PROCESSOS ESPECIAIS
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL
PEDIDO RECONVENCIONAL
PAGAMENTO DE DESPESAS
PRESTAÇÕES BANCÁRIAS
COMPROPRIETÁRIOS
Sumário


SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I – Os princípios do moderno processo civil afastam formalismos que impeçam a justa composição do litígio e que posam conduzir a intransponíveis obstáculos à pronúncia sobre o mérito da causa, tendo bem presente a necessidade de apreciação conjunta de pretensões indispensável àquela justa composição, aliás, expressamente prevista no artigo 37º do CPC.
II – A filosofia e os valores que estão ínsitos ao princípio da adequação formal contido no artigo 547º do CPC, bem como a multiplicidade e variedade de situações que se deparam mesmo nos processos especiais, não permitem que, do seu arredar, neles decorram impedimentos de justa composição de litígios, pelo que tal princípio lhes deve ser aplicável.
III – Em acção de divisão de coisa comum, cuja compropriedade é impugnada, deve ser admitido pedido reconvencional de pagamento de despesas relativas a prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, suportadas exclusivamente pela reconvinte, na parte que ao outro comproprietário competia.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Nos autos de divisão de coisa comum supra identificados, além de contestar o pedido de divisão formulado pelo autor na petição inicial, pugnando pela sua improcedência, a ré A. C. veio deduzir reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
- que seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda junta à petição inicial, por simulação, e nulos todos os registos (predial e matricial) efectuados com base em tal transmissão;
- que seja declarada válida e eficaz a doação (negócio dissimulado) dos imóveis referidos na petição inicial, doados pela mãe da ré M. C. à ré e, consequentemente, ordenar-se a inscrição predial e matricial a favor desta relativamente aos prédios objecto da dita escritura;
- subsidiariamente, que seja ser reconhecido a favor da ré um direito de crédito sobre o autor no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que ela, ré, exclusivamente suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis, valor este que pode ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso a fracção lhe venha a ser adjudicada.

**
O Sr. Juiz a quo proferiu, então, a decisão ora em crise, onde, depois de enunciar os fundamentos que julga pertinentes, decide «admitir a reconvenção, com excepção do pedido subsidiário formulado pela ré, cuja admissão vai indeferida».
**

Com ela não se conformando, veio a ré reconvinte interpor o presente recurso, onde conclui nos seguintes termos:

