NULIDADES DE SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DOS BENS DA MASSA INSOLVENTE
DIREITO DE REMIÇÃO
Sumário

I – As questões a que se refere a alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, por correlação com o artigo 608º do mesmo diploma, são apenas questões de direito; como tal, a eventual omissão do conhecimento de certa questão de facto não é passível de integrar a nulidade ali prevista.
II – Não obstante o direito de remição ser, pela sua natureza, um direito de preferência “especial” ou “qualificado”, tal direito de remição, além de ter uma previsão legal própria – o art. 842º do CPC – que não exige qualquer relação de carácter patrimonial do seu titular com o bem mas antes e só uma relação de carácter familiar, tem um regime processual próprio e diferente do regime do direito de preferência legal ou convencional com eficácia real referido sob os art. 819º e 823º do CPC, como resulta do art. 843º do CPC.
III – O direito de remição – ao pressupor para ser exercido que a venda tenha já terminado e que já foi tomada a decisão de aceitação da proposta mais alta oferecida, pois é sobre essa proposta concreta que terá que ser accionado – não só prevalece sobre o direito de preferência como também pode ser exercido posteriormente a este.

Texto Integral

Processo nº 897/09.9T2AVR-G.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

No âmbito da liquidação apensa ao processo de insolvência em que é Insolvente B…, que corre termos sob o nº 897/09.9T2AVR no Juízo de Comércio de Aveiro, ocorreu o seguinte circunstancialismo (que se considera pertinente para a análise do recurso):
a) – o Sr. Administrador da Insolvência, no período compreendido entre 5/5/2019 e 19/6/2019, promoveu a venda mediante leilão electrónico de dois imóveis, sendo um deles o que constitui a verba nº3: Prédio Urbano – Fracção Autónoma A, correspondente a comércio, escritório e laboratório no rés- do-chão da Rua … nº ., .. e ., com área de 152m2, cave com 187,50m2 destinada a armazém e logradouro com 144,5m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 705-A, freguesia do … e inscrito na Matriz sob o artigo 4703-A (actual 3405 da União das Freguesias do … e …);

b) – encerrado tal leilão em 19/6/2019, a melhor proposta obtida para tal imóvel foi no valor de 150.001.00€ e a mesma foi apresentada pela “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” (fls. 389 dos autos);
c) – o Sr. Administrador da Insolvência, por comunicação datada de 26/6/2019 e enviada ao Insolvente (na pessoa da sua mandatária), solicitou a este que no prazo de 8 dias informasse se era pretensão dos seus familiares exercer o direito de remição (fls. 390);

d) – por requerimento entrado a 28/6/2019, D…, filho do insolvente, comunicou aos autos que, ao abrigo do disposto nos arts. 842º e 843º, nº1 b) do CPC, pretendia exercer o direito de remição (fls. 393 a 397);

e) – a 13/9/2019, a “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” deu entrada nos autos do seguinte requerimento (que se transcreve):

“1. O prédio Urbano constituído pela fração autónoma “A”, correspondente ao rés-do-chão da Rua … nº ., .. e ., descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º 705-A, freguesia do … e inscrito na matriz sob o artigo 4703-A (atual 3405 da União das Freguesias do … e …), de que é proprietário o Senhor B…, insolvente nos autos acima identificados, foi submetido a leilão eletrónico que fechou no dia 19.06.2019
(v. certidão de encerramento do leilão que se junta sob doc.1).
2. A ora Requerente apresentou, no referido leilão, a melhor proposta, com o NUP 2798252019, no valor de €150.001,00 (cento e cinquenta mil e um euros) (conforme decorre do doc.1 junto).
3. A certidão de encerramento do leilão foi emitida no próprio dia 19.06.2019.
4. No dia 26.06.2019, ou seja, 7 dias após o encerramento do leilão, o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência no processo identificado nos autos, o Dr. E…, remeteu e-mail ao mandatário da ora Requerente informando que esta havia apresentado a melhor proposta, ficando todavia a adjudicação dependente da eventual resposta da mandatária do insolvente a uma notificação realizada nos termos dos artigos 842.º e ss. CPC (junta e-mail sob doc.2).
5. No dia 11.07.2019, ou seja, 22 dias após o encerramento do leilão eletrónico, o mandatário da ora Requerente recebeu novo e-mail remetido pelo Dr. E…, informando que havia sido exercido o direito de remição “por parte do filho do insolvente” (junta e-mail sob doc.3).
6. Consultada, na presente data, ou seja, dois meses após o alegado exercício do direito de remição e quase três meses após o encerramento do leilão, a certidão de teor do imóvel leiloado, verifica-se que o mesmo se encontra registado em nome do insolvente (v. certidão permanente com o código de acesso n.º PP-1924-20119-140601-000705).
7. Este protelamento da aquisição do imóvel pelo remidor é ilegal, como abaixo se demonstra, ditando em consequência que o bem seja de imediato adjudicado à ora Requerente, por ter sido quem apresentou a licitação mais elevada.
Com efeito,
8. De acordo com o artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29.08 (Regulamenta vários aspectos das ações executivas cíveis), a licitação de bens a vender em processo de execução por leilão eletrónico é regulada pela identificada Portaria e pelas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma.
9. As denominadas “Regras do Sistema” foram aprovadas por Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 09.11.2015.
10. O artigo 8.º/10 das Regras do Sistema estipula o seguinte: “No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.”
11. Decorre pois deste preceito que o agente de execução deve, no prazo de 10 dias, proceder às diligências necessárias para que a venda se concretize, remetendo-se no final do preceito, quanto aos demais trâmites, para a venda por proposta em carta fechada, ou seja, remetendo-se para os artigos 816.º e ss. CPC.
12. O artigo 824.º CPC, que respeita precisamente à concretização da venda mediante proposta em carta fechada, prevê o seguinte: “Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…) a totalidade ou a parte do preço em falta.
13. Da conjugação destes preceitos decorre a seguinte norma: nos 10 dias seguintes à certificação da conclusão do leilão, o agente de execução que presidiu ao mesmo notifica a pessoa que apresentou a licitação mais elevada para depositar, no prazo de 15 dias, o preço.
14. Ou seja, após o encerramento do leilão, a pessoa que fez a licitação mais elevada terá, no máximo, 25 dias para depositar o preço.
15. Se o licitante não cumprir a obrigação de depositar o preço, são aplicáveis as consequências previstas no artigo 825.º/1 CPC, de que resulta, inter alia, o seguinte: ou o licitante perde o direito de adquirir o bem ou o seu património é arrestado para garantir a obrigação de pagamento do preço.
16. Finalmente, completando o percurso normativo que vimos realizando, sublinha-se o disposto no artigo 843.º/2 CPC, que manda aplicar ao remidor o previsto no mencionado artigo 825.º CPC.
17. O direito de remição – supostamente exercido pelo filho do insolvente nos autos, conforme informação prestada pelo Ilustre Administrador de Insolvência – é um direito legal de preferência [v., por todos, acórdão do STJ de 09.03.2017 (Proc.º n.º 1629/13.2TBAMT.P1.S1/LOPES DO REGO)], com a particularidade de a sua titularidade estar subjetivamente determinada por lei (artigo 842.º CPC) e de prevalecer sobre qualquer outro direito de preferência (artigo 844.º/1 CPC).
18. Consequentemente, o preferente tem apenas o direito de celebrar o negócio nas mesmas condições em que o celebraria o titular da posição negocial que o preferente deseja ocupar.
19. Não pode, pois, o preferente pretender celebrar o negócio em condições mais favoráveis, as quais tanto podem configurar uma redução do preço, como uma dilação do prazo para cumprimento da obrigação de pagamento do preço (caso se trate de compra e venda), ou outras que a imaginação negocial conjeture.
20. E não pode fazê-lo porquanto desse modo estaria exercendo um direito que a lei lhe não confere, qual fosse o direito potestativo a afastar o titular primário do direito a adquirir a coisa e de seguida redefinir os termos do negócio.
21. Do exposto resulta que o filho do insolvente – que terá exercido o direito de remição, conforme informação do Ilustre Administrador de Insolvência – deveria ter depositado o preço, pelo menos, no dia 15.07.2019, ou seja, 25 dias após a conclusão do leilão.
22. É certo, todavia, que não fez esse depósito.
23. Uma vez que não fez esse depósito, é aplicável o disposto no artigo 825.º CPC (ex vi artigo 843.º/2 CPC).
24. Na perspetiva patrimonial dos credores do insolvente, é, no presente caso, irrelevante se o comprador é o filho ou a ora Requerente, pois ambos têm de pagar exatamente o mesmo preço pelo imóvel em causa.
25. Assim sendo, entende-se que, para o presente caso, a mais adequada das soluções previstas no artigo 825.º/1 CPC consiste em determinar que a venda ao remidor fique sem efeito e que a ora Requerente seja notificada para depositar de imediato o preço.
26. A ser de outro modo, com esta peculiar gestão de prazos, permite-se ao Ilustre Administrador de Insolvência que prejudique a ora Requerente e os credores do insolvente, beneficiando o remidor, que passa a dispor, ilicitamente, de um alargadíssimo prazo para cumprir as suas obrigações.

Atento o exposto, requer-se a V. Exa. que determine o Administrador de Insolvência a dar sem efeito o exercício do direito de remição exercido e a notificar o ora Requerente para depositar o preço do imóvel que licitou.”

f) – na sequência de tal requerimento, o Sr. Administrador da Insolvência, a 17/9/2019, informou aos autos:
- que em 1/7/2019 o filho do insolvente veio informá-lo que pretendia exercer o seu direito de remição, conforme aliás já tinha manifestado no seu requerimento que juntou aos autos em 28/6/2019;
- que em 9/7/2019, com vista a formalizar o negócio em causa, notificou o remidor para proceder à assinatura do contrato promessa de compra e venda e efectuar o pagamento parcial do preço (conforme documentou);
- que o remidor procedeu ao depósito do sinal do preço, no valor de 30.000,20€, em 30/7/2019, conforme extracto de conta que juntou;
- que encontrando-se reunidos todos os elementos necessários à realização da escritura pública de compra e venda, procedeu ao seu agendamento para o dia 24/09/2019, pelas14 horas, em Aveiro;
- que perante o que expôs considera que foram cumpridos todos os formalismos legais indispensáveis ao exercício do direito de remição, razão pela qual o imóvel foi adjudicado ao remidor e, nessa sequência, será realizada a escritura agendada para o dia 24/9/2019;

g) – sobre aquele requerimento de 13/9/2019 recaiu então o seguinte despacho, proferido a 23/9/2019:
Requerimento de 13/9: Considerando as explicações apresentadas pelo Sr. administrador da insolvência e a prova documental por ele exibida, deve concluir-se que o requerente da remição observou os prazos que lhe foram fixados por quem organiza a diligência, e que o atraso na adjudicação fica a dever-se à circunstância de o Sr. administrador da insolvência ter optado pela sua concretização por escritura pública (aprazada para amanhã).
Não há motivos, pois, pelo menos por ora, para dar sem efeito ou julgar ineficaz o exercício do direito de remição.
Pelo exposto, indefiro ao requerido por C… Lda.
Não são devidas custas, face à simplicidade da questão.
Notifique.

h) – a 30/9/2019, o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos cópia da escritura pública de compra e venda do imóvel celebrada com o remidor, a qual veio a ter lugar na data de 27 de Setembro de 2019 e onde se refere que o preço de 150.001,00 euros foi pago da seguinte forma:
- a quantia de 30.000,20€ (correspondente a 20%) foi paga por transferência bancária efectuada em 30/7/2019 para conta titulada pela Massa Insolvente;
- a restante quantia foi paga naquela mesma data da escritura.

i) - a 10/10/2019, a “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” deu entrada nos autos do seguinte requerimento (que se transcreve):

“C… UNIPESSOAL, LDA., com o NIPC ………, sede na Urbanização …, Lote …, concelho do …, distrito de Santarém (Certidão Permanente com o código 7347-3154-3660), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 839.º/1, c) e 195.º do Código de Processo Civil (adiante CPC), requerer a V. Ex.ª a anulação do ato da venda da fração autónoma “A”, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua … nº ., .. e ., descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º 705-A, freguesia do … e inscrito na matriz sob o artigo 4703-A (atual 3405 da União das Freguesias do … e ….), realizado no passado dia 27.09.2019, por escritura pública, em que outorgaram o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência dos autos identificados em epígrafe e o Exmo. Senhor D…, o que faz com os fundamentos seguintes:
1. A fração autónoma acima identificada foi submetida a leilão eletrónico no âmbito dos presentes autos, que fechou no dia 19.06.2019 (v. certidão de encerramento do leilão que se junta sob doc.1).
2. A ora Requerente apresentou, no referido leilão, a melhor proposta, com o NUP 2798252019, no valor de €150.001,00 (cento e cinquenta mil e um euros) (conforme decorre do doc.1 junto).
3. A certidão de encerramento do leilão foi emitida no próprio dia 19.06.2019.
4. No dia 26.06.2019, ou seja, 7 dias após o encerramento do leilão, o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência no processo identificado nos autos, o Dr. E…, remeteu e-mail ao mandatário da ora Requerente informando que esta havia apresentado a melhor proposta, ficando todavia a adjudicação dependente da eventual resposta da mandatária do insolvente a uma notificação realizada nos termos dos artigos 842.º e ss. CPC (junta e-mail sob doc.2).
5. No dia 11.07.2019, ou seja, 22 dias após o encerramento do leilão eletrónico, o mandatário da ora Requerente recebeu novo e-mail remetido pelo Dr. E…, informando que havia sido exercido o direito de remição “por parte do filho do insolvente” (junta e-mail sob doc.3).
6. A escritura de compra e venda do imóvel, celebrada entre o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência e o remidor, apenas veio a ser realizada no dia 27.09.2019. (cfr. escritura de compra e venda junta aos autos pelo Exmo. Administrador de Insolvência, que ora se junta como doc.4).
7. Tendo o pagamento do preço da venda sido feito, conforme consta da referida escritura, nos termos seguintes: no dia 31.07.2019 foi efetuado o pagamento, por transferência bancária, do valor de €30.000,20 (trinta mil euros e vinte cêntimos); e no dia 27.09.2019 foi efetuado o pagamento do valor de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) por cheque bancário, e do valor de €0,80 (oitenta cêntimos) em numerário.
8. Face ao exposto, e como adiante melhor se explicitará, o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, em vez de conferir ao remidor, o Exmo. Senhor D…, o direito de celebrar o negócio por que licitou e a que estava vinculada a ora Requerente, propôs-lhe um outro negócio, designada e relevantemente com prazos de pagamento distintos daqueles a que estava adstrita a Requerente.
Vejamos:
9. De acordo com o artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29.08 (Regulamenta vários aspetos das acções executivas cíveis), a licitação de bens a vender em processo de execução por leilão eletrónico é regulada pela identificada Portaria e pelas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma.
10. As denominadas “Regras do Sistema” foram aprovadas por Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 09.11.2015.
11. O artigo 8.º/10 das Regras do Sistema estipula que “No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.
12. Decorre pois deste preceito que o agente de execução deve, no prazo de 10 dias, proceder às diligências necessárias para que a venda se concretize, remetendo-se no final do preceito, quanto aos demais trâmites, para a venda por proposta em carta fechada, ou seja, manda-se aplicar os artigos 816.º e ss. CPC.
13. O artigo 824.º CPC, que respeita precisamente à concretização da venda mediante proposta em carta fechada, prevê o seguinte: “Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…) a totalidade ou a parte do preço em falta.” – sublinhado nosso.
14. Da conjugação destes preceitos decorre a seguinte norma: nos 10 dias seguintes à certificação da conclusão do leilão (o que no caso se verificou em 29.06.2019), o agente de execução que presidiu ao mesmo notifica a pessoa que apresentou a licitação mais elevada ou, sendo caso disso, a pessoa que exerceu o direito de preferência (ou remição, no caso) para depositar, no prazo de 15 dias, o preço.
15. Ou seja, após o encerramento do leilão, a pessoa que fez a licitação mais elevada ou, se for o caso, o preferente tem, no máximo, 25 dias para depositar o preço, prazo que, no caso concreto, se extinguiu no dia 15.07.2019.
16. A situação de o licitante ou preferente não depositarem o preço dentro do prazo previsto no artigo 824.º/2 do CPC consta do artigo 825.º/1 do mesmo diploma, donde resulta, inter alia, que: ou o licitante/preferente perde o direito de adquirir o bem; ou o seu património é arrestado para garantir a obrigação de pagamento do preço.
17. O direito de remição – exercido pelo filho do insolvente nos autos, conforme informação prestada pelo Ilustre Administrador de Insolvência – é um direito legal de preferência [v., por todos, acórdão do STJ de 09.03.2017 (Proc.º n.º 1629/13.2TBAMT.P1.S1 / Lopes do Rego)], com a particularidade de a sua titularidade estar subjetivamente determinada por lei (artigo 842.º CPC) e de prevalecer sobre qualquer outro direito de preferência (artigo 844.º/1 CPC).
18. Consequentemente, o preferente tem apenas o direito de celebrar o negócio nas mesmas condições em que o celebraria o titular da posição negocial que o preferente deseja ocupar.
19. Não pode, pois, o preferente pretender celebrar o negócio em condições mais favoráveis, as quais tanto podem configurar uma redução do preço, como uma dilação do prazo para cumprimento da obrigação de pagamento do preço (caso se trate de compra e venda), ou outras que a imaginação negocial conjeture.
20. E não pode fazê-lo porquanto desse modo estaria exercendo um direito que a lei lhe não confere, qual fosse o direito potestativo a afastar o titular primário do direito a adquirir a coisa e de seguida redefinir os termos do negócio.
21. Do exposto resulta que o filho do insolvente deveria ter depositado o preço, pelo menos, no dia 15.07.2019, ou seja, 25 dias após a conclusão do leilão.
22. É certo, todavia, que não fez esse depósito, tendo efetuado o primeiro pagamento parcial do preço no dia 31.07.2019, ou seja, 16 dias após o termo do prazo para o depósito do preço total da venda.
23. É certo, ainda, que apenas fez o pagamento do remanescente do preço no dia 27.09.2019, ou seja, 2 meses e 12 dias depois do termo do prazo para efetuar o depósito do preço total da venda, data em que foi celebrada a escritura de compra e venda sobre o imóvel.
24. Verificou-se, portanto, uma irregularidade do processo de venda, a qual consiste no seguinte: o Remidor, preferente, celebrou o negócio em condições diferentes daquelas a que estava adstrito a ora Requerente.
25. A circunstância de esta irregularidade não ser imputável ao Remidor nada obsta a que mesma haja, potencialmente, alterado o desfecho do processo de venda, com prejuízo da ora Requerente, a quem foi subtraído do direito de adquirir o imóvel objeto de leilão.
26. Com efeito, não sabemos se, caso o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência tivesse, como era seu dever, notificado o Remidor para depositar o preço até 25 dias após a conclusão do leilão, ou seja, até dia 15.07.2019, o Remidor reunia, nessa data, condições para realizar o depósito.
27. Ou seja, a irregularidade em causa teve influência direta no resultado final do processo de venda, designadamente porque permitiu que o adquirente fosse outro que não o titular do direito de adquirir o bem, pelo que a venda deve ser anulada, nos termos dos artigos 839.º/1, c) e 195.º/1 CPC.

Atento o exposto, requer-se a v/ Ex.ª que:
i. Declare anulado o ato da venda do imóvel acima identificado, nos termos dos artigos 839.º/1, c) e 195.º/1 CPC, e que, em consequência,
ii. Ordene o cancelamento do registo de aquisição do imóvel acima identificado a favor do Exmo. Senhor D…, bem como dos registos subsequentes que pressuponham este;
iii. Seja o bem adjudicado à ora Requerente; ou
iv. Subsidiariamente, seja repetido o processo de venda do imóvel supra identificado.

JUNTA: 4 documentos.

REQUER-SE: que seja o Exmo. Senhor D… notificado para apresentar nos autos extrato de conta bancária de que seja titular e do qual conste, à data de 15.07.2019, saldo igual ou superior a €150.001 (cento e cinquenta mil e um euros)”

j) – o remidor D..., por requerimento de 16/10/2019, pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerimento referido no item anterior;

k) – sobre aquele mesmo requerimento, veio a ser proferido despacho a 13/11/2020, com o seguinte teor:

Veio C… – Sociedade Unipessoal Lda. requerer incidente de anulação do acto da venda (extra-judicial) da fracção autónoma designada pela letra A e correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua …, nº., . e ., descrito na Conservatória do Registo Predial do … no nº…...
Para o efeito e em síntese, alegou que foi decidida a venda por leilão electrónico cujo encerramento ocorreu a 19/6/2019 e no âmbito do qual, a requerente ofereceu a melhor proposta, no valor de €150.001,00, e que somente a 26/6/2019 o Sr. administrador da insolvência informou que iria interpelar a mandatária da insolvente para os efeitos dos arts. 842.º e segs. do CPC e a 11/7/2019 informou que havia sido exercido o direito de remição.
Sucedendo que, o remidor pagou a quantia de €30.000,00 a 31/7/2019 e o restante, a parte essencial do preço (€120.080,00), apenas a 27/9/2019, quando foi celebrada a escritura de compra e venda, pelo que, o remidor celebrou o negócio em condições diferentes daquelas a que estava adstrito a ora requerente.
O Sr. administrador da insolvência e o remidor pugnaram pela improcedência do incidente.
Apreciando e decidindo:
Segundo deve entender-se, o acto da venda deve ser anulado, seja em processo executivo, seja em processo de insolvência (art. 17.º/1 do CIRE), quando tenha sido levado a efeito com violação de preceito legal, seja mediante a prática de um acto que a lei não admita, seja através da omissão de um acto que a lei exija (arts. 195.º e 839.º/1, al. c), do CPC).
Na verdade, não se vislumbra qualquer motivo, formal ou substancial, para que eventuais irregularidades ocorridas na venda realizada na insolvência tenham tratamento diverso daquele que é concedido a idêntica diligência levada a cabo no processo executivo.
Ponto, para o efeito, e como se disse, é que tenha ocorrido uma infracção legal com relevância para o desfecho da venda.
Ora, no caso dos autos, e salvo o devido respeito por outra opinião, não se vislumbra que tenha ocorrido essa violação a norma legal.
Com efeito, o art. 843.º do CPC, que regula uma parte da forma de exercício do direito do remidor, é particularmente generoso no que concerne às obrigações que para ele impõe, seja em sede de momento final do exercício do direito, seja quanto ao momento do pagamento do preço.
Assim, na venda por leilão electrónico, que esteve em causa nos autos, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (art. 843.º/1, al. b), do CPC).
E se o direito pode ser exercido até esse momento, naturalmente que o preço pode ser pago na mesma fase.
Por outro lado, dispõe o art. 843.º/2 do CPC que se aplica ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no art. 824.º (caução e depósito do preço), devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito (…).
Ora, face a esta redação da norma legal, duas ilações se extraem.
Em primeiro lugar, que quanto ao pagamento do preço, em todas as modalidades de venda, com excepção da venda judicial, impera a maior liberdade (em consonância com o tipo de modalidade de venda), podendo o preço ser pago até ao momento final previsto no art. 843.º/1, al. b), do CPC.
Em segundo lugar, que mesmo sendo o caso de venda mediante propostas em carta fechada, existe liberdade ainda para pagar o preço depois dos momentos previstos no art. 825.º do CPC, embora condicionado ao pagamento de um acréscimo destinando a indemnizar o proponente que tenha feito depósito preço.
Aplicando as orientações que emanam das referidas regras ao caso dos autos, é de concluir pela inexistência de qualquer infracção legal. Acrescendo ainda que, por um lado, o remidor procedeu ao pagamento do preço nas condições que lhe foram determinadas pelo encarregado da venda (o próprio Sr. administrador da insolvência) e, obviamente, não pode ser censurado por isso. Por outro lado, o alargamento do prazo que foi concedido ao remidor apenas poderia ter consequências, mesmo aplicando o regime da venda judicial, caso o proponente preterido tivesse feito o depósito prévio do preço, o que não ocorreu.
Em conclusão, dir-se-á, pois, que embora o exercício do direito do remidor pressuponha a igualação do preço oferecido antes da sua intervenção (art. 842.º do CPC), a lei não impõe que, na parte restante, obedeça exactamente aos mesmos momentos e exigências impostos ao proponente que tenha licitado pela melhor oferta (art. 843.º do CPC).
Não há, assim, a nosso ver, irregularidade na circunstância de o remidor ter feito o pagamento em condições diversas daquelas a que a requerente estava adstrita.
Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de anulação da venda.
Custas do incidente atípico pela requerente, fixando-se a taxa de justiça no valor de 1 UC, já pago (sem prejuízo da multa já devidamente liquidada e que não é de restituir)
Mais, declaro encerrada a liquidação.
Notifique.

De tal despacho veio a “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões (fazendo-se notar que a alínea “c)” feita constar entre as conclusões com as letras H. e I. consta exactamente assim na peça processual apresentada):
………………….
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Não foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho de 10/3/2021, proferido aquando da admissão do recurso, pelo Sr. Juiz, relativamente à nulidade invocada pela Recorrente, foi dito o seguinte:
“Invocou a recorrente nas alegações, entre o mais, a nulidade da decisão recorrida, por não ter existido averiguação nem resposta a questão de facto que aquele reputa de fundamental, saber se, à data em que a compra e venda devia ter sido celebrada pelo remidor, este dispunha de fundos para fazê-lo.
Todavia, salvo o devido respeito, parece-nos que a tal questão é manifestamente irrelevante, pois se na decisão impugnada se considerou que o pagamento por parte do remidor pode ser feito no momento em que realmente ocorreu, evidente se torna concluir que nada importa apurar se, antes disso, aquele tinha condições para pagar.
Dito de outro jeito, considerando-se que o pagamento foi regularmente feito com a compra e venda nos termos em que esta foi celebrada, naturalmente que o remidor dispunha de fundos para o fazer, como fez.

Pelo exposto, nos termos do art. 617.º/1 do CPC, indefiro à arguição de nulidade.
(sem prejuízo, naturalmente, da decisão sobre recurso).”

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), e tendo em conta a lógica e necessária precedência das nulidades relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar da nulidade invocada pela Recorrente;
b) – apurar da regularidade do exercício e efectivação do direito de remição por parte do filho do insolvente na venda do imóvel supra identificado, sendo no seu âmbito de analisar também o relevo da averiguação de factualidade pretendida pela Recorrente.

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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a).
Defende a Recorrente que a decisão sob recurso é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615 nº1 d) CPC, pois no final do seu requerimento formulado a 10/10/2019, sobre o qual versa aquela decisão, requereu que o remidor fosse “notificado para apresentar nos autos extrato de conta bancária de que seja titular e do qual conste, à data de 15.07.2019, saldo igual ou superior a €150.001 (cento e cinquenta mil e um euros)” e o Sr. Juiz não se pronunciou sobre tal questão de facto.
Mas não lhe pode ser reconhecida razão.
Existe aquela nulidade, como se prevê naquele art. 615 nº1 d) CPC, “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Com tal expressão, na sequência do que aliás se prevê no art. 608º do CPC, pretende referir-se a discussão e análise jurídica, em sede de fundamentação de direito da respectiva peça processual, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente [neste sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 737, em anotação ao art. 615º do CPC].
Isto é, as questões a que se refere a alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, por correlação com o artigo 608º do mesmo diploma, são apenas questões de direito.
Sendo as questões a que se refere aquela alínea d) apenas questões de direito, a eventual omissão do conhecimento de certa questão de facto não é passível de integrar a nulidade em análise.
Além disso, diga-se ainda, face ao teor da decisão proferida e ora sob recurso, a questão do apuramento da factualidade referida pela Recorrente – independentemente do relevo que se lhe pudesse atribuir – ficou manifestamente prejudicada pela solução jurídica perfilhada naquela decisão.
Efectivamente, como diz o Sr. Juiz no despacho posterior às alegações e proferido aquando do despacho de admissão do recurso, “se na decisão impugnada se considerou que o pagamento por parte do remidor pode ser feito no momento em que realmente ocorreu, evidente se torna concluir que nada importa apurar se, antes disso, aquele tinha condições para pagar”.
Ora, como se decorre do disposto no art. 608º nº2 do CPC, não há que tratar de questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Como tal, há que considerar improcedente a arguição da nulidade em causa.
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Passemos para a questão enunciada sob a alínea b).
Entrando na sua análise, será pertinente começarmos por referir que, como se disse no tratamento da questão anterior, embora a eventual omissão do conhecimento de certa questão de facto não seja passível de integrar a nulidade que ali se analisou, tal não obsta a que, considerando-se a factualidade em causa juridicamente relevante, não possa a mesma ser oficiosamente sindicada em 2ª instância nos termos previstos na alínea c) do nº2 do art. 662º do CPC: anulando-se, como ali se prevê, a decisão proferida na 1ª instância com vista à ampliação da matéria de facto por parte desta.
No caso vertente, como decorre do que se vai passar a expor, da factualidade pretendia averiguar pela Recorrente não resulta qualquer relevo para a análise e decisão jurídica da questão sob recurso, a qual é, como se enunciou atrás, apurar da regularidade do exercício e efectivação do direito de remição por parte do filho do insolvente.
Tendo a venda do imóvel em causa ocorrido na modalidade de venda em leilão electrónico – modalidade preferencial de venda a ter lugar em sede da liquidação em processo de insolvência (art. 164º nº1 do CIRE), como é o caso, e que está expressamente prevista no art. 811º nº1 g) do CPC –, à mesma é aplicável o regime previsto no art. 837º do CPC (ex vi do art. 17º nº1 do CIRE) e, por via da previsão do seu nº1, nos arts. 20º a 26º da Portaria 282/2013 de 29/8, preceituando-se neste art. 20º que a licitação dos bens a vender deve seguir os termos definidos em tal portaria “e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Estas “regras do sistema” foram aprovadas pelo Despacho da Ministra da Justiça nº12624/2015 (DR, 2ª Série, de 9/11/2015) e aqui também apelidadas de “regras de funcionamento da plataforma de leilão electrónico”, em sede das quais, para o que interessa aos presentes autos (em que estão em causa apenas actuações posteriores à conclusão do leilão), se prevê sob o nº10 do seu art. 8º que “No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada”.
Remetendo tal disposição, no pressuposto da conclusão do leilão, para os termos da venda por proposta em carta fechada quanto a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente”, é de reconhecer, como interpreta a Recorrente, que tal remete, designadamente, para o regime previsto no art. 824º nº2 do CPC, onde se prevê que “[a]ceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…) a totalidade ou a parte do preço em falta”.
Note-se porém que esta disposição, como decorre do regime que emana dos anteriores arts. 819º (notificação dos preferentes) e 823º (exercício do direito de preferência), aplica-se essencialmente aos preferentes titulares de direito de preferência legal [como, por exemplo: o arrendatário de prédio urbano (art. 1091º nº1 a) do C.Civil); o do senhorio, no caso de arredamento comercial (art. 1112 nº4 do C.Civil); o do comproprietário (art. 1409º do C.Civil); o do proprietário do solo em sede de direito de superfície (art. 1535º do C.Civil); e o do co-herdeiro relativamente a quinhão hereditário (art. 2130º do C.Civil)] e de direito de preferência convencional que tenha eficácia real (quanto a imóveis e móveis sujeitos a registo, como previsto no art. 421º nº1 do C.Civil) e só se aplica ao remidor quando, em sede de venda por propostas em carta fechada, este exerça o seu direito de remição no acto de abertura e aceitação das respectivas propostas, como expressamente se prevê no art. 843º nº3 [onde se diz “[a]plica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no no art. 824º (…)”] – sobre direito de preferência e direito de remição em sede de venda executiva e diferenciação de tais figuras, sob a epígrafe “Remição e Preferências”, vide José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, 2017, págs. 387 a 389.
Ora, não obstante o direito de remição ser, pela sua natureza, um direito de preferência “especial” ou “qualificado” (José Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 387 e 388), tal direito de remição, além de ter uma previsão legal própria – o art. 842º do CPC – que não exige qualquer relação de carácter patrimonial do seu titular com o bem mas antes e só uma relação de carácter familiar [como nos diz José Alberto dos Reis, no seu “Processo de Execução”, vol. 2º, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pág. 478, “(…) enquanto o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita, o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos das pessoas estranhas”], tem um regime processual próprio e diferente do regime daqueles outros direitos de preferência, como bem resulta do art. 843º do CPC, de onde se conclui que o direito de remição – ao pressupor para ser exercido que a venda tenha já terminado e que já foi tomada a decisão de aceitação da proposta mais alta oferecida, pois é sobre essa proposta concreta que terá que ser accionado – não só prevalece sobre o direito de preferência como também pode ser exercido posteriormente a este [neste exacto sentido, vide Cátia Marisa Rodrigues, “O (des)equilíbrio das partes na acção executiva”, Universidade do Minho, dissertação de Mestrado em Direito Judiciário, pág. 112, disponível na Internet, e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, “A Acção Executiva Anotada e Comentada”, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 259].
Considerando os termos em que, nesse regime processual próprio, a lei, no nº1 daquele art. 843º, traça o limite temporal até ao qual pode ser exercido o direito de remição, e verificando-se que, no caso vertente, está em causa a venda através de leilão electrónico, o exercício de tal direito podia ser feito até à assinatura do título que a documenta, como se prevê na alínea b) daquele nº1.
Ora, podendo o mesmo ser exercido até esse momento, naturalmente que também o pagamento do respectivo preço, como efectivação de tal exercício, poderá ser feito até esse mesmo momento. É o que resulta do nº 2 do art. 843º do CPC, quando ali se diz, por referência ao acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, “(…) devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento (…)”.
Como se vê dos autos, foi manifestada a intenção de exercer o direito de remição em momento temporal posterior à abertura das propostas que tiveram lugar e à aceitação da proposta da Recorrente e, no seguimento daquela manifestação e como definido pelo Administrador da Insolvência, veio tal direito a ser efectivamente exercido através do pagamento da totalidade do preço até ao momento da efectivação da escritura pública que documenta/titula a respectiva venda ao remidor - e onde consta a assinatura das pessoas que nela intervieram -, como decorre das alíneas b), c), d), f) e h) do elenco de factualidade referido no relatório desta peça.

Assim, é de concluir que tal direito foi exercido e efectivado (através do pagamento da totalidade do preço) dentro do período temporal que a lei prevê.
E assim sendo, não tem qualquer relevo para a questão em apreço apurar se antes da efectivação da escritura – nomeadamente, como o pretende a Recorrente, à data de 15/7/2019 –, o remidor dispunha ou não na sua conta bancária quantia em dinheiro que lhe permitisse pagar a proposta oferecida pela Recorrente, pois era bastante que tal quantia “aparecesse” totalmente paga no momento em que o foi.

Deste modo, na sequência de tudo quanto se veio de referir, há que manter a decisão recorrida e, como tal, concluir pela improcedência do recurso.

As custas do recurso ficam da Recorrente, que nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 4/10/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim