I - As decisões interlocutórias, isto é, decisões não finais, não admitem, em regra, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações excepcionais previstas no nº 2 do art. 671º
II - Não admitindo recurso ordinário, a eventual nulidade da sentença, ou acórdão, deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão (nº 4 do art. 615º do CPCivil), e não ser interposto recurso com esse fundamento.
AA, reclama para a conferência da decisão singular do relator que confirmou o despacho da Ex.mª Desembargadora da Relação …. que não admitiu o recurso de revista.
Na parte útil, o despacho reclamado é do seguinte teor:
“Elementos que relevam para a decisão.
1. AA, instaurou acção declarativa de condenação contra BB, pedindo a condenação do Réu a:
a) Reconhecer que se apropriou das quantias de €87.629,37 e de €25.000,00, que resgatou da conta de aforro nº ….. (IGCP) e levantou da conta bancária da falecida CC nº (…) da CCAM ….., respectivamente em 12.12.2007 e 26.12.2007, e que tais quantias são parte integrante das heranças deixadas por óbito de DD e de CC;
b) Reconhecer que tais quantias integram o património das referidas heranças, devendo ser objecto de relacionação no inventário nº 123/08……, do Tribunal ……, e serem consequentemente partilhadas entre autor e réu;
c) Reconhecer que todas as demais quantias em dinheiro que o réu possua en quaisquer contas bancárias ou outras aplicações, tituladas ou cotituladas pelo réu, que não a conta nº ….. da CCAM …., são pertença das heranças supra referidas, cujos valores devem também ser relacionados no inventário nº 123/08;
d) Devolver à herança tais quantias, de que ilicitamente se apropriou, nos termos e pela forma que o prudente arbítrio do Tribunal determinar, acrescidas nos respectivo valor das mais valias financeiras que vêm produzindo desde respectivamente, 12.12.2007 e 26.12.2007, à taxa legal de 4% até à data da sua efectiva devolução às heranças, ou no mínimo, desde a citação até efectiva entrega à herança para partilha entre autor e réu.
2. No decurso da audiência de julgamento, o autor requereu a alteração/ampliação do pedido nos seguintes termos:
a) A reconhecer que se apropriou indevidamente das quantias em dinheiro do valor de 87.629,37 euros e 25.000,00 euros que resgatou da conta bancária e de aforro pertencentes a CC tal como se invoca sob a alínea a) do pedido formulado na petição inicial.
b) A reconhecer que tais quantias são pertença da Herança deixada por óbito dos pais do A. e do R, DD e CC tal como peticionado pelo A. sob a alínea b) do pedido formulado na petição inicial.
c) A restituir ambos valores (112.629,37 euros) às Heranças, em questão, a cujo valor deverão acrescer juros de mora à taxa legal de mora nos termos peticionados sob a alínea d) do pedido formulado na petição inicial.
d) A perder em benefício do Autor, nos termos do Artº 2096 Nº 1 do Código Civil, o possível direito que pudesse ter a parte dos valores em dinheiro, em questão, por ter ocultado dolosamente a sua existência, revertendo a totalidade dos valores em dinheiro (somados), acrescidos de juros de mora à taxa legal, em favor do A. por ser este o único coherdeiro, conjuntamente com o R, das Heranças, em questão de seus pais DD e CC.
3. A alteração/amplicação do pedido foi admitida, decisão da qual foi interposto recurso pelo réu;
4. A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu dos pedidos;
5. Interposto recurso da sentença para a Relação …. veio este tribunal a decidir: revogar o despacho proferido na audiência de julgamento que admitira a alteração/ampliação do pedido; confirmar a sentença de improcedência da acção.
A Exma. Desembargadora não admitiu o recurso de revista do acórdão por se verificar uma situação de dupla conforme, impeditiva da interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPCivil; as restantes decisões impugnadas, de natureza interlocutória, não são passíveis de revista.
O Recorrente, na reclamação do indeferimento do recurso, reitera que a revista deve ser admitida para apreciação das decisões de: i) não aceitação de uma segunda versão das alegações de recurso; ii) a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia; iii) a decisão da Relação que revogou o despacho da 1ª instância de 08.05.2018 que admitira a alteração/ampliação do pedido.
O artigo 671º do CPC, que delimita as decisões que comportam recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, estabelece uma distinção essencial entre as decisões da Relação que conhecem do mérito da causa ou que põem termo ao processo (referidas no nº 1), e as que incidem sobre decisões interlocutórias, de natureza adjectiva, da 1ª instância, (nº 2 do art. 671º).
Estas, as decisões interlocutórias, isto é, decisões não finais, não admitem, em regra, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. sobre este ponto, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pag. 358).
Só assim não será, sendo, portanto, admissível a revista, nas situações previstas no nº 2 do art. 671º:
a) Os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias de conteúdo adjectivo, integrem alguma das previsões constantes do art. 629º, nº 2;
b) Quando a resposta dada pela Relação à questão jurídica essencial para a decisão esteja em contradição directa com acórdão do Supremo, já transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação, sem que a controvérsia jurisprudencial se encontre resolvida por acórdão uniformizador de jurisprudência.
No caso vertente, quer a decisão que não admitiu a segunda versão das alegações, quer a decisão da Relação revogatória da decisão de 1ª instância que admitira a alteração/ampliação do pedido, têm natureza interlocutória, que só admitiriam revista se verificada qualquer das situações previstas no nº 2 do art. 671º, o que não sucede.
