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PROCESSO PENAL
PEDIDO DE DIGITALIZAÇÃO INTEGRAL DOS AUTOS
Sumário
I-Tendo tido a data de início do procedimento criminal sido em 2002 não é imperiosa/obrigatória a digitalização INTEGRAL dos autos, não colidindo tal com o direito de consulta dos autos por parte do arguido , logo, com o seu direito de defesa que pode ser exercido de forma legal; II- O artigo 27.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, prevê que a consulta de processos por parte de advogados e solicitadores pode ser efetuada, relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou junto da secretaria.Desta norma resulta que a consulta processual pode ser feita através do Citius, devendo este sistema informático conter os atos processuais relevantes; III- Mas deste preceito não é possível extrair a conclusão da obrigatoriedade de digitalização de todo o processado a requerimento do arguido, como é pretendido, na medida em que tal norma respeita apenas aos processos cuja informação processual que pretendam consultar já exista em suporte eletrónico, situação que não se equaciona no caso; IV-Pelo que o arguido podia aceder à informação constante dos autos, mediante consulta na secretaria deste Tribunal, podendo fazer cópias ou digitalizar as mesmas, ele próprio, através de dispositivo eletrócnico, como uma máquina fotográfica ou um smartphone.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO:
No processo comum singular, do qual foi extraída certidão que constitui estes autos, o arguido AA em 07/11/2019, juntou procuração aos autos, requerendo, em simultâneo, nos seguintes termos:
“Mais requer a V. Exa., tendo em consideração a data de início do presente procedimento criminal, bem como a intenção de recorrer da sentença condenatória, se digne determinar a digitalização integral dos autos, e a correspondente inserção no Citius, caso ainda não assim seja.”
Requerimento que foi indeferido por despacho de 15/11/2010, sob a Ref.ª 122288593, - DESPACHO RECORRIDO - cujo teor é o seguinte:
«Requerimento de digitalização integral dos autos e sua inserção no “Citius”:
Indefere‐se o requerido pelo ilustre mandatário do arguido, pois devido ao volume dos actos processuais que a secção de processo tem a cumprir, inclusivamente de natureza urgente, não é possível assegurar que a digitalização integral do processo fosse realizada num curto espaço de tempo, o que poderia afectar irremediavelmente o eventual decurso do prazo para interposição de recurso.
Sem prejuízo, os autos encontram‐se disponíveis para consulta, na secção, local onde inclusivamente o ilustre mandatário do arguido poderá, se assim o entender, obter uma integral cópia do processado, socorrendo‐se, para tanto, de uma máquina fotográfica ou de um simples “smartphone” – prática comummente seguida por outros senhores advogados.
Notifique.»
*
Invocou o arguido a nulidade do despacho acima transcrito.
ALEGOU O SEGUINTE:
Do Direito Do regime vigente de consulta processual
Dispõe o artigo 163.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal –, que “A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º <...>”.
Estabelece, por seu turno, o referido artigo 132.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
Em causa está concretamente a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, a qual, nos termos do disposto no respectivo artigo 1.º, n.ºs 1 e 6, alínea j), se aplica à “tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais”, incluindo os aspectos relacionados com a “Consulta dos processos, nos termos do n.º 3 do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.
Dispõe, enfim, o artigo 27.º, n.º 1, da referida Portaria, nos seguintes termos:
“A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou
b) Junto da secretaria.”
Tendo em consideração o supra explanado, não há dúvida de que a consulta processual pode ser feita através do Citius, devendo este sistema informático conter os actos processuais relevantes. Da natureza jurídica da possibilidade de consulta informática do processo
Resulta claramente do disposto no artigo 163.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal – que a consulta do processo por via electrónica é um direito subjectivo adjectivo do arguido, a par dos demais direitos previstos no Código de Processo Penal (cfr. artigo 61.º do Código de Processo Penal).
Nesta dimensão, é pertinente fazer referência à Directiva 2012/13/UE, do Parlamento Europeu e do Concelho, cujo artigo 7.º estabelece um amplo direito de acesso aos autos conferido ao arguido, mormente de forma atempada “para permitir o exercício efectivo dos direitos de defesa” (Directiva esta que não foi transposta por Portugal por se entender que o Código de Processo Penal já contempla o que ali se encontra previsto).