1. A presente apelação autónoma é instaurada nos termos do artº. 644, nº. 1, alínea b) do C.P.C., por não se conformar a recorrente com a decisão recorrida na parte em que não admitiu o terceiro pedido reconvencional deduzido pela Ré/reconvinte, o que equivale à absolvição do A./reconvindo da instância reconvencional (cf. Ac. Do STJ de 30/03/2017, procº6617/07.5TBCSC.L1.S2, publicado in www.dgsi.pt)
2. Contra a recorrente foi instaurada acção especial de divisão de coisa comum tendo por fim a adjudicação ou venda das fracções autónomas identificadas na p.i.
3. A recorrente, apresentou contestação, impugnou a compropriedade e deduziu reconvenção fundamentada na nulidade da compra e venda das fracções, por simulação, deduzindo 3 pedidos, o último dos quais a título subsidiário (1.- Declarar-se a nulidade da escritura de compra e venda junta à p.i., por simulação, e nulos todos os registos (predial e matricial) efectuados com base em tal transmissão; 2 - Declarar-se válida e eficaz a doação (negócio dissimulado) dos imóveis referidos na p.i., doados pela mãe da Ré M. C. à Ré e, consequentemente, ordenar-se a inscrição predial e matricial a favor desta relativamente aos prédios objecto da escritura junta à p.i.; 3 – Assim não se entendendo, deve, subsidiariamente, ser reconhecido a favor da Ré um direito de crédito sobre o A., no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que a Ré exclusivamente suportou com os imóveis, a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis).
4. Nos termos do artº. 926º, nº. 2 do C.P.C., foi determinado pelo tribunal a quo, de acordo com o artigo 926º, nº. 3 do C.P.C., que os autos passassem a seguir os termos do processo comum de declaração subsequentes à contestação, por entender revestirem as questões suscitadas complexidade factual e jurídica não compatíveis com decisões incidentais.
5. Com a prolação do despacho referido, passou a acção especial (Acção de Divisão de Coisa Comum), a ser um processo comum (Acção de Declaração), abarcando não só o pedido de divisão de coisa comum, mas também outros pedidos, nomeadamente, a nulidade do negócio de compra e venda, a validade da doação ou créditos (cf. p.i. e reconvenção).
6. Reconhece expressamente o despacho recorrido não haver quaisquer questões de incompatibilidade formal relativamente à admissão da reconvenção, tendo o referido despacho de fls 88, que determinou que os autos seguissem a forma de processo comum de declaração, transitado em julgado, por não impugnado por qualquer uma das partes.
7. Os dois primeiros pedidos reconvencionais foram admitidos, pelo entendimento de que assentam os mesmos em factos jurídicos que servem de fundamento à defesa (cf. artº. 266º, nº. 2, alínea a) do C.P.C.), existindo entre a causa inicial e tais pedidos um nexo substantivo.
8. Declinou o tribunal a admissão do terceiro pedido reconvencional, formulado a título subsidiário, fazendo tábua rasa do próprio despacho que proferiu e que transitou em julgado, invocando não poder liquidar nesta acção (que continua a tratar como acção especial) o valor do crédito alegado pela recorrente, por julgar incompatível a acção de divisão de coisa comum com a fase executiva.
9. Este argumento não pode colher, desde logo porque o processo passou a seguir a tramitação de processo comum declarativo e depois porque também na acção especial de divisão de coisa comum existe uma fase executiva iniciada na conferência de interessados (cf. Ac. TRE de 17/01/2019 - proc. 764/18.5T8STB.E1, Acs. do TRL de 15/03/2018 -proc. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8, do TRL de 24/09/2015- proc. 2510/14.3T8OER-A.L1-2 e TRG de 25/09/2014- proc.260/12.4TBMNC-A.G1).
10. E também não pode colher porque, nos termos do artigo 556º, nº. 1, alínea c) do C.P.C., o pedido subsidiário formulado, sendo genérico, sempre dependerá da concretização dos valores e informações a prestar nestes autos pelo credor hipotecário, autoridade tributária, companhia de seguros e administração de condomínio.
11. Pode, pois, a liquidação ser feita com base nos documentos a juntar aos autos, antes de começar a discussão da causa (incidente de liquidação) ou, não sendo possível, poderá o incidente ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica (cf. artigo 358º do C.P.C.)
12. A questão única e fulcral deste recurso é a de saber se o terceiro pedido reconvencional deduzido pela Ré/reconvinte é admissível.
13. Entendemos que tal pedido é legalmente admissível e absolutamente essencial à composição do litígio em caso de improcedência dos dois primeiros pedidos reconvencionais, já admitidos.
14. A acção, ab initio, de divisão de coisa comum foi definitivamente convolada em acção de declaração comum, abarcando, não só o pedido de divisão de coisa comum, mas também os pedidos reconvencionais, já admitidos.
15. O pedido subsidiário deduzido na reconvenção é admissível nos termos do artº. 266º, nº. 2 do C.P.C.
16. Acolhe o pedido subsidiário formulado pela Ré/reconvinte perfeita admissibilidade porque se funda em factos jurídicos que servem à sua defesa, pretendendo a Ré obter o reconhecimento de um crédito para obter a compensação ou o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do A. (cf. artº. 266º, nº. 2, alíneas a) e c) C.P.C.)
17. O pedido subsidiário formulado está relacionado com um crédito da Ré sobre o A. emergente dos imóveis (prestações bancárias, condomínio, impostos) que o A. pretende dividir e, por uma questão de economia processual e descoberta da verdade material, é conveniente decidir-se numa acção única todas as questões relacionadas com os prédios, evitando a propositura de uma outra acção para reconhecimento do crédito.
18. O que se pretende, caso improcedam os dois primeiros pedidos é que seja reconhecido à Ré um direito de crédito sobre o A. no montante que vier a apurar-se nestes autos em sede de julgamento ou que vier a ser liquidado em execução de sentença.
19. E se o que causa mais confusão ao tribunal a quo é a possibilidade do valor do crédito ser liquidado em execução de sentença, sempre se dirá que muito provavelmente o valor surgirá ainda antes ou na fase de julgamento e poderá constar da sentença, sem qualquer necessidade de liquidação posterior, aplicando-se as regras relativas à dedução de pedidos genéricos (cf. artigos 358º e 556º, nº. 1 alínea c) do C.P.C.)
20. De qualquer forma, caso venham a improceder os dois primeiros pedidos reconvencionais, sempre a falta de acordo na adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento do quinhão do outro com dinheiro, levará à venda executiva dos imóveis (929º, nº. 2 C.P.C. – disposições da venda - artºs. 811 e sgts do C.P.C.), repartindo-se subsequentemente o produto desta venda na proporção das quotas de cada um.
21. Não é justo nem coerente ver-se a recorrente obrigada a instaurar outra acção contra o recorrido para reclamar os valores por ela exclusivamente pagos relativamente aos imóveis que vierem a ser vendidos, quando o apuramento do seu crédito, depende de simples soma ou cálculo aritmético e pode vir a ser compensada nesta acção.
22. Castrou a decisão recorrida a justa composição do litígio, impedindo a recorrente de ver reconhecido o seu crédito e de o ver compensado com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao recorrido (caso os primeiros dois pedidos reconvencionais – admitidos – venham a ser julgados improcedentes)
23. É, pois, de rejeitar a tese adoptada no despacho recorrido, designadamente quando refere que o terceiro pedido deduzido pela ora recorrente não tem enquadramento legal em nenhuma das alíneas do nº. 2 do artigo 266º do C.P.C.
24. A admissão e subsequente apreciação do pedido reconvencional subsidiário, mostra-se essencial para, em caso de improcedência dos dois primeiros pedidos deduzidos pela Ré/reconvinte, e em sede de conferência e interessados “ser fixado o valor das tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro” (cf. Ac. TRL de 15/03/2018 – proc. 2886/15.5T8CSC.L1-8).
25. Violou a decisão recorrida, ao indeferir a admissão do terceiro pedido reconvencional deduzido pela Ré/reconvinte, o disposto nos artigos 6º, 37º, nº 3, 266º, nº 2, c), 358º e 556º, nº 1, c), todos do C.P.C.
26. Contrariou a decisão recorrida a jurisprudência maioritária relativa a esta questão e aquela que mais se ajusta à justiça material e ao princípio da economia processual por que se devem pautar os nossos tribunais (cf. Acs. do TRE de 22/09/2016-proc. 752/14.0TBSSB-A.E.1 e de 17/01/2019-proc. 764/18.5T8STB.E1, do TRL de 11/01/2018- proc. 316/15.2T8MFR.L2-8 e do STJ de 11/07/2019- proc. 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1)
27. Face à violação das disposições legais referidas e no seguimento da jurisprudência maioritária, deve a decisão recorrida ser alterada, no sentido de se admitir o terceiro pedido reconvencional deduzido pela Ré/reconvinte, com vista a obter uma justa composição do litígio, com respeito pelo princípio de economia processual.
Conclui pela procedência da apelação.
**
O recorrido J. F. apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O recorrido J. F. intentou contra a apelante acção de divisão de coisa comum, invocando serem donos e legítimos proprietários, em comum e sem determinação de parte, dos seguintes Prédios:
Fração Autónoma, destinada a habitação de tipo T3, designada pela letra X, correspondente ao segundo andar esquerdo, com entrada pelo número …, do prédio sito na Rua ..., nº ... e ..., da freguesia de ..., concelho de Braga, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o número ....
Fração Autónoma, designada pela letra D, correspondente a dependência na cave, designada pelo número quatro, com entrada pelo número ..., do prédio sito na Rua ..., nº ... e ..., da freguesia de ..., concelho de Braga, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o número ....
Pretendendo pôr termo à comunhão e invocando a indivisibilidade dos mesmos, requereu a adjudicação ou venda dos referidos imóveis, com repartição do respetivo valor entre Requerente e Requerida na proporção do respetivo quinhão.
A recorrente, além de contestar o pedido de divisão formulado pelo autor na petição inicial, pugnando pela sua improcedência, deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
- que seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda junta à petição inicial, por simulação, e nulos todos os registos (predial e matricial) efectuados com base em tal transmissão;
- que seja declarada válida e eficaz a doação (negócio dissimulado) dos imóveis referidos na petição inicial, doados pela mãe da ré M. C. à ré e, consequentemente, ordenar-se a inscrição predial e matricial a favor desta relativamente aos prédios objecto da dita escritura;
- subsidiariamente, que seja ser reconhecido a favor da ré um direito de crédito sobre o autor no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que ela, ré, exclusivamente suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis, valor este que pode ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso a fracção lhe venha a ser adjudicada.

