CONTRATO DE DOCÊNCIA
HONORÁRIOS
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REQUISITOS
CRISE ECONÓMICA E FINANCEIRA
Sumário

– Na fundamentação da sentença o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, que por definição não são conclusões, nem generalidades, nem matéria de direito, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do conjunto de factos atendíveis, se integrarem o thema decidendum;

–O regime da alteração anormal das circunstâncias, consubstancia-se num mecanismo revogatório do princípio contratual de pacta sunt servanda, que concede a necessária segurança jurídica, pelo que a tal regime apenas se deve lançar mão em casos limite, e com a devida ponderação, como remédio a uma afectação de forma grave dos princípios da boa fé, reclamados pela tutela da confiança

–A crise económica e financeira que começou em 2008, enquanto alteração anormal, traduzida na impossibilidade prática ou a impossibilidade económica de cumprimento, só se mostra relevante para efeitos do art.º 437.º do CC, desde que haja uma correlação “demonstrada factualmente” entre a crise financeira geral e a actividade económica individual, concreta, de um determinado sujeito.

Texto Integral

ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


      
I–Relatório



1.– A veio interpor ação declarativa com processo comum(1) contra B [ ....COOPERATIVA ...., CRL ], pedindo que a R. seja condenada a pagar as retribuições satisfeitas pelo serviço de docência e o valor acordado de 2.500,00€, no montante de 36.182,61€, acrescida de juros de mora, contados desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
2.–Alega para tanto que no âmbito da atividade da R., explorando um estabelecimento de ensino superior privado, o A. celebrou um contrato que denominaram de “Contrato de Docência em Regime de Tempo Integral”, em 2008, passando a lecionar as disciplinas que a R. lhe atribuía, fazendo avaliação de conhecimentos, prestando assistência aos alunos, orientando teses e estágios, participando nos órgãos de gestão da Universidade e representando a mesma em diversos eventos de âmbito académico.
A R. pagava por cada hora letiva o valor de 25.50€ até 12 h letivas semanais e o valor de 30,00€ a partir de 12h letivas semanais, sendo paga mensalmente catorze vezes por ano, incluindo o período em que aquela estava encerrada para férias.
Após a obtenção do grau académico de Doutor, em 1.10.2010 celebrou com a R. um aditamento ao contrato, ficando estabelecido que o A. passaria a auferir a quantia de 2.500,00€, sujeitos aos devidos descontos.
A partir de fevereiro de 2012, a R. sem consentimento do A. ou qualquer comunicação operou a redução do valor da retribuição, tendo passado a pagar-lhe o valor mensal de 2.250,00€, em março de 2013, 2.137,50€ e em novembro de 2014, pelos serviços prestados em outubro, 280,80€, do mesmo modo em dezembro relativamente a novembro.
Face a tal, o A. resolveu o contrato por carta recebida em 13.01.2015, não prestando mais trabalho.

3.–Citada, veio a R. contestar, alegando que a carga horária letiva podia ser aumentada ou diminuída, com a correspondência dos honorários do A, sendo estes em função do número de horas letivas efetivamente lecionadas por aquele, e face à sua alteração da categoria académica, estando em tempo integral passou a receber a título de honorários, 2.500,00€ mensais.
Acontece que a partir do ano letivo de 2012/2013, perante a severa redução de candidatos, houve a redistribuição do serviço docente a todos os docentes vinculados à R., independentemente do figurino contratual, reduzindo os custos para se manter em funcionamento, pelo que perante a falta de liquidez em outubro de 2014, foi impelida a voltar à equação antes da assinatura do documento complementar de 2010, o que foi tacitamente aceite pelo A, reconhecendo tão só ser devedora de 5.221,60€ líquidos.
Conclui que as alterações produzidas no vínculo contratual se deveram a razões de ordem económico-financeira, justificando-se como um caso de força maior, inexistindo causa objetiva para a resolução do contrato.

4.–Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento de 5.221, 60€.

5.–Inconformado veio o A. interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:

Da impugnação da factualidade

1)–Os pontos 63°, 64°, 65° e 66° da factualidade provada ao fazerem considerações sobre a situação financeira da Ré como “tinha que fechar as portas", “grave situação económico-financeira" e “disponibilidade financeira (...) periclitante" são manifestamente conclusivos, na medida em que qualificam a situação financeira da Ré sem partir de qualquer facto material concreto da vida real que pudesse ser impugnado pelo Autor;
2)–Se a Ré queria retirar qualquer conclusão jurídica da sua situação económico-financeira, tinha que alegar os indicadores da sua situação financeira concreta para que deles se pudesse retirar a conclusão pretendida, nomeadamente tinha que alegar quais eram os seus resultados operacionais, a margem bruta e líquida na prestação dos serviços aos alunos, custos fixos e custos variáveis, liquidez corrente, juntar os seus balanços, ou outros factos concretos que permitissem aferir a saúde da sua situação financeira;
3)–Apenas perante a prova destes factos concretos poderia o Tribunal a quo concluir qual era a situação financeira da Ré;
4)–Verifica-se ainda que estas conclusões não podem resultar da alegada diminuição de alunos da Ré, porquanto, mesmo com menos alunos pode a Ré:
•Ter aumentado os lucros por eliminar cursos ou turmas que não eram rentáveis;
•Ter diminuído os lucros, mas ter mantido um resultado da sua atividade positivo, o qual permita a manutenção dos pagamentos;
•Não ter mantido os lucros, mas ter reservas e património que lhe permitissem ter uma situação económico-financeira saudável.
5)–Face ao exposto, sendo os pontos 63° a 66° da factualidade provada conclusivos, por força do disposto no art.º. 5° e 662°, n° 1 do CPC, devem ser julgados como não escritos e retirado da factualidade provada;
6)–Sem prescindir do que supra se alegou, verifica-se ainda que não foi feita qualquer prova quanto aos factos constantes dos pontos 63°, 64°, 65° e 66° da factualidade provada;
7)–Pelo contrário, contrariando o que afirma a sentença recorrida na fundamentação do julgamento da matéria de facto, as testemunhas da Ré não mostraram ter conhecimento da concreta situação financeira da Ré;
8)–Veja-se neste sentido o depoimento da testemunha LM..... (gravado na audiência do dia 04/11/2020 entre as 10:59:40 e as 11:33:49) no qual este demonstra não conhecer qualquer indicador da situação financeira da Ré;
9)–Face ao supra exposto, deveriam os pontos 63° a 66° da factualidade provada ser julgados como não provados;

Da decisão de Direito

10)–Mesmo que não se altere a factualidade supra impugnada, verifica-se que a factualidade provada impunha uma diferente decisão de direito.

