IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
Sumário

I - Atento o princípio pro actione, enquanto desenvolvimento de um direito humano a um recurso efetivo, ou seja, a uma ação efetiva (artigos 8.º da DUDH e 13.º CEDH), bem como do direito fundamental a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição), ambos na sua vertente de acesso a uma justiça efetiva, na interpretação e aplicação das normas processuais deve prevalecer o acesso aos tribunais e às suas distintas instâncias, obstando a situações de denegação de justiça, designadamente em virtude da exigência de excessos de formalismo.
II - Deste modo, deve privilegiar-se, sempre que possível, a resolução das questões recursivas nucleares, aproveitando tudo o que foi alegado, designadamente na exposição das suas alegações, ainda que não tenham sido devidamente salientadas nas correspondentes conclusões.
III - Na impugnação recursiva da matéria de facto, ainda que a recorrente seja omissa na indicação dos depoimentos de algumas testemunhas, mas as mesmas constam preliminarmente referenciadas no corpo das suas alegações, estando transcritas as passagens pertinentes, nada obsta a que o Tribunal da Relação proceda à avaliação de tais depoimentos para formar a sua convicção probatória.
IV - O âmbito normativo da impugnação recursiva do julgamento da matéria de facto para a Relação, não é extensivo a todos os factos alegados pelas partes, mesmo que constem enunciados na sentença recorrida, mas cinge-se aos factos juridicamente relevantes, tanto da causa de pedir e da defesa, que sejam pertinentes para se obter uma solução jurídica distinta do sentenciado em 1.ª instância.

Texto Integral

Recurso n.º 75/20.6T8ESP.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
1.1 No processo n.º 75/20.6T8ESP do Juízo de Competência Genérica de Espinho, J1, da Comarca de Aveiro, em que são:

Recorrente/Autora: B… – , Lda.

Recorrida/Ré: Companhia de Seguros C…, S.A.

mediante sentença proferida em 18/dez./2020 foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, perscrutados todos os argumentos de direito e de facto supra referidos, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se a ré Companhia de Seguros C…, S.A., do pedido formulado nos autos pela autora B… – Lda.”
1.1. A A. demandou a R. invocando um contrato de seguro celebrado entre ambas as partes e respeitante ao veículo automóvel matrícula ..-OG-.., marca Renault, modelo …, com as coberturas obrigatórias e as facultativas de responsabilidade civil complementar de furto ou roubo, com o valor do capital a segurar de €13.550,00. Mais sustentou que tal veículo foi furtado em 14/fev./2019, tendo a R. seguradora declinado assumir o sinistro por carta datada de 14/mai./2019, em virtude da segurada não estar na posse de todas as chaves de origem, conforme cláusula de exclusão do contrato de seguro, terminando com o seguinte pedido:
“deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e por via dela ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de €16.636,96, acrescida dos juros de mora à taxa comercial desde a data da entrada em juízo do presente articulado e uma indemnização não inferior a €15,00 por dia também desde a mesma data e, em ambos os casos, até efectivo pagamento do capital seguro referido supra no artigo 4º, tudo com as demais consequências legais”.
1.2. A R. seguradora contestou em 04/mar./2020 aceitando a celebração do referenciado contrato de seguro, mas invocou a cláusula de exclusão decorrente da não entrega das duas chaves de origem do referido veículo automóvel, assim como o comportamento sinuoso da A., primeiro aditando à denúncia que a segunda chave estava numa pasta na mencionada viatura, igualmente subtraída, para depois vir dizer que encontrou essa chave, entregando-a a R, mas a mesma não pertencia a tal veículo, pugnando pela improcedência da ação.
1.3. A A. replicou em 01/jul./2020 mantendo a sua versão inicial, explicitando melhor a mesma.
2. A Autora insurgiu-se contra a referida sentença, tendo em 18/dez./202 interposto recurso, pugnando pela sua revogação e apresentando as seguintes conclusões:
………………….
………………….
………………….

4. A Ré contra-alegou em 06/abr/2021 pugnando pela improcedência do recurso.
5. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 29/abr./2021, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
6. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do recurso.
7. O objeto do recurso incide sobre o reexame da matéria de facto (a) e, na sua procedência, o cumprimento do contrato de seguro (b).

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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida: factos e motivação
3.1. Matéria de facto provada
Resultaram provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objeto a mediação na compra e venda de bens imóveis; intermediação de crédito e prestação de serviços de consultoria relativamente a contratos de crédito
2. A ré exerce a atividade seguradora.
3. A Autora foi proprietária do veículo automóvel matrícula ..-OG-.., marca Renault, modelo ….
4. Entre autora e ré foi celebrado um contrato de seguro auto, titulado pela apólice n.º ………, a qual teve o seu início a 31/12/2018 e teve o seu fim a 31/12/2019 e respeitante ao veículo referido em 3.
5. Por via do contrato referido em 4., para além das coberturas obrigatórias foram também contratadas as coberturas facultativas de responsabilidade civil complementar, ocupantes, assistência em viagem, quebra de vidros, furto ou roubo, fenómenos da natureza e quebra de aeronaves e choque, colisão e capotamento, e o valor do capital a segurar foi de €13.550,00.
6. No âmbito do contrato referido em 4. constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
Artigo. º 39 Exclusões Gerais
Para além das exclusões previstas na Cláusula 5.º das Condições Gerais do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel e das exclusões específicas de cada uma das coberturas facultativas contratadas, ficam ainda excluídos do âmbito do Seguro Automóvel Facultativo:
(…) ac) resultantes de furto ou roubo, quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca, salvo nos casos de furto ou roubo destas, devidamente participado às autoridades.
(…) Privação de Uso por Sinistro
O que está abrangido?
Ficam abrangidos por esta cobertura os prejuízos decorrentes da paralisação da viatura segura.
A C… garante o pagamento do valor diário indicado nas condições Particulares, durante a paralisação devido à reparação do veículo seguro, relativo a sinistro participado em consequência de Choque, Colisão e Capotamento, Incêndio, Raio e Explosão, Furto ou Roubo e Cataclismos Naturais, Queda de Aeronave, Greves, Tumultos, Comoções Civis, Vandalismos e Atos de Terrorismo.
Em caso de utilização da cobertura de Privação do Uso, quais as condições e limites de indemnização?
O valor diário contratado e indicado nas condições particulares da apólice será pago ao segurado após reparação do veículo seguro, não havendo lugar a qualquer pagamento ao abrigo desta cobertura em caso de Perda Total.
7. No dia 14-02-2019, o veículo da Autora referido em 3., foi furtado enquanto estava estacionado na Travessa …, …, ….-… …, concelho de Vila Nova de Gaia, o que ocorreu entre as 02:00 e as 08:00.
8. O gerente da Autora, D…, apresentou queixa por tal furto junto da PSP de …, no próprio dia 14.02.2019, pelas 10h14, tendo feito constar nesse auto de denúncia o seguinte:
“Compareceu neste Departamento Policial o Sr. D…, condutor habitual da viatura furtada, a comunicar que hoje, pelas 02h00 estacionou a viatura no local indicado como local da ocorrência e pelas 08h00 a viatura já não se encontrava nesse local.
A viatura está registada em nome da Firma B… Lda, sito na rua .., n.º …, ….-…, Espinho, sendo o seu condutor habitual o Sr. D….
A viatura ficou devidamente fechada e no local não existe qualquer marca de vidros partidos ou outros indícios”.
9. A Autora fez, igualmente, a participação do referido furto à Ré para que a mesma procedesse à abertura do processo interno e fosse acionado o seguro ao abrigo de cobertura de furto ou roubo.
10. No próprio dia 14.02.2019, a filha do gerente da Autora informou as pessoas relacionadas com os documentos que estavam dentro da sua pasta de que a mesma tinha sido furtada, assim como,
11. Colocou um anúncio na sua página da rede social do Facebook, com os seguintes dizeres: “Roubaram esta madrugada o meu carro em … Renault … Matricula ..-OG-..; Se alguém tiver alguma informação contate PF a GNR de … ou ………! Muito Obrigada. Tem uma Pasta Preta com Documentos Muito Importantes que Preciso de Reaver!”.
12. No dia 07.05.2019, pelas 10h45, e em aditamento ao auto de denúncia por furto de veículo automóvel elaborado no dia 14.02.2019, sobre os factos ocorridos na noite do dia 14 de fevereiro de 2019, compareceu na PSP de …, D…, o qual declarou o seguinte:
“(…) No interior da sua viatura furtada e na bagageira ocorreu o furto de uma Pasta pertencente à sua filha, advogada e a prestar serviço na sua empresa denominada B… – Lda, contendendo vários documentos de trabalho de advocacia e outros da referida empresa, contendo ainda a chave original do veículo furtado em referência, esclarecendo que essa chave necessitava de colocar uma nova pilha, sendo que na altura do facto o veículo circulava com a utilização da 2.º chave”.
13. No âmbito do processo interno da ré, após solicitação e numa fase inicial, a autora, através do seu gerente, entregou à Ré apenas uma das chaves do veículo seguro que de origem lhe tinham sido entregues pelo representante da marca.
14. O processo interno da ré correu os seus termos até que a autora recebeu uma carta datada de 14.05.2019, enviada pela ré, com os seguintes dizeres:
“Verificando-se o que refere a alínea ac) das exclusões da apólice não poderemos responder pelo furto do veículo seguro, dado que estão excluídos os danos: ac) resultantes de furto ou roubo, quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca. Nesta conformidade, vamos proceder ao encerramento do nosso processo (…)”.
15. No dia 30.05.2019, a autora, através do seu gerente D…, emite uma declaração, dirigida à ré, com os seguintes dizeres:
“Exmos. senhores, no seguimento do processo com o n.º ………, uma vez que percebemos que a segunda –chave da viatura que nos foi furtada (Renault … ..-OG-..), é essencial para o bom seguimento deste processo, vimos pelo presente informar que após nova procura exaustiva pelas mesmas, conseguimos encontrá-las na nossa habitação, sendo que a fizemos chegar de imediato à vossa companhia.
No sentido do anteriormente exposto, gostaríamos de vos solicitar a reabertura deste processo.”
16. A 15.07.2019, a ré comunicou à autora, através de email, o seguinte:
“Exmo. Sr., após informação de que a chave em falta do veículo tinha, finalmente, aparecido, após busca exaustiva das mesmas, foi efetuada a análise da mesma, tendo os n/ serviços técnicos concluído que a chave, entretanto apresentada não pertence ao veículo seguro.
Vimos, assim, reiterar informação já prestada na nossa anterior correspondência, de que não poderemos responder pelo furto do veículo seguro, dado que estão excluídos os danos:
ac) resultantes de furto ou roubo, quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca.
Nesta conformidade, vamos proceder ao encerramento do nosso processo. (…)”.
17. No dia 05.08.2019, a autora, através do seu il. Mandatário, enviou à ré, um email com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores
Em meados do mês passado remeti a essa companhia seguradora um email em nome da minha constituinte, e vossa tomadora de seguro B… – Lda, acompanhada da respetiva procuração, solicitando respostas às anteriores comunicações da m/ cliente.
Seguramente por lapso dos vossos serviços não recebi qualquer resposta, mas tive notícia que foi pela C… enviado um email diretamente para a minha cliente, por via do qual declinaram a vossa responsabilidade contratual já que a segunda chave do veículo que vos foi entregue não pertencia ao veículo furtado. E, por esse motivo, tal sinistro estaria excluído do seguro em causa.
Partimos do pressuposto que os vossos serviços técnicos fizeram uma análise correta à segunda chave que vos foi remetida e por duas razões.
Primeiro porque não temos de duvidar da correção e da boa fé por parte dos vossos técnicos. E em segundo porque dessa forma esclarecida fica, de forma definitiva, uma dúvida que assolava a minha cliente.
Desde a data do furto, uma das pessoas que havia conduzido o veículo afirmava que a segunda chave do mesmo estava no porta-luvas do mesmo a fim de se mudar a pilha que estava gasta. E tanto assim é que a minha cliente participou esse mesmo facto à PSP, em aditamento à denúncia do furto do veículo, como poderão comprovar a partir do documento que ora se junta como Doc. 1, datado de 07.05.2019. Entretanto, pouco tempo depois da receção da vossa carta na qual declinaram o sinistro, foi localizada uma chave que poderia muito bem ser a do veículo furtado, e por esse motivo, na dúvida, a mesma foi-vos remetida.
Constataram os vossos serviços agora que afinal a chave não era do veículo furtado (será sim de um dos veículos da mesa marca que a minha cliente já anteriormente teve) e desta forma confirma-se a versão inicial da condutora do veículo, a de que a segunda chave estava de facto no veículo e, como tal, foi furtada juntamente com este”.