Estamos, pois, no âmbito do direito de ampla defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição e condensado no Código de Processo Penal através de diversas disposições transversais ao mesmo.
Mas estamos também no âmbito da regra da publicidade do processo, prevista no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Da nulidade do despacho impugnado
Consequentemente ao supra explanado, parece evidente que o despacho em apreço é nulo.
Não se pode afirmar que se alicerça numa dimensão normativa inconstitucional uma vez que o mesmo é absolutamente árido em termos de fundamentação jurídica, não constando do mesmo uma única norma legal utilizada para fundamentar a decisão proferida, chegando a roçar a chicana processual.
Mas dissecando-o, começa o despacho por referir não ser possível a digitalização do processo em virtude do “volume dos actos processuais que a secção de processo tem a cumprir”.
Não consta da lei qualquer excepção à digitalização do processo baseada no volume de serviço a cargo dos serviços administrativos dos tribunais, ao que acresce que se trata de algo totalmente alheio ao ora Arguido, que nem deveria constar de nenhum despacho (até porque o ora Arguido não pertence ao serviço de inspecção do CSM).
Prossegue-se no despacho dizendo-se que não seria possível assegurar a digitalização integral do processo num curto espaço de tempo.
Na verdade, a digitalização já deveria de ter sido feita há mais tempo, nos termos da lei, sendo, aliás, previsível que o Arguido, caso viesse a ser notificado da sentença, como o foi, viesse requerer o acesso electrónico integral ao processo, como veio a requerer.
Mas, como se acrescenta no despacho, o indeferimento foi até no sentido de não se “afectar irremediavelmente o eventual decurso do prazo para a interposição de recurso”.
Impõe-se a questão de saber se não se terá sequer equacionado a possibilidade do Arguido estar a requerer no sentido de poder exercer o seu direito à consulta electrónica do processo justamente por impossibilidade geográfica, inclusivamente do ora Subscritor, de fazê-lo presencialmente junto da secção de processos.
O segundo parágrafo do despacho impugnado não merece sequer dissecação.
Tendo o Arguido sido notificado da sentença no dia 19/10/2019, terminando o prazo de recurso no próximo dia 18/11/2019 –, ou seja, da presente data a três dias, sendo dois (16 e 17) fim-de- semana, o despacho em causa tem efectivamente como efeito um cerceamento incomportável do direito de defesa daquele, por via da violação da regra da publicidade do processo, mais concretamente nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Acresce a irregularidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 118.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, sendo que, não sendo o mesmo declarado inválido, deverá ter lugar à respectiva aclaração, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do mesmo diploma legal.
Termos em que se requer a V. Exa. digne declarar nulo ou, no mínimo, irregular o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que possibilite a consulta electrónica dos autos pelo Arguido, ou, no mínimo, que seja objecto de aclaração, fundamentando-se juridicamente a decisão proferida.
Pede Deferimento.
*
Sem esperar que o Ministério Público se pronunciasse; nem pela decisão do Sr. Juiz, interpôs o arguido o presente RECURSO, cujas CONCLUSÕES são as seguintes:
1) Por sentença proferida em 14/12/2005, foi o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de €3,00, perfazendo o total de €360,00, e ainda a pagar ao demandante BB, a quantia de €98,87, a título de danos patrimoniais, e a quantia de €2.992,79, a título de danos morais.
2) Os presentes autos reportam‐se a factos ocorridos em 25/08/2000, tendo a sentença sido proferida em 14/12/2005, ou seja, mais de cinco anos após a data dos factos, sobre a qual já decorreram quase vinte anos.
3) Acresce que o Arguido reside no Reino Unido desde 2004, não se recordando de alguma vez ter sido notificado no âmbito dos presentes autos.
4) A notificação da sentença terá sido, efectivamente, a primeira que recebeu no âmbito dos presentes autos, o que somente ocorreu em 19/10/2019, por carta rogatória, tendo terminando no passado dia 18/11/2019 o respectivo prazo de recurso.