A 06.07.2020 foi proferido despacho, transitado em julgado, do seguinte teor:
«A complexidade factual e jurídica das questões suscitadas pela ré na sua contestação não permite que as mesmas sejam incidentalmente decididas nos termos do nº 2 do artigo 926º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, de harmonia com o disposto no nº 3 desse mesmo artigo determina-se que, doravante, estes autos passem a seguir os termos do processo comum de declaração subsequentes à contestação».
Prosseguiram os autos, vindo a ser proferido o despacho em crise que, com os fundamentos então exarados, decidiu «admitir a reconvenção, com excepção do pedido subsidiário formulado pela ré», ou seja, não admitiu o de ser reconhecido a favor da ré um direito de crédito sobre o autor no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que ela, ré, exclusivamente, suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis, valor este que pode ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso a fracção lhe venha a ser adjudicada.
Fê-lo, consignando que a reconvenção apenas será admissível quando se enquadre em qualquer dos casos taxativamente previstos nas als. a) a d) do nº 2 do citado artigo 266º do Código de Processo Civil.
Afastando, ab initio, a aplicabilidade das alíneas b) e d), por manifestamente inadequadas ao caso, arreda a aplicação da alínea a) com fundamento em o pedido subsidiário não emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção e, apesar de os factos que o suportam constarem da contestação, não têm qualquer efeito defensivo útil relativamente ao pedido do autor, não emergindo, pois, de facto jurídico que sirva de fundamento à defesa, ao menos com o sentido pressuposto pela al. a) do nº 2 do artigo 266º.
Do mesmo modo, acrescenta que tal pedido não tem enquadramento na al. c), onde se dispõe que a reconvenção é admissível “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” porque na base do pedido de divisão de coisa comum não está qualquer relação creditícia, mas sim uma relação real. O autor não exerce contra a aqui ré um direito de crédito, logo não faz sentido que aquela pretenda contrapor-lhe um direito dessa natureza.
**
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
**