Este facto é, na minha modesta opinião, determinante atenta a redação completa da alínea ac) do artigo 39.º das condições Gerais da apólice auto aqui em causa: “resultantes de furto ou roubo, quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo
representante da marca, salvo nos casos de furto ou roubo destas, devidamente participado às autoridades”.
Ou seja, segundo a vossa apólice esta exclusão só não pode operar se também a(s) chave(s) do veículo tiver(em) sido furtada(s) e se tal for devidamente participado às autoridades – o que no caso em apreço se verifica conforme se alcança a partir do documento anexo a este email.
Perante estes elementos, afigura-se inequívoco que, pelo menos, deverá o processo de sinistro ser reaberto e, por se verificarem os pressupostos de que depende a vossa responsabilidade contratual, deverá a minha constituinte receber indemnização a que tem direito pelo furto de veículo. (…)”.
18. A 30.08.2019, e na sequência do email referido em 17., a ré comunicou ao il. Mandatário da autora, através de email, o seguinte:
“Exmo. Sr.
O presente processo encontra-se gerido no âmbito do seguro facultativo contratado na cobertura de furto ou roubo, não abrangido, por isso, pelo D.L. n.º 291/2007.
As mensagens e correspondência foram efetuadas por intermédio do mediador de seguros, e, em 15-07-2019, foi enviado o email (que não nos foi devolvido) e cujo teor abaixo transcrevemos:
Exmos. Srs.
Após informação de que a chave em falta do veículo tinha, finalmente, aparecido, após busca exaustiva da mesma, foi efetuada a análise da mesma, tendo os n/ serviços técnicos concluído que a chave, entretanto apresentada não pertence ao veículo seguro.
Vimos, assim, reiterar informação já prestada na nossa anterior correspondência, de que não poderemos responder pelo furto do veículo seguro, dado que estão excluídos os danos: ac) resultantes de furto ou roubo, quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca. Nesta conformidade, vamos proceder ao encerramento do nosso processo. (…)”. Sem mais, de momento, somos, (…)”.
19. Autora dedica-se à mediação imobiliária no concelho de Espinho, bem como nos concelhos limítrofes.
20. Uma das partes essenciais na sua atividade passa por ir visitar os imóveis que os seus clientes têm para vender ou arrendar, fotografá-los, publicitá-los e depois acompanha os interessados em visitas a esses mesmos imóveis.
21. O que pressupõe várias deslocações por dia, para as quais é essencial a utilização das viaturas automóveis da sociedade.
22. Para esse efeito a Autora dispõe normalmente de 5 automóveis que são utilizados por outros tantos colaboradores da Autora.
23. O veículo da Autora que foi furtado era utilizado pelo gerente da empresa, pela sua filha ou qualquer outro funcionário nas suas deslocações profissionais.
24. À data do furto e ainda hoje, na região do grande Porto e nas zonas limítrofes existe uma grande procura no sector imobiliário.
25. Esse aumento da procura sentiu-se também na área de atuação territorial da Autora que, por causa disso, tem cada vez mais imóveis em carteira, o que exige várias deslocações por dia.
26. Antes do furto, o gerente, a filha ou qualquer funcionário da Autora utilizava aquele veículo nas deslocações de visita, contactos e angariações; e para além disso quando os demais veículos da Autora se encontravam todos ocupados, o gerente disponibilizava a carrinha Renault para a deslocação necessária.
27. Neste contexto, a falta do veículo furtado fez-se sentir no trabalho da Autora já que houve visitas que tiveram de ser adiadas pois não havia veículos suficientes
28. A altura da Primavera e do Verão são, tradicionalmente, épocas de grande azáfama para as empresas de mediação imobiliária, como foi também o caso da Autora no ano 2019.
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29. Durante o processo interno da ré, esta, além o mais, através do perito averiguador, solicitou à autora, na pessoa do seu gerente, a entrega da segunda chave do veículo seguro.
30. À data, o gerente da autora, D… não procedeu à entrega dessa segunda chave, alegando que não sabia onde se encontrava a segunda pensando que deveria estar perdida em sua casa.
31. A segunda chave entregue pela autora à ré, e referida em 15. Dos factos dados como provados, pertence a um veículo com o n.º de chassis …………….. com 54.127 km, enquanto que o veículo seguro e alvo de furto tem o n.º de chassis ……………… e 116.224 km.
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3.2. Matéria de facto não provada
1. Que a autora não se preocupou com a segunda chave, pois nem sabia que era necessária.
2. Só após ter sido informada do encerramento do processo pela Ré na sequência da carta datada de 14.05.2019, referida em 14. dos factos dados como provados, com base na falta de entrega de todas as chaves, é que a Autora tomou consciência da importância dessa segunda chave.
3. Foi com a ajuda da Ré que comprovou que a segunda chave entregue não pertencia ao veículo seguro, que a Autora se assegurou que a chave em questão estava realmente dentro do veículo furtado.
4. Que a segunda chave do veículo furtado também se encontrava dentro do mesmo. Consigna-se que não se responde à demais matéria alegada pelas partes por ser irrelevante para a boa decisão da causa e/ou conter alegação de direito e/ou conclusiva.
3.3. Motivação da matéria de fato
O juízo formulado quanto à matéria controvertida teve por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e a prova testemunhal produzida em sede de audiência, que se passa a evidenciar.
Assim e para prova dos factos dados como provados nos pontos 1. e 2., o tribunal ateve-se no acordo entre as partes quanto a essa matéria em conjugação com a certidão permanente de fls. 11 e ss.
Para prova dos factos referidos nos pontos 3. e 4. a 6. o tribunal ateve-se, respetivamente, no documento único junto aos autos a 13 verso e ainda no contrato de seguro, apólice e respetivas condições gerais e particulares de fls. 14 a 41.
Para prova do facto referido no ponto 7., o tribunal formou a sua convicção com base no depoimento da testemunha E…, filha do sócio-gerente da autora, e última condutora do veículo, que prestou, nesta parte, um depoimento seguro, isento, e plausível, e por isso merecedor da credibilidade do tribunal, em conjugação com o auto de denúncia de fls. 42, a comunicação, por parte da autora, à ré para regularização do sinistro que evidenciam que a autora, no próprio dia do furto participou às entidades competentes, o alegado furto, e ainda o relatório do perito averiguador que concluiu não existir qualquer suspeita sobre a veracidade do furto do veículo seguro.
Para prova do facto referido no ponto 8., o tribunal ateve-se no auto de denúncia de fls. 42, em conjugação com o depoimento do agente da PSP responsável pela elaboração do referido auto de denúncia, testemunha F… que confirmou as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que o mesmo ocorreu e, bem assim, que fez constar tudo o que lhe foi transmitido pelo denunciante, ora gerente da autora, D….
