I - A exigência da observância de forma escrita para a validade do contrato de empreitada implica que essa seja prova vinculada para a demonstração do facto da celebração válida do contrato de empreitada, a fim de, em particular, se fazerem prevalecer os efeitos do negócio quanto a alguma ou algumas das parcelas do seu conteúdo mínimo, tal como contempladas no art. 29.º, n.º 1 (e n.º 4), do DL 12/2004, de 9.01 - actualmente art. 26.º, 1 (e n.º 3), da lei n.º 41/2015, de 3.06 -, que sejam de exigir em função dessa validade (a prova do negócio como "facto jurídico" que preenche a previsão da norma e desencadeia efeitos jurídicos tributários da lei).
II - A essa demonstração exclusiva escapa a prova efectiva e concreta da celebração e execução de um contrato de empreitada, ainda que formalmente inválido, a fim de se concretizar, se for o caso, as consequências jurídicas da nulidade (art. 289.º do CC, nomeadamente a obrigação de restituir) ou, como contraponto, se determinar o apuramento da materialidade de cumprimento da empreitada e das prestações associadas ao seu complexo de direitos e deveres típicos (art. 1207.º do CC), convencionado em concreto e substancialmente executado (com relevo e actuação de toda a prova admitida e sujeita à livre apreciação do julgador).
III - Nesta última situação, não procede a revista com o fundamento (excepcional na regra de conhecimento do STJ) previsto no art. 674.º, n.º 3, 2.a parte («ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto»).
Revista – Tribunal recorrido: Relação ….., .. Secção
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I) RELATÓRIO
1. «Vítor M. F. Borges – Empreiteiros de Construcão Civil, Lda.» apresentou requerimento de injunção, depois distribuído como acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do DL 269/98, de 1 de Setembro, contra «Carlos Patrício – Consultoria Projectos, Unipessoal, Lda.» e AA, pedindo a condenação dos Requeridos a pagarem-lhe € 26.334,69, acrescido de juros vincendos até integral pagamento. Invocou a realização de trabalhos numa obra, com demolição, remodelação, alvenarias, reabilitação e pinturas, materiais e mão-de-obra, que não foram integralmente pagos.
2. A Requerida sociedade deduziu Oposição, nos termos da qual invocou a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do 2.º Requerido pessoa singular e alegou por impugnação a inexistência de qualquer dívida, finalizando com a absolvição do pedido; deduziu Reconvenção no valor de € 10.613,30; pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé com a correspondente indemnização em valor não inferior a € 1.500.
Em contraponto, notificada para o efeito, a Autora apresentou Resposta, em que finalizou com a condenação no pedido e absolvição da Ré do pedido reconvencional.
Ulteriormente, o Requerido e Réu AA deduziu Oposição, tendo arguido a sua ilegitimidade (excepção dilatória e absolvição da instância) e aderido à Oposição da Requerida sociedade.
3. Foram proferidos despachos (14/1/2016 e 2/2/2017) que julgaram improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Réu pessoa singular e inadmissível o pedido reconvencional deduzido pela Ré sociedade.
A reconvenção veio a ser admitida por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….., após recurso de Apelação da Ré sociedade, que ordenou igualmente que os presentes autos seguissem os seus ulteriores termos na forma declarativa de processo comum.
Por despacho proferido em 27/10/2016, reiterado por despacho de 27/11/2016, foi fixado o valor da causa, após pedido reconvencional, como sendo o de € 36.94799
A Autora, notificada para exercer o contraditório, apresentou Réplica ao pedido reconvencional.
4. Foi elaborado despacho saneador que decidiu serem as partes legítimas, fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
5. Foram realizadas as sessões agendadas relativas à audiência de discussão e julgamento.
6. O Juiz .. do Juízo Local Cível ….. (Tribunal Judicial da Comarca .....) proferiu sentença em 25/11/2019, julgando improcedentes a acção e a reconvenção, com a consequente absolvição das Rés do pedido inicial e da Autora do pedido reconvencional.
7. Inconformada, a Requerente Autora «Vítor M. F. Borges – Empreiteiros de Construcão Civil, Lda.» interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ….., que, em acórdão proferido em 22/10/2020, julgou a acção improcedente quanto ao Réu AA e julgou o recurso parcialmente procedente, “alterando-se a decisão recorrida no sentido de julgar a acção parcialmente procedente em relação à Ré Carlos Patrício – Consultoria e Projectos, Unipessoal, Lda., que vai condenada a pagar à Autora a quantia de € 20.811,70 (…), acrescida de juros, contados às taxas legais estabelecidas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, desde 24-11-2012 até efetivo pagamento”.
8. A Ré Apelada, sem se resignar com o decaimento verificado na 2.ª instância, veio interpor recurso de revista para o STJ, visando a revogação e a substituição por outro acórdão que julgue a acção improcedente e absolva a Ré do pedido, tendo para isso rematado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
a) O Tribunal da Relação ….. alterou de forma substancial os factos dados como provados pela 1.ª instância;
b) Tendo considerado, nomeadamente, como provado o facto de a Ré ter efetuado pagamentos à Autora no valor total de € 92.873,00;
c) Não obstante, os Venerandos Juízes Desembargadores concluíram existir um crédito da Ré à Autora no montante de€ 20.811,70, porentenderemter havido aceitação tácita daRé eque não havia razão para questionar os preços fixados pela Autora;
d) Sucede que a ora Recorrente não se pode conformar com tal decisão;
e) Estabelece o n.º 3 do art. 674.º do CPC que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”;
f) A douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, e os fundamentos aí aduzidos, revelam uma análisecuidada dos factose do direito, analisando criticamente aprovaproduzida, emraciocínio que não merece qualquer reparo porque coerente, lógico, e baseado nas provas oferecidas, na lei, nas regras da experiência e do senso comum, não padecendo de qualquer vício;
g) Por outro lado, no exercício dos poderes de modificabilidade da decisão de facto, o Tribunal da Relação não está dispensado do ónus da fundamentação da factualidade aditada ou modificada;
h) Sucede que, no presente caso, o contrato de empreitada celebrado entre as partes estava sujeito à forma escrita, nos termos do artigo 29.º, n.ºs 1 a 4, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09 de janeiro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, conjugado com a Portaria n.º 1371/2008, de 02 de dezembro;
i) Não tendo sido observada essa forma no presente caso, nenhum outro meio de prova é admissível para demonstrar o conteúdo de declarações negociais que esteja sujeito a essa forma, como é o caso do preço, nos termos do disposto nos arts. 393.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1, ambos do Código Civil;
j) Da articulação destes preceitos resultam, assim, duas regras importantes: a primeira é a de que quando a lei exige documento escrito como forma de declaração, a regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como formalidade ad substantiam, pelo que apenas quando serefira, clara eexpressamente,à prova do negócio, équeo documento seconsidera exigido como formalidade ad probationem;
k) E a segunda é a de que, sem a observância da formalidade ad substantiam, nem o negócio jurídico é válido, nem essa mesma formalidade pode ser substituída por qualquer outro meio de prova;
l) Ora, no caso em apreço, visto que a lei exigia a celebração do contrato de empreitada mediante a forma escrita e esta forma não foi observada, essa formalidade é substancial e, por conseguinte, não podem os elementos que a ela devam ser reduzidos, como é o caso do preço, ser comprovados por outro meio probatório;
m) Significa isto que, exigindo a lei a celebração do contrato de empreitada através de documento escrito, assinado pelas partes, a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento o disposto nos arts. 393.º, n.º 1, 354.º, alínea a) e 351.º, todos do CC;
n) Ouseja,apretensão daAutora, aquiRecorrida,deverreapreciadaaquestão do preço ou de qualquer outro elemento do contrato por recurso à prova testemunhal produzida em julgamento não podia ser atendida, pois o contrato de empreitada celebrado entre as partes estava sujeito à forma escrita;
o) A prova das obras concretas realizadas pela Autora e respetivo valor constituem elementos essenciais para a afirmação do conteúdo do direito de crédito de que a mesma se arroga titular;
p) Sem esses dados, não é possível quantificar esse eventual crédito;
q) Assim, na ausência de factos suscetíveis de reconhecer o direito de crédito de que a Autora se arroga titular nesta ação, a sua pretensão deveria ter sido julgada improcedente;
r) Atendendo aos princípios da imediação e da oralidade, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados;
s) Ou seja, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova;
t) O Tribunal da Relação ….. alterou substancialmente a matéria de facto,e ,ao fazê-lo,não seguiu um processo racional de apreciação da prova, mas um juízo presuntivo que se mostra manifestamente ilógico, arbitrário e contrário à lei;
u) Está em causa um erro de apreciação da prova resultante da violação de direito probatório material;
v) A conduta da Relação é sindicável pelo STJ se se concluir que foi dado como provado um facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência;
w) A prova testemunhal e, consequentemente, as presunções judiciais são admissíveis sempre que não sejam direta ou indiretamente afastadas e não esteja em causa uma declaração negocial que tenha de ser reduzida a escrito ou necessite de ser provada por escrito ou um facto plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena;
x) No presente caso, a utilização de outros meios de prova pelo Tribunal da Relação ….., nomeadamenteo recurso a presunções judiciais, violou uma norma expressa queexige certa espécie de prova para a existência do facto;
y) Pelo que estamos perante uma violação de regras de direito probatório substantivo;
z) O STJ pode sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório e de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos que alcançaram por efeito da mesma;
aa) Nos termos do n.º 3 do art. 674.º do CPC, deve o Douto Tribunal ad quem suprimir a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo;
(…)”.
Consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
1. Objecto do recurso
A questão a resolver é saber se, nos termos do art. 674º, 3, 2.ª parte, do CPCP, houve «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» aquando do exercício dos poderes-deveres da Relação previstos no art. 662º,1, do CPC – isto é, se houve erro de apreciação da prova resultante da violação de direito probatório material.
2. Factualidade assente
Foram considerados provados pela 2.ª instância os seguintes factos, depois de reapreciada a decisão sobre a matéria de facto dada como assente pela 1.ª instância[1]:
a) A Autora é uma sociedade comercial, que se dedica à execução de empreitadas de construção civil e obras públicas; compra de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
b) No exercício da sua atividade, a Requerente efetuou, a pedido da Requerida, diversos trabalhos na obra .............., nº .., em ....., referente a obras de demolição, remodelação, alvenarias, reabilitação e pinturas, materiais e mão de obra.
(Foi omitida a alínea c))
d) Face à relação de confiança existente entre as partes nunca chegou a ser assinado qualquer contrato de empreitada.
e) Tendo os trabalhos em causa sido adjudicados diretamente à Autora, sem qualquer concurso prévio.
g) Com base nesta relação de confiança e face à situação difícil que a Requerente atravessava, o Dono de obra, ora Requerido, permitiu que fosse nomeado o irmão do sócio da Requerente para encarregado de obra e o sobrinho do mesmo, Arquiteto de profissão, para gestor e fiscal da obra.
h) A obra teve um orçamento inicial de € 67.985,00 em 24.06.2010, tendo sido corrigido pelo próprio com corte de trabalhos em 16.11.2010 e passou para os € 60.695,00.
i) Já com o decurso dos trabalhos, a ora R. solicitou alterações e requereu trabalhos não previstos no orçamento inicial.
j) Nesse sentido, procederam à correção do orçamento com todos os pormenores e finalizando o mesmo num orçamento no valor de 109.219,70€ em 9.5.2011, de acordo com todos os intervenientes.
k) Para tal, resultou o documento escrito à mão pelo próprio Dr. AA, corroborado com um email de 28.06.2011, a solicitar as respetivas faturas com o documento.
l) A Autora executou todos esses trabalhos.
m) A pedido da Ré, a Autora executou ainda os trabalhos discriminados nos mapas anexos às faturas n.º B100, B101 e B102, documentadas a fls. 274/284.
n) Mapas que a Autora enviou à Ré através de emails de 15 e 25 de outubro de 2011.
o) A que a Ré não respondeu.
p) Em relação aos trabalhos que executou, a Autora emitiu, designadamente, as seguintes faturas, todas datadas de 24-10-2012, e com vencimento a 24-11-2012.
1) Fatura B99, no montante de € 28.779,39, da qual foi paga a quantia de € 11.653,69, sob o recibo B25;
2) Fatura B100, no montante de € 1.100,00;
3) Fatura B101, no montante de € 505,00;
4) Fatura B102, no montante de € 2.860,00.
q) Essas faturas foram remetidas para pagamento à Ré, por cartas expedidas a 24-10-2012 e13-12-2012.
r) A que a Ré não respondeu.
s) Os pagamentos da empreitada não eram efetuados em função de um “ato de medição” de trabalhos efetuados, mas por sim através de «tranches» que eram deduzidas ao orçamento inicial.
t) Os pagamentos efetuados pela Ré à Autora perfazem o total de € 92. 873,00.
3. O direito aplicável
3.1. Ao STJ permite-se verificar – revista fundada no art. 674º, 1, b), CPC – se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)[2].
Resulta do acórdão recorrido que a apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida pela Apelante visou enquadrar-se nas seguintes questões:
“a Autora executou todos os trabalhos discriminados no mapa de trabalhos/orçamento de 20-05-2011 e nos descritivos das faturas n.º B100, B101 e B102”;
- “esses trabalhos foram executados a pedido dos Réus que, designadamente, aprovaram o referido mapa de trabalho de 20-05-2011”;
- “a Autora interpelou os RR. para pagamento das faturas”.
