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HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Sumário
Se, no decurso de acção cível enxertada no processo penal, faleceu o demandante e não teve lugar, como devia, a habilitação de herdeiros, nada impede que se condene o demandado a pagar a indemnização devida, a quem se mostrar com direito a ela.
Texto Integral
Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto:
I – Relatório:
I – 1.) No Tribunal de Matosinhos, foram os arguidos B.......... e C.......... submetidos a julgamento, com a intervenção de juiz singular, acusados da prática de um crime de dano previsto no art. 212.º, n.º 1, do Cód. Penal.
Por parte de D.......... foi deduzido pedido de indemnização cível, solicitando a condenação daqueles no pagamento da quantia de 1.827,27 € e juros moratórios à taxa legal.
Proferida decisão, vieram os mesmos a ser condenados pelo mencionado crime nas penas individuais de 150 dias de multa, à razão diária de 4,00 €, respectivamente, e na parcial procedência do pedido de indemnização cível, no pagamento da quantia de 827,25€, a título de indemnização pelos danos sofridos à demandante.
I – 2.) Inconformados, recorrem os arguidos para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:
1.ª - Os arguidos não cometeram qualquer crime de dano, já que a vedação, tapa-vista, colocada na parede, pertencia à testemunha E........., que também a mandou colocar, conforme consta dos depoimentos de fls. 7, 8 e 15 realçado a amarelo.
2.ª - E não está, sequer, provado nos autos que a ofendida o tivesse querido mandado fazer e colocar.
3.ª - Logo, a ofendida Irene era parte ilegítima e os arguidos deverão ser absolvidos.
4.ª - A ofendida faleceu no decurso do processo, no dia 28 de Abril de 2004.
5.ª - A ofendida D.......... tinha, pelo menos, uma filha e um filho.
6.ª - A F.......... não fez qualquer pedido civil nem fez a habilitação de herdeiros no processo e não juntou qualquer documento, escritura ou certidão notarial, onde constasse que era herdeira da ofendida D.......... .
7.ª - Logo, a F.......... também seria parte ilegítima e os arguidos teriam de ser absolvidos, nomeadamente do pedido de indemnização civil.
8.ª - A douta sentença recorrida reconhece, no entanto, a citada F.......... como assistente e condena os arguidos a pagar à F.......... a quantia de 827,25, 500,00, a título de danos morais, e 327,25, os danos patrimoniais pedidos.
9.ª - Não ficou provado nem os danos morais da D.......... nem que o tapa-vistas tivesse ficado inutilizado, tendo a testemunha E.......... provado que a chapa podia ser recuperada (fls. 10 a verde).
10.ª - Nos dois primeiros factos dados como provados deverá substituir-se: “desde pelo menos o mês de Julho de 2003” por “desde pelo menos 1997”, mantendo a restante redacção, tendo em conta os depoimentos acima transcritos.
11.ª - O terceiro facto dado como provado refere “em data indeterminada, anterior ao dia 18 de Julho de 2003”, devendo também aqui essa data ser substituída por “desde pelo menos 1997”, mantendo a restante redacção até “… de raça adulta não concretamente apurada", como se constata dos depoimentos acima transcritos.
12.ª - O 5.º facto dado como provado “Os acima mencionados logradouros estão separados…, o que ocorre com frequência”, deverá ser pura e simplesmente eliminado, como se verifica dos depoimentos já aqui transcritos (fls. 1 e 7, realçado a verde).
13.ª - O facto n.º 6, dado como provado “A queixosa a tal pretendendo obstar com pelo menos 40/50cm de altura” deverá ser substituída por:
14.ª - “O E.........., genro da ofendida Irene, no dia 18 de Julho de 2003, da parte da manhã, mandou colocar nesse muro uma chapa em ferro, tapa-vistas, que mandara fazer previamente, com, pelo menos, 40/50cm”, depoimentos acima transcritos (fls. 9 e 12 realçado a laranja):
15.ª - No facto n.º 7, dado como provado, deve ser substituído “arguidos” por “arguido” e o respectivo tempo dos verbos alterado para a 3.ª pessoa do singular, como se constata dos depoimentos aqui transcritos (fls. 3 e 4, realçado a verde).
16.ª - No facto n.º 8, dado como provado, deverá ter a seguinte redacção:
“Dessa forma derrubou o dito tapa-vistas”, conforme depoimento do E......... acima transcrito (fls. 10, realçado a verde).