Para prova do facto referido no ponto 9., o tribunal ateve-se no acordo entre as partes quanto a tal matéria, em conjugação com o depoimento da testemunha G…, mediador de seguros.
Para prova dos factos referidos nos pontos 10. e 11., o tribunal ateve-se no depoimento da testemunha E…, em conjugação com os documentos de fls. 70 e 70 verso.
Para prova do facto referido no ponto 12., o tribunal ateve-se no auto de aditamento de fls. 43, em conjugação com o depoimento do agente da PSP responsável pela elaboração do referido auto de aditamento, testemunha H…, que confirmou as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que o mesmo ocorreu e, bem assim, que fez constar tudo o que lhe foi transmitido pelo denunciante, ora gerente da autora, D….
Para prova do facto referido no ponto 13., o tribunal ateve-se no acordo entre as partes quanto a tal matéria, em conjugação com depoimento da testemunha E…. (filha do gerente da autora), G…, (mediador de seguros) e I… (perito averiguador).
Para prova do facto referido no ponto 14., o tribunal ateve-se no documento junto a fls. 43 verso.
Para prova do facto referido no ponto 15., o tribunal ateve-se no documento junto a fls. 44 verso.
Para prova do facto referido no ponto 16., o tribunal ateve-se no documento junto a fls. 45.
Para prova do facto referido no ponto 17., o tribunal ateve-se no documento junto a fls. 45 verso e 46.
Para prova do facto referido no ponto 18., o tribunal ateve-se no documento junto a fls. 46 verso e 47.
Para prova dos factos dados como provados nos pontos 19. a 28, o tribunal ateve-se no depoimento da testemunha E…, J…, funcionário da autora, em conjugação com as regras de experiência comum e normalidade.
Para prova dos factos referidos nos pontos 29. a 31., o tribunal ateve-se no depoimento da testemunha I…, que se afigurou credível atenta a forma desinteressada, isenta, imparcial e rigorosa com que depôs, tendo conhecimento dos factos por ter sido o perito averiguador do sinistro em causa, em conjugação com o relatório de averiguação de fls. 75 a 87 e os documentos de fls. 57 a 60.
Já no que diz respeito à factualidade não provada, o tribunal baseou as suas respostas, total ou parcialmente, na ausência de prova a este respeito, mormente em virtude da menor segurança, consciência e clareza do testemunho prestado perante os referidos factos, e bem assim, da contraprova feita quanto aos mesmos supra referida.
Com efeito, o cerne dos autos prende-se com o facto de ter ou não ocorrido o furto da segunda chave do veículo seguro, pois foi por essa segunda chave não ter sido entregue que a ré declinou a responsabilidade dado que, segundo as exclusões da apólice de seguro contratada, estão excluídos os danos resultantes de furto ou roubo quando o proprietário não esteja na posse de todas as chaves que, de origem, são entregues pelo representante da marca.
No entanto, tal exclusão já não opera se essas mesmas chaves tiverem sido alvo de furto ou roubo, devidamente participado às autoridades.
Ora, é assente que a autora apenas procedeu à entrega de uma das chaves do veículo seguro à ré.
No entanto, e relativamente à segunda chave não foi feita qualquer prova cabal de que, a mesma estivesse efetivamente dentro do veículo furtado, e, consequentemente, alvo, ela própria de furto, e muito menos que a autora não se preocupou com a segunda chave, pois nem sabia que a mesma era necessária para a regularização do sinistro, tendo apenas tomado consciência dessa relevância após a ré ter declinado a responsabilidade, (ou seja, após 10.05.2019), assim querendo demonstrar que aquando da apresentação do aditamento de 07.05.2019, ainda não sabia da essencialidade da entrega da segunda chave ou da essencialidade do seu furto/roubo, devidamente participado às autoridade.
Concretizando.
Relativamente à (não) ocorrência do furto das chaves, e pese embora o mesmo tenha sido formalmente participado às autoridades, o certo é que não se fez prova cabal de que o mesmo tenha, efetivamente, ocorrido.
Ora independentemente de outras contradições encontradas, (a última condutora do veículo foi a testemunha E… e não o seu pai, conforme este fez, erroneamente, constar no auto de denúncia de fls. 42; a alegada pasta que continha documentos importantes inicialmente estava na bagageira do veículo, (cfr. aditamento fls. 43), quando afinal estava no porta luvas do veículo, (cfr. depoimento da testemunha E… e doc. de fls. 45 verso), há que referir o seguinte.
Em primeiro lugar é destituído de sentido a condutora do veículo, que é pessoa instruída, e advogada de profissão, ter deixado o mesmo estacionado em plena rua, durante toda a noite, contendo no seu interior uma pasta com “documentos muito importantes”. E, ainda é mais destituído de sentido se atentarmos no facto de, segundo a própria, ter levado consigo o computador que estava inserido numa pasta e não ter, igualmente, levado os alegados “documentos muito importantes”.
Na verdade, tendo levado o computador, então as regras da experiência comum e normalidade também nos ditam que levaria consigo, não deixando no interior de uma viatura, sujeita roubos/furtos, a pasta que continha os documentos importantes para a sua atividade profissional.
Em segundo lugar, quando da apresentação do auto de denúncia, ocorrido a 14.02.2019, o denunciante e, bem assim, a testemunha E…, que o acompanhou, não fazem qualquer referência ao furto de qualquer pasta que estava no interior da viatura, ou, muito menos, do furto da segunda chave do veículo que estava dentro desse veículo.
A este propósito refira-se que, pese embora a testemunha E… tenha referido que aquando da apresentação da queixa, tenha mencionado ao agente autuante a existência da pasta, o certo é que os agentes da PSP que tomaram conta quer do auto de denúncia, quer do aditamento, referiram que fazem constar em auto tudo o que lhes foi comunicado pelo denunciante/participante, pelo que se no auto de denúncia de 14.02.2019 não foi feita qualquer referência ao furto de uma pasta/segunda chave do veículo, é porque tal não foi referido pelo/a denunciante.
De resto, é do senso comum que faz parte do modus operandi das autoridades que tomam conta destas ocorrências, indagar de todos os objetos que pudessem estar no interior do veículo furtado.
Em terceiro lugar, é certo que no próprio dia 14.02.2019, a filha do gerente da autora, e última condutora do veículo, publica anúncio no facebook em que refere que dentro do veículo estava uma pasta com documentos importantes.