Da alteração das circunstâncias

11)–Entendeu o Tribunal a quo que da prova da crise de 2008 e do resgate financeiro a Portugal no início de 2010, resultava demonstrada a exceção perentória, decorrente da alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437° do CC, que permitiu a modificação da obrigação do pagamento de 2.500,00€ mensais acrescidos do subsídio de férias e subsídio de Natal, decorrente do aditamento ao contrato celebrado em 01/10/2010;
12)–A modificação do contrato com base na alteração das circunstâncias depende da alegação e prova de factos suscetíveis de preencher os seguintes requisitos:
•Uma “alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”;
•Que não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato;
•Que a exigibilidade da obrigação ponha em causa o princípio da boa-fé;
13)–In casu, face à factualidade provada, não está preenchido nenhum destes requisitos;
Da alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar
14)–Quanto a este primeiro requisito, conforme resulta do disposto no art. 342° do CC e no art. 5°, n° 1 e 552°, n° 1, d) do CPC, o recurso ao instituto da alteração anormal das circunstâncias impõe à parte que pretende beneficiar da modificação ou resolução do contrato o ónus de alegar e provar as circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar;
15)–A invocada alteração das circunstâncias tem que estar numa relação de causalidade adequada com o acontecimento extraordinário e imprevisível;
16)–A crise económica ocorrida cinco anos antes dos cortes em causa nos autos e a alegada diminuição do número de alunos não está numa relação de causalidade adequada com a invocada impossibilidade de pagamento dos valores acordados com o Autor;
17)–A diminuição do número de alunos apenas é adequada a demonstrar a impossibilidade de realizar os pagamentos se, concomitantemente, for demonstrado que a diminuição de alunos provocou uma quebra de receitas, do resultado e do património que tornou financeiramente inviável a realização de tais pagamentos, o que, in casu, não aconteceu;
18)–Isto porque, apesar de ter havido uma diminuição do número de alunos a Ré pode:
•Ter aumentado os lucros por eliminar cursos ou turmas que não eram rentáveis;
•Ter diminuído os lucros, mas ter mantido um resultado da sua atividade positivo, o qual permita a manutenção dos pagamentos;
•Não ter mantido os lucros, mas ter reservas e património que lhe permitissem manter os pagamentos acordados.
19)–Também não foram alegadas as condições económicas da Ré no momento em que acordou os pagamentos com o Autor a fim de verificar se estas sofreram ou não alguma alteração;
20)–Face ao exposto verifica-se que não foram alegados os factos constitutivos da decisão de contratar, bem como não foram alegados factos demonstrativos da alteração desses pressupostos que estariam na base da alteração do contrato celebrado com o Autor bem como a relação de causalidade adequada entre eles, pelo que estava desde logo excluída a possibilidade de recurso ao instituto da alteração das circunstâncias do art. 437° do CC;
21)–Esta conclusão é ainda evidente se atentarmos no facto de o instituto da alteração substancial previsto no art. 437° do CC assentar no princípio da boa-fé, na medida em que, a falta de alegação dos factos demonstrativos da situação financeira da Ré, não permite concluir se a realização dos pagamentos acordados se tornou contrária à boa-fé porquanto não se sabe se tinha condições para realizar tais pagamentos;
22)–A falta de alegação destes factos também não permite fazer o necessário juízo de equidade sobre o sacrifício imposto ao Autor se não sabemos qual o sacrifício que a diminuição de alunos importou financeiramente para a Ré;
23)–Sem prescindir da impugnação da factualidade provada, não podemos deixar de notar que a formulação conclusiva constante dos pontos 63°, 64°, 65° e 66° da factualidade provada, não permite concluir ou não pelo preenchimento destes requisitos, na medida em que não contêm factos concretos que permitam a avaliação suprarreferida;
24)–Por outro lado, verifica-se que o art. 437° do CC exige que a alteração das circunstâncias decorra de uma alteração da base negocial posterior à celebração do contrato e que não era antecipável pelas partes;
25)–Ora, in casu, considerando que a Ré invocou e o Tribunal a quo reconheceu, que o fundamento da alteração das circunstâncias foi “a crise económica que se veio a verificar desde 2008" e o resgate financeiro “no início de 2010" (ponto 54 da factualidade provada), verifica-se que os alegados factos modificativos das circunstâncias são anteriores à alteração do contrato ocorrida em 01/10/2010 (ponto 17 da factualidade provada);
26)–A isto acresce que, em outubro de 2010, data em que foi alterado o contrato, era previsível que a situação económica decorrente da crise de 2008 (ou seja, dois anos antes) e do resgate do "início de 2010" iam trazer um impacto económico em todas as atividades económicas e, no caso da Ré, uma diminuição de alunos;
27)–Face ao exposto, dados os suprarreferidos requisitos do art. 437° do CC, a alteração das circunstâncias não se pode basear numa situação que já existia quando foi celebrado o contrato que se pretende modificar, porquanto este não é superveniente nem imprevisível;

Dos riscos do contrato de prestação de serviço docente

28)–Sem prescindir do que se alegou nas conclusões anteriores, verifica-se que a variação do número de alunos faz parte dos riscos próprios da atividade de uma universidade privada, na mesma medida em que a variação da clientela faz parte de qualquer negócio, pelo que a diminuição do número de alunos nunca poderia ser considerada para a alteração das circunstâncias em que as partes assentaram a vontade de celebrar o contrato incumprido nos autos;
29)– A isto acresce que, in casu, conforme resulta da factualidade provada, a Ré voluntaria e expressamente assumiu perante o Autor o risco da variação do número de alunos, tornado essa variação um risco próprio do contrato que vigorava entre as partes;
30)–Veja-se que, conforme resulta dos pontos 11°, 12°, 13° e 17° da factualidade provada, inicialmente a remuneração acordada variava de acordo com as necessidades da Ré e o número de alunos inscritos nos cursos ministrados pela Ré;
31)–Após a alteração ao contrato de 01/10/2010 essa variação desapareceu, ou seja, independentemente do número de alunos da Ré e independentemente do número de horas atribuídas ao Autor, a Ré acordou pagar-lhe um valor fixo, passando a Ré expressamente a assumir o risco da variação do número de alunos e da maior ou menor necessidade do trabalho do Autor;
32)–Face ao exposto é evidente que a variação do número de alunos fazia parte dos riscos próprios do contrato em vigor entre as partes;
33)–Para além do supra alegado, como é entendimento da doutrina e da jurisprudência, para verificar se o evento extraordinário faz ou não parte dos riscos próprios do contrato é necessário que se verifique uma correlação direta entre este evento e a alteração que o mesmo provocou;
34)–In casu seria necessário demonstrar que a crise financeira de 2008 e o resgate financeiro “no início de 2010" (ponto 54 da factualidade provada) provocaram uma acentuada redução no número de alunos no ano de 2013;
35)–Ora, não foi alegado nem provado qualquer facto que demonstre uma correlação entre a crise económica de 2008 e 2010 e a redução do número de alunos ocorrida em 2013, o que, desde logo, punha em causa o preenchimento deste requisito;
36)–A isto acresce que há dois factos públicos e notórios relacionados com a Ré, os quais ocorreram no ano de 2012 e 2013, mas cujas consequências se prolongaram no ano de 2013 e seguintes, que explicam esta diminuição de alunos, nomeadamente:
•O denominado "Caso R.....”, decorrente do facto de a Ré ter atribuído uma licenciatura ao ex-ministro MR e a outras pessoas sem que estivessem preenchidos os requisitos legalmente exigidos para tal e a consequente descredibilização dos cursos por si ministrados;
•O denominado "Caso do Meco”, em que alunos da Ré faleceram num ritual de praxe na Praia do Meco.
37)–Ora, estes factos e especialmente o denominado "Caso R....”, na medida em que põe em causa a credibilidade pública dos cursos ministrados pela Ré, são muito mais suscetíveis de ter determinado a alegada diminuição de alunos do que a crise financeira que começou cinco anos antes da verificação da diminuição do número de alunos invocada;
38)–Face ao exposto, é evidente que, face à factualidade provada, não se mostravam preenchidos os requisitos do art. 437° do CC.

Da exigibilidade da obrigação e do princípio da boa-fé

39)–Nos termos já alegados, para a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias do contrato é necessário que o evento superveniente e imprevisível tenha criado uma situação que torne a exigibilidade da obrigação contrária ao princípio da boa- fé;
40)–Dando como reproduzidas as conclusões 14 a 19, verifica-se que não foram julgados como provados factos demonstrativos da inexigibilidade da obrigação face ao princípio da boa-fé porquanto, sem que tenham sido alegadas as concretas condições financeiras da Ré:
•Não é possível avaliar se a diminuição de alunos teve algum impacto na sua capacidade de manter os pagamentos acordados com o Autor;
•Não sabemos que impacto a diminuição de alunos teve nas condições financeiras da Ré, pelo que não é possível verificar se era contrário à boa-fé manter a exigibilidade dos pagamentos nos termos acordados; e
•Não tendo sido alegadas as condições financeiras da Ré, como é possível verificar que as modificações operadas foram feitas de acordo com um juízo de equidade.
41)–Para além do que foi supra alegado, é ainda de notar, que, tal como é entendimento da doutrina e da jurisprudência, baseando-se este instituto no princípio da boa-fé, é necessário que as partes atuem de acordo com este princípio, impondo-se à parte que pretenda beneficiar da modificação do contrato devido à alteração das circunstâncias que, antes de operar qualquer alteração ao contrato, procure encontrar uma solução consensual negociada entre as partes;
42)–Ora, conforme resulta da factualidade provada, nomeadamente dos pontos 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23° e 24° da factualidade provada a Ré não encetou qualquer negociação com o Autor conforme lhe impunham os ditames da boa-fé, tendo simplesmente deixado de pagar os valores acordados;
43)–A isto acresce que as reduções operadas na remuneração do Autor são totalmente desproporcionadas e contrárias ao princípio da boa-fé, na medida em que:
•Em fevereiro de 2012 passou a pagar 90% do valor acordado;
•Em março de 2013 passou a pagar 85% do valor acordado; e
•Em dezembro de 2014 passou a pagar 11% do valor acordado.
44)–Por outro lado, também não temos conhecimento que a Ré tenha operado tais reduções aos restantes prestadores de serviços. Por exemplo, não temos conhecimento que a Ré tenha pago menos 89% da fatura da EDP invocando a alteração das circunstâncias;
45)–Por fim, o Autor também não passou a poder pagar menos 10% dos valores das portagens e combustíveis que necessitou de consumir para prestar os serviços acordados com a Ré tendo, pelo contrário, visto o seu rendimento diminuído pelo facto público e notório decorrente da sobretaxa de IRS imposta pela Lei 49/2011, a qual se aplicou aos rendimentos auferidos desde junho de 2010;
46)–Assim, face ao supra exposto, ao ter verificado a alteração das circunstâncias, o Tribunal a quo violou o disposto nos art. 342 e art. 437° do CC e no art. 5°, n° 1 e 552°, n° 1, d) do CPC;

Da mora do lesado

47)–Ainda que estivessem preenchidos os supra equacionados requisitos positivos para a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, o que apenas hipoteticamente se pode equacionar, verifica-se que o Tribunal a quo ignorou o requisito negativo da aplicação deste instituto, previsto no art. 438° do CC, e que determina que “a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou";
48)–Isto porque, conforme resulta da factualidade provada, no momento em que a Ré alega que se verificou a alteração das circunstâncias, ou seja, quando unilateralmente reduziu o vencimento do Autor, já se encontrava em mora nos pagamentos acordados. Nomeadamente:
Conforme resulta dos pontos 18°, 19° da factualidade provada, a Ré estava em mora no pagamento das prestações relativas ao subsídio de férias e de Natal de 2010 e Subsídio de Natal de 2011;
•Conforme resulta dos pontos 18°, 19°, 20°, 67° e 70° da factualidade provada, a partir de fevereiro de 2012 a Ré deixou de pagar ao Autor o valor acordado, tendo ainda reduzido os valores pagos em março de 2012 e em dezembro de 2013;
49)–A tudo isto acresce que, conforme a Ré confessa no artigo 98° da contestação e resulta dos pontos 18° e 19° da factualidade provada, a Ré estava em mora e continua até hoje, no pagamento das prestações relativas a:
•14.a fração de docência de 2012;
•13.a fração de docência de 2013;
•14.a fração de docência de 2013;
•13.a fração de docência de 2014; e
•14.a fração de docência de 2014.
50)–Face ao exposto, o ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no art. 438° do CC;

Da condenação no pedido

51)–Não se aplicando o instituto da alteração das circunstâncias, nos termos supra alegados, verifica-se que se impunha a condenação da Ré no pedido porquanto, conforme resulta dos pontos 17°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24° e 49° da factualidade provada, a Ré acordou com o Autor o pagamento do montante de 2.500,00€ mensais acrescidos de subsídio de férias e de Natal e não cumpriu essa obrigação;
52)–Assim, ao não condenar a Ré nos pedidos, a sentença recorrida violou o disposto no art. 762° do CC;

Da condenação no pedido

53)–A sentença recorrida condenou a Ré no pagamento do montante de 5.221,60€, de que esta se confessou devedora;
54)–Contudo, face à factualidade provada nomeadamente o ponto 19° da factualidade provada e conforme decorre do artigo 98.° da contestação da Ré, esta confessou-se devedora das seguintes quantias:
•14.a fração de docência de 2012 no valor de 2.270,83€;;
•13.ª fração de docência de 2013 no valor de 2.193,75€;
•14.ª fração de docência de 2013 no valor de 2.156,25€;
•13.ª fração de docência de 2014 no valor de 1.710,00€; e
•14.ª fração de docência de 2014 no valor de 1.198,33€;

55)– Tudo num total de 9.529,16€.
56)–Ora, considerando a condenação efetuada, a Ré apenas teria que proceder ao pagamento do valor de 5.221,60€, aos quais teria o Autor que proceder aos necessários descontos relativos a IRS e a Segurança Social.
57)Face à confissão da Ré impunha-se que a sentença recorrida tivesse condenado a Ré no pagamento de 9.529,16€, aos quais, no momento do pagamento, deveria proceder à necessária retenção dos valores de IRS e Segurança Social;
58)–A isto acresce que, conforme resulta da petição inicial, nomeadamente do petitório, o Autor peticionou o pagamento dos “juros de mora, contados desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento";
59)–Ora, nos termos do art. 804°, 805°, n° 2, a) e 806° do CC, as obrigações pecuniárias com prazo certo, conforme as que estão em causa nos autos, vencem juros de mora desde o seu vencimento até ao seu integral pagamento;
60)–Considerando que a Ré confessou a mora no pagamento das referidas quantias, ao não a condenar no pagamento dos devidos juros de mora, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 804°, 805°, n° 2, a) e 806° do CC.

Pelo exposto,
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, anulando-se a sentença recorrida e:
i.-Alterando a factualidade provada e não provada nos termos referidos nas conclusões supra;
ii.-Reapreciando a matéria de direito e condenando a Ré nos pedidos; e
Subsidiariamente a
iii.-Reapreciando a matéria de direito e condenando a Ré no pagamento do montante de 9.529,16€ (nove mil quinhentos de vinte e nove euros e dezasseis euros e dezasseis euros, acrescidos de juros de mora, contados desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

6.–O R. nas suas contra-alegações apresentou as seguintes conclusões:
1.-Conforme aludido, por decisão proferida em 26 de fevereiro de 2021 a fls. (?) dos autos, o Douto Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, absolveu a Recorrida da maioria dos pedidos formulados pelo A/Recorrente.
2.-A R., aqui Recorrida, concorda com a decisão proferida, na sua maioria, a coberto da sentença em apreço no tocante à decisão sobre a matéria de facto, dando a sua anuência total à decisão de direito.
3.-Além disso, não vislumbra a Recorrida que a decisão sobre a matéria de facto evidencia, na sua essência, qualquer erro grave na apreciação, análise e valoração da prova e, bem assim, erro de julgamento.
4.-A livre convicção do julgador não pode deixar de ser um processo de formação da decisão do Tribunal, que é suscetível de apreensão e compreensão.
5.-Aliás, quanto mais lograda for a apreensão e compreensão da formação dessa convicção, mais fácil será o seu reconhecimento, contribuindo-se dessa forma para a legitimação da decisão do Tribunal.
6.-Diante do exposto, afigura-se-nos manifesto que o Tribunal a quo valorou acertadamente a larga maioria das respostas que deu aos factos levados para os autos, tanto pelo A./Recorrente como pela R/Recorrida, não obstante, o primeiro, aqui Recorrente, vir contestar o julgamento da matéria de facto e decisão de direito.
7.-o Recorrente alegar que não tinha conhecimento da grave crise económico- financeira que Portugal experienciava e que, por inerência, a Recorrida também.
8.-Ignorar que o ensino superior público e privado, em especial este último, experienciou um acentuado decréscimo na inscrição de alunos é revelador da postura, quase obstinada, de escamotear a realidade que se vivia em Portugal e, em particular, no ensino superior privado.
9.-das inúmeras testemunhas auscultadas em Audiência de Discussão e Julgamento, nenhuma se referiu aos referidos processos como elementos catalisadores que contribuíram para a diminuição do número de alunos nas respetivas salas de aulas.
10.-em bom rigor, esse não foi o circunstancialismo que edificou a redução do número de alunos, mas sim, sendo público e notório, a crise económica, financeira e social experienciada em Portugal, a partir do ano de 2012.
11.-Esta redução abrupta de alunos inscritos nos estabelecimentos de ensino superior é demonstradora do fenómeno atípico de natureza económico-social que se fez sentir, em primeira linha e no caso particular, nas instituições de ensino superior privado.
12.-Com efeito, não restam dúvidas de que a Ré, como decorreu dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, se encontrava numa grave situação económico-financeira que a impeliu, de molde a sobreviver, a abordar a alteração contratual com o autor.
13.-Alteração contratual que o Autor/Recorrente aceitou sem quaisquer reservas, conforme se infere do Depoimento do Autor. Aliás, o Recorrente bem sabia que a Recorrida perpassava por problemas económicos. Note-se, não haveria nenhuma razão plausível para em 2010 convencionar um valor fixo de avença pela docência e, volvidos dois anos, retroceder nessa convenção obrigacional sem razão aparente justificativa.
14.-Como tal, perante o exposto, devem os pontos 63 a 66, porque impugnados, manterem-se como provados, tendo, por conseguinte, o Tribunal a quo feito a adequada fundamentação dos pontos de factos descritos.
15.-Nesse sentido, o Tribunal a quo encontrou arrimo nos depoimentos prestados e, assim, no que tange aos pontos em questão da matéria de facto dado por provada, bem andou o Tribunal a quo.
16.-Ainda sem prescindir, importa alegar que a R/Recorrida é uma instituição privada e como certamente o A/Recorrente se recordará, todos, praticamente sem exceção, até na Função Pública, viram os respetivos vencimentos reduzidos decorrente da crise pandémica-financeira que assolou Portugal desde o ano de 2011 até 2015.
17.-Em apenas 3 anos letivos a ULHT perdeu, apenas no tocante a alunos inscritos nas licenciaturas, aproximadamente, 3200 alunos.
18.-Com efeito, todos os docentes, incluindo o Recorrente, sabiam que a disponibilidade financeira da Recorrida, conjugada com a grave crise económica e a falta de alunos (o único meio de sustento da R), era deficitária.
19.-Todos os docentes, independentemente do ciclo de estudos ou da área académica, incluindo o Recorrente, estavam cientes da grave situação económico-financeira em que se encontrava a R.
20.-Alteração, por isso, anormal das circunstâncias que motivou a redução dos honorários do Recorrente no período em que Portugal esteve, verdadeiramente, submergido numa grave crise económico-financeira e política com consequências nefastas para a nossa sociedade e, em particular, para a Recorrida.
21.-Em bom rigor, mesmo que agora diga o contrário, o Recorrendo aceitou a modificação do contrato. O Recorrente tinha perfeito conhecimento da conjuntura económica à data dos factos, e o seu comportamento - continuar a lecionar - demonstrou inequivocamente que aceitou a modificação do contrato.
22.-E esta aceitação revela-se pela conduta do Recorrente que demonstrou a intenção de aceitar a modificação. Pois se não aceitasse, teria tomado outras providências e não as tomou.
23.-Em boa verdade, por tudo o que se passou naquele período o Recorrente percebeu e assimilou a gravidade da situação que se repercutiu naturalmente no mundo da academia
24.-A Recorrida foi onerada a operou uma enorme restruturação com a banca e, mesmo assim, impelida a vender património, conforme testemunhou LM......
25.-Um último ponto importa referir, alega o A/Recorrente que a Ré/Recorrente se confessou devedora de 9.529,16€, o que se afigura totalmente ilusório e, por isso, falso.
26.-Em momento algum a Ré se confessou devedora da mencionada quantia, pelo que se impugna expressamente!
27.-Com efeito, o Tribunal a quo fez uma análise cuidada, rigorosa e ponderada da maioria da prova produzida em audiência de julgamento, não se vislumbrando, por inexistente, qualquer erro do Julgador na livre apreciação da prova.
28.-O Tribunal a quo analisou criticamente as provas produzidas e especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção. E fê-lo sem mácula, inclusive quanto à análise dos depoimentos das testemunhas arroladas tanto pelo A/Recorrente como pela Recorrida., - basta uma simples leitura dos trechos em causa para facilmente se concluir que dele não se podem retirar as ilações que o A/Recorrente pretende.
29.-A convicção do Tribunal a quo encontra total suporte nas aludidas provas, e, além disso, surpreende-se uma motivação especialmente cuidada da decisão da matéria de facto, à qual aderimos na integra e aqui consideramos totalmente reproduzida.
30.-Não há, pois, qualquer razão (nem, na realidade, o Recorrente a consegue apresentar) para censurar a decisão sobre a matéria de facto.
31.-A Recorrida atuou em conformidade com a lei, pois, atuou em estado de necessidade perante uma gritante alteração das circunstâncias, preenchendo cumulativamente todos os requisitos necessários para aplicabilidade deste instituto.
32.-E este desequilíbrio contratual que existia é considerado pelo art.° 437.° do Código Civil, como um fundamento para a parte lesada - aqui Recorrida - proceder à sua modificação segundo juízos de equidade. O que fez!!
33.-Esta alteração, consubstanciada na anormalidade, foi aceite pelo Recorrente, tendo este demonstrado, através do seu comportamento concludente, essa aceitação, na esteira dos artigos 234.° e 217.° ambos do Código Civil.
34.-Com efeito, o A./Recorrente erra ao pretender a reposição de valores remuneratórios fundada num oportunista princípio de irreversibilidade salarial, decorrente de um pretenso vínculo laboral, tal como apresentou no Processo Laboral com o n.º 3749/15.0T8VIS.C2 (já transitado em julgado, não tendo sido reconhecido o vínculo laboral, não sendo, por isso, convocável para o caso que se apresenta.
35.-Pelas razões acima aduzidas as verbas referidas alegadas não são devidas a qualquer título e, bem assim, a R. não pode aceitar o quantum pecuniário reclamado pelo A/Recorrente porquanto assenta em pressupostos errados, pois, como ficou alegado e demonstrado, a relação que existiu tratou-se de uma relação de prestação de serviços de docência, à qual não é aplicável a legislação laboral.
36.-Termos em que deverá ser julgado totalmente improcedente mantendo-se inalterada a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré/Recorrida dos pedidos formulados pelo A.