Não cabendo de tais decisões recurso de revista, a decisão reclamada não merece qualquer reparo, devendo por isso ser confirmada.
No que tange à alegada nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia, por “não ter tirado as devidas consequências” (sic) de se ter dado como provado que “o Réu BB, à data da abertura das heranças, não possuía quaisquer bens ou rendimentos”, ela não é também fundamento de revista.
No caso dos autos, existe uma situação de dupla conforme, que nos termos do nº 3 do art. 671º, é impeditiva do recurso de revista do acórdão da Relação.
Não admitindo recurso ordinário a decisão alegadamente ferida de uma das nulidades previstas no nº 1 do art. 615º, a parte deve suscitar a nulidade da sentença, ou acórdão, perante o tribunal que proferiu a decisão, nos termos do nº 4 do art. 615º do CPCivil, e não interpor recurso para a instância superior para apreciação da invocada nulidade.
Decisão.
Termos em que se indefere a reclamação e se confirma o despacho de não admissão da revista.
Custas pelo Reclamante.”
“- A prolação do Acórdão a ser proferido pela Conferência de Juízes deverá ter em conta as seguintes questões objetivadas na reclamação apresentada;
- A admissibilidade da versão final, definitiva e verdadeira, das alegações de recurso apresentadas pelo A. recorrente no 1º dia útil após o fim do prazo para sua apresentação;
Entre outros aspectos, nesta parte, invoca-se o seguinte:
“Tendo em conta o conjunto das considerações que se fazem, quer no plano da legislação aplicável quer no plano da quase total e absoluta coincidência, da letra e conteúdo, da versão das alegações apresentadas em segundo lugar, em substituição da primeira, deve a peça processual, em causa, ser admitida como a única e verdadeira versão das alegações de recurso de revista apresentadas pelo A. recorrente;”
- A admissibilidade e procedência da invocada nulidade (Artº 615, nº 1, alínea c) do Código Civil) do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. que não se pronunciou nem teve em conta a nova matéria de facto considerada provada pelo próprio Tribunal da Relação …. (Artº 615, nº 1 alínea d), “ex vi” Artº 674, nº 1 alínea c), ambos, do C.Proc.Civil).
Nova matéria de facto:
“O R. BB à data da abertura das heranças não possuía quaisquer bens ou rendimentos para além dos que constituem as próprias heranças”
- A admissibilidade no que respeita à interposição de recurso na parte em que o tribunal da Relação ……. revogou a decisão da 1ª Instância, de 08.05.2018, que “admitiu a ampliação do pedido com fundamento na Sonegação de Bens cometida pelo R. recorrido (Artº 2096 do C.Civil).
Entre outros aspectos, nesta parte, invoca-se o seguinte:
“A decisão do Tribunal da Relação ….. ao revogar o despacho de ampliação do pedido, em termos práticos e reais, termina por não apreciar nesta parte substantiva (Sonegação de Bens) o comportamento e factos clamorosamente ilícitos praticados pelo R. Recorrido, o qual foi inequivocamente objecto de recurso de apelação (não apreciado), e pretende sê-lo no recurso de revista, tal como consta abundantemente invocado e concluído no texto retórico e conclusões de ambas versões de alegações apresentadas pelo A. recorrente”
O A. reclamante considera aqui como integralmente reproduzidos todos os argumentos, oportunamente, invocados nas suas alegações de recurso de revista e respectivas conclusões, nomeadamente, para a apreciação correta e completa das questões “sub judice”, cuja apreciação e procedência ambiciona com a presente Reclamação e subsequente apreciação do recurso interposto.
Solicita, assim, à Conferência de Juízes se lhe defira a admissão, para apreciação do recurso de revista interposto para este Supremo Tribunal de Justiça.
No entanto à cautela;
Caso V.Exas entendam dever confirmar a decisão singular proferida pelo Sr. Conselheiro Relator solicita que, no que respeita à invocada nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….., motivada pela não pronuncia acerca da nova matéria de facto provada, se remetam os autos para, nesta parte (nulidade) apreciação da invocada nulidade pelo Tribunal da Relação ….. (Artº 615, nº 4 do C.Proc.Civil).
O despacho reclamado, que confirmou a decisão da Relação de não admissão do recurso de revista, indicou que o revista não era de admitir pois que:
- Verifica-se uma situação de dupla conforme, impeditiva do recurso de revista normal;
- A decisão que não admitiu a “segunda versão das alegações” do recurso de apelação, uma decisão interlocutória, não é passível de revista;
- As alegadas nulidades do acórdão da Relação não são, por si só, fundamento de revista.
O Reclamante nada diz sobre estes fundamentos de indeferimento da reclamação, limitando-se a reiterar o que já dissera na reclamação.
A conferência concorda com a decisão singular do relator e respetivos fundamentos, motivo por que a confirma.
Quanto ao pedido de baixa dos autos à 2ª instância, defere-se o mesmo, após trânsito deste acórdão.
Termos em que, em conferência, decide-se indeferir a reclamação e confirmar o despacho do relator que não admitiu a revista.
Sumário:
I - As decisões interlocutórias, isto é, decisões não finais, não admitem, em regra, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações excepcionais previstas no nº 2 do art. 671º
II - Não admitindo recurso ordinário, a eventual nulidade da sentença, ou acórdão, deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a decisão (nº 4 do art. 615º do CPCivil), e não ser interposto recurso com esse fundamento.
Custas pelo Reclamante.
Lisboa, 19.10.2021
Ferreira Lopes (relator)
Manuel Capelo
Tibério Silva