No entanto, nesse mesmo anúncio não é feita qualquer referência à segunda chave do veículo.
Com efeito, e, independentemente, se no veículo seguro estava uma pasta, o certo é que não se fez prova de que nessa pasta estava a segunda chave do veículo.
Na verdade, se essa pasta continha documentos muito importantes, o que de resto, até motivou a colocação, no próprio dia do furto, de um anúncio no facebook a apelar para quem encontrasse a pasta, a informasse, então também deveria ter feito alusão a tal pasta aquando da apresentação da queixa na PSP de ….
Tanto mais que a própria E… também se deslocou à PSP no dia 14 de fevereiro de 2019, pelo que poderia ter referido a existência de tal pasta.
Mas, não só não é referida a existência de tal pasta aquando da denúncia na PSP, muito menos é feita qualquer alusão à possibilidade da segunda chave do veículo estar no interior de tal pasta, como, no próprio anúncio no facebook em que é referido o furto de tal pasta, não é, em momento algum, referida a existência de qualquer chave no seu interior, referindo-se apenas à existência de documentos importantes.
Em quarto lugar, não é crível que a segunda chave do veículo estivesse dentro de uma pasta no interior de um veículo que, conforme resultou da prova produzida, poderia ser conduzido por qualquer funcionário da empresa, se assim se justificasse, quando essa pasta se relacionava com a atividade profissional da autora (escritura de compra e venda de imóveis) e, alegadamente, só precisava de mudar de pilha. Com efeito, resulta das regras de experiência comum e normalidade que seria mais lógico essa segunda chave estar na posse da pessoa que fosse proceder a essa mudança de pilhas, no caso, na carteira/mala da testemunha E….
Em quinto lugar, e apesar de no doc. de fls. 45 verso, datado de 05.08.2019, se alegar que desde a data do furto que a filha do gerente da autora, testemunha E…, afirma que a segunda chave do veículo estava dentro do veículo até porque lhe tinha sido entregue pelo seu pai para trocar de pilha, o certo é que nem aquela E…, ((1) aquando da solicitação para entrega dessa segunda chave, por parte do gestora de sinistros, ou (2) aquando da apresentação da queixa junto da PSP, ou (3) aquando da publicação do anúncio do facebook), nem mesmo o seu pai, gerente da autora, D… que, alegadamente entregou a chave à filha para efetuar a troca da pilha,, ((1) aquando da apresentação da queixa, (2), ou das conversas mantidas com o perito averiguador, ou (3) com o mediador de seguro), fazem qualquer referência formal ou informal a esse alegado furto da chave.
Antes pelo contrário, o próprio gerente da autora apenas alegava que não sabia onde ela estava, ou que a mesma estaria perdida em casa.
Dito de outro modo, é no mínimo estranho que a única versão da condutora do veículo furtado (de que a chave estava no seu interior) nunca tenha sido referida/mencionada a ninguém, nem mesmo quando expressamente alertados para a necessidade de apresentação dessa chave.
Em sexto lugar, a primeira e única referência ao eventual furto da chave do veículo apenas ocorre quase três meses depois do alegado furto, ou seja, no aditamento de 07.05.2019.
Ora, se até é crível que possam ser feitos aditamentos, o que, conforme foi referidos pelos agentes da PSP, é usual acontecerem cerca de 8/10 dias depois, precisamente porque, no momento da apresentação da queixa, podem não se ter presentes todos os factos relevantes, até por força do estado de exaltação/preocupação e consternação em que o denunciante se encontra, o certo é que já não é plausível que tal aditamento seja feito com tanta dilação (quase três meses) e, coincidentemente (ou não), seja apresentado, justamente, numa data em que a autora já tem conhecimento (conforme infra elucidaremos) de que a ré pretende declinar a responsabilidade por falta da entrega da segunda chave, o que, veio, de facto, a ocorrer, escassos dias depois, conforme carta datada de 14.05.2019.
Em sétimo lugar, e não obstante ter feito o aditamento, (em que refere o alegado furto da chave), no dia 07.05.2019, o certo é que o mesmo gerente da autora, no dia 30.05.2019, ou seja, 23 dias depois do referido aditamento e 15 dias depois da carta da ré a comunicar formalmente que não ia assumir a responsabilidade, comunica à ré que encontrou a segunda chave pelo que solicita a reabertura do processo.
Refira-se, a este propósito, que o gerente da autora na comunicação em causa, (cfr. fls. 45 verso), não cuida de referir as suspeitas que, desde a data do furto, sempre teve, (conforme expressamente referido no email de fls. 45 verso), mencionando que a chave até poderá não corresponder ao veículo furtado, antes pelo contrário, refere, de forma expressa e perentória que lograram encontrar a segunda chave pelo que pretende a reabertura do processo.
De resto, a testemunha I…, perito averiguador e experiente neste tipo de situações, referiu, de forma expressa, que não tem dúvida de que a entrega da alegada segunda chave apenas o foi com intuito doloso, de tentar convencer a seguradora de que era a chave do veículo furtado cuja entrega era essencial para haver lugar ao pagamento da indemnização.
Mas mais, caso estivesse, de facto, convicto de que a chave entregue a 30.05.2019, correspondia ao veículo furtado, tal como perentoriamente afirmou na sua comunicação de fls. 45 verso, então teria de ter procedido a novo aditamento junto da PSP, dando conta de que, afinal, a chave não estava dentro da viatura, o que não foi feito.
Por todo o exposto, não se logrou a prova de que a segunda chave do veículo furtado também tenha sido furtada.
Já quanto ao não conhecimento da essencialidade da entrega da segunda chave ou da essencialidade do seu furto/roubo, devidamente participado às autoridades, o tribunal ficou perfeitamente convencido de que a autora, ao contrário do que alega, tomou consciência dos mesmos muito antes de 14.05.2019.
Em primeiro lugar, as condições pelas quais as partes celebram um contrato encontram-se expressas nas condições contratuais, as quais fazem parte integrante dos contratos de seguro do ramo automóvel. Subsequentemente, a garantia de cobertura em caso de furto ou roubo do veículo segurado pela ré decorre da aceitação expressa pela autora das condições contratuais que a ré lhes apresentou, a quem foram explicadas e colocadas à disposição da autora para as analisar, a qual as aceitou, sendo, por conseguinte do seu conhecimento.