7.–Cumpre apreciar e decidir.

***

II–Os factos
Na sentença sob recurso foram considerados como provados os seguintes factos:
1.-A Ré é uma cooperativa que se dedica a explorar estabelecimentos de ensino e formação profissional.
2.-No âmbito desta sua atividade a Ré explora um estabelecimento de ensino superior privado denominado Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT).
3.-Em 29/09/2008, o Autor celebrou com a Ré um contrato que denominaram de “Contrato de Docência em Regime de Tempo Integral” conforme doc. 3 junto e se dá como reproduzido.
4.-Neste contrato a Ré “admit[iu] o Autor ao seu serviço”, “para exercer funções de docente do Ensino Superior, atribuindo-lhe a categoria académica de Assistente para exercer as suas funções em regime de Tempo Integral de molde a preencher os requisitos predefinidos pelo Ministério de tutela” (cláusula 1a).
5.-Por sua vez, o Autor obrigou-se a prestar o trabalho correspondente a tal função, nos termos determinados pelos “órgãos académicos competentes” e a “contribuir para a gestão democrática da universidade”.
6.-Em 01/03/2009, a pedido da Ré, o Autor subscreveu um contrato, de conteúdo em tudo idêntico ao contrato referido nos artigos anteriores, conforme doc. 4 junto e se dá como reproduzido.
7.-Tal como se obrigou o Autor desde 29/09/2008 sempre prestou o seu serviço para a Ré, nos termos contratados, lecionando as disciplinas que esta lhe atribuiu, fazendo a avaliação de conhecimentos, prestando assistência aos alunos, orientando teses e estágios, participando nos órgãos de gestão da Universidade e representando a mesma em diversos eventos do âmbito académico.
8.-Durante a prestação do serviço o Autor esteve disponível para lecionar as disciplinas que, de acordo com a sua formação, a Ré lhe foi atribuindo.
9.-Assim, durante a vigência dos contratos o Autor lecionou as seguintes disciplinas:
•Cálculo I;
•Cálculo II;
•Álgebra Linear;
•Introdução à Investigação Operacional.
(Tudo isto conforme doc.5 junto e se dá como reproduzido).
10.-Tendo lecionado todas as aulas programadas pelos órgãos académicos da ULHT sem que lhe tenha sido marcada nenhuma falta.
11.-De acordo com o acordado na celebração do contrato referido, a Ré pagava ao Autor, por cada hora letiva, o valor de 25,50€ até 12h letivas semanais e o valor de 20,00€ a partir das 12h letivas semanais.
12.-Tendo em conta tal valor e o horário atribuído, a Ré pagava ao Autor uma retribuição correspondente a: 4 x N.º de horas letivas x Valor/h.
13.-Esta retribuição era paga mensalmente, 14 vezes por ano, no mesmo momento temporal em que são recebidos os subsídios de férias e de Natal, incluindo os meses em que a ULHT se encontrava encerrada para férias e em que o Autor não prestava qualquer serviço.
14.-O Autor, em julho de 2010, obteve o grau de Doutor através do Curso de Doutoramento em Matemática ministrado pela Universidade de Aveiro.
15.-Após a obtenção deste título académico, a Professora Doutora Teresa Almada, Coordenadora da Área Científica da Matemática da ULHT, em 13/09/2010, enviou uma carta ao Professor Doutor Manuel Damásio, Administrador da ULHT.
16.-Nesta carta, a Professora Doutora Teresa....., face às qualidades científico-pedagógicas do Autor, propunha a alteração da categoria profissional do Autor para Professor Auxiliar em regime de tempo integral, com um vencimento de 2.500,00€ mensais.
17.-Em 01/10/2010, o Autor celebrou com a Ré um aditamento aos contratos referidos no qual foi acordado que o Autor passaria a auferir a quantia de 2.500,00€ mensais, sujeita aos devidos descontos legais.
18.-A Ré não cumpriu a obrigação de pagar ao Autor a retribuição acordada.
19.-Verifica-se então que, desde a supra referida alteração ao contrato, a Ré pagou ao Autor os seguintes montantes:
(...)
20.-A partir de fevereiro de 2012, a Ré, sem o consentimento do Autor e sem qualquer tipo de comunicação, operou uma redução no valor da retribuição acordada, tendo-lhe passado a pagar o montante de 2.250,00€.
21.-A partir de março de 2013, a Ré, sem o consentimento do Autor e sem qualquer tipo de comunicação, operou uma nova redução ao valor da retribuição acordada, tendo-lhe passado a pagar o montante de 2.137,50€.
22.-Para além da falta de pagamento de outras prestações retributivas, em novembro de 2014, a título de remuneração pelos serviços prestados em outubro de 2014, a Ré apenas entregou ao Autor o montante de 280,80€.
23.-Em dezembro de 2014, a título de retribuição pelos serviços prestados em novembro de 2014, a Ré apenas entregou ao Autor o montante de 280,80€.
24.-No entanto, mesmo após várias insistências do Autor junto dos serviços de pessoal, a Ré não pagou o remanescente da retribuição contratada e em dívida.
25.-Não podendo sustentar tal situação, uma vez que a sua subsistência dependia da retribuição que auferia, o Autor, em janeiro de 2015, invocando o art. 394.º, n.º 1, nº 2, a) e n.º5 e 395.º, n.º 1 do CT, tendo em conta que sempre entendeu estar perante um contrato de trabalho, passando a configura-lo como “prestação de serviços de docência” apenas após a decisão proferida no Tribunal de Trabalho, resolveu o “contrato de trabalho” por carta registada com aviso de receção.
26.-Carta esta que foi recebida em 13/01/2015 e que não teve qualquer resposta por parte da Ré.
27.-Em conformidade com o que declarou na referida carta, desde a receção da mesma, deixou o Autor de prestar qualquer trabalho para a Ré, sendo que esta não pagou qualquer das quantias em falta.
28.-A carga horária letiva foi sempre acordada, distribuída e fixada por semestre letivo entre o docente, aqui A, e a direção/secretariado dos órgãos académicos.
29.-A R. COFAC não tinha qualquer tipo de intervenção nesta tarefa estritamente académica.
30.-Desde o início do contrato em 29/09/2008 até outubro de 2010, tal carga horária para cada semestre letivo podia, como aliás aconteceu, ser aumentada, reduzida ou até excluída e, em consequência, respetivamente aumentados, reduzidos ou excluídos os honorários do A.
31.-Tais oscilações da carga horária letiva tiveram reflexo na contraprestação percebida pelo A.
32.-E a tais oscilações o A nunca instou a Ré sobre o sucedido.
33.-Caso o órgão académico não atribuísse, por qualquer motivo, qualquer hora letiva, não percebia, nesse semestre letivo, qualquer prestação pecuniária a título de honorários.
34.-As partes (R., por um lado, e A., por outro) não acordaram, nem executaram em momento algum da prestação contratual aqui em crise, qualquer horário mínimo, dentro do qual o docente teria, obrigatoriamente, de prestar serviço à R. ou manter-se disponível, ao contrário do que é alegado no art.º 13 da pi.
35.-O percurso do A na instituição, a sua carga horária semanal não permaneceu fixa.
36.-E a estas vicissitudes contratuais respondeu o A sem reserva e sem questionar a natureza jurídica e o alcance do modelo da avença acordada.
37.-Estaria o A, assim, sujeito a critérios científicos e pedagógicos moldados em função da afluência de alunos e dos desígnios educativo e, por conseguinte, variável de ano para ano.
