordenar, no que toca ao processo físico, o seu desentranhamento e entrega à autora, indo esta condenada nas custas do incidente.


*

Custas na apelação da 2ª R. a cargo da autora.

Custas nas apelações da 1ª R e da autora a cargo de ambas na proporção do respectivo decaimento.

Tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora.


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Coimbra, 17 de Novembro de 2021

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



[1] Segue-se o que a propósito desta questão se escreveu no acórdão desta Relação proçº 2281/18.4T8VIS.C1