5) Em 07/11/2019, juntou o Arguido procuração ao Advogado infra subscritor, requerendo, em simultâneo, se diligenciasse pela digitalização dos autos de forma a que os mesmos ficassem disponíveis para consulta electrónica, uma vez que apenas se encontravam digitalizados actos processuais – não todos – praticados a partir de 2008, não se encontrando digitalizado nenhum acto anterior a esse ano, incluindo a acta da audiência de julgamento, a qual, de acordo com a cronologia inserida no Citius, teve lugar em 28/11/2005.
6) Como não houvesse despacho sobre o requerido, e tampouco a digitalização dos autos fora efectivada, resolveu o Advogado infra subscritor telefonar para a secretaria do Tribunal a quo, tendo sido atendido pelo Sr. Escrivão Adjunto CC, o qual informou não se ter reparado no requerimento em causa, mas que iria tentar resolver durante o período da manhã.
7) Contudo, no mesmo dia, foi o Arguido notificado do despacho de 15/11/2010, sob a Ref.ª 122288593, indeferindo o requerido com fundamento no volume de trabalho da secção de processos.
8) Na sequência do despacho acima transcrito, apresentou o Arguido, em 16/11/2019, o requerimento sob a Ref.ª 15812723, através do qual suscitou a nulidade daquele e a respectiva substituição por outro que possibilitasse a consulta electrónica dos autos ou, no mínimo, que procedesse à respectiva aclaração.
9) Até ao dia da interposição do presente recurso, todavia, não havia decisão sobre o requerimento acima referido.
10) Dispõe o artigo 163.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal –, que “A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º <...>”.
11) Estabelece, por seu turno, o referido artigo 132.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que
“A tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
12) Em causa está concretamente a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, a qual, nos termos do disposto no respectivo artigo 1.º, n.ºs 1 e 6, alínea j), se aplica à “tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais”, incluindo os aspectos relacionados com a “Consulta dos processos, nos termos do n.º 3 do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.
13) O artigo 27.º, n.º 1, da referida Portaria, estabelece que a consulta processual pode ser feita através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais ou junto da secretaria, pelo que ambas as possibilidades devem estar disponibilizadas.
14) Resulta claramente do disposto no artigo 163.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal – que a consulta do processo por via electrónica é um direito do arguido, a par dos demais direitos previstos no Código de Processo Penal (cfr. Artigo 61.º do Código de Processo Penal).
15) O artigo 7.º da Directiva 2012/13/UE, do Parlamento Europeu e do Concelho, estabelece um amplo direito de acesso aos autos conferido ao arguido, mormente de forma atempada “para permitir o exercício efectivo dos direitos de defesa”.
16) Estamos, assim, no âmbito do direito de ampla defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição e condensado no Código de Processo Penal através de diversas disposições transversais ao mesmo, bem como no âmbito da regra da publicidade do processo, prevista no artigo 86.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, cuja violação faz incorrer em nulidade o despacho em apreço.
17) Tendo o Arguido sido notificado da sentença no dia 19/10/2019, o prazo normal de recurso terminaria no dia 18/11/2019 (sendo que 16 e 17 foram sábado e domingo), pelo que o despacho em causa teve efectivamente como efeito um cerceamento incomportável do direito de defesa daquele, por via da violação da regra da publicidade do processo, mais concretamente nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
18) Tal despacho é ainda irregular por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 118.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
19) À data da apresentação do presente recurso não havia ainda decisão sobre o requerimento de 19/11/2019.
20) É possível vislumbrar um objecto normativo no despacho de 15/11/2019, consistente na interpretação do artigo 163.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal –, segundo a qual o direito do arguido à consulta electrónica do processo pode ceder perante critérios de conveniência do tribunal ou dos respectivos serviços administrativos.
21) Tal interpretação normativa colide frontalmente com o direito de ampla defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, resultando numa inconstitucionalidade material, que não pode deixar de ser conhecida.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso,
revogando‐se o despacho de 15/11/2010, sob a Ref.ª 122288593,
substituindo‐o por outro que conceda ao Arguido novo prazo de
recurso e determine a digitalização dos autos, assim fazendo V.
Exas. fazendo a tão costumada JUSTIÇA.
*
Entretanto o MP pronunciou-se acerca da invocada nulidade, concluindo ser de indeferir.
Em 4 de Maio de 2020 decide o Sr. Juiz da invocada nulidade, nos seguintes termos:
I. Requerimento datado de 16/11/2019, com a referência 15812723:
O arguido invoca que o despacho datado de 15/11/2019, tem como efeito um cerceamento incomportável do seu direito de defesa daquele, por via da violação da regra da publicidade do processo, mais concretamente nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Mais argumenta a irregularidade desse mesmo despacho, por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 118.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, que, a não ser declarado inválido, deverá ser aclarado, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do mesmo diploma legal, o que requer.
Entendo, porém, que não assistirá razão ao requerente, no que tange à apontada irregularidade, nulidade ou obscuridade.
Com efeito, o artigo 27.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, prevê que a consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou
b) Junto da secretaria.
Do referido normativo legal resulta, s.m.o., que a consulta processual pode ser feita através do Citius, devendo este sistema informático conter os atos processuais relevantes.
Porém, desse preceito não será possível extrair a conclusão da obrigatoriedade de digitalização de todo o processado a requerimento do arguido, como o mesmo visa obter, na medida em que tal preceito legal respeita apenas aos processos cuja informação processual que pretendam consultar já exista em suporte eletrónico, situação que não é a dos presentes autos.
Ora, o despacho proferido em momento algum impediu o Sr. Advogado de aceder à informação constante dos autos, que podia ter consultado na secretaria deste Tribunal, podendo fazer cópias ou digitalizar as mesmas, ele próprio, através de dispositivo eletrócnico, como uma máquina fotográfica ou um smartphone, como é usual por parte de outros senhores advogados.
Nessa medida, indefiro a arguida irregularidade/nulidade.
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O Ministério Público junto do tribunal a quorespondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da improcedência.
E aduzindo as seguintes conclusões:
1. Veio o Ilustre Mandatário do arguido invocar a nulidade do despacho judicial datado de 15.11.2019 que lhe indeferiu o requerimento de digitalização integral dos autos apresentado em 07.11.2019.
2. Enquadrou pugnando pela irregularidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 118.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, sendo que, não vindo o mesmo a ser declarado inválido, deverá ter lugar a respetiva aclaração, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do mesmo diploma legal e concluiu a requerer a nulidade ou, “no mínimo”, a irregularidade do despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que possibilite a consulta eletrónica dos autos.
3. Não nos parece que assista razão ao requerente. Na verdade, o disposto na norma supra transcrita, apenas determina que os senhores advogados, ou solicitadores, podem consultar os processos através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo, quando a informação processual que pretendam consultar exista em suporte eletrónico, salvaguardando todos os restantes casos com a possibilidade de deles tomar conhecimento junto da secretaria.
4. Ora, é o próprio requerente que motiva o seu requerimento com o facto de determinadas peças dos autos não se encontrarem em suporte eletrónico. E, deste modo, resulta claro que, quanto a esses, deverá então proceder à sua consulta, se assim entender, junto da secretaria, como indica a norma em apreço. É a própria norma invocada que contraria o peticionado pelo requerente.
5. No que concerne à invocada falta de fundamentação do despacho impugnado, é entendimento do Ministério Público que o mesmo não padece do vício que o requerente lhe aponta. Na verdade, o Mm.º Juiz, pese embora a lei não atribua ao arguido o direito de exigir a digitalização integral do processo, invocou os argumentos que fez constar do despacho, aludindo, aliás, no próprio interesse do mesmo quando refere que o tempo que naturalmente levaria a satisfazer a sua pretensão poderia afetar irremediavelmente o eventual decurso do prazo para interposição de recurso.
6. Por outro lado, deu cabal e inquestionável cumprimento ao normativo que se aplica às peças processuais não existentes em suporte eletrónico, indicando expressamente ao requerente que a elas poderia ter acesso, junto da secretaria, podendo fazer cópias ou digitalizar as mesmas, ele próprio, através de um comum dispositivo eletrónico, como uma máquina fotográfica ou um smartphone, prática comum por parte de outros senhores advogados.
7. Deste modo, não vislumbramos a irregularidade invocada pelo requerente nem vemos como se possa entender que as garantias de defesa do arguido tenham de algum modo sido prejudicadas por violação da regra da publicidade do processo, ínsita no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pelo que entendemos não assistir qualquer razão ao recorrente, devendo manter-se a decisão nos seus exatos termos.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente, quanto às questões alegadas.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento; acompanhando o teor da argumentação e conclusões aduzidas pela magistrada do MP no tribunal recorrido.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
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A. APRECIAÇÃO DO RECURSO:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No caso concreto, o recurso suscita a questão de saber se, tendo o arguido manifestado intenção de recorrer da sentença e atenta a data de início do procedimento criminal (iniciado em 2002) é imperiosa/obrigatória a digitalização INTEGRAL dos autos; e se tal não digitalização integral colide com o direito de consulta dos autos por parte do arguido e, logo, com o seu direito de defesa.
O Recorrente invoca a nulidade do despacho judicial datado de 15.11.2019 que lhe indeferiu o requerimento de digitalização integral dos autos apresentado em 07.11.2019 e exarado nos seguintes termos: “Mais requer a V. Exa., tendo em consideração a data de início do presente procedimento criminal, bem como a intenção de recorrer da sentença condenatória, se digne determinar a digitalização integral dos autos, e a correspondente inserção no Citius, caso ainda não assim seja.”
Para tanto, alegou que o despacho impugnado é “absolutamente árido em termos de fundamentação jurídica, não constando mesmo uma única norma legal utilizada para fundamentar a decisão proferida, chegando a roçar a chicana processual”, mais aduzindo que o indeferimento do requerimento de digitalização integral dos autos “tem efetivamente como efeito um cerceamento incomportável do direito de defesa” do arguido, “por via da violação da regra da publicidade do processo, mais concretamente nos termos do disposto nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Enquadrou pugnando pela irregularidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 118.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, sendo que, não vindo o mesmo a ser declarado inválido, deverá ter lugar a respetiva aclaração, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do mesmo diploma legal e concluiu a requerer a nulidade ou, “no mínimo”, a irregularidade do despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que possibilite a consulta eletrónica dos autos.
Vejamos.
Na base do pedido do Ilustre Mandatário do arguido está o facto de, como refere no seu requerimento, “Apenas se encontram digitalizados atos processuais – não todos – praticados a partir de 2008. Não se encontra digitalizado nenhum ato anterior a esse ano, incluindo a audiência de julgamento, a qual, de acordo com a cronologia inserida no Citius, teve lugar em 28/11/2005.
Pelo requerente é invocado, como suporte da sua pretensão, o disposto no artigo 27.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, nos termos do qual a consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou
b) Junto da secretaria.
(bold e sublinhado nossos)
Deste normativo legal retira depois o recorrente que “Tendo em consideração o supra explanado, não há dúvida de que a consulta processual pode ser feita através do Citius, devendo este sistema informático conter os atos processuais relevantes”, ou seja, que deste preceito se pode retirar a obrigatoriedade de digitalização de todo o processado a requerimento do arguido.
Desde já, e da simples leitura da própria norma invocada pelo arguido/recorrente, nos parece que não lhe assiste razão.
A norma supra transcrita, apenas determina que os Senhores Advogados, ou Solicitadores, podem consultar os processos através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo, quando a informação processual que pretendam consultar exista em suporte eletrónico, salvaguardando todos os restantes casos com a possibilidade de deles tomar conhecimento junto da secretaria.
Ora, é o próprio requerente que motiva o seu requerimento com o facto de determinadas peças dos autos não se encontrarem em suporte eletrónico. E, deste modo, resulta claro que, quanto a esses, deverá então proceder à sua consulta, se assim entender, junto da secretaria, como indica a norma em apreço. É a própria norma invocada que contraria o peticionado pelo recorrente.
Acresce que de acordo com os n.ºs 2 e 3 do art. 12º -A da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, nem todos os documentos dos autos são digitalizados.
De acordo com o citado n.º 2: “Podem não ser digitalizados pela secretaria, sendo arquivados e conservados nos termos da lei, os documentos: a) Cujo suporte físico não seja em papel ou cujo papel tenha uma espessura superior a 127 g/m2 ou inferior a 50 g/m2; b) Em formatos superiores a A4; c) Que possam ser danificados pelo processo de digitalização, atendendo, designadamente, ao seu estado de conservação.