Em segundo lugar, para além de tais condições fazerem parte do contrato e estarem na posse da autora, é igualmente certo que a filha do gerente da autora, e para quem igualmente trabalha, é advogada de profissão, estando, por conseguinte, se não habituada, pelo menos munida dos instrumentos/ferramentas e conhecimentos necessários para se inteirar e conhecer as cláusulas do contrato de seguro em causa e as suas consequências.
Em terceiro lugar, das declarações de G…, I… Carvalho e da própria E…, em conjugação com as regras de experiência comum e normalidade, decorre que a autora tinha de saber da essencialidade da entrega da segunda chave e a forma como essa não entrega poderia ser contornada.
Com efeito, desde logo, resulta do senso comum que durante o processo de averiguações que todas as seguradores abrem para averiguarem do sinistro participado, aquelas solicitam todos os elementos considerados relevantes para tal apreciação.
Consequentemente não é crível que não tivessem solicitado à autora a entrega da segunda chave.
Em consonância com tal modus operandi, temos as declarações da própria E… que acabou por admitir que aquando da participação do sinistro foi questionada pela seguradora se tinha a segunda chave; assim como resultou do depoimento do G…, mediador de seguros, que a sua gestora de sinistro terá de ter solicitado a entrega de tal chave à autora, e bem assim do próprio perito averiguador, I…, que confirmou que durante o processo de averiguação, solicitou e insistiu pela a entrega da segunda chave ao gerente da autora.
Consequentemente, e tal como resultou da prova produzida, todas as pessoas que tiveram intervenção na regularização do sinistro em causa nos autos, nomeadamente, a gestora de sinistros, o mediador de seguros, o perito averiguador e a própria ré, solicitaram, insistiram e alertaram para a entrega da segunda chave junto do gerente da autora, ou com a sua filha, o que não foi feito.
Ora, as seguradoras têm o prazo de 60 dias para regularizar o sinistro, data a partir da qual, não tendo ainda procedido ao pagamento da indemnização, então é porque há algum obstáculo ao seu pagamento. Assim sendo, pelo menos desde 14.04.2019, (findo o período de 60 dias que a ré tinha para regularizar o sinistro), que a autora poderia indagar o motivo pelo qual ainda não tinha recebido a indemnização, o que conjugando com a falta de entrega da segunda chave e a insistência que todos fizeram para que essa entrega ocorresse e a simples leitura do contrato de seguros e respetivas condições/clausulas contratuais, nomeadamente por pessoa mais que instruída para as perceber, designadamente a filha do gerente da autora que é advogada de profissão, leva a conclusão que a autora, se não antes, pelo menos, a partir de finais de abril/início de maio tomou consciência da importância da entrega da segunda chave e/ou de alegar o furto da mesma devidamente participado.
E se dúvidas existissem, as mesmas foram dissipadas pelo depoimento da testemunha G…, mediador de seguros, cujo depoimento se afigurou totalmente credível atenta a forma escorreita, sabedora, convincente e clara com que prestou declarações.
De tal depoimento resultou que em data que não consegue precisar, mas se não antes, pelo menos no dia 10 de maio de 2019, o gerente da autora entrou em contato consigo, dando conta que a seguradora lhe tinha comunicado que iria declinar a responsabilidade por a segunda chave não ter sido entregue.
Ou seja, desse telefonema decorre que antes do dia 10 de maio de 2019, (pois quando o gerente entra em contato com o medidor de seguros, já a ré lhe tinha comunicado que iria declinar a responsabilidade), o gerente da autora já sabia da intenção da ré.
E nem se diga que há qualquer contradição porquanto a comunicação da ré a declinar a responsabilidade só ocorre no dia 14.05.2019.
Com efeito, e como resulta à saciedade, a comunicação formal da ré ocorre a 14.05.2019, (cfr. carta de fls. 43 verso), o que não invalida que antes dessa data, a mesma ré, através de uma qualquer funcionária, nomeadamente gestora de sinistros, o perito averiguador, ou mediador de seguros, lhe tenha comunicado, por qualquer meio informal, nomeadamente por telefone, conversa, etc, a sua intenção de declinar a responsabilidade por falta de entrega da segunda chave.
Tal é o que, de resto, resultou do depoimento da testemunha G…, que declarou que quando o gerente da autora lhe telefonou, (nunca depois do dia 10 de maio), já sabe, por a ré lhe ter comunicado (logo, antes da comunicação formal de 14.05.2019), que a sua intenção era declinar a responsabilidade, e que com o telefonema pretendia saber o que poderia fazer para evitar esse desfecho.
Mas repristinemos as datas relevantes e referidas por ordem cronológica e cuja sequência foram determinantes para a convicção do tribunal: - Furto do veículo seguro, sem fazer qualquer referência à chave do mesmo: 14.02.2019; - Denúncia, junto da PSP de …, do furto do veículo: 14.02.2019; - Comunicação por parte da autora e junto do mediador de seguros, da ocorrência do sinistro com vista à comunicação à ré para acionamento do seguro: 14.02.2019; - Solicitação por parte da gestora de sinistros, (K…) e que tomou conta da comunicação referida supra, da segunda chave junto da autora: 14.02.2019; - Anúncio no facebook da E… do furto da pasta com documentos relevantes, (mas sem referir a existência da chave do veículo no interior dessa pasta): 14.02.2019; - Relatório de averiguação em que o perito averiguador relata que insiste junto do gerente da autora pela entrega da segunda chave e em que a resposta obtida é a de que possivelmente a terá perdido ou está em sua casa num lugar que não consegue precisar: 29.03.2019; - Comunicação da ré ao mediador de seguros que iria declinar a responsabilidade por falta da entrega da segunda chave por parte da autora: 18.04.2019; - Conversa mantida entre o mediador de seguros, (G…) e o gerente da autora, em que este aborda aquele, declarando já saber que a ré iria declinar a responsabilidade por falta da entrega da segunda chave do veículo e indagando o que poderia fazer, nunca referindo que essa segunda chave tinha sido furtada/que se encontrava dentro do veículo furtado: ocorrida, se não antes, pelo menos nunca depois do dia 10.05.2019; - Aditamento junto da PSP de … dando conta que dentro do veículo furtado estava uma pasta com a segunda chave do veículo: 07.05.2019; - Ré declina, formalmente, a responsabilidade por falta de entrega da segunda chave:
14.05.2019; - Autora comunica que encontra a segunda chave e remete à ré para reabertura do processo: 30.05.2019; - Ré declina a responsabilidade porque a segunda chave enviada não pertence ao veículo seguro: 15.07.2019; - Email da autora a solicitar a reabertura do processo: 05.08.2019; - Comunicação da ré a declarar o encerramento do processo: 30.08.2019.
