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EMBARGOS DE TERCEIRO APENSOS A PROCESSO CRIME
RECURSO
INCOMPETÊNCIA DA SECÇÃO CRIMINAL DA RELAÇÃO
Sumário
São competentes, em razão da matéria, para julgar um recurso interposto num processo de embargos de terceiro, que corre termos na instância Central Criminal do Porto, por apenso a um processo de natureza criminal, as secções cíveis do Tribunal da Relação do Porto.
Texto Integral
Processo: 131/12.4TELSB-P.P1
Ao abrigo do disposto no art.417º nº 6 do Código de Processo Penal, profere-se a seguinte:
DECISÃO SUMÁRIA:
1. Relatório
B…, Recorrente nos autos, veio interpor recurso do despacho proferido em 08/06/2021, que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro por si deduzidos, considerando-os extemporâneos, nos seguintes termos:
“B… veio, ao abrigo do disposto no artigo 342º, do C.P.Civil, deduzir embargos de terceiro, relativamente à decisão proferida em datada de 9 de Fevereiro de 2021, no âmbito do Apenso K, de arresto do veículo automóvel de marca Porsche, modelo …, com a matrícula ..-FF-.., invocando para tal, em suma e em síntese, apesar de tal veículo estar registado no nome do falecido C…, e agora pertencer à sua herança indivisa, é sua pertença.
Importa assim e antes de mais aferir da regularidade da instância, uma vez que a mesma constitui uma questão prévia que poderá tornar inútil a subsequente tramitação.
Efetivamente por decisão proferida em 9 de Fevereiro de 2021, foi determinado, ao abrigo do disposto no artigo 228º, do C.P.Penal, o arresto preventivo dos bens no mesmo identificados, dos quais, e para o que o caso interessa, do veículo da marca Porsche …, de matrícula ..-FF-.., no valor de 60.000,00€, o qual se encontrava apreendido desde 19 de Novembro de 2013, como resulta de fls. 3540 dos autos principais.
Como é sabido, o arresto decretado no âmbito de processo crime é realizado nos termos da lei processual civil, como decorre claramente do artigo 228º, nº1, do C.P.Penal. O referido 228, do C.P.Penal, remete o decretamento do arresto para as leis processuais civis, mais consagrando o nº4, do referido normativo que em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se, no entanto, o arresto, decretado.
Assim o artigo 342º, do C.P.Civil, prevê mecanismos de reacção ao decretamento de um arresto, nos casos em que não houve audiência prévia, consubstanciando-se em oposição mediante embargos de terceiro, dispondo o referido normativo que:
“Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Todavia o artigo 344º, nº2, do C.P.Civil, consagra o prazo de 30 dias, mediante petição, subsequentes aquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.
Ora no caso, e como o próprio requerente o afirma na sua petição, o bem cuja propriedade se arroga foi apreendido em 19 de Novembro de 2013, tendo desde então vindo a ser administrado pelo GAB, momento em que teve conhecimento de que a sua posse/propriedade ficou ofendida, o que significa dizer que os presentes embargos são manifestamente extemporâneos, pois o acto judicial de apreensão ocorreu nesse momento constituindo o arresto um meio de garantia patrimonial a fim de, no caso, assegurar o pagamento das quantias fixadas no acórdão, ao que acresce, de qualquer, que a eventual procedência dos presentes embargos não acarretaria efeito útil ao ora requerente, o qual dispõe de outros meios legais a fim de ver satisfeita a sua pretensão de reconhecimento de propriedade.
Assim e por todo o exposto indefiro, por extemporaneidade, os embargos de terceiro ora deduzidos”.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o embargante B…, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: CONCLUSÕES:
I- Pelo presente recurso pretende o Recorrente manifestar a sua discordância contra o douto despacho proferido em 08/06/2021, que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro deduzidos pelo Recorrente, considerando-os extemporâneos.
II- Entende o Recorrente, salvo o devido respeito que, os embargos de terceiro por si deduzidos deveriam ter sido admitidos, porquanto foram deduzidos, no prazo legal.
III- Estabelece o artigo 344.º n.º 2 do C.P.C. que “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.”
IV- In casu, a apreensão do veículo foi ordenada em 19/11/2013 e posteriormente, foi decretado o arresto preventivo do veículo em 05/08/2016.
V- Por acórdão datado de 20/11/2020, no ponto D2) e F2) do dispositivo, ordenou-se a extinção e o levantamento do arresto decretado quanto ao veículo acima identificado, bem como a sua restituição ao falecido arguido C…, sem prejuízo do disposto no artigo 34.º n.º 1 als. b) e d), do Regulamento das Custas Processuais.
VI- O ponto D2) e F2) do dispositivo do acórdão, não foi objecto de recurso, tendo nessa parte transitado em julgado (trânsito em julgado parcial), antes de ser decretado o arresto preventivo em 09/02/2021.
VII- Tendo transitado o acórdão, na parte em que ordenou a extinção e o levantamento do arresto quanto ao veículo supra identificado, a ofensa ao direito de propriedade do Recorrente, cessou nesse preciso momento.
VIII- O novo arresto preventivo decretado em 09/02/2021, sobre o veículo, constituiu uma nova ofensa ao direito de propriedade do Recorrente.
IX- Ora, tendo o Recorrente tido conhecimento da existência de novo arresto preventivo decretado em 09/02/2021, apenas em 26/05/2021, e tendo deduzido embargos de terceiro em 27/05/2021, forçoso será concluir que os embargos de terceiro deduzidos são tempestivos.
X- Em face do exposto, o douto despacho recorrido violou o artigo 344.º n.º2 do C.P.C., devendo ser revogado e ser substituído por outro que admita os embargos de terceiro deduzidos pelo Recorrente, por serem tempestivos.
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Por despacho proferido em 5.07.2021 foi o recurso regularmente admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1 – O recorrente / requeridos vêm recorrer do douto despacho proferido nos autos de Embargos de Terceiro – Apenso P dos autos, em 08.06.2021, pelo qual se indeferiu, por extemporaneidade, os embargos de terceiro deduzidos, delimitando o seu recurso, em súmula, à questão da tempestividade dos embargos de terceiro deduzidos, por violação do artigo 344º, nº2, do C.P.Civil;
2 - Refere-se o seu pedido ao arresto de veículo automóvel no ProcedimentoCautelar de Arresto – Apenso K dos autos, em 09.02.2021, pelo qual se julgou procedente o pedido de arresto preventivo de bens ali deduzido pelo Ministério Público, entre os quais o veículo de C… ora em causa, e consequentemente, se decretou o arresto preventivo para garantia do pagamento do valor em que os arguidos/requeridos foram condenados a pagar ao Estado, ex vi das disposições conjugadas nos art.ºs 228.º, do Código de Processo Penal, 110.º, do Código Penal e 391.º a 393.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC);
3 - Resulta dos autos que o veículo automóvel de marca e modelo “Porsche …”, de matrícula ..-FF-.. foi apreendido no âmbito destes autos, em fase de Inquérito, mas veio a ser já objeto de ARRESTO, entre outros bens do mesmo requerido, C…, conforme requerimento do Ministério Público de 21 de Julho de 2016, no âmbito do Apenso B – Procedimento Cautelar, por despacho de 25-07-2016, nos termos e ao abrigo do disposto no artº. 10º, nºs 1, 2 e 3, com referência ao nº. 1 do artº 7º, e artº 1º - 1 al. a), todos da Lei nº5/2002, de 11 de Janeiro.
4 - Ora, não pode o recorrente enquanto alegado terceiro face ao referido veículo, contornar o facto de que o douto acórdão proferido em primeira instância, condenou o falecido C… a título de perda de valor de vantagem criminosa, nos termos aplicáveis do artigo 110º, nº4, do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº30/2017 de 30.05, constante do dispositivo do acórdão proferido em primeira instância, nos seguintes termos:
1.1. O arguido C… (ora representado pela herança): a quantia de € 22.772.346,53 (vinte e dois milhões, setecentos e setenta e dois mil trezentos e quarenta e seis Euros e cinquenta e três cêntimos) – cfr. C1.2) do dispositivo;
1.2. Os arguidos C…/D…/E…, S.A. solidariamente, a quantia de € 6.817.996,51 (seis milhões, oitocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e seis Euros e cinquenta e um cêntimo) – cfr. C1.3) do dispositivo.
5 - Assim sendo, temos que, de acordo com a decisão penal proferida nos autos principais, ainda que não transitada, constitui-se um crédito previsível do Estado sobre os referidos arguidos, pelos supra referidos montantes totais, em virtude da prática dos enumerados crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº1, al. a) e 104º, nº1 (pena aplicável) e nº2, al. a), do RGIT, na redação conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12; de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3, do RGIT: e de branqueamento de capitais, na forma consumada, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, al. j), 2, 3 e 4 do Código Penal.
6 - No âmbito do Apenso K operou-se a conversão do arresto tendo em conta o título / crédito previsível do Estado pelo qual o bem em causa se encontrava arrestado e se mantém arrestado nos autos, face à improcedência do pedido de perda alargada quanto a este arguido falecido (agora a prosseguir contra a sua herança indivisa), mas fortalecida a legítima expetativa do Estado pela condenação dos arguidos, não num valor incongruente, mas sim num valor liquidado como vantagem patrimonial diretamente obtida pelo arguido/requerido com a prática dos crimes.
7 - De contestar também a asserção do recorrente de que já havia transitado em julgado a ordem de levantamento do arresto anterior, quando na verdade o arresto ora em questão foi decretado no apenso em 09.02.2021 – ou seja, antes que qualquer trânsito emjulgado tenha sido verificado nos autos;
8 - Por um lado, não se haviam ainda esgotado os prazos para interposição de recurso pelo Ministério Público e arguidos, já que os prazos em curso encontraram-se suspensos com efeitos retroativos a 22.01.2021, por força do artº 6º-B, nº 1, introduzido em aditamento à Lei nº1-A/2020 pela Lei nº4-B/2021 de 01.02 – como estabelecido por força do despacho judicial de 11.02.2021, proferido nos autos principais.
9 - Por outro lado, sempre seria de entender que ao levantamento de apreensões/arrestos não será de atribuir efeitos imediatos, em processo penal, como se de um trânsito parcial condicional se tratasse, antes devendo aguardar-se a decisão final em matéria penal, devidamente transitada em julgado.
10 - Mas tal efeito da decisão de levantamento nem sequer se coloca, como referido e evidenciado da leitura dos autos principais, em que a medida cautelar claramente precedeu e preveniu tais eventuais efeitos imediatos da “libertação” do bem.
11 - Acresce que tal cessação de efeitos do anterior arresto implicaria necessariamente a integração do bem na herança indivisa do arguido falecido/requerido do arresto – e nunca diretamente para a esfera patrimonial de um terceiro alegadamente adquirente, cuja boa fé se ignora, devendo a sua pretensão ser aferida em competente ação cível.
12 - Não ocorreu, ao contrário do alegado, qualquer “nova” ofensa a um hipotético direito de terceiro sobre o mesmo bem ora em apreço.
13 - Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 186º, nº5, do C.P.P., apenas não se procederá à restituição de bens apreendidos e não perdidos a favor do Estado, “no caso em que a apreensão de objetos pertencentes ao arguido ou ao responsável civil deva ser mantida a título de arresto preventivo, nos termos do artigo 228.º” – o que ressalva e legitima a conversão, no âmbito do processo penal, da apreensão em arresto preventivo, medida mais garantista;
14 - Consagra-se aqui uma continuidade nas providências cautelares decretadas em processo penal, sendo certo que tal alteração – da medida de apreensão a medida de arresto - há muito foi decretada no aludido Procedimento do Apenso B, ao qual o recorrente não reagiu.
15 - Ora, como bem refere a decisão recorrida, de acordo com o disposto no artº 344º nº 2 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro devem ser deduzidos no prazo de 30 dias, contados desde a data da realização da apreensão, que se pretende atacar ou da data em que o embargante teve conhecimento dessa apreensão.
16 - Nessa perspetiva, não assiste razão ao recorrente ao vir arguir um direito sobre um bem há muito apreendido e, após, sujeito a arresto validamente nos autos, sem que se tenha oposto pelos meios processuais penais próprios, como seja o incidente de terceiro, nos termos do artigo 178º, nº6, do C.P.P. – até final da fase de julgamento, cfr. artigo 347º-A do C.P.P. – a fim de vir fazer valer o direito que alega.
17 - Nessa conformidade, não se pode obviar à constatação de que, face à condenação penal do titular comprovado do bem – C… (HERANÇA INDIVISA), ainda que não transitada e correspetiva condenação na perda de vantagem a favor do Estado, em primeira instância (pressupostos da existência de crédito provável do Estado e do “bonus fumus iuris”, ou antes, do “bonus fumus comissi delicti”), pelos crimes de fraude fiscal qualificada e de burla tributária, além dos demais, o arresto em causa foi decretado nos termos do artº228º do C.P.P., mas na sequência de providências cautelares anteriores, sem que o alegado terceiro proprietário tenha deduzido em tempo oposição nos termos processuais penais previstos na lei, pelo que a sua pretensão não merece provimento.
18 - Em suma, a decisão recorrida aplicou corretamente o regime processual quanto ao prazo para a dedução de embargos de terceiro no âmbito de Procedimento Cautelar desta natureza, pelo que deverá ser mantida.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, acompanhando os considerandos constantes da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
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Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.
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Após exame preliminar o relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obste ao conhecimento do recurso – art. 417º, nº 6, al. a) do Código de Processo Penal.
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2. Fundamentação:
O presente recurso, que foi interposto e admitido como de apelação, tem por objeto a apreciação do despacho indeferiu liminarmente a petição de embargos de terceiro deduzidos por B… por apenso aos autos de procedimento cautelar de arresto preventivo decretado em 9 de fevereiro de 2021 no apenso K.
O procedimento cautelar de arresto preventivo previsto no art. 228º do Código de Processo Penal, segue a lei do processo civil (cfr. arts. 391º e ss.), de harmonia com o disposto no nº1 do aludido preceito legal e os embargos de terceiro, estão regulados nos arts. 342º e ss do Código de Processo Civil.
Nessa conformidade a aplicação do regime do Código de Processo Civil revela-se adequada uma vez que estamos perante recurso de decisão proferida em oposição, mediante de embargos de terceiro, que tem natureza indubitavelmente civil e não tem natureza penal, visto não ser regulado por normas penais ou processuais penais.
A competência dos tribunais em razão da matéria, o que vale para as Secções do Tribunal da Relação, assenta exclusivamente na natureza da relação jurídica substancial em litígio [1].
É irrelevante a circunstância de a decisão recorrida correr num processo apenso a um processo criminal, visto o critério definidor da competência ser o da natureza da causa” [2].
Relativamente à competência material, a organização judicial interna do Tribunal da Relação assenta nas Secções, distintas em razão da matéria – secções cíveis; secções criminais e secção social – art. 54º da Lei nº 62/2013 de 26/08 (doravante designada por LOSJ), por força do art. 74º da mesma Lei.
Assim, as secções criminais julgam as causas de natureza penal; as secções sociais julgam as causas de natureza cível da competência material dos tribunais de trabalho; e as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções (art. 54º da LOSJ).
De acordo com o art.12º, nº 3, al. b), do CPP, compete às secções criminais das relações julgar recursos «em matéria penal», estatuindo o art.73º, alínea a), da LOSJ, que compete às secções da Relação “segundo a sua especialização julgar os recursos”.
Em matéria de recursos, como referido, a natureza das causas é o critério orientador que permite aquilatar a competência das diferentes secções da Relação em função da sua especialização material.
Retomando o caso dos autos, a causa a julgar são os embargos de terceiro e não o arresto preventivo, de nada valendo aqui convocar a natureza processual penal deste ou mesmo da apreensão e do arresto previsto no art.10º da Lei nº5/2002, de 11 de janeiro, que o antecederam [3].
Nos embargos de terceiro, não está em causa a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto preventivo. O objeto do processo de embargos não é o de sindicar a decisão e os seus fundamentos do arresto preventivo.
O que verdadeiramente se trata nos embargos de terceiro é a apreciação da questão de saber se o embargante tem a posse efetiva e real dos bens arrestados, ou seja, se existe uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição –, em consequência de garantias reais legalmente constituídas, e se tem o animus – cfr. RL 23-12-2020 (Margarida Vieira de Almeida) www.dgsi.pt.
Haverá que apreciar, à luz do que vem previsto desde logo no artº 342º, do Código Processo Civil, se o arresto preventivo decretado no apenso K sobre o veículo da marca Porsche 997 ofende a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa, o que levará a apreciar os direitos do terceiro que são ofendidos pela providência decretada, sem que para tanto sejam convocadas as normas e os princípios vigentes no direito penal.
A questão central a decidir é a da propriedade do embargante quanto ao veiculo “contra” cujo arresto são deduzidos os embargos de terceiro, não tendo estes qualquer ligação de natureza substancial ou processual com o processo crime do qual, quer aquele arresto, quer o presente incidente são apensos.
Posto isto, não tendo natureza penal o objeto dos embargos de terceiro, o recurso aqui interposto é da competência das secções cíveis [49.
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Em suma, são competentes, em razão da matéria, para julgar um recurso interposto num processo de embargos de terceiro, que corre termos na instância Central Criminal do Porto, por apenso a um processo de natureza criminal, as secções cíveis do Tribunal da Relação do Porto, o que determina a incompetência absoluta desta secção, de conhecimento oficioso – arts. 96, 97º, e 99º do Código de Processo Civil, aplicável ao Processo Penal, por força do art. 4º do CPP.
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3. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) excecionar a competência absoluta desta secção criminal, por não ter competência em razão da matéria para julgar o recurso que incide sobre o despacho recorrido, sendo competentes, para tanto, as secções cíveis deste Tribunal da Relação do Porto.
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Nos termos do art.33º, nº 1, do Código Processo Penal, após trânsito em julgado determino a remessa dos presentes autos de recurso à distribuição pelas secções cíveis deste Tribunal da Relação, por serem as competentes para o julgar.
Notifique. Decisão elaborada pelo signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP)
Porto, 4.11.2021
João Pedro Pereira Cardoso
________________ [1] A distribuição de competência pelos vários tribunais especializados assenta no pressuposto da maior idoneidade desse tribunal para a apreciação das matérias que lhe são atribuídas, de forma a que as causas sejam julgadas por magistrados com a preparação específica adequada - cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, Coimbra Editora, vol. I, pg. 107, citado no Ac. RP 8.02.2017 (Maria Dolores da Silva e Sousa, processo nº 290/07.8GBPNF-C.P1) www.dgsi.pt. [2] Neste sentido o Ac. do STJ de 26/04/2012 (Manuel Braz) e RC de 03.02.2016 (Alice Santos). Também o Ac. do TRP de 8/02/2017 (Maria Dolores Silva e Sousa), este em matéria de decisão de um incidente de execução apensa a processo crime, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Do mesmo modo o ac STJ de 14.07.2010 (Henriques Gaspar), in www.dgsi.pt, salienta: “A matéria que está em causa no objecto do recurso é, como se salientou, de natureza exclusivamente civil, e o objecto das decisões não constitui uma “causa” (no sentido de questão, determinação, controvérsia, objecto e matéria, e não no sentido adjectivo e formal de tipo ou espécie de processo) de natureza criminal. A circunstância de o acórdão recorrido ter sido proferido num processo penal, por força do princípio da adesão, não altera nem a natureza da «causa» nem a matéria sobre que versa. A espécie de processo em que foi proferido o acórdão recorrido não é, para este efeito, relevante”. [3] Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, distinguindo claramente o arresto preventivo do art.228º, do Código Processo Penal, a apreensão prevista no art.178º, nº1, do Código Processo Penal e o arresto estabelecido no art.10º da Lei nº5/2002, de 11 de janeiro, recordam que “o arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial de natureza processual penal, aplicada de acordo com o disposto no CPP, sendo subsidiariamente aplicável a lei do processo civil em tudo o que o código não preveja e se harmoniza com os princípios gerais do processo penal.”247 Mais à frente estes ilustres professores dizem-nos ainda que “O recurso à lei do processo civil já ocorria, de resto, por força da redação primitiva do artigo 228.º, n.º 1, do CPP. (..) - Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, “Da natureza processual penal do arresto preventivo”, in Revista portuguesa de ciência criminal, Vol. 27, nº1 (2017), pág. 141-5. [4] No mesmo sentido RG 03-04-2017 (Isabel Cerqueira) www.dgsi.pt. Também o Ac RP 26-02-2021 (Cláudia Sofia Rodrigues) no Processo: 2199/19.3JAPRT-G.P1, 4ª sec., inédito.