Cura-se, no presente recurso, de saber se é admissível o pedido reconvencional, de reconhecimento, a favor da ré, de um direito de crédito sobre o autor no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que ela, ré, exclusivamente suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis, valor este que pode ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso a fracção lhe venha a ser adjudicada.
De acordo com o estatuído no artº 925º do CPC, todo aquele que pretenda pôr fim à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
Usando desta acção, o autor veio requerer que fosse posto fim à comunhão dos dois imóveis que identifica, avançando, desde logo, que não eram substancialmente divisíveis.
Citada, a requerida, embora não tenha posto em causa a indivisibilidade, veio, no entanto, impugnar a compropriedade, alegando que o contrato que, formalmente, a titula é um contrato simulado, tendo uma doação dissimulada feita apenas a ela própria, deduzindo pedido reconvencional para obter sentença judicial que assim reconheça e declare.
Que, de todo o modo, para o caso de improcedência, quer ver reconhecido um direito de crédito relativa às despesas que, exclusivamente, assumiu com os imóveis a “partilhar”.
Perante o modo como a acção se configurava na sequência dos articulados apresentados, o Sr. Juiz a quo usou do mecanismo legal constante do artº 926º, nº3, do CPC e, considerando que a questão não podia ser sumariamente decidida, mandou seguir os termos do processo comum.

De acordo com o estatuído no artigo 266º do CPC, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

A admissibilidade de reconvenção neste processo está já adquirida, circunscrevendo-se, assim, ao específico caso do pedido subsidiário.
De resto, como a decisão recorrida mostrou conhecer, é já bem sustentada a posição doutrinária e jurisprudencial que admite pedido reconvencional na acção de divisão de coisa comum, sendo disso exemplo o acórdão da Relação de Évora, de 17.01.2019, proferido no processo 764/18.5T8STB.E1.
Com data bem anterior, já esta Relação de Guimarães, por acórdão de 25.09.2014, proferido no processo 260/12.4TBMNC-A.G1, havia decidido a possibilidade de ser formulado pedido reconvencional em acção de divisão de coisa comum.
E, finalmente, a Relação do Porto também concluiu pela admissibilidade da reconvenção, como se recolhe da leitura do acórdão de 15.04.2021, constante do processo 9133/20.6T8PRT.P1
No caso do acórdão de 25 de Setembro, tratava-se de um caso de benfeitorias no prédio e, como então se consignava, «o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção».
Os demais eram respeitantes a valores para aquisição de uma fracção autónoma, que um invocava ser superior ao contribuído pelo outro.
A rematar, não queremos deixar de citar um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Senhor Conselheiro Manso Raínho que, durante larguíssimos anos exerceu funções na Relação de Guimarães, proferido no processo 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 e datado de 01 de Outubro de 2019: «Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção tendente a obter indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser autorizada, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum».
Estavam em causa despesas alegadamente realizadas por um dos interessados quer no pagamento de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros e IMI, numa situação em que o pagamento caberia a ambos.
Ora, naquele caso não tinha sequer sido ordenado que a causa passasse a seguir os termos do processo comum, mas, no nosso caso, são, exactamente, aqueles os que já se seguem, por força dos demais pedidos.
Como se retira da respectiva leitura, trata-se de arestos que acolhem os princípios do moderno processo civil, afastando formalismos que impeçam a justa composição do litígio, adoptando critérios onde não têm lugar interpretações rígidas de normas processuais que conduzem a intransponíveis obstáculos à pronúncia sobre o mérito da causa e onde se tem bem presente a necessidade de apreciação conjunta de pretensões indispensável àquela justa composição, aliás, expressamente prevista no artigo 37º do CPC.
De resto, há que não olvidar o que se contém no artigo 547º do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo, na decorrência, aliás, do dever de gestão processual ínsito no artigo 6º, ainda do CPC.
Vem a propósito referir que a aplicação do princípio da adequação formal a todos os processos, nomeadamente aos especiais, não é unanimemente aceite, sendo uma voz discordante a de Pedro Madeira de Brito, in “O novo princípio da adequação formal” (Aspectos do novo processo civil, Lisboa, Lex, 1997, pag.67), com o entendimento de que, nestes últimos, o legislador adequou já o processo ao fim.
A nosso vêr, a filosofia e os valores que estão ínsitos ao princípio em causa, bem como a multiplicidade e variedade de situações que se deparam mesmo nos processos especiais, não permitem que, do seu arredar, decorram, também aí, impedimentos de justas composições de litígios.
«Com efeito, o novo princípio da adequação formal vem romper com o apertado regime da legalidade das formas, conferindo-se, então, os correspondentes poderes ao juiz para adaptar a sequência processual às especificidades da causa apresentada em juízo, reordenando os actos processuais a serem praticados no iter, inclusive com a determinação da prática de acto não previsto ou a dispensa de acto inútil previsto, ou ainda com a alteração da ordem dos actos abstractamente disciplinados em lei.
Tal adequação fica, assim, justificada se houver circunstâncias específicas, relacionadas ao direito material, a aconselhar a variação da forma do procedimento processual» - acórdão desta Relação, de 27.04.2017, processo 1752/12.0TJVNF.G1.

No caso que ora nos ocupa, não se vislumbram razões atendíveis para que, perante uma situação em que se pretenda pôr cobro à comunhão, se admita discutir a existência de um eventual negócio simulado, mas se indefira averiguar se e que despesas teve a parte que invoca ter suportado sozinha os custos inerentes aos imóveis, forçando-a a propor acção autónoma.
Mas mais: se se pretende (e tem de pretender-se) a justa composição do litígio, cremos que se encontra vincadamente comprometido o caminho para tanto, pois que, como se consigna no acórdão da Relação de Lisboa (citando outro), de 15.03.2018, Processo 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8, é essencial «para uma consciente decisão dos interessados em conferência (fase executiva) que esteja devidamente dirimida a questão de saber se a Ré tem ou não direito a haver dos outros interessados comproprietários a respectiva quota parte do valor que a Ré despendeu em obras que realizou no 1.° andar do mencionado prédio, o que sé é possível através da admissão liminar do pedido reconvencional e do julgamento das questões por eles suscitadas o que satisfaz os princípios da gestão processual e adequação formal».
Temos como adequado afirmar que os legítimos interesses do comproprietário que terá assumido sozinho custos que a ambos pertenciam, não pode, por mera aplicação rígida de norma, ver-se obrigado a pagar tornas e, eventualmente, ter comprometido o ressarcimento do seu crédito, pois, como acertadamente alertam alguns autores, há sempre o risco de futura insolvência da outra parte, além de que, de todo o modo, sempre o obrigaria a uma outra demanda.
Donde, em conclusão, não se descortinariam razões processuais impeditivas de admissão do pedido reconvencional, podendo ser apreciado o pedido reconvencional de crédito sobre o autor, correspondente à soma dos valores que a ré, exclusivamente, suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis.
Apuradas e decididas todas as questões suscitadas, só então se entrará na fase executiva do processo com a conferência de interessados.
Adquirida, nos autos, a admissibilidade de reconvenção em acções de divisão de coisa comum, a reconvenção efectuada é, a nosso ver, admissível face do teor do artigo 266º que acima se transcreveu.
Na verdade, a alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil admite a reconvenção quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
«A compensação que o réu pretende provocar pressupõe o reconhecimento do crédito do autor (e a improcedência de qualquer defesa do réu). Isto origina duas situações possíveis: (i) o réu pode reconhecer o crédito do autor e invocar, a título principal, o contracrédito, de molde a provocar a extinção daquele crédito; o réu pode contestar o crédito do autor e alegar, a título subsidiário, o contracrédito, para o caso de o tribunal vir a reconhecer o crédito do autor (Teixeira de Sousa, Blog do IPPC 9/7/2020).
A reconvenção eventual deve-se à conexão que existe entre o pedido reconvencional e a pretensão do autor, ficando dependente do resultado da pretensão daquele, e a improcedência da ação leva a que não se venha a conhecer e a apreciar o pedido reconvencional, ao contrário do que acontece com a reconvenção propriamente dita» - Miguel Teixeira de Sousa, “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, Julho/Setembro de 2014, pag.14.
Também no sentido da admissibilidade da dedução de reconvenção a título cautelar, ou reconvenção eventual, para a hipótese de a acção ser julgada procedente, veja-se Manuel de Andrade, Noções Elementares, 2ª ed., 143.
Recorde-se que de acordo com o disposto no artigo 847.º do Código Civil, quando duas pessoas sejam, reciprocamente, credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que preenchidos os seguintes requisitos: ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Ora, na improcedência dos pedidos principais, mantendo-se intocada a titularidade que decorre, para o autor reconvindo, dos títulos formais que lhe conferem a qualidade de comproprietário e na hipótese de os imóveis virem a ser adjudicados por inteiro à ré, o autor passa a deter um crédito sobre ela; por sua vez, a ré, com base na mesma situação de compropriedade, terá, alegadamente, o crédito que corresponde à quota parte dos custos que eram da responsabilidade do autor, mas que ela suportou. Este pedido, tal como o do autor, assenta numa situação de compropriedade, pressupondo-a adquirida no processo.

Concluindo, é de admitir o pedido reconvencional cautelar, impondo-se a revogação da decisão recorrida.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação, admitindo-se o pedido reconvencional formulado referente ao reconhecimento, a favor da ré, de um direito de crédito sobre o autor no montante que se vier a apurar nestes autos ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, correspondente à soma dos valores que ela, ré, exclusivamente suportou com os imóveis a título de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros, desde Fevereiro de 2007 até à efectiva venda ou adjudicação dos imóveis, valor este que pode ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso a fracção lhe venha a ser adjudicada.

Custas pelo apelante.