Como fica claro a págs.12 e ss, o acórdão recorrido teve em conta os factos admitidos por acordo das partes, procedeu a uma análise do alcance e significado de prova documental e prova pericial constante dos autos, assim como elaborou presunções naturais a partir dos factos apurados segundo as regras da experiência.
Utilizou, mesmo que sumariamente, um método relacional, dotado de crítica racional e alinhando a prova considerada na sua globalidade para retirar conclusões sobre as parcelas relevantes da impugnação feita sobre a decisão da matéria de facto, realizando uma verdadeira convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda para alinhar ex novo a matéria de facto assente.
Assim se corporizou e assumiu a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, ainda que sem as virtualidades da 1.ª instância, mas com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo[3].
Na verdade, enfatize-se que o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[4] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[5].
Se esse exercício probatório se regeu no domínio da livre apreciação da prova – v. arts. 376º, 389º, 396º, 358º, 4, CCiv.; 466º, 3, 489º, CPC 2013 – e sem qualquer vício que se impute à construção das presunções judiciais, estamos perante actuação legítima, sem qualquer motivo que permitisse (permita?) questionar o modo como, no caso concreto, foram exercidos os seus poderes de livre apreciação dos meios de prova (art. 607º, 4, 5, 1ª parte, CPC), e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4 («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»), e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC.
3.2. Não é esta, porém, a posição da Recorrente condenada em 2.ª instância, estribando-se no art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC.
Em resumo:
(i) tendo sido celebrado contrato de empreitada entre as partes, estava o negócio sujeito à forma escrita, nos termos do art. 29º, 1 a 4, do DL 12/2004, de 9 de Janeiro, conjugado com a Portaria n.º 1371/2008, de 02 de dezembro;
(ii) não tendo sido observada essa forma, “nenhum outro meio de prova é admissível para demonstrar o conteúdo de declarações negociais que esteja sujeito a essa forma, como é o caso do preço, nos termos do disposto nos arts. 393.º, n.º 1 e 364.º, n.º 1, ambos do Código Civil”;
(iii) logo, “sem a observância da formalidade ad substantiam, nem o negócio jurídico é válido, nem essa mesma formalidade pode ser substituída por qualquer outro meio de prova”, não podendo os elementos que a ela devam ser reduzidos, como é o caso do preço, ser comprovados por outro meio probatório;
(iv) “exigindo a lei a celebração do contrato de empreitada através de documento escrito, assinado pelas partes, a prova da existência ou da outorga de um tal contrato só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento o disposto nos arts. 393.º, n.º 1, 354.º, alínea a) e 351.º, todos do CC;
(v) assim como se encontra afectada a prova das “obras concretas realizadas pela Autora e respetivo valor” por constituírem “elementos essenciais para a afirmação do conteúdo do direito de crédito de que a mesma se arroga titular”;
(vi) pelo que “a utilização de outros meios de prova pelo Tribunal da Relação ….., nomeadamente o recurso a presunções judiciais, violou uma norma expressa que exige certa espécie de prova para a existência do facto”.
Terá razão?
3.3. O preenchimento do art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC («O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.») é susceptível de ser convocado em revista nos termos do art. 682º, 2, do CPC – «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º.» –, como hipótese residual em face da regra de cognição do STJ prevista pelo art. 682º, 1, do CPC – «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.»
Ou seja.
A regra é a de que o Supremo está impedido de interferir na decisão da matéria de facto, que é da competência exclusiva das instâncias.
Excepcionalmente (ou, se quisermos, muito limitadamente), a revista pode incidir sobre a reapreciação da matéria de facto considerada pela Relação se for invocada e se demonstre a violação de normas de direito probatório material: violação de norma legal que exija prova vinculada para a existência do facto ou norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, considerados como vícios de direito em sede de direito probatório a conhecer no âmbito dos poderes do STJ.
Neste contexto, a alegação da Recorrente é, portanto, baseada na identificação do art. 29º, 1 a 4, do DL 12/2004, de 9 de Janeiro, a redacção conferida pelo DL 18/2008, de 29 de Janeiro, aplicável então ao regime da forma do contrato de empreitada, como uma normatividade legal impositiva de prova vinculada para dar como assente os factos relativos às obras concretas realizadas, ao preço respectivo e aos pagamentos feitos pela Ré à Autora – em contraponto para eliminar do acervo apurado em 2.ª instância esses mesmos factos.
Prescrutando a factualidade assente após a modificação em 2.ª instância, refere-se a Recorrente aos factos provados j) a n), p), q) e t), que conduziram à seguinte conclusão de síntese (pág. 24):
“(…) a Autora realizou, a pedido da Ré, trabalhos de construção civil, perfazendo o valor/preço global de € 109.219,70 + € 1.100,00 + € 505,00 + € 2.860,00 = € 113.684,70.
Do qual recebeu, em diversas tranches, o total de € 92.873,00.
Continuando credora da Ré, a título de preço dos trabalhos, pelo montante de € 113.684,70 – € 92.873,00 = € 20.811,70”.
3.4. O normativo alegadamente violado como fundamento dos factos rezava assim:
«1 – Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10 % do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito e devem ter o seguinte conteúdo mínimo:
a) Identificação completa das partes outorgantes;
b) Identificação dos alvarás;
c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;
d) Valor do contrato;
e) Prazo de execução;
f) Forma e prazos de pagamento.
2 – Incumbe sempre à empresa que recebe a obra de empreitada, ainda que venha a celebrar um contrato de subempreitada, assegurar e certificar-se do cumprimento do disposto no número anterior.
3 – Nos contratos de subempreitada, a obrigação prevista no número anterior incumbe à empresa que dá os trabalhos de subempreitada.
4 – A inobservância do disposto no n.º 1 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta ser invocada pela parte obrigada a assegurar e a certificar-se do seu cumprimento.»[6]
Por sua vez, essa formalidade escrita vigorava para contratos de empreitada com valor superior a 10% do valor fixado para as empreitadas de categoria 1, de acordo com o que foi fixado pela Portaria 1371/08, de 2 de Dezembro (entrada em vigor em 1/2/2009), e suas sucessoras: € 16.600,00.
Ora, não tendo sido observada a forma escrita para o contrato de empreitada em que se enquadra (no valor dado como convencionado pelo ac. recorrido) a relação da Autora e da Ré – v. factos provados a), b), d) e j) –, e sendo nulo o contrato por essa via, entende a Ré e aqui Recorrente que a prova dos factos referidos não pode ser feita com recurso a outros meios de prova, nomeadamente de livre apreciação pelo tribunal, pois essa forma escrita funciona como “prova vinculada”, insusceptível de ser substituída por outros meios de prova – no caso, nomeadamente, o documento “orçamento”, as facturas emitidas pela Autora, os “mapas” anexos às facturas, a perícia e as presunções judiciais retiradas de outros factos.
Será assim?
3.4.1. Sobre a matéria controvertida pronunciou-se, com similitude para o caso dos autos, o Ac. do STJ de 16/5/2019[7], dando resposta à questão de “a prova do preço num contrato de empreitada declarado nulo, por falta de forma escrita, pode[r] ser feita mediante prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova”:
“Decorre, assim, deste regime legal, por um lado, que a exigência da forma escrita contida no nº1 deste art. 29º constitui uma formalidade ad substantiam, sem a qual o negócio não é válido (...). E, por outro lado, que a nulidade com que o nº4 deste mesmo artigo comina a preterição da forma legal escrita apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal.
Trata-se, pois, de uma nulidade atípica, que só pode ser arguida pelo dono da obra e que tem como pressuposto a consolidação do negócio na ordem jurídica se não invocada, configurando uma invalidade mista.
De sublinhar que a preterição da forma legal escrita para a celebração deste tipo de contrato não acarreta apenas a sua nulidade, mas tem também consequências em sede de direito probatória, impondo limitações/proibições quanto aos meios admissíveis para a sua prova.
Com efeito, exigindo o citado art. 29º, nº 1 a forma escrita como condição sine qua non da validade do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados do disposto no art. 364º, nº 1 do C. Civil, ou seja, o documento não pode «ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior» à do documento exigido.
Significa isto (…) que, exigindo a lei a celebração do contrato de empreitada através de documento escrito, assinado pelas partes, a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos arts. 393º, nº 1, 354º, al. a) e 351º, todos do C. Civil.
De realçar, contudo, que as restrições probatórias do citado art. 364º têm apenas que ver com a validade substancial do negócio, pelo que a impossibilidade de recurso ao uso de outra prova documental ou à prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, releva apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, ou seja, para não permitir que se façam valer os efeitos do contrato como se fosse válido.
Mas já não releva para impedir a prova efetiva e real do negócio nulo por falta de forma, e, através daqueles meios probatórios, fazer prova da sua existência e correspondente materialidade e, por essa via, alcançar os efeitos decorrentes, não do negócio, mas da respetiva nulidade.
E bem se compreende que assim seja.
É que, nos termos do disposto no art. 289º, nº 1 do C. Civil, um dos efeitos da declaração de nulidade do negócio é a obrigação de restituição (em espécie ou, não sendo esta possível, do valor correspondente) de tudo o que tiver sido prestado.
E, como refere Carlos Mota Pinto [In Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. atualizada, pág. 436.], a prova desta obrigação de restituir pode «ser feita por quaisquer meios de prova admitidos em geral pela lei».
Vale tudo isto por dizer que (…) nada impede o recurso a documento de menor força probatória, à confissão, a prova testemunhal ou até mesmo a presunções judiciais para a demonstração de que foi celebrado um contrato de empreitada nulo, por falta de forma, bem como do seu conteúdo.” (sublinhado nosso em texto)
3.4.2. Esta conclusão está em linha com o decidido em outros arestos do STJ, ainda que apreciando outros contratos, também eles “formais” quanto à sua celebração válida, a saber:
(i) o Ac. de 18/9/2003[8] (para um contrato de mútuo, em referência ao Sumário):
“I. As razões justificativas do carácter formal do contrato de mútuo prendem-se com a falibilidade da prova testemunhal.
II. Uma vez declarado nulo o negócio por inobservância da forma legal, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio viciado, podendo a prova da prestação, para esse efeito, ser feita por qualquer dos meios de prova admitidos em geral na lei.
III. Nada pois obstará a que, por qualquer meio, se provem os elementos formativos do mútuo, ou seja o real «programa» do contrato de mútuo, com abstracção da sua forma legal.”;
(ii) o Ac. de 20/9/2007[9] (também para um contrato de mútuo):
“(…) se a lei exige determinada forma escrita para a validade de uma declaração negocial, a sua falta não pode ser suprida se não nos termos limitados do disposto no nº 1 do artigo 364º do Código Civil: o documento não pode “ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. Isto significa, como se sabe, que a falta de escritura pública não pode ser sanada através da utilização de um documento particular, e muito menos, por exemplo, por prova testemunhal (cfr. ainda o nº 1 do artigo 393º do Código Civil).
Essa impossibilidade de substituição, todavia, apenas releva para não permitir que se façam valer os efeitos do negócio, como se fosse válido; não para, por exemplo, provar a celebração de um negócio nulo por falta de forma – porque não foi reduzido a escritura pública, no caso –, e pretender os efeitos, justamente, da nulidade.
Assim, nada obsta à utilização do documento particular junto (…), nem sequer da prova testemunhal ou por presunções judiciais, para a demonstração de que foi celebrado um mútuo nulo por falta de forma e, por essa via, fazer operar os efeitos da respectiva nulidade.”;
(iii) o Ac. de 24/5/2012[10] (para um contrato de edição, em que a forma escrita do contrato, exigida pelo art. 87º do CDADC (DL 63/85, de 14 de Março)[11], foi configurada como formalidade ad probationem):
“Não oferece dúvida (…) que a exigência legal de celebração por escrito do contrato de edição constitui formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no nº2 do art. 364º do CC; por outro lado, a omissão de documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor – carece de ser invocada pelo A. para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio, onerando a parte contrária com a prova das declarações negociais mediante confissão, sujeita às exigências decorrentes do estatuído no referido art. 364º, nº2. Em bom rigor, como se refere, por exemplo, no ac. de 27/6/06, proferido pelo STJ no P. 06A1744, estamos aqui confrontados, não propriamente com uma verdadeira nulidade do negócio, mas com uma especial oneração da parte a quem se presume imputável a inexistência de escrito – o editor – para provar a existência jurídica do negócio (…).
(…) esta restrição da legitimidade apenas ao autor para se valer da inexistência de escrito que corporize o contrato – opondo-a ao editor e provocando, em consequência, o típico efeito previsto de simultânea oneração acrescida e restrição probatória, estabelecido nos aludidos arts. 364º, nº 2, e 393º, nº 1, do CC – é manifestamente inconciliável com a tese da admissibilidade do conhecimento oficioso do défice formal do negócio com vista à protecção do dono da obra: é a este – e não ao Tribunal – que cabe avaliar o seu interesse pessoal e avançar, em consonância com tal avaliação pessoal, para o exercício ou não exercício da faculdade potestativa que aquela norma do CC lhe outorga.”;
Por outro lado – no que mais interessa:
“(…) a restrição e simultânea proibição probatória que decorre das disposições conjugadas dos arts. 364º, nº 2, e 393º, nº 1, do CC não significa que a prova testemunhal esteja totalmente banida do âmbito das acções em que se controvertam as consequências de se haver celebrado um contrato com preterição de escrito que constitua formalidade ad probationem: o que tal bloco normativo significa é que não é lícito ao editor demonstrar a existência juridicamente relevante das declarações negociais através de prova diversa da confissão da contraparte.
Porém, nada impede que para – demonstração de elementos consequenciais ou laterais à nulidade formal do negócio – se possa fazer uso, nos termos gerais, da prova testemunhal (…).”
3.4.3. Desta linha decisória resulta, a nosso ver, que, independentemente de se ver a forma exigida pelo art. 29º do DL 12/2004 como formalidade ad substantiam ou ad probationem e, por inerência, convocar, respectivamente, a restrição probatória do n.º 1 ou ou do n.º 2 do art. 364º do CCiv., apenas se reconduz tal inibição à demonstração do facto da celebração válida do contrato de empreitada, a fim de, em particular, se fazerem prevalecer os efeitos do negócio quanto a alguma ou algumas das parcelas do seu conteúdo mínimo, tal como contempladas no (então vigente) art. 29º, 1, que sejam de exigir em função dessa validade. Sendo assim, a prova do negócio como “facto jurídico” que preenche a previsão da norma (neste caso, demandante de forma, em excepção do art. 219º do CCiv.) e desencadeia efeitos jurídicos tributários da lei[12].
Sendo certo que, para se infirmar essa celebração, apenas ao “dono da obra” (ou ao subempreiteiro, nessa hipótese de subcontrato) é legalmente permitido invocar essa nulidade – o que agora é feito, em sede de revista junto do STJ.
A essa demonstração exclusiva, no entanto, escapará a prova efectiva e concreta da celebração e execução de um contrato de empreitada, ainda que formalmente inválido, a fim de se concretizar, se for o caso, as consequências jurídicas da nulidade (art. 289º do CCiv., nomeadamente a obrigação de restituir) ou, como contraponto, se determinar o apuramento da materialidade de cumprimento da empreitada como “contrato de troca para a produção de obra”[13] e das prestações associadas ao seu complexo de direitos e deveres típicos (art. 1207º do CCiv.)[14], convencionado em concreto e substancialmente executado[15].
Nestes domínios de relevância probatória, na verdade, deve considerar-se proeminente, ao invés, o negócio jurídico não formalizado como “valor” – ou “misto de facto e de valor, de ser e de dever-ser, de ser que deve ser e de dever ser que é” – imputável à autonomia privada, mesmo que incompatível ou desarmónico com o quadro heterónomo da lei, em que os interesses e a actuação dos autores do negócio jurídico correspondente à sua vontade prevalecem sobre os interesses de ordem pública (nomeadamente de confiança e segurança jurídica) e de terceiros[16]. Cedem, portanto e naturalmente, estes últimos interesses ligados à solenidade[17], vista como requisito suplementar em relação ao fundamento principal do negócio – a vontade manifestada pelas partes[18].
Em face desse critério ambivalente, não merece falecimento o acórdão da Relação, uma vez que não se vislumbra que tenha violado o art. 364º, 1, do CCiv. na sua reapreciação da matéria de facto, antes se moveu no domínio de apreciação de prova legítima para os factos dados como assentes e submetidas ao crivo da sua livre apreciação crítica.
Improcedem, pois, as Conclusões da Recorrente, que aspiravam à supressão da matéria de facto dada como provada e antes identificada, sem sucesso nesta instância.
III) DECISÃO
Em conformidade, julga-se improcedente a revista.
Custas pela Recorrente.
STJ/Lisboa, 6 de Outubro de 2021
Ricardo Costa (Relator)
António Barateiro Martins
Luís Espírito Santo
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
__________________________________________________
[1] Que foi esta:
“a) A requerente é uma sociedade comercial, que se dedica á execução de empreitadas de construção civil e obras publicas; compra de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tendo nesse âmbito estabelecido uma relação comercial com a 1ª Requerida e com o 2º requerido;
b) No exercício da sua actividade, a Requerente a pedido da Requerida efetuou diversos trabalhos na obra da .............., nº .., em ....., referente a obras de demolição, remodelação, alvenarias, reabilitação e pinturas, materiais e mão de obra;
c) Os serviços prestados deram origem a emissão de faturas;
d) O Requerido contratou os serviços da Requerente para a realização dos trabalhos de empreitada do imóvel sito na .............., n.º .., em .....;
e) Face à relação de confiança existente entre as partes nunca chegou a ser assinado qualquer contrato de empreitada;
f) Tendo os trabalhos em causa sido adjudicados directamente à Requerente sem qualquer concurso prévio;
g) Com base nesta relação de confiança e face à situação difícil que a Requerente atravessava, o Dono de obra, ora Requerido, permitiu que fosse nomeado o irmão do sócio da Requerente para encarregado de obra e o sobrinho do mesmo, Arquitecto de profissão, para gestor e fiscal da obra;
h) Os pagamentos da empreitada não eram efectuados em função de um “acto de medição” de trabalhos efectuados, mas por sim através de «tranches» que eram deduzidas ao orçamento inicial.”
[2] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html, ID., “Dupla conforme; vícios da decisão recorrida”, de 5/4/2016, comentário ao Ac. do STJ de 28/1/2016, in https://blogippc.blogspot.com/2016/04/jurisprudencia-318.html; ALVES DO VELHO, “Sobre a revista excecional. Aspetos práticos”, Colóquio sobre o novo CPC, Julho 2015, in https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26300.pdf, págs. 10-11; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º, págs. 365 e ss; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 580; na jurisprudência concordante do STJ, v. o Ac. de 25/5/2017, processo n.º 945/13.8T2AMD-A.L1.S1. Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.
[3] V. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 284 e ss, 290.
[4] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403.
[5] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36; na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt.
[6] O diploma foi revogado pela L 41/2015, de 3 de Junho; vigora desde então, nesta matéria da forma e conteúdo dos contratos de empreitada e subempreitada, o respectivo art. 26º, 1 a 3:
«1 – Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular sujeitos à lei portuguesa, cujo valor ultrapasse 10 % do limite fixado para a classe 1, são obrigatoriamente reduzidos a escrito, neles devendo constar, sem prejuízo do disposto na lei geral, o seguinte: a) Identificação completa das partes contraentes; b) Identificação dos alvarás, certificados ou registos das empresas de construção intervenientes, sempre que previamente conferidos ou efetuados pelo IMPIC, I. P., nos termos da presente lei; c) Identificação do objeto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver; d) Valor do contrato; e) Prazo de execução da obra. / 2 – Incumbe sempre à empresa de construção contratada pelo dono da obra assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, incluindo nos contratos de subempreitada que venha a celebrar. / 3 – A inobservância do disposto no n.º 1 determina a nulidade do contrato, não podendo, contudo, esta ser invocada pela empresa contratada pelo dono da obra.»
O respectivo art. 30º dispunha ainda que «[o] disposto no artigo anterior prevalece sobre o regime jurídico das empreitadas no Código Civil, na parte em que com o mesmo não se conforme».
[7] Processo n.º 2966/16.0T8PTM.E1.S2, Rel. ROSA TCHING, in www.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 03B2325, Rel. FERREIRA DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 07B1963, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, Rel. LOPES DO REGO, in www.dgsi.pt.
[11] Que assim prescreve:
«1 – O contrato de edição só tem validade quando celebrado por escrito. / 2 – A nulidade resultante da falta de redução do contrato a escrito presume-se imputável ao editor e só pode ser invocada pelo autor.»
[12] PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 420-421.
[13] V. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos, II, Conteúdo. Contratos de troca, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 156 e ss.
[14] V. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume III, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pags. 460-464, 466 e ss.
[15] Seguiram este critério decisório os Acs. da Relação do Porto de 25/11/2013, processo n.º 4316/11.2TBVFR-A.P1, Rel. OLIVEIRA ABREU, da Relação de Lisboa de 3/10/2017, processo n.º 6327/13.4TBSXL.L1-7, Rel. CRISTINA COELHO (v. ponto 4. do Sumário: “Admitida, porém, a celebração do contrato entre as partes, as prestações a que o empreiteiro se obrigou e o preço estipulado, e a execução de parte do mesmo pelo empreiteiro, e o pagamento apenas parcial do preço, terá de se atender à prova produzida para aquilatar da justeza do pedido formulado por este, atendendo à nulidade resultante da invalidade formal do contrato, norteados pelo princípio da boa fé que rege a disciplina dos contratos.”), e da Relação de Guimarães de 7/12/2017, processo n.º 440/13.5TBVLN-A.G1, Rel. FERNANDO FERNANDES DE FREITAS, e de 18/6/2020, processo n.º 1901/17.2T8VRL.G1, Rel. JOSÉ MOREIRA DIAS (v. pontos 2. a 5. do Sumário), sempre in www.dgsi.pt.
[16] V. novamente PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria geral… cit., pág. 421, a quem pertencem as transcrições.
[17] V., por ex., INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 138-139, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 220º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord.: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 639.
[18] CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 393.