38.-Estas circunstâncias, pela sua inexorabilidade, impuseram contratualmente um regime remuneratório variável - a título de honorários - consoante o número de horas efetivamente prestado, que o A sempre aceitou sem reservas, conforme se atesta no quadro sinóptico que aqui se reproduz:
(...)
39.-O serviço acordado com o A, de 2008 a outubro de 2010, foi pago em função de um resultado mensal: o número de horas letivas efetivamente lecionadas pelo A. em cada mês.
40.-A contraprestação devida pelo serviço prestado foi sempre apurada mensalmente em função do valor/hora tabelado e com referência à carga horária acordada e às aulas efetivamente lecionadas em cada mês, ou seja, um resultado mensal!
41.-O A., sempre que não lecionasse, não lhe eram pagas as aulas não lecionadas, sem prejuízo de as poder compensar. - o que aconteceu!
42.-Não era, pois, uma contraprestação certa, porquanto oscilava em função da carga horária letiva acordada pelo A no seio dos órgãos académicos e do número de horas efetivamente lecionadas.
43.-Tal oscilação sempre foi conhecida do A e nunca, durante o período de colaboração, sobre ela levantou qualquer tipo de questão junto da R.
44.-Pois, sempre soube os termos em que acordou ser pago pelo serviço prestado.
45.-Quanto mais serviço letivo fosse atribuído (horas letivas), maior seria o valor a receber pelo A., e, vice-versa.
46.-Tal avença foi liquidada em prestações mensais, às quais sempre acresceram duas frações suplementares (13.a e 14.a frações), totalizando 14 prestações anuais, caso o A, tivesse serviço docente atribuído nos dois semestres.
47.-O valor de tais frações (13.a e 14.a) fora apurado, durante o referido temporal, proporcionalmente em função do serviço prestado pelo A. no ano letivo.
48.-Em momento algum o A levantou qualquer impedimento às oscilações remuneratórias.
49.-Com a referida alteração de categoria académica, o A que já estava em tempo integral, propôs-se à Direção da R que o A recebesse a título de honorários, mensalmente, a quantia pecuniária de 2.500,00€.
50.-O A, que tinha sido auscultado previamente a esta alteração, aceitou livremente o documento contratual.
51.-Nos primeiros meses após a alteração contratual foi liquidando os valores contratualizados, pese embora pontuais atrasos e incorreções dos serviços.
52.-Mesmo que a R não liquidasse o montante convencionado, fazia-o no mês subsequente, através de acertos.
53.-Quanto maior fosse o número de alunos inscritos, mais turmas abririam, mais acentuada seria a distribuição de serviço, caso fosse aceite pelo docente, e, em consequência, maior seria a contraprestação monetária a perceber por este, e vice-versa, como aliás, aconteceu.
54.-Devido ao aumento do endividamento público dos países do sul da Europa, em particular Portugal, Grécia e Espanha, e depois da crise europeia se agravar com o resgate à Grécia no início de 2010, foi necessária ajuda financeira (FMI) e diversos planos de recuperação austeros a aplicar aos países devedores.
55.-O ensino superior público e privado, em especial este último, experienciou um acentuado decréscimo na frequência de alunos.
56.-Todo o ensino superior, em especial e para o que nos interessa a R, foi alvo de um fenómeno atípico de natureza económico- social e que se fez sentir, em primeira linha, nas instituições de ensino superior privado.
57.-O número de alunos inscritos no 1.° Ciclo de estudos da ULHT, como o atesta o quadro sinóptico que infra se reproduz, revelou um acentuado decréscimo em apenas 3 anos lectivos
(...)
58.-Em apenas 3 anos letivos a ULHT perdeu, apenas no tocante a alunos inscritos nas licenciaturas, aproximadamente, 3200 alunos.
59.-No que concerne em específico ao número de alunos no 1.º e 3.º Ciclos de Estudos, respetivamente Licenciatura e Doutoramento em Matemática, ciclos em que o A lecionou, verifica-se nos quadros infra - figura B e C - um número reduzido de alunos inscritos na ULHT:
(figura B - Evolução do n.º de alunos inscritos na Licenciatura em Matemática da ULHT - incluindo pré-bolonha)
(...)
60.-Também por ser deveras elucidativo, veja-se o decréscimo do número total de alunos inscritos na ULHT (incluindo cet's(2), licenciaturas, mestrados e doutoramentos):
(...)
61.-Diante de um panorama que evidenciava uma severa redução de candidatos a partir do ano letivo 2012/2013, entendeu a Reitora da ULHT, conjuntamente com a Direção da COFAC, no âmbito das competências assinaladas e em consonância com os Diretores das Faculdades que integram a Universidade e outras instituições de ensino superior do denominado “Grupo Lusófona”, pugnar pela redistribuição do serviço docente a todos os docentes vinculados à R, independentemente do figurino contratual
62.-Reduzir percentualmente os montantes pagos a títulos de honorários ao A. de molde a evitar a desvinculação definitiva de alguns professores e, com esta medida, suavizar o prejuízo a todos causado pela grave crise económica e social que assolou o país.
63.-À data dos factos, a R tinha forçosamente, sob pena de fechar portas, que reduzir custos para se manter em funcionamento – não escrito(3).
64.- Todos os docentes das instituições de ensino que constituem o designado “Grupo Lusófona”, incluindo o A, estavam cientes da grave situação económico-financeira em que se encontrava a R. – não escrito(4).
65.-Todos os docentes, incluindo o A, sabiam que a disponibilidade financeira da R, conjugada com a grave crise económica e a falta de alunos (o único meio de sustento da R), era periclitante. – não escrito(5).
66.- Todos os docentes, independentemente do ciclo de estudos ou da área académica, incluindo o A, estavam cientes da grave situação económico-financeira em que se encontrava a R. – não escrito(6).
67.-No que ao caso nos importa, em meados de abril, a Professora Teresa..... teve uma reunião com a Administração/Reitoria da ULHT e Direção da COFAC, onde lhe foi transmitido, dada a indisponibilidade económico-financeira da R, a percentagem a reduzir aos honorários dos docentes que faziam parte do Departamento de Matemática.
68.-Tal como aconteceu no Estado.
69.-Não obstante os esforços infrutíferos em que a R tudo fez para tal não acontecer, a avença mensal que o A recebia foi minorada em 10%.
70.-A Professora Teresa..... transmitiu aos docentes Aleksandar ....., João....., Nuno..... e ao A que seria necessário reduzir em 10% do valor acordado, dada a grave crise que assoberbava a R.
Com relevo para a decisão da causa, foi considerado não provado:
1.-Os citados docentes, incluindo o A, dado o circunstancialismo sui generis da conjuntura que a R atravessava, aceitaram a redução de 2.500,00€ para 2.250,00€.
2.-O A demonstrou a sua anuência à alteração contratual.
3.-O A sabia se não fosse uma questão de sobrevivência da R, estes cortes não se verificariam e, por isso, aceitou a redução de 10% no valor acordado.
4.-Não obstante as dificuldades financeiras da R, mesmo em tempos incertos, ao longo da relação contratual, a R foi repondo os valores acordados, incluindo os valores devidos ao A.

***

III–O Direito

Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 635.º, 608.º e 663.º, do vigente CPC(7), não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3.
No seu necessário atendimento, a saber está se como pretende a Recorrente, devem ser dados como não provados os pontos 63.º a 66.º da decisão sobre a matéria de facto, bem como não verificada a alteração das circunstancias, nos termos do art.º 437, do CC, e caso assim não se entenda, alterar a condenação realizada, tendo em conta a confissão da Recorrida e o pedido formulado de condenação em juros de mora.
Pugna a Recorrida pela manutenção do decido.

a)–Da matéria de facto

Pretende a Recorrente que os pontos 63.º a 66.º contém matéria conclusiva, e assim devem ser considerados como não escritos, nos termos do art.º 5 e 662, n.º1, contrapõe a Recorrida que a prova realizada foi no sentido do consignado.
No conhecimento, o vigente Código de Processo Civil não dispõe de uma disposição como a constante no anterior diploma, o art.º 646, n.º 4, que consignava que se consideravam como não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito, entendendo-se que pese embora não contemplando expressamente o caso de resposta de matéria de facto vaga, genérica e conclusiva, em termos jurisprudenciais mostrava-se consolidado o entendimento que por via analógica, tal disposição era de aplicar às situações em que em causa estivesse um facto conclusivo, por se reconduzirem a um juízo de valor que devia ser extraídos de factos concretos, que deviam ser objeto de alegação e prova, na medida em que se integrassem no thema decidendum(8).

Tal entendimento, contudo, encontra respaldo no Código de Processo Civil em vigor, tendo em conta o disposto no art.º 607, n.º4, porquanto na fundamentação da sentença o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, que por definição não são conclusões, nem generalidades, nem matéria de direito.

Deste modo, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do conjunto de factos atendíveis, se integrarem o thema decidendum, tido como o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo, pelo que “(…) sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado (…)(9), sabendo-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, competindo a estas alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, art.º 5, n.º1.

Reportando-nos aos autos, em causa estão os pontos 63.º a 66.º, a saber:
63.- À data dos factos, a R tinha forçosamente, sob pena de fechar portas, que reduzir custos para se manter em funcionamento.
64.- Todos os docentes das instituições de ensino que constituem o designado “Grupo Lusófona”, incluindo o A, estavam cientes da grave situação económico-financeira em que se encontrava a R.
65.- Todos os docentes, incluindo o A, sabiam que a disponibilidade financeira da R, conjugada com a grave crise económica e a falta de alunos (o único meio de sustento da R), era periclitante.
66.- Todos os docentes, independentemente do ciclo de estudos ou da área académica, incluindo o A, estavam cientes da grave situação económico-financeira em que se encontrava a R.

No concerne à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, de forma sintética e global consignou-se, na parte que releva:
Da crise financeira, económica e social - Facto público notório
Da sua repercussão na Universidade, no depoimento das testemunhas da Ré, que foram unânimes na situação periclitante desta, devido à redução de alunos, com consequente diminuição de cursos e turmas, tendo sido anunciado tal facto, ao Autor e demais colegas, (….), todos sabiam que os cortes no vencimento não seriam repostos(…) Quanto aos depoimentos das testemunhas da Ré LM..... e DM....., que incidiram sobre a situação financeira da Universidade e dos cortes salariais, que foram transversais a todos os trabalhadores, professores ou pessoal administrativo, embora de acordo com escalões.

Ora como avulta do enunciado, os pontos da matéria de facto em causa revestem-se de um marcado cariz conclusivo, ficando por elucidar a factualidade, para além da alteração do número de alunos que se mostra apurada, os fatores bem como os termos em que se traduzia a grave situação económico-financeira, maxime no que significa situação “periclitante” da Recorrida, com a devida indicação de recursos e custos que pudessem permitir concluir, em sede do silogismo a realizar, pelas dificuldades económico financeiras da Apelada e a respetiva dimensão, matéria muito relevante para o conhecimento da pretensão formulada em juízo, nos presentes autos.

Diz a Recorrida que tal factualidade teve arrimo na prova produzida, no entanto, para além das formulações genéricas e conclusivas referenciadas nos pontos em causa, não indica, mesmo a título instrumental, factos concretos, para além do número de alunos já contemplado na decisão da matéria de facto, que pudessem ter resultado da instrução, nomeadamente com recurso a prova documental, que permitissem a este Tribunal apreciar a decisão da sobre aquela matéria, nos termos do art.º 662, n.º1, não cumprido, de forma manifesta o ónus de impugnação.

Com efeito, decorre do art.º 640, n.º1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, o que em termos cristalinos não se verifica com a remessa para parte de depoimentos prestados, nem com a reprodução da prova testemunhal produzida e arrolada pela Apelada, sendo também insuficiente a formulação vaga de uma enorme restruturação com a banca e venda de património, não conducente, aliás, com a menção no art.º 65, agora desconsiderado, do número de alunos como único meio de sustento da Recorrida.

Desta forma, consideram-se como não escritos, os pontos da matéria de facto n.ºs 63 a 66.
b)- da subsunção jurídica
Na sentença sob recurso considerou-se que nos presentes autos estavam reunidos os pressupostos da alteração contratual por alteração anormal das circunstâncias, devido a factos que atingiram todas as pessoas singulares e coletivas.
Entendendo que a grave, inesperada e incontornável crise económica que se veio a verificar desde 2008, não era antecipável, como não foi pela generalidade dos economistas e o sistema financeiro internacional, considerando o apurado quanto à severa redução de candidatos, foi pugnado redistribuir o serviço docente por todos os docentes vinculados à Recorrida, independentemente do vínculo contratual, reduzindo percentualmente os montantes pagos de modo a evitar a desvinculação definitiva de alguns professores, e apoiando-se em juízos ora desconsiderados “(…) suavizar o prejuízo a todos causado pela grave crise económica e social que assolou o país, pois à data dos factos a R tinha forçosamente, sob pena de fechar as portas, que reduzir os custos para manter o seu funcionamento, e que todos os docentes das instituições de ensino que constituem o designado Grupo Lusófona, incluindo o A. estavam cientes da grave situação económica e financeira em que se encontrava a R.

Insurge-se o Recorrente contra o decidido, alegando essencialmente, que a alteração das circunstâncias não se pode basear numa situação que já existia quando foi celebrado o contrato que se quis modificar, que foi assumido pela Recorrida o risco decorrente da variação do número de alunos, não ficou demonstrada que a criação de uma situação que torne exigibilidade da obrigação contrária ao princípio da boa fé, mas mesmo que tais requisitos positivos se verificassem, o mesmo não acontecia quanto ao negativo, isto é, a mora do lesado.

Apreciando.

Resulta do n.º 1 do art.º 473, do CC, quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tenham sofrido uma alteração anormal, caracterizada esta pela excecionalidade, constituindo a manutenção do acordado, desse modo, uma grave ofensa aos princípios da boa fé, extravasando os riscos próprios do contrato, à parte lesada assiste o direito à sua resolução ou modificação, segundo juízos de equidade, art.º 437, n.º1, do CC.

Já não beneficia de tais direitos a parte lesada que esteja em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou, n.º 2, da mesma disposição legal.
Estando em causa, como nos autos um contrato celebrado pelas partes, de execução duradoura e então ainda vigente, importa explicitar um pouco melhor os designados requisitos positivos e negativos(10), exigíveis para a verificação da alteração anormal de circunstâncias permitindo a modificação do contrato pela Apelada, conforme efetivamente a mesma realizou.
Quanto aos primeiros, os positivos, aponta-se desde logo que as circunstâncias alteradas consistam na base ou o fundamento do contrato, por constituírem as que fundaram a decisão de contratar, na relevância das circunstâncias ou da sua representação, essenciais para a conclusão ou depois desta, para o cumprimento do contrato, desenvolvendo-se este com regularidade, podendo as partes realizar as finalidades por si prosseguidas, daí que se considere que a alteração das circunstâncias pessoais, como a capacidade económica de uma das partes, ainda que seja significativa, nomeadamente com a diminuição do rendimento disponível, é insuscetível de preencher a aplicação do disposto no art.º 437, do CC(11), contudo tal princípio deverá ser atenuado quando verificado que as alterações das circunstâncias económicas e financeiras, tornem a atuação do direito ao cumprimento do contrato nos termos iniciais em algo eticamente insustentável, reunidos que estejam os demais requisitos, caso da anormalidade, “(…) a alteração meramente pessoal superveniente [ainda que por motivos externos à negociação mas não previsíveis], não é [sem mais] subsumível à previsão do art.º 437, n.º1, do Código Civil, por este postular a verificação conjunta de outros requisitos que afetem a generalidade e negócios jurídicos do mesmo tipo”(12).

Como segundo requisito positivo indica-se que a alteração das circunstâncias seja anormal ou extraordinária, imprevista ou imprevisível, embora em termos rigorosos não tenham uma exata correspondência, no sentido de anormalidade que conduz praticamente ao mesmo resultado, entendendo-se que a lei visa contemplar as modificações contra as quais, pelo seu carácter imprevisto, as partes não podiam e não deviam acautelar-se(13).

Quanto a um terceiro requisito, que a alteração seja exterior à parte prejudicada, pese embora não haja uma referência expressa no art.º 437 aos critérios da distribuição contratual ou legal do risco, decorrendo da aludida anormalidade, enquanto imprevista e imprevisível, bem como da menção que a alteração faça, como já se aludiu, que o cumprimento do contrato, nos termo iniciais ou originários, seja inexigível à parte prejudicada por contrária à boa fé, se uma parte causa a alteração, ou mesmo que não a tenha provocado, pode superá-la e não o faz, deve suportar os prejuízos resultantes, a que acresce o afloramento resultante do art.º 438, do CC, no sentido de as consequências resultantes da alteração poderem ter sido evitadas pelo cumprimento pontual da obrigação, e a alteração das circunstâncias seja posterior à constituição em mora(14), pelo que “(…) os factos relevantes para darem lugar a uma quebra de base negocial efetiva não podem nunca decorrer de circunstâncias imputáveis à parte que se considera lesada, devendo para esse efeito os factos imprevistos escapar à capacidade de influência da parte”(15).

Como quarto requisito positivo menciona-se que a alteração das circunstâncias deva ser a causa de uma lesão, traduzida numa perturbação no equilíbrio contratual, de que decorre um prejuízo sensível para uma das partes concretizada numa correlação direta demonstrada factualmente, consubstanciada numa relação de causalidade adequada, pelo que “(…) a crise económica e financeira que começou em 2008 fosse uma alteração anormal, a impossibilidade prática ou a impossibilidade económica de cumprimento só seria relevante para efeitos do art.º 437.º e 439.º desde que houvesse uma correlação “demonstrada factualmente” entre a crise financeira geral e a atividade económica individual, concreta, de um determinado sujeito”(16).

O quinto requisito apontado reporta-se à gravidade da lesão da parte prejudicada, devendo a alteração provocar um grave perturbação do originário equilíbrio, tornando a prestação da parte excessivamente onerosa, pelo que “ (…) o cumprimento será inexigível por terem sido ultrapassados os limites do risco e do sacrifício, e só será inexigível por terem sido ultrapassados tais limites (…)”(17), sendo também convocado o princípio da boa fé, enquanto um dos princípios indispensáveis ao funcionamento regular do comércio jurídico, nos sentidos utilizados pelo legislador, objetivo, enquanto norma de conduta, no plano dos princípios normativos, e assim uma base orientadora e fundamento de soluções reguladoras de conflitos de interesses, não se mostrando despiciendo, o subjetivo, enquanto consciência ou convicção justificada que se adota um comportamento conforme o direito e as inerentes exigências éticas(18).

Falando de requisito(s) negativo(s), aponta-se que a alteração das circunstâncias não seja posterior à constituição em mora, o que nem sempre é possível determinar, face muitas vezes à dificuldade de delimitar a data da alteração das circunstâncias, desse modo o atraso do devedor lesado constitui uma das circunstâncias a considerar para apurar se a continuação da relação contratual originária é gravemente injusta, afetando assim, com gravidade, os princípios da boa fé (19).

Referencia-se ainda nesse âmbito que a alteração das circunstâncias, ou a lesão decorrente da mesma, não estejam cobertas pelos riscos próprios do contrato, bem como tal lesão não se mostre prevista ou regulada por disposições legais ou contratuais específicas, cuja autonomia e relevância se diluem nos requisitos positivos, já analisados.

A importância de definição, embora em traços largos, do regime em causa, decorre da especialidade do mesmo, num mecanismo revogatório do princípio contratual de pacta sunt servanda, previsto no art.º 406 do CC, concedendo a necessária segurança jurídica, mecanismo este a que se lança mão em casos limite, e com a devida ponderação, como remédio a uma afetação de forma grave dos princípios da boa fé, reclamados pela tutela da confiança(20).

Reportando aos autos resultou apurado que a Recorrida dedica-se a explorar estabelecimentos de ensino e formação profissional, caso dum estabelecimento de ensino superior privado denominado Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT).

Em tal âmbito, num primeiro momento em 29.09.2008, e posteriormente em 1.03.2009, o Apelante celebrou com a Apelada um contrato que denominaram de “Contrato de Docência em Regime de Tempo Integral”, exercendo funções de docente do Ensino Superior, com a categoria académica de Assistente para exercer as suas funções em regime de Tempo Integral de molde a preencher os requisitos predefinidos pelo Ministério de tutela, comprometendo-se o Recorrente a desempenhar essa função, nos termos determinados pelos “órgãos académicos competentes” e a “contribuir para a gestão democrática da universidade”, lecionando as disciplinas atribuídas, fazendo a avaliação de conhecimentos, prestando assistência aos alunos, orientando teses e estágios, participando nos órgãos de gestão da Universidade e representando a mesma em diversos eventos do âmbito académico.

Disponibilizando-se o Apelante para lecionar as disciplinas que, de acordo com a sua formação, lhe eram atribuídas, sendo remunerado, conforme o acordado, por cada hora letiva, o valor de 25,50€ até 12h letivas semanais e o valor de 20,00€ a partir das 12h letivas semanais, numa fórmula de 4 x N.º de horas letivas x Valor/h, sendo a retribuição paga mensalmente, 14 vezes por ano, no mesmo momento temporal em que são recebidos os subsídios de férias e de Natal, incluindo os meses em que a ULHT se encontrava encerrada para férias, não prestando o Apelante qualquer serviço.

É pacífico que desde o início do contrato em 29.09.2008 até outubro de 2010, a carga horária para cada semestre letivo podia, ser aumentada, reduzida ou até excluída e, em consequência, respetivamente aumentados, reduzidos ou excluídos os honorários do Recorrente, inexistindo qualquer horário mínimo, dentro do qual teria, obrigatoriamente, de prestar serviço, ou qualquer carga horária fixa, impondo um regime remuneratório variável, cuja oscilação se mostra apurada nos autos e o que o mesmo aceitou.

Em julho 2010, após a obtenção do grau académico de Doutor em Matemática ministrado pela Universidade de Aveiro pelo Apelante, a Coordenadora da Área Científica da Matemática da ULHT, em 13.09.2010, enviou uma carta ao Administrador da ULHT, na qual, face às qualidades científico-pedagógicas do Recorrente, propunha a alteração da categoria profissional do mesmo para Professor Auxiliar em regime de tempo integral, com um vencimento de 2.500,00€ mensais, pelo que em 01.10.2010, as partes celebraram um aditamento aos contratos referidos no qual foi acordado que o Apelante, que já estava em tempo integral, passaria a auferir a quantia de 2.500,00€ mensais, sujeita aos devidos descontos legais.

Com o aditamento realizado houve uma alteração de relevo no desenho contratual, porquanto a contrapartida da Recorrida deixou de estar adstrita ao número de horas lecionadas, e assim também ao maior ou menor número de alunos que determinassem a atividade a desenvolver pelo Recorrente, sendo o pagamento efetuado no montante estipulado, independentemente da variável horas/alunos, o que diga-se, não se configura como algo avesso à realidade académica, sendo conhecida a vertente de investigação, a nível nacional ou mesmo internacional, realizada em estabelecimentos de ensino universitário.

Apurou-se que nos primeiros meses após a alteração contratual foram sendo liquidados os valores contratualizados, pese embora pontuais atrasos e incorreções dos serviços, que iam sendo corrigidas no mês subsequente.

Conforme o apurado no ano de 2011 e Janeiro de 2012, com exceção do subsídio de natal, foi satisfeito o montante acordado. A partir de fevereiro de 2012, a Recorrida, sem o consentimento do Recorrente operou uma redução no valor da retribuição acordada, tendo-lhe passado a pagar o montante de 2.250,00€, a partir de março de 2013, novamente sem o consentimento do Recorrente, foi operada nova redução ao valor da retribuição acordada, passando a auferir 2.137,50€, em fevereiro de 2014, nova redução para 1.425,00€, e em outubro, novembro e dezembro do mesmo ano, 280,00€, estando ainda em dívida outras prestações retributivas, como aliás a Recorrida reconheceu ser devedora no art.º 98, da contestação.

Face ao demonstrado, apurou-se do invocado pela Recorrida que quanto maior fosse o número de alunos inscritos, mais turmas abririam, mais acentuada seria a distribuição de serviço, caso fosse aceite pelo docente, e, em consequência, maior seria a contraprestação monetária a perceber por este, e vice-versa, como aliás, aconteceu, antes da alteração contratual produzida relativamente ao Recorrente, e quanto a outros docentes, que não este último em exercício de funções, como decorre da formulação literal do ponto da matéria de facto em causa.

Provado ficou, genericamente, que devido ao aumento do endividamento público dos países do sul da Europa, em particular Portugal, Grécia e Espanha, e depois da crise europeia se agravar com o resgate à Grécia no início de 2010, foi necessária ajuda financeira (FMI) e diversos planos de recuperação austeros a aplicar aos países devedores, tendo o ensino superior público e privado, em especial este último, experienciou um acentuado decréscimo na frequência de alunos.

Em concreto, quanto à Recorrida, a mesma foi alvo de um fenómeno atípico de natureza económico-social, que se fez sentir, em primeira linha, nas instituições de ensino superior privado, com a perda em 3 anos letivos apenas no tocante a alunos inscritos nas licenciaturas, de aproximadamente, 3200 alunos, bem como ao número de alunos no 1.º e 3.º Ciclos de Estudos, respetivamente Licenciatura e Doutoramento em Matemática, ciclos lecionados pelo Recorrente, alguma redução mais acentuada a partir de 2012/2013, diminuindo os alunos no Doutoramento em Matemática, sendo que como resulta dos quadros juntos, estamos a falar em números muito reduzidos, mesmo em 2010/2011(21), aquando da alteração do quadro contratual do Recorrente, com pagamento certo mensal, de 2.500,00€.

Em termos gerais apurou-se que diante de um panorama que evidenciava uma severa redução de candidatos a partir do ano letivo 2012/2013, entendeu a Reitora da ULHT, conjuntamente com a Direção da COFAC, no âmbito das competências assinaladas e em consonância com os Diretores das Faculdades que integram a Universidade e outras instituições de ensino superior do denominado “Grupo Lusófona”, pugnar pela redistribuição do serviço docente a todos os docentes vinculados à Recorrida, independentemente do figurino contratual.

No caso do Recorrente, foi entendido reduzir percentualmente os montantes pagos a títulos de honorários ao mesmo A. de molde a evitar a desvinculação definitiva de alguns professores e, com esta medida, suavizar o prejuízo a todos causado pela grave crise económica e social que assolou o país.

Assim em meados de abril, dada a indisponibilidade económico-financeira da Recorrida, foi estabelecida a percentagem reduzir aos honorários dos docentes que faziam parte do Departamento de Matemática, e pese embora os esforços infrutíferos, o montante percebido mensalmente pelo Recorrente foi minorado em 10%, sendo transmitidos aos docentes indicados, entre eles o Apelante, não se provando que os mesmos dado o circunstancialismo sui generis da conjuntura que a Recorrida atravessava tivessem aceitado a redução de 2.500,00€ para 2.250,00€, nem que o Recorrente demonstrado anuência à alteração contratual, nem que aquele sabia se não fosse uma questão de sobrevivência da Recorrida, estes cortes não se verificariam e, por isso, aceitou a redução de 10% no valor acordado.

Aqui chegados manifesto se torna que a pretendida alteração anormal das circunstâncias que segundo a Recorrida validam as modificações operadas na relação contratual como o Recorrente funda-se na crise económica e financeira iniciada em 2008, que não se questiona que se reconduz a um acidente anormal e estrutural e grave na evolução da economia mundial(22), não antecipável de forma generalizada e para surpresa de muitos, ou quase todos, maxime os não especialistas em tais questões.

Desde logo surge como perturbador da pretensão formulada, a cronologia enunciada do factualismo apurado, nomeadamente a alteração contratual realizada no ano de 2010/2011, na atribuição de uma prestação mensal certa, para além dos fluxos maiores ou menores dos alunos inscritos, não constituindo assim a base ou fundamento da modificação contratual que se manteve inalterada até fevereiro de 2012, sendo certo que mesmo o diminuto número de alunos inscritos na Licenciatura e Doutoramento em Matemática era uma realidade que já existia, aquando da aludida modificação do contrato do Recorrente.

Mais relevante contudo, é sem dúvida não ter a Recorrida carreado para aos autos os factos necessários que permitissem aferir das reais consequências que a crise de 2008 lhe provocou em termos de capacidade económica e financeira, nomeadamente quando à impossibilidade de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrita, de modo a que se pudesse concluir que a imposição da satisfação das prestações ao Recorrente constituía um sacrifício contrário aos ditames da boa fé que deve regular a execução dos contratos.

Com efeito, admitindo-se que não tivesse atravessado, incólume, o período que se sucedeu ao despontar da crise de 2008, certo é que conforme acima se aludiu não ficou demonstrada uma efetiva correlação entre tal crise e a situação concreta da Recorrida, em termos da respetiva saúde financeira e situação económica, sendo manifestamente insuficiente para tanto a referência a indisponibilidade económico-financeira ou a grave situação, igualmente irrelevando uma assunção, por não faticamente provada, de procedimentos de outra entidades quanto aos pagamentos dos salários dos seus funcionários, como se verificou na administração publica.

Não verificados os requisitos positivos exigíveis para a constatação da alteração anormal das circunstâncias, nos termos do art.º 437, n.º1, do CC, carece de relevância apurar da existência do negativo, pese embora a haja mora, face às dificuldades marcadas de apuramento, novamente por falta de alegação e prova de factos pela Recorrida.

Em conformidade, na procedência da apelação, deve a Apelada proceder ao pagamento das diferenças entre o montante mensal satisfeito a partir de Fevereiro de 2012, e a quantia mensal estabelecida de 2.500,00€, paga 14 vezes por ano, acrescidas dos juros de mora legais, contados desde cada prestação devida, conforme decorre do disposto nos artigos 804, 805, n.º2, a), e 806, do CC, até integral pagamento.

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IV–DECISÃO

Nestes termos, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a apelação, revogando a sentença sob recurso e condenando a Apelada a pagar ao Apelante as diferenças entre o montante mensal satisfeito a partir de Fevereiro de 2012, e a quantia mensal estabelecida de 2.500,00€, paga 14 vezes por ano, acrescidas dos juros de mora legais, contados desde cada prestação devida, até integral pagamento
Custas nas duas instâncias pela Apelada.

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Lisboa, 26 de outubro de 2021



Ana Resende
Dina Monteiro
Isabel Salgado




[1]Foi decidido por decisão transitada em julgado, que a relação contratual estabelecida entre A. e R. não configurava uma relação laboral, e daí a ora movida.
[2]Cursos de Especialização Tecnológica
[3]Como à frente se decide.
[4]Como à frente se decide.
[5]Como à frente se decide.
[6]Como à frente se decide.
[7]Diploma a que se fará referência, se mais nada for dito.
[8]Cfr. Ac. STJ de 29.04.2015, de 28.01.2016, 28.09.2017, RL 20.12.2018 e  RP de 9.03.2020, com ampla nota jurisprudencial e doutrinária, todos em www.dgsi.pt.
[9]Cfr. o Ac. STJ de 28.01.2016, in www.dgsi, e demais Jurisprudência supra aludida.
[10]Cfr. Nuno Pinto de Oliveira, A Alteração das Circunstâncias 55 Anos Depois, in Julgar, n.º 44, 2021, fls. 157 e seguintes, com abrangente reporte jurisprudencial e doutrinário, que de perto aqui se vai seguir.
[11]Cfr. Nuno Pinto de Oliveira, obra referida, pag. 174, reportando a Ac. STJ de 23.01.2014.
[12]Cfr. Nuno Pinto Oliveira, obra citada, fls. 177, reportando o Ac. STJ de 20.11.2014 e 27.01.2015.
[13]Cfr. Nuno Pinto Oliveira, obra citada, fls. 180 e 181, numa extensa enumeração de Acórdãos do STJ.
[14]Cfr. Nuno Pinto Oliveira, obra citada, fls. 183.
[15]Cfr. Nuno Pinto Oliveira, obra citada, fls. 184, mencionando o Ac. STJ de 13.11.2014.
[16]Cfr. Nuno Pinto de Oliveira, obra citada, pag. 185, com referência ao Ac. do STJ de 10.01.2013.
[17]Cfr. Nuno Pinto de Oliveira, obra citada, pag. 191.
[18]Cfr. Ac. do STJ de 17.05.2012, in www.dgsi.pt.
[19]Cfr. Nuno Pinto de Oliveira, obra citada, pag. 194.
[20]Cfr. Ac STJ de 22.06.2017, in www.dgsi.pt.
[21]Licenciatura, em Matemática – 15 e 4 (pré Bolonha),doutoramento, 4.
[22]Nuno Pinto Oliveira, obra citada, fls. 171, citando Manuel Carneiro Frada, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de depósito vs Contratos de Gestão de Carteiras.