Ora, todo este comportamento da autora que (1) não apresenta, a 14.02.2019, queixa pelo furto da chave, (2), não a refere aquando do anúncio publicado no seu facebook no próprio dia 14.02.2019, (3), nunca comentou com o mediador de seguro, a gestora de sinistros, o perito averiguador, o facto de tal segunda chave poder estar dentro do veículo, e, portanto, ter sido, ela própria, alvo do furto, antes pelo contrário, apenas alega que não sabe onde ela está, ou que a mesma está perdida em casa, conjugado com o (4) o facto de única referência ao alegado furto da segunda chave apenas ocorrer quase três meses depois do alegado furto, e estrategicamente num momento em apesar de ainda não haver comunicação formal por parte da ré a declinar a responsabilidade, a qual ocorre a 14.05.2019, o certo é que, nessa data de 07.05.2019, a autora (na pessoa do seu gerente ou filha) já tinham, necessariamente, conhecimento da essencialidade da entrega da segunda chave ou que a mesma tenha sido alvo de furto ou roubo, devidamente participado às autoridades, não permite ao tribunal formar a sua convicção de que, a segunda chave do veículo estava, efetivamente dentro do mesmo e, por conseguinte, foi ela própria alvo de furto.
Uma última nota para referir o seguinte.
Em anexo ao email de 05.08.2019, (cfr. fls. 45 verso e 46), é enviado o aditamento do auto de denúncia de 07.05.2019, solicitando-se, a reabertura do processo por estar preenchida a exceção da clausula de exclusão, (“(…) salvo nos casos de furto ou roubo destas, devidamente participado às autoridades”).
No entanto, desconhece-se se antes dessa data (05.08.2019), a ré tinha já tomado conhecimento do referido aditamento por o mesmo lhe ter sido anteriormente comunicado pela própria autora, e que as posições assumidas de declinação da responsabilidade já tiveram como premissa esse aditamento, até porque a resposta da ré seguradora a esse email foi a reprodução da já anteriormente enviada, (cfr. fls. 46 verso e 47).
Por outro lado, não se estranha que mesmo tendo presente o aditamento já realizado no dia 07.05.2019 (o que poderia justificar a exceção da cláusula de exclusão), a autora tenha, ainda assim, tentado obter o pagamento da indemnização devida, mediante a apresentação de uma chave, tal como tentou no dia 30.05.2019 e não apenas com a alegação do furto da chave e a sua participação às autoridades.
Com efeito, como é bom de ver, a regularização do sinistro com o pagamento da indemnização devida, terá sempre um desfecho muito mais célere caso as chaves da viatura sejam entregues, do que com a alegação e consequente prova de que as mesmas foram furtadas e a respetiva participação às autoridades.
Na verdade, na primeira situação, estamos perante a mera verificação da condição prevista na apólice; enquanto que na segunda estamos perante a verificação e consequente prova de circunstâncias que dizem respeito à exceção da cláusula de exclusão de indemnização, pelo que acarreta, por conseguinte, mais meios/diligências, o que implicará o atraso no processo indemnizatório, que se tornará mais moroso e complexo.
Por todo o exposto, seria sempre mais fácil e rápido obter-se a indemnização mediante a entrega de uma chave que, atentas as semelhanças, poderia ser a do veículo furtado, do que a alegação e prova do furto dessa chave, cuja denúncia, como se viu, nem sequer foi apresentada no dia 14.02.2019, mas apenas cerca de três meses depois, pelo que, tendo-se encontrado uma chave “parecida”, a autora tentou a sua sorte.
Assim, face à prova produzida em audiência final, outra não podia ser a resposta do tribunal face aos factos em discussão nos autos.”
*
2. Fundamentos do recurso
a) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Tratando-se da impugnação recursiva do julgamento da matéria de facto, haverá desde logo de determinar se o seu âmbito, mormente se abrangem todos os factos alegados ou se apenas dizem respeito àqueles que têm relevância jurídica. Muito embora ao longo do NCPC se faça alusão ao ónus de alegação de factos imposto às partes, com mais consistências naqueles que são essenciais à causa de pedir (5.º, 1 NCPC), através da petição inicial (552.º, n.º 1, al. d) do NCPC), ou à defesa, mediante a contestação (572.º, al. b) e c) NCPC), o mesmo não nos dá uma noção legal do que é um facto. Mas deste bloco normativo decorre que o legislador se afastou de uma concepção naturalística de facto, optando por uma concepção jurídica, porquanto refere-se aos factos essenciais à causa de pedir. Por sua vez, como ficou referenciado no Ac. do STJ de 07/nov./1969 (BMJ 191/219), factos são “fenómenos da natureza ou manifestações concretas dos seres vivos”. Tentando precisar esta noção e como já deixámos referenciado no Ac. do TRP de 10/jan./2019, acessível em www.dgsi.pt., como os demais a que se fizer referência sem indicação da sua origem, factos são os acontecimentos ou circunstâncias da realidade, decorrentes tanto da conduta humana, como de ocorrências da natureza ou resultantes de qualquer outra origem (v.g. robótica). Em suma, o âmbito normativo da impugnação recursiva do julgamento da matéria de facto para a Relação, não é extensivo a todos os factos alegados pelas partes, mesmo que constem enunciados na sentença recorrida, mas cinge-se aos factos juridicamente relevantes, tanto da causa de pedir e da defesa, que sejam pertinentes para se obter uma solução jurídica distinta do sentenciado em 1.ª instância.
Como de resto reconhece a Recorrente o descrito nos itens 1 e 2 não têm qualquer pertinência para a solução jurídica deste caso (conclusão 11.ª), pelo que centraremos o reexame da matéria de facto no item 4 dos factos não provados, cuja redação é a seguinte:
“Que a segunda chave do veículo furtado também se encontrava dentro do mesmo”.
Na impugnação desta factualidade e para além de sustentar a sua divergência com a motivação probatória da sentença recorrida, baseou-se essencialmente no depoimento da testemunha E…, precisando as passagens que pretendia salientar, tendo até o cuidado de transcrever as mesmas, assim como na participação aditamento realizada na PSP (conclusão 16.ª). Muito embora, não tenha referenciado nas suas conclusões quaisquer outros depoimentos, o certo é que na sua exposição preliminar fez ainda alusão às testemunhas F… e H…, continuando a ter o aprimoramento de transcrever os trechos que considera pertinentes. Como sabemos o despacho de aperfeiçoamento do recurso está apenas dirigido para a impugnação da matéria de direito – cfr. artigos 639.º, n.º 3 e 652.º, n.º 1 al. a), ambos do NCPC. E o ónus de impugnação da matéria de facto encontra-se inscrito no já referido artigo 640.º do NCPC. Será que tal bloco legal invalida a apreciação destes dois últimos depoimentos?
Atento o princípio pro actione, enquanto desenvolvimento de um direito humano a um recurso efetivo, ou seja, a uma ação efetiva (artigos 8.º da DUDH e 13.º CEDH), bem como do direito fundamental a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição), ambos na sua vertente de acesso a uma justiça efetiva, na interpretação e aplicação das normas processuais deve prevalecer o acesso aos tribunais e às suas distintas instâncias, obstando a situações de denegação de justiça, designadamente em virtude da exigência de excessos de formalismo. E o NCPC tem manifestações deste princípio pro actione, como seja os seus artigos 6.º, n.º 2 e 278.º, n.º 3. Deste modo, deve privilegiar-se, sempre que possível, a resolução das questões recursivas nucleares, aproveitando tudo o que foi alegado, designadamente na exposição das suas alegações, ainda que não tenham sido devidamente salientadas nas correspondentes conclusões.
O depoimento da testemunha E…, advogada e filha do sócio-gerente da A., sendo colaboradora da mesma sociedade, conjugada com a demais factualidade, que de seguida enunciaremos, apresenta mais sombras do que luzes sobre a narrativa do ocorrido, designadamente onde se encontravam as segundas chaves originais do referido veículo automóvel. A propósito relembramos, segundo a sua versão dos acontecimentos, que foi a mesma quem deixou o veículo automóvel nas imediações da sua residência, durante a noite, e que iria retomar a circulação de tal veículo no dia seguinte (3:03-3:18; 3:22-3:39). Mas na primeira participação apresentada na PSP 14/fev./2019 é afirmado por D…, sócio-gerente da A. e pai desta testemunha, que foi o mesmo que o conduzia, conforme passamos a transcrever, tal como consta em 8.º dos factos provados:
“Compareceu neste Departamento Policial o Sr. D…, condutor habitual da viatura furtada, a comunicar que hoje, pelas 02h00 estacionou a viatura no local indicado como local da ocorrência e pelas 08h00 a viatura já não se encontrava nesse local.
A viatura está registada em nome da Firma B… Lda, sito na rua .., n.º …, ….-…, Espinho, sendo o seu condutor habitual o Sr. D….
A viatura ficou devidamente fechada e no local não existe qualquer marca de vidros partidos ou outros indícios”.
E nesse mesmo dia a testemunha E… colocou um anúncio na sua página Facebook informando, na sequência da referenciada subtração da referida viatura, que dentro da mesma “Tem uma Pasta Preta com Documentos Muito Importantes que Preciso de Reaver” (itens 10.º e 11.º dos factos provados). Na ocasião não fez qualquer menção a uma hipotética chave de um veículo automóvel no interior dessa pasta.
A notícia da subtração das chaves originais do mencionado veículo automóvel só surge em 07/mai./2019, aquando do aditamento à participação realizada na PSP, como decorre de 12 dos factos provados. A propósito será de referir que os depoimentos das testemunhas F… e H…., agentes da PSP, ocorrido na sessão de 23/nov./2020, nada adiantam no sentido de ser demonstrado o que consta de 4 dos factos não provados. A primeira destas testemunhas que prestou depoimento apenas esclareceu o que se passou na esquadra aquando da primeira participação [2:50; 9:44-10:09]. A segunda testemunha que recebeu o aditamento da participação, afirmou o seguinte [4:57]:
“Normalmente no dia do furto, as pessoas (imperceptível) não se recordam de todos os artigos furtados, e podem não se recordar de alguns na altura. E naturalmente aparecem muitos casos em que mais tarde, passado um dia ou dois, uma semana, o que seja, dão pela falta do computador, ou até de umas botas, ou… sei lá, uma coisa qualquer, neste caso até foi uma pasta e uma chave, pronto.”
Muito embora não se trate de um depoimento sobre factos, mas de uma opinião baseada numa visão empírica, sem que os respetivos acontecimentos sejam enunciados, podemos constatar que, baseado na sua experiência enquanto agente da PSP, os aditamentos de outros objetos furtados são realizados quase imediatamente depois da primeira participação. Só que aqui esse aditamento surgiu, como já se referiu, em 07/mai./2019 (12.º factos provados), ou seja, quase três meses depois da ocorrência da apontada subtração do referido veículo automóvel.
Mas as contradições não ficam por aqui. Na sequência da recusa da R. Seguradora assumir o sinistro, o que foi comunicado em 14/mai./2019 (14.º factos provados), a A. emite uma declaração em 30/mai./2019, informando aquela que a segunda chave do veículo Renault … ..-OG-.. tinha sido encontrada e enviada à primeira (15.º dos factos provados). As duas chaves que foram entregues à R. seguradora vieram a ser inspecionadas pela Renault … no Porto, apurando-se o seguinte: i) uma dessas chaves pertencia ao veículo seguro com o n.º de chassis ………………, registando que o mesmo tinha percorrido 116.224Km (doc. 1 e 2 junta com a contestação); ii) a segunda chave pertencia a um veículo com o nº de chassis …………….., registando que tinha circulado 54.127 Km (doc. 3 e 4 junta com a contestação) (16.º dos factos provados).
Perante tais depoimentos e as peripécias constantes nas enunciadas declarações que envolveram a não participação imediata da subtração de uma das chaves originais do referido veículo automóvel (i), o que só veio a suceder num aditamento de participação realizado cerca de três (3) meses depois (ii), seguindo-se a comunicação que já tinha sido encontrada essa chave (iii), para se apurar que a mesma não pertencia ao veículo automóvel que teria sido subtraído (iv), esta Relação fica com sérias dúvidas quando a ter efetivamente ocorrido o descrito no item 4.º dos factos não provados. E quando tal sucede dispõe o artigo 414.º do NCPC que “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve -se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Nesta conformidade, não temos qualquer censura a fazer à sentença recorrida, ficando prejudicada o conhecimento da segunda questão objeto desde recurso.
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Na improcedência do recurso as suas custas ficam a cargo da recorrente – artigos 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresentamos o seguinte sumário:
………………….
………………….
………………….
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III - DECISÃO
Nos termos e fundamentos nega-se provimento ao recurso interposto por B…, e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente.

Notifique.

Porto, 23 de setembro de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço