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PERÍCIAS
INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL
LEGES ARTIS
Sumário
1. A admissibilidade dos articulados supervenientes depende, além do mais, da relevância ou irrelevância do facto respectivo quanto à pretensão deduzida. Isto significa que as partes podem, observadas certas condições, trazer ao processo factos relevantes que ocorreram até ao encerramento da discussão, que elas não puderam trazer por desconhecimento ou por terem ocorrido após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados onde tais factos deveriam ser alegados. 2. A utilidade do articulado superveniente é avaliada casuisticamente, à luz do pedido, causa de pedir e das excepções invocadas pelas partes. 3. A admissão de documentos é baseada num juízo de prognose abstracto e o que importa nessa avaliação é que os elementos juntos tenham potencial relevância para prova de factos objecto do litígio. 4. A simples ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento de harmonia com o disposto no artigo 446.º do Código de Processo Civil, enquanto não houver instrução e julgamento do incidente, também não permite formular uma ponderação definitiva sobre a genuinidade e a integridade do documento. 5. A impugnação da genuinidade ou autenticidade de um documento particular não impede que o mesmo sirva de suporte a um parecer técnico, enquanto não estiver demonstrado que esse suporte probatório está viciado por falsidade. 6. A força probatória das respostas dos peritos, quer em primeira perícia, quer em segunda perícia (a segunda perícia não invalida a primeira), é fixada livremente pelo Tribunal, sendo, pois, apreciada em conjunto com as demais provas segundo a livre convicção do julgador, à luz do disposto nos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 2093/18.5T8PTM-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível – J2
* Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por (…), (…) e (…) contra (…) e outros, o primeiro Réu veio interpor recurso do despacho datado de 23/06/2021.
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Os Autores pediram a condenação do Réu e da “Companhia de Seguros (…)” no pagamento aos Autores da quantia € 115.000,00 (cento e quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por (…) durante a cirurgia por via laparoscópica e posteriormente, no pós-operatório, bem como pelo dano morte daquela e a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores e ainda pelo seu abrupto falecimento, acrescido de juros de mora vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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O Hospital (…) de (…) é interveniente passivo nos autos, por chamamento promovido pelo primeiro Réu.
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O Recorrente é médico e interveio na cirurgia ali identificada, tendo junto com a sua contestação um DVD com gravação vídeo que diz reproduzir o acto médico em causa.
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Os Autores foram notificados da junção de tal DVD com gravação vídeo e pronunciaram-se sobre o mesmo.
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Por despacho de 20/03/2019 foi admitida a junção do referido documento.
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A 13/02/2020, os Autores apresentaram um articulado superveniente, que continha uma declaração do Hospital (…) de (…), datada de 22/01/2020.
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Neste documento o Interveniente Hospital declara que:
«(…) a gravação de cirurgias não é procedimento normal no bloco operatório da unidade explorada em (…).
A estrutura acionista e administração da Sociedade foi alterada no final de 2017, não sendo do conhecimento da atual administração se à data dos factos se processava a gravação de cirurgias.
Não obstante, esclarece-se que não foi descoberta nos arquivos do Hospital qualquer gravação da cirurgia a que foi sujeita a Sra. Dona (…), não existindo qualquer registo da mesma ter sido feita».
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No referido articulado superveniente os Autores colocam em causa a autenticidade e a veracidade do DVD com gravação vídeo.
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Em sede de audiência prévia, ocorrida em 13/02/2021, a “Companhia de Seguros (…)” respondeu imediatamente ao articulado superveniente, defendendo a sua não admissão.
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O primeiro Réu pronunciou-se no dia 19/02/2020 e defendeu que a declaração do Hospital era extemporânea e que a mesma configurava uma tentativa tardia de impugnar a autenticidade e veracidade da gravação vídeo contante do DVD. E termina pugnando pela não admissão do articulado superveniente, na medida em que não traz autos qualquer novo facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, nos termos do disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil e, ao mesmo passo, impugna a referida documentação hospitalar.
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Em 27/02/2020, a “Companhia de Seguros (…)” aderiu à resposta oferecida pelo aqui recorrente.
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No âmbito da audiência prévia foi requerida pelo Réu (…) a emissão de um parecer técnico pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, que foi objecto de decisão de deferimento.