17.ª - No facto n.º 10, dado como provado, deverá ter a seguinte redacção:
“Ao cortar os ferros que suportavam a mencionada chapa de ferro, derrubou-a”, conforme depoimento do E.......... acima transcrito (fls. 10, realçado a verde).
18.ª - Nos factos n.ºs 11 e 12, dados como provados, deverá, por razões óbvias, substituir-se arguidos por arguido, e os verbos no singular, depoimentos acima transcritos (fls. 18, 19, 4 e 10, realçados a cor de rosa).
19.ª - Os factos que respeitam aos arguidos, filhos, estudos e vencimentos, devem ser dados como provados.
20.ª - Deverão ser dados como não provados os restantes factos, dados como provados na sentença, “por contrariarem a matéria de facto acima transcrita e fotografias juntas, nomeadamente a do cão, que conseguiu subir e apoiar uma pata no muro, esticando-se todo, porque apoiou a outra pata nas pedras, que já foram retiradas daí, para chegar a quem estava em cima do muro para tirar a fotografia e devia ter algo para lhe dar de comida, dada a ansiedade do cão.
Mas essa fotografia também mostra que o cão não podia subir ao muro e, muito menos, ultrapassar a chapa que tem mais 70cm, enquanto a aí colocada pela testemunha, E.........., tinha 50 cm, e não 60cm, sendo a diferença de altura delas bem visível nas fotografias a fls. 133 e fls. 135 e depoimento de fls. 2 e 18 do Doc. 1, realçado a amarelo.
Aliás só esse canto necessita de vedação, que está alteado com cimento, porque a restante parede tem mais de 1,70m.
Também é bom que se diga que a fotografia ampliou esse local, o cão e o muro, parecendo que este tem cerca de 60 a 70cm quando as testemunhas dizem que ele tem cerca de 20 a 25cm. (fls. 16 do Doc. 1, realçado a amarelo).
E devem ser ainda dados como provados, face à matéria acima transcrita e aos documentos aí referidos, os seguintes factos:
21.ª - “Os arguidos, por esse motivo e a pedido do genro da ofendida, colocaram um tapa-vistas, em chapa de ferro e rede, no meio do muro”.
22.ª - Os arguidos tiveram o cuidado de deixar a metade do muro livre, do lado do prédio da ofendida (fls. 128, 129).
23.ª - “Os arguidos recebem a carta do advogado da queixosa a mandar-lhes retirar a vedação que se situava na metade do muro (fls.59).”
24.ª - “A queixosa, no dia 18 de Julho de 2003, cortou a vedação e os ferros que a suportavam, lançando-a para a propriedade dos arguidos” (depoimentos dos arguidos, GNR, E.......... e G.......... acima transcritos e fls. 61 e 135 dos autos).
25.ª – “O arguido, ao deparar com esse facto e vendo que o genro da queixosa se preparava para colocar o tapa-vistas referido na acusação, disse-lhe que, se ele o colocasse no meio do muro, nada faria mas, se o colocassem na metade dele, reporia, novamente o seu, no local em que ele estava anteriormente” (depoimentos dos arguidos, GNR, E.......... e G.......... acima transcritos).
26.ª – “Todos os ferros colocados no muro, incluindo os que suportam a ramada da ofendida, estão a meio do muro” (fotografia a fls. 133 e 135, junta pela ofendida, ferros que suportam o arame da ramada dela e fls. 137, cujo ferro está muito dentro da chapa mandada colocar pelo E..........).
27.ª - O arguido limitou-se a exercer um direito que tinha sido violado, sem a prejudicar, já que o tapa vista aí colocado, respeitando o direito de ambos, sem inutilizar o dela, torna desnecessário que ela despenda qualquer montante na colocação do dela, que não respeitava o direito de ambos (alínea b) do art. 31° do Cód. Penal).
Terminariam, pelo pedido de revogação da decisão e sua absolvição.
I - 3.) Na sua resposta, a Digna Magistrada do Ministério Público concluiu por seu turno:
1.ª - Da análise da prova produzida em julgamento, conjugada com as regras da experiência comum, não ressalta que outro devia ter sido o juízo conclusivo do julgador;
2.ª - Em processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do Código Processo Penal, competindo ao julgador valorar o depoimento das testemunhas segundo a sua livre convicção, matéria insindicável em sede de recurso;
3.ª - A Mma Juiz fez uma correcta apreciação da prova e aplicação do direito ao decidir como decidiu.
4.ª - A douta sentença recorrida não enferma de qualquer vício e não violou qualquer disposição legal, pelo que deverá ser mantida.
I - 4.) Finalmente a assistente F.........., concluiu a sua resposta pela forma seguinte:
1.ª - A sentença recorrida está devidamente elaborada, pois teve por base a análise criteriosa e conjugada da prova, de onde se destacam: registos fotográficos, e os depoimentos produzidos em audiência de julgamento que o tribunal com a sua experiência, no âmbito da livre apreciação da prova, teve como credíveis. - art. 127.º do CPP.
2.ª - Só ao vivo, ouvindo as testemunhas e as partes, olhando-as no rosto, contrapondo-as com a prova documental, no caso até com registos fotográficos, se poderá avaliar da credibilidade dos depoimentos.
3.ª - Quem assistiu às audiências de julgamento não podia ter dúvida que a acusação teria de ser considerada provada e os arguidos condenados pelo crime de dano que cometeram.
4.ª - É inegável que os arguidos tinham cães de grande porte que deambulavam soltos no quintal.
5.ª - E que não tinham a menor dificuldade em saltar o muro e entrar no quintal da ofendida.
6.ª - O que a cada passo acontecia.
7.ª - O direito ao sossego e à integridade pessoal dos cidadãos é inquestionável e está consagrado na C.R.P..
8.ª - Para impedir a entrada dos cães, a ofendida mandou executar e colocar uma chapa de ferro em toda a extensão do muro.
9.ª - Serviço que pagou.
10.ª - Nesse mesmo dia os arguidos mandaram cortar a vedação e derrubaram-na.
11.ª - Entendem mesmo assim os apelantes não se ter feito prova bastante que a recorrente mulher foi com o marido co-autora desse crime de dano.
12.ª - Face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento muito bem entendeu o Tribunal “a quo”, para o que bastará verificar o próprio depoimento de fls. 26 e 27.
13.ª - Invocam ainda os recorrentes a Ilegitimidade da ofendida D.......... e da assistente F.......... .
14.ª - No crime de dano o procedimento criminal depende unicamente de queixa.
15.ª - Que a ofendida D.......... apresentou, e tem legitimidade. – art.ºs. 49.º do C.P.P. e 212.º, n.º 3, do C. Penal.
16.ª - No decurso do processo a ofendida faleceu sem ter renunciado à queixa.
17.ª - Nos termos do art. 68°, n.º 1, al. c), do CPP., a filha da falecida tinha legitimidade legal para requerer a constituição como assistente.
18.ª - O que fez, cumprindo as formalidades.
19.ª - E foi admitida a intervir nos autos como assistente por decisão transitada.
20.ª - A sentença recorrida é assim inteiramente justa e não enferma de nenhum vício nem violou qualquer disposição legal.
Terminou sustentando a manutenção da decisão recorrida.
II – Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer no sentido de reconhecer legitimidade quer à queixosa D.........., quer à assistente F.........., no mais sustentando que a pretendida impugnação da matéria de facto, apenas traduz o desejo de substituir a convicção formada pelo tribunal pela dos recorrentes.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, estes apresentaram ainda o articulado melhor constante de fls. 257 a 259.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
Cumpre apreciar e decidir:
III – 1.) De acordo com as conclusões apresentadas, que pese embora a substituição das duas primeiras folhas da motivação, não estão totalmente harmonizadas com aquelas, mas em todo o caso, definem e delimitam o objecto do recurso, apresentam-se como questões a decidir:
- Ilegitimidade da queixosa D.......... .
- Ilegitimidade da assistente F.......... .
- Ilegitimidade decorrente da não habilitação, no pedido cível, dos sucessores da referida D.........., primitiva demandante.
- Impugnação da matéria de facto, tendo em vista o considerar-se não provados determinados factos constantes como provados, ou diversamente, como provados, factos tidos como não provados pelo Tribunal.
III – 2.) Vejamos primeiro, a factualidade que ficou definida:
Factos provados:
Desde pelo menos o mês de Julho de 2003, que a queixosa D.........., é dona e legítima proprietária da casa de habitação situada no n.º ... da rua .........., em .........., área desta comarca de Matosinhos, onde residia.
Por sua vez, também pelo menos desde aquela altura que os arguidos B.......... e C.........., que são casados entre si, são donos e legítimos proprietários da casa de habitação, situada no n.° ..., ..........., na mencionada localidade de .........., onde residem, habitações essas cujos logradouros confinam um com o outro.
Desde data indeterminada, anterior ao dia 18 de Julho de 2003, os arguidos têm no seu referido logradouro, dois cães adultos de raça não concretamente apurada, sendo pelo menos um deles de grande porte.
Esses cães estão habitualmente sem qualquer trela, açaime ou cadeado.
Os acima mencionados logradouros estão separados um do outro por um muro que, por não ter altura suficiente, não impede que os cães, pertencentes aos arguidos, o transponham ou coloquem as patas dianteiras sobre o mesmo, o que ocorre com frequência.
A queixosa, a tal pretendendo obstar, a hora não concretamente apurada daquele dia 18 de Julho 2003, mas da parte da manhã, mandou colocar sobre esse muro e numa extensão de cerca de cinco metros, uma chapa em ferro - tapa-vistas -, com, pelo menos 40/50 cm de altura.
No referido dia 18/7/2003, quando eram cerca das 18:30 horas, os arguidos, por via da actuação de outrem, que, para o efeito, contrataram, cortaram os ferros que suportavam aquela chapa de ferro - tapa-vistas o que foi feito com utilização de uma rebarbadora.
Dessa forma derrubaram e danificaram a referida chapa, destruindo o dito tapa-vistas.
Na aquisição e colocação da referida chapa de ferro - tapa-vistas -, a queixosa havia despendido a quantia de 327,25 (trezentos e vinte e sete euros e vinte e cinco cêntimos).
Ao cortarem os ferros que suportavam a mencionada chapa de ferro, danificando-a, derrubaram-na e assim destruíram o dito tapa-vistas.
A dita chapa havia sido mandada colocar sobre o dito muro pela queixosa, nessa manhã daquele dia 18 de Julho de 2003, o que os arguidos bem sabiam.
Os dois arguidos agiram com intenção de destruir o tapa-vistas, tendo causado estragos nos ferros da chapa, bem sabendo que tal chapa lhes não pertencia e igualmente bem sabendo que actuavam contra a vontade da respectiva dona.
Agiram deliberada, livre e conscientemente, cientes que o seu descrito comportamento era proibido e punido por Lei.
Os arguidos são casados entre si e têm um filho de 6 e outro de 13 anos a seu cargo.
Não têm antecedentes criminais registados.
A arguida tem o 12º ano; trabalha numa biblioteca, auferindo 670,00 €, mensalmente.
O arguido tem a 4ª classe; é perito de seguros, auferindo cerca de 2.500,00 mensalmente.
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A referida D.......... faleceu em 28/04/04, deixando como herdeira universal a sua filha F.......... .
Os cães ladram à ofendida e a quem estiver por perto.
Um dos cães dos arguidos já transpôs várias vezes o dito muro de separação, o que impediu a entrada da ofendida e dos seus familiares na respectiva residência, o que a obrigou a solicitar a ajuda da GNR para afastar o cão e só depois puderam entrar.
A referida chapa da foi cortada e soldada a uma armação de ferro, tendo sido pintada a condizer com o muro. Após o que foi chumbada no muro de pedra e soldada aos ferros da ramada que existe no quintal da ofendida.
Com a descrita conduta, os arguidos causaram à ofendida um prejuízo patrimonial equivalente a 327,25€.
Causaram à ofendida grandes incómodos, perturbação emocional e ansiedade.
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Os arguidos colocaram uma chapa triangular no início do muro divisório entre os prédios, conforme fotografia de fls. 97.
Tinham uma malha de rede junto a essa chapa.
A falecida D.ª D.........., por intermédio do seu mandatário enviou aos arguidos a carta junta a fls. 59 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em suma, para no prazo de 5 dias retirarem a predita chapa do muro da D.ª D.........., por forma a não impedir a colocação de uma vedação que impeça os cães de saltar o muro.
Em sede de matéria de facto não provada, deixou-se consignado:
Não se provaram quaisquer outros factos para além destes ou contrários a estes, com relevância para a boa decisão da causa, não se tendo provado designadamente:
- Que o muro supra referido pertencesse à referida queixosa.
- Que os arguidos soubessem que o muro pertencia à queixosa.
- Que o muro de meação fosse comum.
- Que tivessem dito aos arguidos que o muro era seu.
- Que os arguidos tenham colocado o “tapa-vistas”a pedido do genro da queixosa e para impedir que os cães andassem sobre o muro e ladrassem para a predita F.......... .
- Que tenham colocado a rede dupla de malha apertada no meio do muro.
Importa conhecer também a motivação da convicção gerada para o veredicto de facto acabado de referir:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria que resultou provada fundou-se na apreciação crítica e articulada, à luz das mais elementares regras da experiência e do senso comum, de toda a prova produzida em sede de julgamento, designadamente:
O arguido C.......... admitiu ter mandado cortar a vedação da ofendida; a arguida começou por admitir tacitamente os factos que lhe são imputados mas acabou por dizer que tal decisão foi tomada pelo seu marido, responsabilidade que este também assumiu.
No entanto, ficou claro para o Tribunal que essas declarações não corresponderam à realidade, visando os arguidos desta forma desresponsabilizar um dos elementos do casal.
Na verdade, nas suas declarações a arguida B.......... traiu-se mais de uma vez, revelando um domínio do facto criminoso igual ou superior ao do co-arguido, não obstante ter sido este a contactar o operário que retirou a vedação e, sublinhe-se, a sua postura foi até mais interventiva em toda a situação, tendo a mesma dito que ela é que ligou, naquele dia, ao marido e à GNR, sendo também ela quem já tinha anteriormente falado quer com a falecida D.ª D.......... quer com o genro a propósito da situação.
Não pode imputar-se a liderança do processo a um ou outro arguido, ambos estando no domínio da situação e ambos contribuindo para o resultado e comungando da intenção criminosa. De todo o modo, não podemos deixar de considerar que a arguida foi inclusivamente mais participativa na defesa de ambos em sede de audiência de julgamento e supostamente mais indignada com a situação.
Por outro lado, também não colheu a versão dos arguidos de que estavam convencidos de que o muro era comum; bem pelo contrário.
Senão vejamos.
A própria arguida diz que a D.ª D.......... é que não deixou colocar inicialmente uma vedação, revelando desta forma que reconhecia que a D.ª D.......... é que tinha a titularidade e disponibilidade do muro divisório.
Diz a arguida que essa vontade da D.ª D.......... resultava do facto de que “desde que o cão foi para lá deixou de haver assaltos”. Assim sendo, bem se compreende a necessidade da ofendida de ver construída uma vedação que impedisse os cães dos arguidos de saltar para a sua propriedade, como aconteceu várias vezes, impedindo a própria e seus familiares quer de entrar quer de sair da habitação.
E.........., genro da falecida D.......... e marido da F.........., prestou depoimento honesto e sério, relatando que a arguida quando colocou as chapas no muro que separa o terreno dos arguidos da via pública, tinha pedido à sogra para colocar a referida chapa triangular no muro e que a sogra não autorizou (o que aliás está em consonância com as declarações da arguida).
Contou que na sequência de, em dia indeterminado do mês de Junho, se verem obrigados a chamar a GNR para retirar o cão do seu quintal e poderem entrar em casa, falou com a arguida para prenderem o cão ou que ia vedar o muro.
Explicou que, depois dessa conversa, os arguidos colocaram uma chapa triangular, mas que essa chapa não resolvia o problema dos cães.
Efectivamente basta ver a dita chapa triangular para concluir sem dúvidas que a mesma não impedia os cães de saltar.
G.........., que colocou o tapa-vistas da ofendida, disse que a mesma tinha 5 m. por 50 cm., aproximadamente, e o custo do mesmo. Referiu que face à configuração dos ferros, não conseguia colocar o tapa-vista sem retirar a dita chapa triangular.
H.......... e I.........., soldados da GNR, disseram que apenas se lembravam de terem sido chamados por causa de uma desavença entre vizinhos.
J.........., que cortou o tapa-vistas da ofendida e recolocou a chapa triangular dos arguidos disse que ainda conseguia colocar essa vedação triangular sem retirar a vedação dos ofendidos mas que o fez porque o arguido C.......... lho tinha mandado deitar fora.
J.......... referiu que a chapa triangular dos arguidos estava colocada, sensivelmente, a meio do muro.
L.........., amiga da arguida diz que estava no quintal desta um certo dia e que ouviu o genro da ofendida pedir à arguida para ela colocar a dita vedação.
Acareada com o dito genro manteve a sua versão, sem que tenha convencido o Tribunal, pois ainda se podia admitir que a ofendida concedesse em que os arguidos colocassem eles a vedação, mas já não é minimamente credível que aceitasse a vedação que os arguidos queriam colocar e colocaram, que em nada resolve o problema dos cães mas apenas remata a vedação que têm à face da via pública.
Teve-se ainda em consideração os documentos de fls. 5 e 6 e todas as fotografias juntas aos autos que, à luz dos esclarecimentos das testemunhas se revelaram esclarecedoras.
A decisão probatória negativa assentou na ausência de prova realizada em audiência, tendente a fazer concluir, de forma segura, pela sua verificação, bem como a prova de factos incompatíveis.
As circunstâncias relativas à situação pessoal e sócio-económica dos arguidos provadas assentaram nas declarações dos próprios. No que se refere à ausência de antecedentes criminais deu-se relevo ao CRC junto aos autos.
III – 3.3.1.) Havendo que começar pela pretendida ilegitimidade da queixosa D.......... relativamente à instância criminal por si iniciada com a participação com que abrem estes autos, em breve palavras se dirá, que se trata efectivamente de uma alegação deslocada em termos de direito e de facto.
O art. 113.º, n.º 1, do Cód. Penal é perfeitamente claro ao afirmar, que “quando o procedimento criminal depender de queixa (é o caso, art. 212.º, n.º 3, do mesmo diploma) tem legitimidade para apresentá-la (…) o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
Sucedendo que a mesma D.......... era à data dos factos a dona e legítima proprietária da habitação em causa, e que foi no seu interesse e a suas expensas que foi colocada a chapa metálica objecto da acção dos arguidos, dúvidas não poderão subsistir quanto à sua efectiva relação com o núcleo essencial do objecto do processo.
Tal facto em nada é diminuído pela circunstância da testemunha E.........., genro daquela, poder ter assumido um papel mais ou menos relevante no processo da sua colocação.
Não há aqui qualquer direito autónomo, em “acessão” ao direito real da queixosa.
Como resulta claramente do seu depoimento, era a sua sogra que deixava ou não deixava construir sobre o muro, e vedava “quando entendesse que devia vedar”.
III – 3.3.2.) Também no que concerne à assistente F.......... não vislumbramos motivos para questionar esta sua qualidade.
Independentemente do que preceitua o art. 68.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, a verdade é que foi admitida a intervir nessa veste processual por despacho proferido em 27/01/2005 (cfr. fls. 125), pelo que não tendo sido impugnado, gerou a correspondente situação de caso julgado formal.
III – 3.3.3.) Mais complexa afigura-se-nos ser a problemática decorrente do decesso da queixosa/demandante e da sua repercussão no pedido cível formulado.
Como decorre do assento de óbito junto a fls. 111, faleceu no dia 28 de Abril de 2004, isto é na sua pendência, já que o havia deduzido cerca de um mês antes (29/04/2004), conforme fls. 51/53.
Nestas circunstâncias, mandavam os art.ºs 276.º, n.º 1, al. a), e 277.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi do art. 4.º do Cód. Proc. Penal, que a instância se suspendesse imediatamente e que se promovesse a habilitação dos respectivos sucessores (art. 371.º e segt.s do Cód. Proc. Civil).
Assim não foi feito, acabando por na sentença recorrida se ter entendido, perante o questionar da regularidade da referida instância, que a assistente F.......... “se encontra habilitada para prosseguir com o pedido de indemnização civil deduzida pela falecida, por ser sua universal herdeira”, afirmação aliás, que depois se fez constar como facto, no rol dos considerados provados.
Salvo o devido respeito, porém, não vemos que habilitação pôde suportar a constatação feita pela Mm.ª Juiz, ou como foi possível retirar aquela última conclusão dos documentos acima aludidos, para mais, alegando-se (e conviria também prová-lo), que haverá pelo menos um outro irmão.
Quanto muito, o que se poderá dizer, é que a assistente F.........., nascida a 29 de Março de 1952, é filha da queixosa D.......... e de M.........., sendo que esta última faleceu no estado de viúva do mencionado M......... .
Quid juris?
Verifica-se da decisão recorrida que a mesma teve por base os factos efectivamente alegados pela demandante “originária”.
Os incómodos, perturbações decorrentes do facto criminoso, tudo o indica, são os sofridos por aquela. E somos forçados a usar esta fórmula, porque a sentença contém um parágrafo no mínimo infeliz, quando na pág.ª 157, em sede de consideração do pedido de indemnização, alude a que “em consequência do facto criminoso vê-se a arguida exposta ao receio e perigo que os cães lhe causam”.
Como é óbvio, quem se pretende ver constituído objecto do receio e perigo é a queixosa e não a arguida.
Por outro lado, já não sendo aquela viva ao momento em que se escreve, a frase tinha que ser redigida num outro tempo verbal.
Será desnecessário encarecer, que à ordem jurídica repugna o prosseguimento de uma lide contra alguém falecido.
Na afirmação do Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, AAFDL, pág.ª 237, “a ideia geral é a de que, em caso de morte (ou extinção da pessoa colectiva), a lei pretende que o processo não continue nem finde sem que se dê a habilitação, condição de regularidade do mesmo processo”.
Mas se não houve?
Está fora de causa a necessidade de habilitação. Porém, segundo aquele Insigne Mestre, em termos de pretensão eventualmente formulada e da relação jurídica que a sustenta, três hipóteses se podem verificar.
Ou se dá a extinção do processo por inutilidade superveniente da lide (v.g. no caso de divórcio), ou o processo continua para fins limitados (v.g. no caso de interdição ou inabilitação), ou há a extinção do direito material (v.g. usufruto ou pensão vitalícia).
Na situação dos autos este efeito extintivo não se verifica, já que estamos perante uma relação creditícia fundada numa obrigação de indemnização.
A sentença, não condena os arguidos a pagar a pessoa determinada, mas tão-somente no pagamento de uma quantia definida a esse título “pelos danos sofridos pela demandante”.
Ora decorre do art. 277.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que a suspensão da instância não se dá se já tiver iniciado a audiência de discussão oral, índice seguro em como, pese embora aquela desconformidade “natural e jurídica”, ainda assim a ordem jurídica admite nesse caso que seja proferida a sentença ou acórdão.
Com efeito, a morte em processo civil, não é causa de extinção da instância (cfr. art. 287.º do mesmo diploma).
O Prof. Castro Mendes, em sintonia com este enquadramento, defende que existindo trânsito em julgado de uma decisão nessas condições, fora das situações de “impossibilidade ex rerum natura” - que aqui não se verifica - a sentença é válida e vincula os respectivos sucessores.
Ou seja, reunindo-se as condições materiais de procedência do pedido, nada impede a condenação dos arguidos no pagamento das importâncias arbitradas “a favor de quem a elas se mostrar com direito”, sendo que a assistente, ou qualquer outro herdeiro (cuja possibilidade de existência assim se previne), quiser efectivamente receber tal importância, terá por qualquer das formas legalmente prevista para a habilitação, demonstrar essa qualidade.
Desta forma não se inutilizará todo o trabalho processual já desenvolvido e se garante que aquelas finalidades essenciais colocadas pela ordem jurídica adjectiva não possam ser postergadas.
Em todo caso, haverá que repeti-lo, esta solução deve ser encarada como excepcional: a regra nestes casos, é a habilitação.
Temos pois, como não procedente, a pretendida ilegitimidade activa.
III – 3.3.4.) Regressando à impugnação de facto, dada a recorrência sistemática do seu enunciado, escusamo-nos de aqui relembrar com outra profundidade, as implicações nessa matéria do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Cód. Proc. Penal), da concepção prevalente dos recursos como mero “remédio jurídico”, da maior proximidade do Tribunal de 1ª Instância relativamente às provas, do privilegiamento da decisão de quem a proferiu numa relação de maior imediação, e das limitações sempre decorrentes das transcrições para a reapreciação da prova.
Não as vamos repetir.
À validade destes enunciados no plano abstracto, acrescenta-se no caso concreto, a circunstância de afora o depoimento da testemunha E.........., que tem “princípio, meio e fim” e de algumas prestações pontuais das demais, existir um largo espectro de declarações sincopadas, confusas, reportadas a fotografias que não se identificam, e por essa razão difíceis, se não mesmo impossíveis, de aquilatar no seu exacto alcance.
De qualquer forma:
A pretensão de ver consignado que a queixosa era proprietária da residência sita no n.º ..., da Rua .........., Matosinhos, não desde “pelo menos Julho de 2003”, mas “desde 1997”, esbarra com a forma pela qual o facto é alegado na acusação, havendo que recordar, que o que aqui interessa não é discutir a propriedade do referido imóvel, mas situar os elementos essenciais que permitem a imputação da infracção.
Este mesmo raciocínio vale para o impugnado no facto contido no 3.º parágrafo.
Quanto à alteração pretendida ao facto n.º 5, não vemos quaisquer razões probatórias para a sua supressão.
No que concerne ao parágrafo 6.º, reiteramos o que mais atrás já deixamos mencionado; ou seja, pese embora o papel activo desenvolvido pelo genro da queixosa, E.........., em todo este problema, este age sempre no interesse e no âmbito da vontade da mesma, dada a precariedade da sua situação física e de saúde.
Como aquele refere a fls. 187 das transcrições, “era ela que mandava na altura e sempre mandou enquanto viva”.
A questão “do derrube” do “tapa-vistas” ter ficado a dever-se à actuação isolada do arguido, ou simultaneamente, também à da arguida, foi matéria resolvida de uma forma “plural” pelo tribunal, pelo que não tendo nós motivos para a infirmar, remetendo para as razões dessa consideração que foram feitas na respectiva apreciação crítica da prova.
Quanto ao facto contido no parágrafo 10.º, o que poderemos dizer, é pelo menos, funcionalmente, o “tapa-vista” deixou de poder exercer o propósito para o qual foi concebido e colocado, desconhecendo nós em que termos e com que prejuízo poderá ser reparado (se é que o pode) e voltado a ser colocado de novo no local.
No que concerne à crítica feita à matéria concernente aos “arguidos, filhos, estudos e vencimentos”, não vemos que o tribunal a tenha ignorado.
De forma sucinta, a sentença reporta todas essas realidades.
Finalmente, não havendo que em relação aos pontos acima mencionados introduzir qualquer alteração, torna-se insubsistente pretender ter como provados os que “por contrariarem a matéria de facto acima transcrita e fotografias juntas”, pretendam sustentar o contrário.
Não houve queixa relativamente ao derrube de uma chapa triangular colocada pelos arguidos no muro, a questão da propriedade deste não constitui objecto do processo, em todo caso o tribunal teve o ensejo de deixar consignado que para ele não colheu a versão em como aqueles estavam convencidos de que o muro era bem comum - “bem pelo contrário”.
Consequentemente, não vamos nós também percorrer esse trilho.
III – 3.3.5.) Suportando a matéria de facto considerada provada a verificação dos requisitos subjectivos e objectivos do crime pelos quais os arguidos foram condenados, e outros reparos não havendo a efectuar relativamente ao pedido de indemnização cível, para além dos acima consignados, na sua essência temos o recurso dos arguidos por improcedente.
Nesta conformidade:
IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos acima mencionados, acorda-se em julgar só muito parcialmente procedentes os recursos interpostos, termos em que se decide:
- Alterar a matéria de facto no ponto onde se menciona que a queixosa D.......... “deixou como herdeira universal a sua filha F..........” para ficar a constar:
“A assistente F.........., nascida a 29 de Março de 1952, é filha da queixosa D.......... e de M.........., falecida no estado de viúva do mencionado M.......... .”
- Acrescentar na parte final da condenação proferida relativamente ao pedido de indemnização cível (pág.ª 158), da expressão “a quem a ela se mostrar com direito”.
- Rectificar nos termos do art. 380.º, n.ºs 1, al. b) e 2.º, do Cód. Proc. Penal a referência feita na pág.ª 157 em como “em consequência do facto criminoso, vê-se a arguida exposta ao receio e perigo (…)” para “viu-se a queixosa exposta ao receio e perigo que os cães lhe causavam”.
- No mais, julgar improcedentes os recursos interpostos e confirmar a decisão recorrida.
Em virtude do seu decaimento, ficará cada um dos arguidos condenado no pagamento de 5 (cinco) UCs, nos termos dos art.ºs 513.º e 514.º do CPP e art. 87.º, n.º 1, al. b), do Cód. Custas Judiciais.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.
Porto, 1 de Março de 2006
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Jacinto Remígio Meca
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Arlindo Manuel Teixeira Pinto