E de acordo com o n.º 3: - Os documentos que não se encontrem em suporte informático são consultados na secretaria do tribunal onde é tramitado o respetivo processo, nos termos da lei.”
Estas normas coadunam-se inteiramente com o estatuído nos art. 86º e 89º n.º 4 e 5 do CPP.
Nos termos do art. 86º n.º 6 do CPP: “A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei e, em especial, pelos artigos seguintes, os direitos de:
(…)
C) Consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
“Ou seja, a publicidade do processo não é sinónimo de processo público, de processo em público ou de acesso limitado; o n.º 6 define a natureza e o alcance da publicidade do processo – publicidade no sentido mais amplo relativamente ao debate instrutório e à audiência de julgamento (com as restrições que resultem de circunstâncias particulares, fixadas por despacho do juiz – art. 87º, n.º 1); narração dos actos judiciais ou reprodução pela comunicação social (a «crónica judiciária»); e consulta de auto e obtenção de cópias, extractos e certidões – nos termos dos arts. 89º e 90º.” – anotação 5 ao art. 86º do CPP In CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO (3ª edição revista) dos Senhores Conselheiros António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça.
Por seu turno o art. 89º do CPP, sob a epígrafe, CONSULTA DE AUTO E OBTENÇÃO DE CERTIDÃO E INFORMAÇÃO POR SUJEITOS PROCESSUAIS, estabelece no seu n.º 4:
«Quando, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do art. 86º, o processo se tornar público, as pessoas mencionadas no n.º 1 podem requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho que o autorizar fixar o prazo para o efeito.»
O seu n.º 6 estabelece que: «Findos os prazos previstos no art. 276º, o arguido (…) podem consultar todos os elementos do processo (…)». Todas estas normas são claras no sentido de que ao arguido, sempre que haja elementos do processo não digitalizados, lhe é permitida a confiança do processo e o seu exame gratuito fora da secretaria. E aí lhe é possível (designadamente no âmbito do seu escritório) colher todos os elementos pretendidos; designadamente fotocopiando o que lhe for necessário.
Daqui se pode concluir também que a não obrigatoriedade de digitalização integral do processo não coloca por terra qualquer direito de defesa do arguido – cfr. art. 32º n.º 1 da CRP.
No caso em apreço o processo esteve sempre à disposição do Recorrente para ser consultado; assim se garantindo o seu direito de defesa.
Vejamos, agora se o despacho recorrido padece da invocada falta de fundamentação.
O Sr. Juiz, pese embora a lei não atribua ao arguido o direito de exigir a digitalização integral do processo (como nos parece claro e já acima o estebelecemos), invocou os argumentos que fez constar do despacho, aludindo, aliás, no próprio interesse do mesmo quando refere que o tempo que naturalmente levaria a satisfazer a sua pretensão poderia afetar irremediavelmente o eventual decurso do prazo para interposição de recurso.
Por outro lado, deu cumprimento ao normativo que se aplica às peças processuais não existentes em suporte eletrónico, indicando expressamente ao requerente que a elas poderia ter acesso, junto da secretaria, podendo fazer cópias ou digitalizar as mesmas, ele próprio, através de um comum dispositivo eletrónico, como uma máquina fotográfica ou um smartphone, prática comum por parte de outros senhores advogados.
Deste modo, não vislumbramos a irregularidade/nulidade invocada pelo recorrente/arguido; nem vemos como se possa entender que as garantias de defesa do arguido tenham de algum modo sido prejudicadas por violação da regra da publicidade do processo, ínsita no artigo 86.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Concluímos, assim, que não assiste qualquer razão ao recorrente, e mantém-se a decisão recorrida nos seus exatos termos. Pois que do invocado artigo 27.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto não é possível extrair a conclusão da obrigatoriedade de digitalização de todo o processado a requerimento do arguido, na medida em que tal preceito legal respeita apenas aos processos cuja informação processual que pretendam consultar já exista em suporte eletrónico, situação que não é (ou, pelo menos, não era à data) a dos autos sob recurso.
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III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam as Juízas na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique nos termos legais.
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LISBOA, 21 de Outubro de 2021
Paula Cristina Jorge Pires
Maria José Caçador