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Entretanto, foi junta aos autos diversa documentação clínica remetida pelas entidades hospitalares envolvidas.
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A 02/07/2020, foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: «Os documentos juntos avulsamente – processo de informação clínica, resumo de informação clínica e relatório histalógico referentes a (…) – não consubstanciam, a nosso ver, um “parecer técnico” cuja realização foi determinada nestes autos e que se trata de um relatório médico condensado que responda às questões de facto colocadas pelas partes e subscrito por banda de alguém com conhecimentos aprofundados em determinadas áreas do saber, dando uma opinião ou um conselho qualificados, uma vez que o julgador não os possui.
Deste modo, com cópias dos articulados, do despacho saneador e de fixação do objecto do litígio e os temas da prova, bem como da documentação supra referida, e do presente despacho, solicite ao INML a emissão de parecer técnico nos termos determinados em 13 de Fevereiro de 2020, concedendo o prazo de 15 dias para o efeito».
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Em 14/10/2020, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP informou que o parecer técnico solicitado se enquadrava numa consulta técnico-científica da sua competência.
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A 11/11/2020, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP informou que deveriam ser apresentadas as questões concretas para pronuncia daquele Conselho Médico-Legal.
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Nessa sequência, foi proferido despacho no sentido de as partes formularem e juntarem aos autos tais questões.
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Os Autores e Réu (…) apresentaram as questões concretas a submeter ao Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP.
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No âmbito do seu requerimento o R. (…) solicitou que fosse fornecido ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP o DVD com gravação vídeo da cirurgia.
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Os Autores opuseram-se ao envio da gravação vídeo, por requerimento de 24/05/2021.
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Em 02/06/2021, o Réu Recorrente reiterou que a documentação em causa deveria ser remetida ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, por ser um elemento relevante da defesa.
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A 23/06/2021, foi proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte: «Sem prejuízo da formulação ampla do despacho proferido em sede de audiência prévia (13/02/2020, a fls. 313), constata-se – relativamente à suposta gravação em vídeo da cirurgia a que foi submetida a Sr.ª D. (…) – o certo é que o Hospital de (…), de (…), declara não ter encontrado nos seus arquivos tal gravação (fls. 299). Por outro lado, mais se declara desconhecer-se se esse procedimento era utilizado à data. Tais factos põem em causa a própria autenticidade de tal gravação vídeo, pelo que se decide não a remeter ao INMLCF. Remeta-se a tal instituição o conjunto de quesitos formulados pelas partes, a fim de ser produzida prova pericial».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões:
«1. Recorre-se do Despacho de 23 de Junho de 2021 (ref.ª 120538147), que, embora não seja totalmente claro, parece admitir o Articulado Superveniente apresentado pelos Autores Recorridos, a junção do documento respetivo, a alegação de falta de autenticidade e genuinidade de um elemento de prova, privando, em consequência, a pronuncia em sede de consulta técnico-científica pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF sobre o elemento de prova junto pelo 1.º Réu na sua Contestação, com o que o Recorrente discorda em absoluto.
2. O Articulado Superveniente apresentado pelos Autores Recorridos não preenche a disposição contida no artigo 588.º do Código de Processo Civil, atento que não foram apresentados quaisquer factos constitutivos, modificativos ou extintivos relativos aos pedidos ou defesa apresentados.
3. No Articulado superveniente foi tão-só apresentado um documento que foi emitido em momento superveniente aos articulados na ação, sem que fosse alegado qualquer facto superveniente ou qualquer facto com relevância para este efeito, referindo-se a um elemento de prova, e não a qualquer facto em si mesmo.
4. Logo, o Articulado superveniente não pode ser admitido enquanto tal, como, ao que se alcança, terá sido pelo Despacho de que ora se recorre, pelo que o mesmo é ilegal por violação do referido artigo 588.º do CPC, devendo ser revogado em conformidade.
5. Sem prescindir, mesmo que se admita o Articulado superveniente enquanto mero requerimento de junção de documento emitido em momento posterior ao fim dos articulados, há que considerar que o douto Despacho recorrido deve ser revogado.
6. O DVD com gravação vídeo foi junto ao processo pelo 1.º Réu Recorrente consubstanciando o documento n.º 1 da Contestação, tendo os Autores Recorridos impugnado o mesmo de forma geral no prazo de 10 dias que dispunham para o efeito, sem colocar em causa a respetiva autenticidade ou veracidade.
7. Por Despacho posterior, de 20 de Março de 2019, ref.ª 112547112, foi admitida a junção do DVD com gravação vídeo, devendo o mesmo ficar nos autos (fls. 246 dos autos), despacho este que não foi objeto de recurso.
8. Um ano depois, aproveitando o ensejo de um suposto Articulado Superveniente, os Autores Recorridos juntam aos autos uma declaração emitida pelo Interveniente HSGL, na qual este refere que a gravação de cirurgias não é procedimento normal no bloco operatório, a atual administração não sabe se à data dos factos se processava a gravação de cirurgias, inexiste qualquer gravação da cirurgia a que foi sujeita a Sra. D.ª (…) nos arquivos do Hospital e que não existe qualquer registo da mesma ter sido feita, por fim, os Autores Recorridos invocam a falta de autenticidade e veracidade do DVD com gravação vídeo.
9. Em primeiro lugar, tal declaração poderia ter sido emitida em momento anterior e junta no momento em que os Autores Recorridos foram notificados da junção do DVD com a gravação vídeo, não tendo sido alegada ou produzida prova de qualquer circunstância que fundamente a respetiva emissão e junção após o fim dos articulados.
10. Deste modo, o Tribunal a quo não devia ter admitido como elemento de prova dos factos em causa na presente ação tal declaração, por total falta de alegação e prova da impossibilidade de apresentação da mesma na altura própria, devendo o douto Despacho recorrido ser revogado na parte em que admite a apresentação de tal declaração do Hospital, ou pelo menos, quando o faz sem qualquer consequência, por violação do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil.
11. Em segundo lugar, a junção extemporânea de tal declaração do Hospital não pode fundamentar a invocação da falta de veracidade ou autenticidade de um documento junto um ano antes, pelo que dúvidas não há de que tal invocação é igualmente extemporânea, em violação do disposto nos artigos 444.º e 446.º do Código de Processo Civil, devendo o douto Despacho recorrido ser revogado na parte em que se entenda ter admitido tal impugnação e em que considerou tal invocação para efeito de formação e sustentação da decisão de não remeter tal DVD com gravação vídeo da cirurgia ao INMLCF no âmbito de realização de consulta técnico-científica.
12. Admitida a junção do DVD com gravação de vídeo da cirurgia que corresponde ao documento n.º 1 da Contestação, há que atentar que esta gravação servia propósitos de estudo e memória médicas, atento que o procedimento de laparoscopia é feito com aparelhos introduzidos no corpo por uma porta de entrada e que contêm em sua extremidade uma minicâmara (videolaparoscopia), pelo que, sendo um instrumento de trabalho médico e um elemento da clínica dos pacientes, constitui um registo do médico no processo clínico.
13. A declaração emitida pelo Interveniente Hospital e junta pelos Autores Recorridos de pouco vale, atento que nada de novo e relevante traz aos autos, atento que afirma desconhecer os factos à data do caso em análise e informando que não encontrou nos seus arquivos tal gravação, quando lhe cabia um dever de guarda do processo clínico, pelo que não se alcança porque razão uma declaração de desconhecimento/negativa é considerada como prova de qualquer falta de autenticidade ou veracidade de um elemento de prova, constatando-se um erro decisório e uma insuficiência de fundamentação do douto Despacho recorrido.
14. Acresce que o Tribunal a quo não considerou todos os elementos de prova juntos aos autos, como o documento n.º 7 junto com a Petição inicial apresentada pelos Autores Recorridos e que corresponde ao “Relatório de Avaliação do Inquérito aos Serviços do Hospital de (…) de (…)”, elaborado no âmbito do Processo de Inquérito n.º 1/2016, adiante “inquérito”, que correu termos por iniciativa do Interveniente Hospital, conforme os próprios Autores Recorridos alegam naquele articulado.
15. Tal documento constitui prova de que existia no Hospital um DVD com gravação vídeo da cirurgia realizada à Sra. D.ª (…), uma vez que o Instrutor do Inquérito refere que pediu àquele Interveniente todos os elementos existentes, tendo sido feito um levantamento completo ao processo de acompanhamento em causa (cfr. Doc. 7 da Petição inicial, pág. 7 do Relatório), sendo tal DVD com gravação de vídeo referenciado por duas vezes, enquanto “facto” pelo próprio Instrutor e de acordo com depoimento da Enfermeira Coordenadora e email (cfr. Doc. 7 da Petição Inicial, páginas 13, 28 e 29).
16. Logo, tal DVD com gravação vídeo devia constar do processo clínico junto do Interveniente Hospital (junto do qual o próprio 1.º Réu Recorrente a obteve), sendo grave a afirmação deste no sentido de que a mesma dali não consta, quando tinha a obrigação de manter tais registos, constituindo, além do mais, venire contra factum proprium.
17. Não podia o Tribunal a quo decidir que tal declaração do Interveniente Hospital pode – e ainda por cima isoladamente –, colocar em causa a veracidade ou a autenticidade do DVD com a gravação vídeo e muito menos impedir que tal elemento de prova seja considerado numa diligência tão importante para a descoberta da verdade material nos presentes autos como é a consulta técnico-científica a realizar pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF.
18. O Tribunal a quo não cuidou de verificar todos os elementos constantes dos autos e decidiu com base numa mera de alegação, vestida de declaração e documento alegadamente superveniente, que por sinal nada prova, de um Interveniente que, não se alcança bem porquê, é defendido pelos Autores Recorridos desde o início do presente processo.
19. Nada foi alegado e provado que implique a falta de veracidade ou autenticidade do DVD e existem provas nos autos no sentido oposto, pelo que o douto Despacho recorrido não tem qualquer suporte, incorrendo a decisão em erro de julgamento e insuficiência de fundamentação, por isso devendo ser revogado em conformidade.
20. Sem prejuízo do exposto, sempre se refere que tal decisão coarta a defesa cabal do 1.º Réu Recorrente, impossibilitando a análise pelo INMLCF dos atos diligenciados na cirurgia por aquele, que constitui um dos Temas de Prova que se revelam fundamentais para a decisão a proferir e que, portanto, devem ser objeto da diligência mencionada.
21. Os atos em questão são altamente especializados e realizados de acordo com técnicas médicas, que só profissionais da área poderão aquilatar, como sucede numa consulta técnico-científica a realizar pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF.
22. Sendo que tal ausência de elementos verificar-se-ia por incúria do Interveniente Hospital que não diligenciou pela guarda dos elementos do processo clínico da Sra. D.ª (…), de que devia fazer parte tal DVD.
23. Face ao exposto, o douto Despacho recorrido que não admitiu o envio do DVD com gravação de vídeo ao INMLCF para efeito de realização de consulta técnico-científica é violador do princípio do contraditório, do acesso ao direito, da verdade material e da tutela jurisdicional efetiva, garantidos pela Constituição da República Portuguesa, em geral, no respetivo artigo 20.º e, em particular, no artigo 268.º, n.º 4, no que concerne à tutela jurisdicional efetiva.
24. Deverá, pois, o douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o envio do DVD com a gravação vídeo para efeito de realização de consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal do INMLCF.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá à presente Apelação ser dado provimento, devendo ser revogado o douto Despacho recorrido, e, em consequência, não ser admitido o Articulado Superveniente enquanto tal, não ser admitida a junção do respetivo documento que corresponde à Declaração do Interveniente Hospital ou, pelo menos, sem qualquer consequência face à extemporaneidade, não ser admitida a invocação pelos Autores Recorridos de falta de genuinidade e autenticidade do documento n.º 1 da Contestação do 1.º Réu Recorrente e ser admitido o envio para o INMLCF tal documento n.º 1 (DVD com gravação vídeo) para efeito de realização de consulta técnico-científica pelo Conselho Médico-Legal.
Assim se fazendo a costumada Justiça!». *
Houve lugar a resposta dos recorridos (…), (…) e (…), que sustentam a manutenção da decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
* II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da rejeição da admissão do articulado superveniente, dos meios probatórios de suporte da referida peça processual e da não remessa do DVD para efeitos de realização da consulta técnico-científica solicitada ao Conselho Médico-Legal do INMLCF.
* III – Da factualidade com interesse:
Os factos pertinentes para a justa resolução da causa são aqueles que se mostram transcritos no relatório do presente acórdão. * IV – Fundamentação:
Face à cronologia processual referida no relatório inicial, concorda-se com os recorridos quando nos pontos I) e K) das conclusões vertidas na resposta ao recurso defendem que se verificou o trânsito em julgado da decisão relativa à admissão do articulado superveniente. Em acréscimo, da simples leitura do despacho recorrido verifica-se que o mesmo não se pronúncia nem sobre a admissibilidade do articulado nem relativamente à junção da documentação emitida pela interveniente passiva, certamente por entender que os mesmos foram alvo de decisão prolatada em sede de audiência prévia.
O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo e, como tal, em nome dessa ideia de estabilidade processual, uma vez transitada em julgado, salvo nos casos excepcionalmente previstos, a decisão não pode ser alterada, prevalecendo inclusivamente em regra sobre a eficácia da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
O caso julgado previne decisões contraditórias concretamente incompatíveis e confere força vinculante ao acto de vontade do juiz que definiu uma hipótese jurisdicional num determinado contexto histórico, factual e jurídico. Com efeito, na esteira de Anselmo de Castro, perfilhamos o entendimento que o caso julgado visa apenas obstar à contradição prática e não já à contradição teórica ou lógica da decisão[1]. Isto é, a figura impede que «o Tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior»[2].
Na realidade, o legislador decidiu que devia ser possível recorrer imediatamente de uma decisão de admissão ou de rejeição de um articulado por razões de estabilidade da instância e de produção de prova, constituindo a decisão em causa, para efeitos de interposição de recurso, uma apelação autónoma[3].
No entanto, ainda que se discorde desse posicionamento teórico-processual, e se sustente que a decisão incidente sobre a admissão do articulado superveniente e da documentação sob discussão é implícita e que não mostra transcorrido o prazo para a interposição do recurso, neste segmento, a solução jurídica adoptada pela Primeira Instância não merece reparo, como adiante se demonstrará.
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Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
A admissibilidade dos articulados supervenientes[4] depende, além do mais, da relevância ou irrelevância do facto respectivo quanto à pretensão deduzida[5]. Refere Lebre de Freitas que «podem, depois de terminado o prazo para o último articulado da parte, ocorrer novos factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor (ou do facto objecto da acção de simples apreciação) ou factos modificativos ou extintivos dessa situação (superveniência objectiva)»[6].
A lei impõe ao julgador uma intervenção de controlo no sentido de apurar da tempestividade e, bem assim, da utilidade dos factos supervenientes para a justa decisão do litígio, expressa esta última na alocução «quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa».
Os factos supervenientes atendíveis terão de ser relevantes – ainda que instrumentais – com aptidão para modificarem ou extinguirem o direito peticionado, quer por via principal, quer reconvencional. O juízo decisor terá de ponderar se o facto que se apresenta importa para a decisão nos precisos termos em que a bosquejou, sendo que, nesse primeiro esboço do silogismo judiciário, a alteração da premissa menor por um facto recém-aparecido pode conduzir a uma diferente conclusão. Mas desconsiderá-lo-á se o sentido da decisão se mantiver mau grado aquele surgimento[7].
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A admissibilidade dos articulados supervenientes depende, além do mais, da relevância ou irrelevância do facto respectivo quanto à pretensão deduzida[8]. Isto significa que as partes podem, observadas certas condições, trazer ao processo factos relevantes que ocorreram até ao encerramento da discussão, que elas não puderam trazer por desconhecimento ou por terem ocorrido após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados onde tais factos deveriam ser alegados[9].
E, embora a avaliação da pertinência e da utilidade dessa superveniência para os fins da causa seja realizada casuisticamente, na presente situação, em função dos dados carreados para o recurso, entendemos que o articulado superveniente tem utilidade para a acção e que o mesmo surge na sequência de uma informação prestada pela entidade hospitalar interveniente na causa.
Recentrando a atenção no caso concreto, adianta-se que a declaração do Hospital datada de 22/01/2020 não era do conhecimento da parte activa e, como tal, não se trata aqui de alargar indevidamente o prazo de impugnação da veracidade e autenticidade da gravação vídeo realizada, mas antes de transportar para o processo uma das versões úteis para a justa composição do litígio.
Porém, mesmo que se entendesse que o meio processual foi instrumentalizado para carrear meios de prova para os autos que não foram inicialmente propostos ao Tribunal e que o articulado superveniente não era admissível – basicamente existe aqui uma fronteira muito ténue entre a prova de determinado facto e a noção da alteração da causa de pedir –, existiam meios alternativos que legitimavam o recurso a outros mecanismos adjectivos. Na verdade, face ao momento da apresentação dos documentos depositado no artigo 423.º[10] do Código de Processo Civil, a documentação em causa seria sempre admitida.
Os documentos devem ser apresentados, em princípio, com os articulados em que são alegados factos, embora ainda possam ser juntos, sem outros entraves, até 20 dias antes da audiência final, sujeitando-se a parte apenas ao pagamento de uma multa, tal resulta do texto do n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Fora deste limite temporal a respectiva admissão tem de resultar de superveniência objectiva ou subjectiva ou por via de necessidade de ocorrência posterior.
A admissão de documentos é baseada num juízo de prognose abstracto e o que importa nessa avaliação é que os elementos juntos tenham potencial relevância para prova de factos objecto do litígio.
E, na situação vertente, a apresentação do documento teria de ser sempre considerada tempestiva e a única dúvida era se a junção era tardia e se a parte proponente deveria ser condenada no pagamento de multa. Como se entende que a apresentação é contemporânea à do articulado superveniente (e mesmo que este não existisse foi apresentado logo imediatamente ao do conhecimento da resposta do hospital) não há lugar a essa tributação.
E, nesta ordem de ideias, face à data da resposta da interveniente passiva, não se poderia deixar de entender que se tratava de suporte pertinente e de tempo de apresentação regular.
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A questão com alguma acuidade e pertinência é, na realidade e na sua compreensão final, outra e trata-se de saber se o DVD deveria ter sido remetido para efeitos de coadjuvar a realização do acto pericial requerido.
Do princípio do Estado de Direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo[11].
Neste conspecto, na parte que interessa ao presente dissídio, «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4 do referido artigo).
Na doutrina constitucional são habitualmente identificados como direitos fundamentais processuais os seguintes: direito de acesso aos tribunais, à igualdade no processo, à independência e imparcialidade do tribunal, direito à publicidade do processo, à fundamentação das decisões, ao contraditório, direito à prova, ao recurso, à prolação de uma decisão dentro de um prazo razoável; direito à efectividade material e à estabilidade da decisão judicial.
O direito à prova é assim é um direito fundamental processual e a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (artigo 410.º do Código de Processo Civil).
Nestes termos, deve vigorar a tese do máximo aproveitamento da prova legítima e a questão subjacente deve ser basicamente associada à força probatória e à formação da convicção do julgador.
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O sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
A valoração da prova deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada[12].
A jurisprudência mais avalizada firma o entendimento que a «prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»[13].
Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade[14].
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A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388.º do Código Civil).
Manuel de Andrade escreveu que esta prova «traduz-se na percepção por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legitima susceptibilidade) das pessoas em que se verificam tais factos»[15].
A força probatória das respostas dos peritos, quer em primeira perícia, quer em segunda perícia (a segunda perícia não invalida a primeira), é fixada livremente pelo Tribunal, sendo, pois, apreciada em conjunto com as demais provas segundo a livre convicção do julgador[16], à luz do disposto nos artigos 389.º[17] do Código Civil e, eventualmente, se for caso disso, 489.º[18] do Código de Processo Civil. E mesmo diga da prova documental, se a gravação for entendida como um simples documento e não como instrumento e meio auxiliar à emissão de um juízo técnico pericial.
Os peritos podem socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, tal como ressalta da lei do artigo 481.º[19] do Código de Processo Civil. A este direito amplo só se põe o limite ali sublinhado: não podem, sem autorização do juiz, destruir, alterar ou inutilizar as coisas submetidas à sua inspecção[20]. Os peritos podem solicitar a realização de diligências, a prestação de esclarecimentos, requerer o que entendam por conveniente relativamente ao objecto do processo ou o acesso a elementos do processo, podendo juntar ao relatório os elementos que serviram de base às respostas dadas.
Não se cuida aqui de saber se de antemão o objecto da perícia pode resultar corrompido, caso se conclua que, de facto, a gravação em causa não é verídica ou genuína, se corresponde a uma adulteração da operação realizada, se reporta a um outro acto cirúrgico ou se simplesmente a gravação efectuada não coincide com o acto médico sub judice.
Na verdade, mesmo que a perícia venha a utilizar esse documento como instrumento relevante na formação do parecer técnico, tal não significa que o acto pericial requerido não fique sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
Enquanto documento impugnado ao abrigo do disposto no artigo 444.º[21] do Código de Processo Civil, caso não tenham sido oferecidas provas[22], no momento da formulação do juízo crítico sobre as provas, a convicção do juiz é livre no sentido de apurar se esse elemento pode ou não contribuir a definição de algum facto e subsequentemente para a formulação de um juízo silogístico conclusivo.
A simples ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento de harmonia com o disposto no artigo 446.º[23] do Código de Processo Civil, enquanto não houver instrução e julgamento do incidente[24], também não permite formular uma ponderação definitiva sobre a genuinidade e a integridade do documento. E, ao cabo e ao resto, ainda que não tenha sido dado seguimento ao incidente, é em sede de sentença que o julgador «a quo», ao abrigo das imposições contidas nos nºs 4 e 5 do artigo 607.º[25] do Código de Processo Civil, poderá ou não viabilizar a fixação dos factos com recurso (ou não) à gravação DVD e ao parecer solicitado ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP.
A simples afirmação que a gravação de cirurgias não é procedimento normal no bloco operatório da unidade explorada em (…), que a estrutura dirigente não tem conhecimento se à data dos factos se processava a gravação de cirurgias e que não foi descoberta nos arquivos do Hospital qualquer gravação da cirurgia a que foi sujeita a falecida (…) não permite depreender nem induzir que a informação (gravação) presente no DVD é falsa.
De momento, não compete ao Tribunal da Relação de Évora pronunciar-se sobre o valor probatório da referida documentação em ordem a formular o juízo de convicção em substituição do julgador de Primeira Instância, pois, além da questão ter sido suscitada na impugnação recursal interposta, a eventual discordância sobre a decisão de facto e a respectiva motivação poderá ser objecto de impugnação recursal autónoma.
Feita a análise da dinâmica e da evolução da tramitação processual, no plano da respectiva apresentação, não existe qualquer entrave à correspondente incorporação nos autos. E, aliás, essa decisão sobre a admissibilidade já foi validada nos autos, por decisão indiscutivelmente transitada em julgado.
Segundo o artigo 341.º[26] do Código Civil, a prova destina-se à demonstração da realidade dos factos. E, neste enquadramento, em tese, afastando-nos aqui de qualquer juízo crítico sobre a prova e a subsequente construção do correspectivo silogismo judiciário, a junção da documentação não é lesiva dos eventuais interesses processuais de qualquer das partes, bem como da sua disponibilização para efeitos de emissão de parecer técnico. E inequivocamente a mesma está abrangida pelo alcance dos temas da prova e das questões a decidir.
Ou seja, numa apreciação perfunctória, na prefigurada dimensão abstracta, a junção do aludido documento não se nos afigura impertinente nem dilatória em face dos temas da prova, à luz do pedido e da causa de pedir em discussão na presente lide.
De outro modo, caso exista algum entrave ao conhecimento do documento, o Tribunal poderá incorrer no vício de limitar o efectivo acesso ao direito na modalidade de impedimento do exercício de poderes processuais instrutórios, em especial se a gravação for verdadeira.
Sumariamente, como já se deixou afirmado, sendo verdadeira ou falsa, a montante, numa área dominada pela livre apreciação da prova, o julgador de Primeira Instância a final, aquando da elaboração da sentença, poderá formular livremente a sua convicção quanto às provas e aos factos em discussão.
Em suma, a impugnação da genuinidade ou autenticidade de um documento particular não impede que o mesmo sirva de suporte a um parecer técnico, enquanto não estiver demonstrado que esse suporte probatório está viciado por falsidade.
Deste modo, assim aquilo que é mais curial em defesa dos interesses da plenitude dos meios de prova, é permitir o envio do documento, referindo expressamente que se desconhece se a gravação é fidedigna, devendo assim a informação hospitalar emitida pelo Hospital de (…) acompanhar a respectiva remessa.
Em suma, a junção da documentação não é lesiva dos eventuais interesses processuais de qualquer das partes e essa afectação só será efectiva se os elementos requisitados forem irregularmente utilizados na elaboração do juízo crítico sobre a prova, caso se conclua que efectivamente a gravação realizada não é dotada das características de genuinidade e de integridade.
* V – Sumário:
(…) * VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão na parte em que não permitiu o envio da gravação DVD ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, alertando-se para a posição do Hospital de (…) de (…) e remetendo cópia da informação por este fornecida.
Custas a cargo do apelante e dos apelados, na proporção de 2/3 e 1/3 respectivamente, face ao decaimento ocorrido, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 11/11/2021
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 391.
[2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 317.
[3] Artigo 644.º (Apelações autónomas):
1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor do
[4] Artigo 588.º (Termos em que são admitidos):
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.
[5] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 242.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 340.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2009, in www.dgsi.pt.
[8] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 242.
[9] Remédio Marques, Acção declarativa à luz do Código Revisto (pelo Decreto-Lei nº303/2007, de 24 de Agosto), Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 311.
[10] Artigo 423.º (Momento da apresentação):
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
[11] Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra 1992, pág. 388.
[12] Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 435-436.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência de 21/06/2016, in www.dgsi.pt.
[14] Sobre esta matéria ver, em sentido próximo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/05/2016, in www.dgsi.pt, que realça que «a prova dos factos assenta na certeza subjectiva da sua realidade, ou seja, no elevado grau de probabilidade de verificação daquele, suficiente para as necessidades práticas da vida, distinguindo-se da verosimilhança que assenta na simples probabilidade da sua verificação».
[15] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 135.
[16] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 360.
[17] Artigo 389.º (Força probatória):
A força probatória das respostas aos peritos é fixada livremente pelo Tribunal.
[18] Artigo 489.º (Valor da segunda perícia):
A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciada pelo tribunal.
[19] Artigo 481.º (Meios à disposição dos peritos):
1 - Os peritos podem socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, podendo solicitar a realização de diligências ou a prestação de esclarecimentos, ou que lhes sejam facultados quaisquer elementos constantes do processo.
2 - Se os peritos, para procederem à diligência, necessitarem de destruir, alterar ou inutilizar qualquer objeto, devem pedir previamente autorização ao juiz.
3 - Concedida a autorização, fica nos autos a descrição exata do objeto e, sempre que possível, a sua fotografia, ou, tratando-se de documento, fotocópia devidamente conferida.
[20] Regime este que já existia no direito processual civil do pretérito, como ressalta do contributo de José Albertos dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 243.
[21] Artigo 444.º (Impugnação da genuinidade de documento)
1 - A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.
2 - Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido.
3 - No mesmo prazo deve ser feito o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original ou com a certidão de que foi extraída.
[22] Artigo 445.º (Prova):
1 - Com a prática de qualquer dos atos referidos no n.º 1 do artigo anterior, o impugnante pode requerer a produção de prova.
2 - Notificada a impugnação, a parte que produziu o documento pode requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade, no prazo de 10 dias, limitado, porém, em 1.ª instância, ao termo das alegações orais.
3 - A produção de prova oferecida depois de designado dia para a audiência final não suspende as diligências para ela nem determina o seu adiamento; se não houver tempo para notificar as testemunhas oferecidas, ficam as partes obrigadas a apresentá-las.
[23] Artigo 446.º (Ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento):
1 - No prazo estabelecido no artigo 444.º, devem também ser arguidas a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico, a falsidade do documento, a subscrição de documento particular por pessoa que não sabia ou não podia ler sem a intervenção notarial a que se refere o artigo 373.º do Código Civil, a subtração de documento particular assinado em branco e a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário.
2 - Se a parte só depois desse prazo tiver conhecimento do facto que fundamenta a arguição, pode esta ter lugar dentro de 10 dias a contar da data do conhecimento.
3 - A parte que haja reconhecido o documento como isento de vícios só pode arguir vícios supervenientes, nos termos do número anterior, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos da lei civil.
[24] Artigo 449.º (Instrução e julgamento):
1 - Com a arguição e com a resposta, podem as partes requerer a produção de prova.
2 - A matéria do incidente é considerada nos temas da prova enunciados ou a enunciar nos termos do n.º 1 do artigo 596.º.
3 - A produção de prova, bem como a decisão, têm lugar juntamente com a da causa, cujos termos se suspendem para o efeito, quando necessário.
4 - A decisão proferida sobre a arguição é notificada ao Ministério Público.
[25] Artigo 607.º (Sentença):
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
[26] Artigo 341.º (Função das provas):
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.