REFORMA DA SENTENÇA
CUSTAS
Sumário

- O regime da correcção da sentença, em processo penal, está contido no artigo 380.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual «o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença» quando «fora dos casos previstos no artigo anterior [as nulidades da sentença] não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º» [alínea a)] ou quando «a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial» [alínea b)].
- A reforma da sentença, quanto a custas, não cabe, manifestamente, nos poderes de correcção da sentença contemplados na alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, norma ao abrigo da qual o recorrente a vem reclamar.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I
Nos presentes autos de recurso com origem no P. 35/20.7GCTVD do Juízo Local Criminal de ……, Comarca de ……, a assistente/recorrente AA, veio requerer a reforma do nosso acórdão de 28.09.2021 quanto a custas, dizendo que a taxa de justiça em que ali foi condenada por decaimento no recurso e fixada em 5UC não deveria ter sido fixada pois beneficia de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que lhe foi concedida ainda na fase de tramitação dos autos em primeira instância, protecção essa que se mantém para a fase de recurso nos ter4mos do art.º 18º n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de Julho pelo que solicita ao abrigo do art.º 616º do CPC, aplicável ex vi art.º 4º CPP, a reforma do acórdão quanto a custas com o aditamento de “sem prejuízo do apoio judiciário que aquela beneficia”.
Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos e veio responder a tal requerimento concluindo que não assiste qualquer razão à recorrente.
II.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
Antes de apreciar a justeza e adequação legal da pretensão do requerente importa saber se no processo penal é admissível a reforma da sentença ou acórdão quanto a custas.
Acerca desta possibilidade já os tribunais superiores tiveram a oportunidade de se pronunciar de uma forma, se não unânime, pelo menos de uma forma maioritária pela negativa.
Tal é o caso do Acórdão do STJ de 12.03.2015, disponível em www.gde.mj.pt/jstj, em que foi relatora a Exma. Juíza Conselheira Isabel Pais Martins, argumentando ali de uma forma muito impressiva e no essencial: “Os acórdãos proferidos em recurso, bem como as decisões sumárias do relator, devem observar o disposto no Código de Processo Penal e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 374.º do Código de Processo Penal relativamente aos requisitos da sentença.
O regime da correcção da sentença, em processo penal, está contido no artigo 380.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual «o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença» quando «fora dos casos previstos no artigo anterior [as nulidades da sentença] não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º» [alínea a)] ou quando «a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial» [alínea b)].
A reforma da sentença, quanto a custas, não cabe, manifestamente, nos poderes de correcção da sentença contemplados na alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, norma ao abrigo da qual o recorrente a vem reclamar.
Ao nível do processo civil, proclamado, embora, que um dos efeitos da sentença consiste, justamente, no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere (artigo 613.º, n.º 1, na versão da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), consagra-se a possibilidade de o juiz, para além da rectificação de erros materiais e do suprimento de nulidades, reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (n.º 2 do artigo 613.º).
Nos termos do n.º 1 do artigo 616.º «A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do n.º 3», norma esta que prescreve que «Cabendo recurso da decisão que condene em custa ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação».
A reforma quanto a custas ou multa consubstancia-se numa alteração da decisão sobre custas ou multa proferida na sentença. Pode dar-se o caso de a decisão sobre custas não ter respeitado alguma das normas sobre custas constante do processo civil ou de legislação avulsa. Pode, por isso, qualquer das partes pedir a sua modificação, de modo a observarem-se as normas aplicáveis na matéria.
A falta de previsão no processo penal da reforma da sentença quanto a custas e multa não constitui uma lacuna que deva ser integrada por apelo ao artigo 4.º do CPP.
A lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou falha contrária ao plano do direito vigente.
Ora, a norma do artigo 380.º, n.º 1, alínea a), do CPP não carece de qualquer integração nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal. Define o regime especial das irregularidades da sentença penal e o seu modo de sanação de forma completa e não entra em colisão com qualquer outra norma do ordenamento processual penal.
Por outro lado, nos termos da lei – artigo 380.º, n.º 2, alínea b), in fine –, só é possível proceder à eliminação de erros que não impliquem modificação essencial da sentença, daí que seja inadmissível considerar a existência de uma lacuna teleológica.
A ausência de uma disposição a admitir, em processo penal, a reforma da sentença, quanto a custas e multa e a correcção de erros de julgamento, tal como se encontra prevista para o processo civil, não contraria o escopo visado pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria da correcção da sentença penal.
No sentido de inexistência de lacuna, escreveu-se, no acórdão deste Tribunal, de 12/12/2013, proferido no processo n.º 6138/12.4TDPRT-A.P1.S1: «O CPP prevê e regula os casos em que a sentença pode ser modificada pelo tribunal que a proferiu, suprindo nulidades nos moldes previstos no artº 379º, nº 2, e fazendo as correcções que caibam na previsão do artº 380º. E a previsão desses casos deve ter-se como completa, pois não se coadunaria com o modelo de legislador presumido pela regra do nº 3 do artº 9º do Código Civil que, prevendo-se uns, não se previsse outros que se quisesse admitir. Não se pode, pois, dizer que existe lacuna a integrar com recurso às normas do processo civil. O que há é uma regulação diversa em ambos os ramos do direito processual.»
Também no processo n.º 414/09.0PAMAI-B.P1-A.S1 (recurso de uniformização de jurisprudência), pelo acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 06/02/2014 – reconhecendo-se, embora, não ser a questão líquida -, entendeu-se que a falta de previsão, no processo penal, da possibilidade de correcção de erros de julgamento, nas específicas condições indicadas na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, não conforma um caso omisso a resolver por aplicação subsidiária do preceito, ao abrigo do artigo 4.º do CPP.”
Por sua vez e de um modo concordante com este aresto, o qual, de resto, cita na exacta medida do acima feito, o Acórdão desta Relação de Lisboa de 18/10/2018, também disponível em www.gde.mj.pt/jtrl, adopta aquela solução concluindo pela inadmissibilidade da reforma do acórdão ou sentença penal quanto a custas nos termos previstos no artigo 616.°, n.º 1, do CPC, por força do artigo 4.º do CPP.
Nessa sequência e adoptando essa jurisprudência, somos de concluir pela inadmissibilidade da requerida reforma.
De qualquer modo, sempre diremos que, na medida em que persiste a condenação em custas, o reflexo da protecção jurídica que lhe foi concedida em primeira instância sempre teria de ser observado na fase de recurso, independentemente do segmento que pretende ver aditado, pelo disposto no n.º 4 do art.º 18º da Lei 34/2004 e que se traduz na desnecessidade de elaboração da conta por força do estabelecido no art.º 29º n.º 1 al. d) do RCP.

III
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em não admitir o requerimento de reforma da decisão quanto a custas apresentado pela assistente AA.
Custas a cargo da requerente fixando-se a taxa de justiça em 1 UC pelo incidente.

Feito e revisto pelo 1º signatário.
Lisboa, 2 de Novembro de 2021.
João Carrola
Luís Gominho