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JULGADO DE PAZ
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário
I) Os julgados de paz constituem uma forma alternativa de resolução de litígios, de natureza exclusivamente cível, em acções declarativas cujo valor não exceda € 15.000,00 e em causas que não envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho (cfr. artigos 6.º e 8.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei n.º 54/2013, de 31 de julho e 151.º, n.º 1, da LOSJ). II) Fixado em € 19.311,00 o valor da causa pelo julgado de paz e declarada a incompetência deste em razão do valor, com a remessa do processo para os tribunais judiciais (nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho), não se mostrava precludida ou impedida ao tribunal judicial a apreciação da questão referente ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, decorrendo do artigo 5.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho que, no caso de ter lugar a remessa do processo para o tribunal de 1.ª instância, são devidas pelas partes as custas estabelecidas no Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, o que se coaduna com os poderes do Tribunal recorrido atinentes à gestão inicial do processo a seu cargo. III) De acordo com o sistema de protecção jurídica em vigor, a insuficiência económica não é presumida, devendo o apoio judiciário ser requerido pelos cidadãos no correspondente procedimento para concessão do mesmo, onde a situação de insuficiência económica (que deve ser demonstrada pelos respetivos requerentes) será objeto de averiguação pela entidade competente para o efeito (cfr. artigos 7.º, n.º 1, 8.º, 8.º-A, 8.º-B e 18.º, n.º 2, 19.º e 20.º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). IV) Não se consagrando constitucionalmente um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), mostra-se constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, sendo, neste contexto, compatível com a Constituição e não violador do princípio da não discriminação contido no n.º 2 do artigo 13.º do texto constitucional, a previsão normativa de consequências decorrentes do não pagamento dessa contrapartida, como a do desentranhamento da contestação (cfr. n.º 6 do artigo 570.º do CPC), se foi observado o ritualismo previsto nos n.ºs. 3 a 5 do mesmo artigo, tendo sido dada a oportunidade aos réus de colmatar a inobservância tributária verificada, em paridade com o que ocorreria relativamente aos demais cidadãos colocados na mesma situação.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
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1. NC, identificado nos autos, instaurou a presente acção declarativa de condenação, junto dos Julgados de Paz de Lisboa, contra DIAGONAL ESPLENDOR – UNIPESSOAL, LDA. e AM, também identificados nos autos, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe € 14.945,74, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data da sua interpelação escrita até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou o autor que:
- No final de Novembro de 2017, o autor e o réu AM acordaram que este realizaria os seguintes trabalhos na "Quinta ...", sita na Rua ... Brejos de Azeitão:
a) construção de uma garagem com 100 m2 de área coberta, incluindo fundações, paredes duplas com isolamento, betonilha no chão e tecto, revestimento do chão com afagamento de cimento;
b) rebocar o muro da frente da propriedade e altear os pilares de sustentação do portão de acesso, em 30 cm;
c) construção de um recipiente para a cobertura da piscina com l,20xl,20x5,5m, com 20cm de espessura (cofragem, ferro e cimento 30 37);
d) casa das máquinas da piscina com dimensões de 3x2x2,5m, com 20cm de espessura (cofragem, ferro e cimento 30 37);
e) casa das bombas;
e) acabamento da piscina já existente;
- O preço apresentado pelo réu AM foi pelo total de € 15.700,00 (Quinze mil e setecentos euros), acrescido de IVA à taxa de 23%, num total de € 19.311,00 (dezanove mil, trezentos e onze euros), onde se incluía mão-de-obra e material;
- O prazo acordado entre autor e réu para a realização de todos os trabalhos foi de três meses;
- O réu iniciou os trabalhos acima referidos por volta do final de Novembro de 2017 e deveriam estar concluídos na sua totalidade no final do mês de Fevereiro de 2018;
- No decurso da realização dos trabalhos contratados, o autor, a mando do réu, pagou directamente a este ou por transferências bancárias para a conta de D.O. da titularidade da ré, ou de terceiros, mas sempre no seu interesse, as seguintes quantias:
a) 29-11-2017, € 3.000,00;
b) 11-12-2017 € 1.000,00, para pagamento de betão para aplicar na piscina;
c) 15-12-2017 - € 3.000,00;
d) 22-12-2017 - € 2.000,00;
e) 04-01-2018 - € 21,09, pagos na "ÁP", para aquisição de ferramenta para os réus;
f) 04-01-2018 e 935,99, para pagamento de uma compra de ferro na "Francisco Dias Lopes & Filhos, Lda", pagamento efectuado a pedido do réu;
g) 04-01-2018 - € 100,29, para pagamento do preço de areia e 10 sacas de cimento, a pedido do Réu;
h) 05-01-2018 - € 100,00, em dinheiro, entregues ao réu, para pagamento de frete/transporte de materiais;
i) 11-01-2018 - € 2.500,00;
j) 28-01-2018 - € 100,00, em numerário, a pedido do réu;
k)17-01-2018 - e 8.400,00, (2 x e 4.200,00) sendo esta, a favor de uma terceira entidade a quem o réu comprou materiais para seu uso noutras obras;
l) 31-01-2018 - € 1.030,00, para pagamento do preço de areia e 30 sacas cimento Cimpor e paletes de tijolo de 11 e de 7,
Num total de € 22.187,37 (Vinte e dois mil, cento e oitenta e sete euros e trinta e sete cêntimos);
- Verifica-se assim, que, a 31-01-2018, o preço total devido pela totalidade dos trabalhos, já se encontrava pago, e que havia um excesso pelo montante de € 2.876,37, que se destinava já para iniciar o pagamento de limpeza e aprofundamento e cobertura de um poço já existente, com 7 cm de diâmetro, trabalho esse que, foi acordado já no decurso dos trabalhos inicialmente acordados e que deveria ocorrer no decurso dos já contratados e se prolongaria por mais 15 dias;
- Assim, a 31-01-2018, o autor já tinha efectuado o pagamento total da obra acordada e iniciado o pagamento de trabalhos a mais a realizar no poço mencionado;
- A partir do dia 05 (cinco) de Fevereiro de 2018, que o réu deixou de comparecer na obra, parando e abandonando todos os trabalhos sem qualquer causa justificativa, invocada ou não;
- Consequentemente, e como consequência directa e necessária desse abandono injustificado da obra, esta ficou inacabada, nos seguintes termos:
a) garagem:
- fundações - 80% concluído
- paredes duplas com isolamento - 10% concluído
- betonilha no chão e telhado - 0% concluído
- revestimento do chão com afagamento de cimento - 0% concluído
b) muro da frente (levantamento onde necessário + reboco) .... 70% concluído
c) piscina:
- recipiente da cobertura 1,20x1,20x5,5m, com 20cm de espessura (cofragem, ferro e cimento 30 37) - 0% concluído;
- casa das máquinas: 3x2x2, 5m, com 20cm de espessura (cofragem, ferro e cimento 30 37) - 5% concluído;
- O réu, em data não concretamente apurada, mas já após ter recebido a integralidade dos pagamentos acima referidos e após ter injustificadamente abandonado a obra, ter entrado sem consentimento no local e dali ter levado, também sem consentimento e sem que fossem suas, 50 chapas de madeira com dimensões 140x50x2,5cm e 30 extensores de ferro, o que ocasionou a participação crime efectuada pelo autor contra o réu, que deu origem ao NUIPC …/18…, que corre trâmites no DIAP de Setúbal;
- O réu, sempre se apresentou como "empreiteiro" da obra, no sentido mais vulgar e corrente do termo, como o responsável pela sua realização e pelo fornecimento dos materiais e como o credor do preço, que foi recebido, e cujos pagamentos era efectuados a seu mando, fosse para si, fosse para a “sua empresa", pois também se dizia dono da ré, isto apesar de a "empresa" estar em nome da sua mulher", pois, de acordo com o que o autor logrou apurar a única sócia e gerente da ré "Diagonal Esplendor" mantém relação em união de facto com o réu;
- No dia 12-02-2018, através da Sociedade Gestopolis - Gestão e Consultaria, Lda, foi-lhe enviada a factura n.º 2018/12, datada de 07 de Fevereiro de 2018, emitida pela ré, pelo montante de € 29.540,00, acrescida de IVA à taxa de 23%, pelo montante de € 6.794,20, num total de € 36.334,20;
- A factura em causa, não é devida à ré, pelo que, foi-lhe devolvida, sendo que, conforme informação retirada do sítio na internet dos CTT, a carta enviada foi recebida pela destinatária;
- Com a devolução da factura, os réus foram interpelados para no prazo de 7 (sete) dias a contar da data da recepção da referida carta, ou seja, até ao dia 21 de Março de 2018, levarem a cabo a conclusão dos trabalhos, sob pena de se dar o acordado entre o autor e os réus, pela pessoa do réu, em incumprimento definitivo, devendo, ainda, caso não concluíssem a obra, os réus devolverem ao autor a quantia de € 14.944,74, uma vez que, a obra se encontra a cerca de 37,50% da sua execução total;
- Ora, sendo o valor total da obra pelo montante de e 15.700,00 e, encontrando-se esta a cerca de 37,50%, pois nem sequer metade dos trabalhos acordados foram concluídos;
- O autor, no início de Fevereiro de 2018, apenas estaria devedor da quantia de cerca de € 7.241,63 (Sete mil duzentos e quarenta e um euros e sessenta e três cêntimos) (e 19.311,00 x 37,50% € 7.241,63 - Valores já com IVA à taxa de 23% incluído);
- Uma vez que pagou 22.187,37, então, o autor pagou a mais aos réus a quantia de € 14.945,74, quantia cuja devolução exigiu aos réus na interpelação que lhes dirigiu;
- O réu AM apresentou-se perante o autor como dono" da ré "Diagonal Esplendor", sempre se referindo à ré como a "sua empresa", ou "minha e da minha mulher", criando no autor a convicção de que seria este quem punha e dispunha na ré, pois o autor nunca acordou ou contratou o que quer que fosse com a única sócia e gerente inscrita em registo comercial;
- Todos os trabalhos, preços e prazos de execução foram acordados e contratados com o réu que, ora se apresentava em nome pessoal, como sendo ele o "empreiteiro" e quem, de facto, praticou os actos materiais de construção da obra, quem levou pessoal para ali trabalhar, quem lhes dava ordens e indicações sobre os trabalhos a realizar e quem deu indicações ao autor sobre, para onde e a favor de quem, este devia efectuar os pagamentos, sempre por sua conta e no seu interesse;
- Por tudo isto, o autor efectuou pagamentos, para além de, a outras entidades a mando do réu, à ré, dos quais aquele também beneficiou;
- Era o réu quem, perante o autor, sempre se apresentou, também e para além da sua mulher, como gerente e até mesmo como sócio, da ré;
- O réu, a final, com a conivência da ré, pela pessoa da sua única sócia e gerente, beneficiaram de pagamentos efectuados pelo autor, pelo montante de € 22.187,37, valor que se destinava ao pagamento dos trabalhos já descritos e para início de pagamento dos trabalhos descritos.
- Os réus, sem qualquer razão, ou justa causa, abandonaram a obra, tendo-se locupletado com a referida quantia, que fizeram sua, directa e indirectamente;
- Os trabalhos primeiros elencados ficaram, no máximo, concluídos a 37,5% e os segundos elencados nem sequer se iniciaram;
- Assim, os réus receberam indevidamente do autor a quantia de € 14.945,74, quantia que devem restituir, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde 21 de Março de 2018, até efectivo e integral pagamento, restituição essa que é sujeita ao regime da solidariedade.
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2. Fixando o valor da causa em € 19.311,00, declarou-se o Julgado de Paz de Lisboa incompetente, em razão do valor, e ordenou a remessa do processo para o Juízo Local Cível de Lisboa.
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3. Em 08-05-2019, por este Tribunal foi proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta a falta de pagamento da taxa de justiça omitida pelos réus, bem como da multa processual, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 590.º e do art. 570.º, n.º 5, ambos do CPC, convido os réus a proceder no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa no montante de 5 UC, num total de 11 UC’s, sob pena de ser determinado o desentranhamento da contestação.”.
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4. Em 03-07-2019 – e não tendo sido efetuado o pagamento em causa - foi proferido o seguinte despacho: “Por decisão proferida pelo Julgado de paz de Lisboa, foi fixado o valor da causa em € 19311,00, ordenando-se a remessa dos autos a este Tribunal por ser o competente face a esse valor. Remetido o processo a este Tribunal, os réus não procederam ao pagamento da taxa de justiça devida face ao valor da causa acima referido, pelo que foram notificados para, no prazo de dez dias, efectuarem o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC, nos termos do disposto no art. 570, n.º 3, do CPC. Depois de notificados, decorreu o referido prazo de dez dias, sem que os réus tivessem procedido a qualquer pagamento, nada vindo dizer ou requerer aos autos. Desse modo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 590.º e do art. 570.º, n.º 5, ambos do CPC, por despacho de fls. 81, os réus foram convidados a proceder no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa no montante 5 UC, sob pena de ser determinado o desentranhamento da contestação. Compulsados os autos, verifico que, não obstante terem sido regulamente notificados de tal despacho, os réus não procederam a qualquer pagamento, nada vindo dizer nos autos. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 570.º, n.º 6, do CPC, determino o desentranhamento da contestação e a sua entrega ao respectivo signatário. Custas do incidente pelos réus, fixando-se a taxa de justiça em 1 U.C. (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 4, e tabela II, do R.C.P.). Notifique e, após trânsito, desentranhe. (…) Os réus, pessoal e regularmente citados para contestarem, apesar de terem deduzido contestação, foi a mesma desentranhada pela decisão que antecede. Assim, ao abrigo do disposto no artº 567º, nº 1 do C.P.C., considero confessados os factos articulados pelo autor. Notifique nos termos do artº 567º, nº 2 do C.P.C.”.
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5. Em 23-08-2019, pelo Advogado JD, foi apresentado requerimento de renúncia “aos mandatos”.
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6. Em 12-09-2019 foi aberta conclusão “informando (…) que o Mandatário: JD, não juntou procuração respeitante ao 2º. Réu, que protestou juntar a fls. 43”.
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7. Nessa data (12-09-2019) foi proferido o seguinte despacho: “Visto. A renúncia apresentada pelo Ilustre Mandatário ocorreu no decurso do prazo para alegações escritas. (…) Informa, agora, a secção que aquele Ilustre Advogado não juntou procuração forense passada pelo R. AM em seu benefício. (…) I. Estamos no âmbito de uma acção, em que é obrigatória a constituição de advogado, atento o disposto no art. 40º, n.º 1, do cpc. II. Face ao exposto: - quanto à 1ª R., cumpra o disposto no art. 47º, n.º 1 a 3, do CPC; - quanto ao 2 R., nos termos do disposto no art. 41, do CPC, notifique-o para que, em 10 dias, constitua advogado nos autos, juntando a competente procuração, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito a sua defesa (ou seja, não lhe será concedida a faculdade de alegação escrita)”.
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8. Em 15-11-2019 foi lavrada “CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO” “…de Diagnonal Esplendor – Unipessoal, Lda. na pessoa do seu gerente, o senhor AM (…) da renúncia ao mandato apresentado pelo Ilustre Mandatário (…)”.
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9. Em 18-12-2019 foi apresentado requerimento, subscrito pelo Advogado J MR, do seguinte teor: “(…) DIAGONAL ESPLENDOR - UNIPESSOAL. LDA. e AM, na ação de processo comum à margem referenciada, que lhes move NC, vêm expor e requerer o seguinte: 1. Na certidão, de 2019/11/15, a fls. 97, consta que se procedeu à notificação da R. sociedade, na pessoa do seu gerente, o R. homem. 2. A notificação, contida na certidão, de 2019/11/15, a fls. 97, com entrega de duplicado, respeita à renúncia do mandato, conferido ao M. I. Dr. JD, advogado, em 2019/08/23, a fls. 86 v., que escreveu, na própria renúncia, que é Mandatário (...) dos Réus Diagonal Esplendor - Unipessoal Lda. e de AM, (...)" e que "vem apresentar a sua RENÚNCIA, aos mandatos (...)". 3. Na certidão, de 2019/11/15, a fls. 97, notifica-se o "(...) despacho refª. n° 38905146, art. 47.º, n.º 1, do CPC, com cópia, que se dá por reproduzida" (fls. 88). Ora, 4. O R., que assina a certidão, não é sócio ou gerente da R. sociedade, não representa a sociedade e esta não aceita e não admite que o R. a represente, em nenhuma circunstância. 5. A sócia e gerente da R. sociedade é MS, com procuração, a fls. 49, e não o R. AM, que não tem procuração junta, embora, a fls. 43, se consigne protesta juntar uma procuração forense.". 6. No despacho, de fls. 88, considerando que a “(...) renúncia (...) ocorreu no decurso do prazo para alegações escritas (...)", que se "(...) não juntou procuração forense passada pelo R. (...) em seu benefício" e que “(...) é obrigatória a constituição de advogado" (art. 409, n.9 1, do CPC), decide-se: - quanto à 1.-R., cumpra-se o art. 47-, n.Qs 1 a 3, do CPC, - quanto ao 2.9 R., notifique nos termos do disposto no art. 41g, do CPC, que deve constituir advogado no prazo de 10 dias, sob pena de ficar sem efeito a sua defesa, não lhe sendo concedida a faculdade de alegação escrita. 7. Convém, desde já, afirmar que o ora advogado não prescinde do direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias (art. 47.º, n.º 5, do CPC). Doutro modo, 8. Quanto à 1.ª R., o processo segue os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados (art. 47.º n.º 3, al. b), do CPC. 9. Quanto ao 2.º R., a consequência só poderá ficar sem efeito a sua defesa (art. 419, última parte, do CPC). Logo, 10. Entende-se que, ficando sem efeito a defesa do R.; não há defesa do R., independentemente do prazo para constituir advogado não ser cumprido, e que a defesa do 2.9 R. inicia-se com a junção da procuração forense, por não existir procuração e, entretanto, a defesa ser nula, atento que a irregularidade influi na decisão da causa (art. 195.º, n.º 1, última parte, do CPC), dado que o prazo para contestar reinicia-se com a procuração, uma vez que o processo não se encontra findo (Note-se que não se trata de trânsito em julgado). Termos em que, com os fundamentos expostos, além da junção das 2 (duas) procurações, requer-se o direito a exame do processo pelo prazo de 10 dias (art. 47º, n.º 5, do CPP, acrescendo que a notificação do teor da certidão, de 2019/11/15, a fls. 97, dados os fundamentos aí alegados e nessa sede, é nula, nulidade que se argui, assim como a nulidade da defesa que, atrás, também, já se arguiu (art. 195.º, n.º 1, do CPC). Juntam-se: 2 (duas) procurações.”.
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10. Na sequência, o autor pronunciou-se pelo indeferimento do “pedido de prazo por 10 dias para consulta dos autos (….) e, conhecendo da arguição de nulidade, declarar a sua improcedência porque inexistente, ou por ilegitimidade da parte que a invoca (…)”, mais requerendo a apreciação da “conduta processual dos Réus aquando da prolação de D. Sentença, para efeitos de eventual condenação como Litigantes de Má-Fé, uma vez que os pedidos que vieram formular se afiguram com pretensões manifestamente dilatórias e de entorpecimento do processo” (cfr. req. de 23-12-2019).
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11. Em 31-05-2020 foi proferido o seguinte despacho: “I. Conforme resulta dos autos, proferido despacho a que a alude o art. 567º, n.º 1, do CPC, foi determinada a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2, daquele artigo legal, ou seja, foi “concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito”. Aquele despacho foi notificado aos Ilustres mandatários por notificação de 05/07/2019, considerando-se os mesmos notificados a 08/07/2019. A 23/08/2019, o Sr. Dr. JD, veio renunciar aos mandatos que lhe foram concedidos pelos RR. (…) Compulsados os autos, verificou que: - a Ré tinha, junta aos autos, procuração emitida em benefício daquele Ilustres Advogado; - o Réu não tinha, junta aos autos, procuração emitida em benefício daquele Ilustres Advogado. (…) Assim, por despacho de 12/09/2019, decidiu-se: - quanto à 1ª R., cumpra o disposto no art. 47º, n.º 1 a 3, do CPC; - quanto ao R., determinou-se cumprimento ao disposto no art. 41, do CPC, determinando-se a sua notificação para que, em 10 dias, constitua advogado nos autos, juntando a competente procuração, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito a sua defesa (ou seja, não lhe será concedida a faculdade de alegação escrita). Ou seja, quanto ao R., uma vez que não havia procuração junta aos autos, não opera o instituto da renúncia do mandato, antes devendo ser junta uma procuração que supra a falta detectada. (…) Aquele despacho foi notificado ao R. por carta datada de 13/09/2019. (…) A secretaria diligenciou por notificação do mesmo despacho à R., mediante mandado, cumprindo a 15/11/2019. A 18/12/2019, o Ilustre Advogado Dr. JMR, junta duas procurações emitidas em seu benefício por cada um dos RR., e requer: Quanto à sua notificação à R., alega que a notificação certificada a 15/11/2019 foi realizada pela secretaria junto de pessoa que não tinha poderes de representação da R. Nessa medida não deve ser a R. considerada notificada da renúncia do seu Advogado. Acrescenta, ainda, que: - o Ilustre Advogado não prescinde do direito de exame do processo a que alude o art. 47º, n.º 5, do CPC; - arguiu a nulidade da notificação de 15/11/2019, da Ré, e a nulidade da defesa do Réu. (…) O A. pugna pela não verificação de qualquer nulidade. (…) II. Com as férias judiciais (de 16/07 a 31/08), suspendeu-se o prazo para alegações escritas do A. (veja-se que, em cumprimento do disposto no art. 567º, n.º 2, do CPC, os dez dias, para alegações escritas, são concedidos, primeiro, ao A. e só depois ao R., que tiver constituído advogado). Assim, o prazo para alegações escritas pelo A. terminou a 03/09/2019 – sem que tivesse apresentado alegação escrita -, iniciando-se o prazo de alegações escritas pelos RR. a 04/09/2019 e terminando a 13/09/2019. A 23/08/2019, o Ilustre Mandatário da R. já havia renunciado ao mandato. Porém, até à notificação da renúncia do mandato ao mandante, aquele continua sujeito aos deveres processuais em curso, pois enquanto a renúncia não for notificada ao mandante não opera os efeitos extintivos do mandato, conforme dispõe o art. 47º, do CPC. De facto, os efeitos da renúncia do mandato produzem-se a partir da notificação ao mandante, salvo se a constituição de advogado for obrigatória, caso em que a parte terá de constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, sob pena de se produzirem os efeitos previstos no nº 3 desse mesmo preceito (Ac. da Rel. de Lisboa, de 22/02/2018, Dr. António Valente: “Vindo o mandatário judicial apresentar a renúncia ao mandato, e tendo o mandante tomado conhecido da renúncia no dia seguinte, mantêm-se os deveres do advogado de praticar todos os actos compreendidos no mandato forense até que o mandante constitua novo mandatário, ou até que decorram 20 dias, uma vez que estamos perante acção em que é obrigatória a constituição de advogado”). A renúncia deve ser notificada pessoalmente ao mandante. Ora, como bem refere a R., a renúncia do mandato não lhe chegou a ser pessoalmente notificada – pois foi realizada através de pessoa que não tinha poderes de representação da R. -, pelo que se mantinha o mandato concedido ao Ilustre Mandatário JD, o qual, em cumprimento do mesmo, deveria ter apresentado alegações escritas até 13/09/2019. Quanto ao R., o nosso despacho foi-lhe notificado por carta de 13/09/2019. Ora, dez dias volvidos, o R. não juntou a procuração em falta. Não o tendo feito, precludiu o seu direito de alegar por escrito (de facto, e como deixámos consignado naquele despacho, era necessária a constituição de mandatário e junção da respectiva de procuração aos autos, para que lhe fosse concedida a faculdade de alegar por escrito, nos termos do disposto no art. 567º, n.º 3, do CPC). Como se disse, os RR. só juntaram aquelas procurações a 18/12/2019 (apesar de as mesmas terem a data de 19/11/2019, ou seja, de cerca de um mês atrás). Quer o prazo para a junção de procuração, concedido ao R., quer o prazo previsto para junção das alegações escritas concedido à R., são prazos peremptórios, cujo decurso opera a extinção do direito de praticar o acto (art. 139º, n.º 1 e 3, do CPC). Recordamos que o art. 47º, do CPC, dispõe: 1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária. 2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte. 3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias: a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente; b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados; c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante. 4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º. 5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias. 6 - Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação. O Ilustre Mandatário constituído na sequência da renúncia do mandato – que ainda não operou os seus efeitos -, não tem direito a exame do processo (pois não é patrono nomeado), sem prejuízo de poder consultar os autos enquanto mandatário das partes. De todo o modo, este direito de exame, que julgamos inexistir, não invalidaria tudo o que se passou entretanto, conforme se deixou dito. Finalmente, recordamos que, conforme o mesmo alega, não tendo a renúncia do mandato sido pessoalmente notificada à R. (e é somente quanto a esta que podemos falar de renúncia), o Sr. Dr. JD continua como mandatário da R. Quanto à arguida nulidade referente a um eventual direito de defesa do R. não respeitado, não percebemos o teor da argumentação do Ilustre Mandatário. Pelo que se deixou dito, julgamos inexistente tal arguida nulidade. De facto, e ressalvado o devido respeito, a interpretação que o Ilustre causídico apresenta, para além de incorrecta, é manifestamente abusiva. Se se considerasse, como pretende aquele Ilustre Advogado, que o prazo de defesa do réu relapso só começaria a correr a partir do momento em que é junta a procuração por si, teríamos que todo o andamento do processo – com vista à declaração do direito do A. – estaria nas mãos daquele. Em última análise, não juntando o R. a procuração em falta ficaria o processo suspenso até que o fizesse em seu próprio benefício e contra os interesses daquele que requer ao tribunal a tutela do Direito (violando os princípios do acesso ao Direito e da igualdade das partes, na medida em que o A. se tornaria refém da inércia do R., ao invés de terem lugar as cominações que a lei prevê para estas últimas). Veja-se que, mesmo no caso da renúncia do mandato (certo sendo que esta não é aplicável ao R., pois este não juntou procuração aos autos no prazo que lhe foi fixado – inexistindo mandato), cuja constituição é obrigatória, a instância só se suspende se esta falta for do A. e não, também, quando a mesma seja do R. Nestes casos, se o réu não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias “O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados” (art. 47º, n.º 3, do CPC). III. Face ao exposto, decido: - determinar a notificação pessoal da renúncia do mandato à R., através de pessoa que legalmente a represente (tenha-se em consideração os elementos que constam da certidão permanente da pessoa colectiva, para estes efeitos), ficando precludido o conhecimento da arguida nulidade por falta de notificação da Ré; - não conceder ao Ilustre Mandatário Dr. JMR o exame do processo, sem prejuízo de tudo o que se deixa dito quanto à validade e preclusão dos direitos processuais dos RR., pelo decurso do prazo, e quanto à possibilidade que ao mesmo assiste de consulta do processo enquanto mandatário com procuração junta aos autos; - jugar improcedente a arguida nulidade decorrente dos direitos de defesa do Réu; - declarar decorrido o prazo para junção das alegações escritas, nos termos do disposto no art. 567º, n.º 2, do CPC. (…) Custas do incidente de arguição de nulidade dos direitos de defesa do R., a cargo deste último, com taxa de justiça que se fixa em 1 uma UC, nos termos do disposto nos art. 527º, do CPC, e art. 7º, n.º 4, do RCP, e tabela II anexa. (…) Notifique, sendo, ainda, os RR. para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, sobre a requerida litigância de má fé. (…) Decorrido que está o prazo para alegações escritas, depois de notificado o presente despacho às partes, e decorrido o prazo aí concedido aos RR., conclua (…)”.
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12. Em 18-06-2020 foi apresentado nos autos requerimento, subscrito pelo Advogado JMR, do seguinte teor: “(…) DIAGONAL ESPLENDOR – UNIPESSOAL, LDA. e AM, na ação de processo comum à margem referenciada, que lhes move NC, tendo sido notificados do despacho, de 2020/05/31, com a refª. 392962723, vêm expor e requerer o seguinte: i. Termo para interposição de recurso, sem multa: 1. Prazo 30 dias, com termo em 2020/07/08, sem multa, até às 23:59:59 horas (art. 638º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC). ii. Do despacho, de 2020/05/31: 2. Não há litigância de má fé pelos RR., embora se aceite, por razões óbvias, que, a existir, possa apenas existir litigância temerária, porque, entre outras razões, os RR. defendem-se de uma eventual condenação, que desde já se adivinha certa. iii. Ainda sobre o despacho, de 2020/05/31: 3. Pretende-se que se esclareça melhor, e definitivamente, se se concede, ou não, o direito, ao mandatário constituído dos RR., de exame do processo, apesar das considerações ou fundamentos tecidos, no despacho. 4. É que o mandatário constituído dos RR., embora exista posição oposta, usufrui desse direito de exame do processo. Termos em que se aguarda melhor pronúncia sobre o direito de exame do processo, no prazo que é concedido aos magistrados, embora ainda persista, infelizmente, a tese que este é, meramente, indicativo, ao contrário dos prazos que os mandatários têm que cumprir, que são imperativos, existindo, aqui, e sem dúvidas, desigualdade de direitos (e armas), a observar, que, a admitir-se, hoje, admite-se com grande dificuldade e, talvez, incompreensão, atentos os direitos e deveres dos magistrados e dos advogados, não receando, ou temendo, o ora advogado dos RR., a ameaça ou advertência da condenação por litigância por má fé, atento que, nesse caso, o recurso, a interpor, sobe até ao STJ, que se pronunciará, então, em definitivo. (…)”.
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13. Em 09-12-2020 foi proferido despacho do seguinte teor: “Ref.ª 26449541 Dita o artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil que ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz na apreciação desta matéria com a prolação do despacho antecedente. Pelo que, inexistindo erros materiais a rectificar, nulidades a suprir ou decisão a reformar, após notificação do presente despacho, conclua para prolação de sentença.”.
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14. Em 10-01-2021 foi apresentado nos autos requerimento, subscrito pelo Advogado JMR, do seguinte teor: “(…) DIAGONAL ESPLENDOR – UNIPESSOAL, LDA. e AM, na ação de processo comum à margem referenciada, que lhes move NC, tendo sido notificados dos despachos, de 2020/12/09, sob a refa. 40068099, que recaiu sobre o req., de 2020/06/18, com a refa 26449541, vêm requerer que, rectificando-se o 1.º despacho, se considere “esgotado o poder jurisdicional do juiz”, na apreciação de toda a matéria, por a prolação dos despachos, bem como a matéria dos reqs., antecedentes, imporem essa decisão e não apenas “que ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz (…) com a prolação do despacho antecedente” (Note-se que a apreciação e decisão do presente req. não configura, nem pode ou deve configurar, a condenação em multa ou litigância de má fé, embora se encare a observação que a litigância é temerária, porque apenas desta forma os RR. se podem defender do desentranhamento e das outras decisões dos despachos antecedentes, concluindo-se que, como resulta, o desentranhamento equivale à falta de contestação e à condenação, no pedido, sem demais considerações, o que não é, de modo nenhum, de admitir).”.
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15. O autor pronunciou-se sobre o requerimento de 10-01-2021 em requerimento apresentado nos autos em 15-01-2021 onde concluiu pelo desentranhamento do referido requerimento “por falta de fundamento legal, uma vez que o despacho a que o mesmo se refer, se afigura como despacho de mero expediente e, de igual forma, apreciar a conduta processual dos Réus aquando da prolação de D. Sentença, para efeitos de eventual condenação como Litigantes de Má-Fé, uma vez que a sua conduta processual se encontra tem vindo sucessivamente a ser actuada com a formulação de pretensões manifestamente dilatórias e com o único fito de entorpecimento do processo”.
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16. Em 28-01-2021 foi apresentado nos autos requerimento, subscrito pelo Advogado JMR, do seguinte teor: “(…) DIAGONAL ESPLENDOR – UNIPESSOAL, LDA. e AM, na ação de processo comum à margem referenciada, que lhes move NC, tendo sido notificados do req. do A., de 2021/01/15, vem, no uso do princípio do contraditório, previsto no art. 3º, n.º 3, do CPC, expor e requerer o seguinte: 1. O req. dos RR., de 2021/01/15, deve ser aceite, não desentranhado, tem fundamento legal, o despacho, de 2020/12/09, não configura despacho de mero expediente e confirmativo de decisão com caso julgado formal, nem constitui nenhum expediente dilatório. 2. Encara-se apenas a figura de litigância temerária, como os RR. afirmaram, no req., de 2021/01/10, por outra não se coadunar aos factos da presente ação. 3. O fundamento legal do req. dos RR., de 2021/01/10, encontra-se com a interpretação que se dá ao art. 613º, n.ºs 1 e 3, do CPP, que, adiantamos, não é consensual, nem parece ser o que se extrai do despacho, de 2020/12//09, e da consequente interpretação do A.. Em consequência, 4. Não pode haver desentranhamento do req. dos RR., de 2021/01/10, só por estes interpretarem o despacho, de 2021/01/15, numa perspectiva diferente ou até não usual, atento até que a designada interpretação do direito não é, nem nunca foi, de interpretação única e uniforme. 5. É óbvio que o desentranhamento do req. dos RR., de 2021/01/10, implica, necessariamente, o desentranhamento da contestação, já decidido, por despacho, de 2019/07/03 (art. 570º, n.ºs 3 e 6, do CPC). 6. Com o desentranhamento da contestação, por decisão, de 2019/07/03, consideram-se confessados os factos articulados pelo A. (art. 567º, n.º , do CPC). Mas, 7. O desentranhamento e consideração de confessados os factos articulados pelo A. (art. 567º, n.º 2, do CPC), deve-se ao não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação. E, 8. A República é baseada na dignidade da pessoa humana e empenhada na construção de uma sociedade justa e solidária, onde os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem poderem ser prejudicados e privados em razão da instrução ou situação económica (cfr., CRP). 9. Daí que o desentranhamento, com a consideração de confessados os factos articulados pelo A., em resultado do não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, inobserva os princípios constitucionais, enunciados no atrás ponto 7, citado, com as inconstitucionalidades que daí advém e que se deduzem. Por tudo, 10. É inconstitucional o desentranhamento, com a consideração de confessados os factos articulados pelo A., dado o não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, excepto se o poder jurisdicional do juiz se decidir esgotado, na apreciação de toda a matéria, caso em que nada há que apreciar e decidir, nem se colocam as inconstitucionalidades deduzidas (…)”.
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17. Em 15-03-2021 foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou os réus “solidariamente, no pagamento ao autor NC, da quantia de € 14.945,74 (catorze mil, novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), a título de incumprimento contratual, à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data do vencimento do prazo concedido em interpelação (21/03/2018) até efectivo e integral pagamento”, absolvendo os mesmos do demais peticionado (litigância de má-fé).
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18. Não se conformando com a referida sentença, que consideram violar o disposto nos artigos 570.º, n.º 6, 567.º, n.º 1 e 613.º, n.ºs. 1 e 3, do CPC e 13.º, n.º 2, da CRP, dela apelam os réus, tendo formulado as seguintes conclusões: “(…) 1. No Julgado de Paz é atribuído à causa o valor de € 19.311,00 (art. 301º, n.º 1, do CPC) (fls. 64). 2. Na sentença, o valor da ação é o fixado, de € 19.311,00 (no Julgado de Paz). 3. Na 1.ª instância, a fls. 81, os RR. são convidados a proceder (...) ao pagamento de taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa no montante de 5 UC, num total de 11 UCs, sob pena de ser determinado o desentranhamento da contestação". 4. Em consequência, por despacho, de 2019/07/03, a fls. 85 e v), determina-se o "desentranhamento da contestação" (arts. 570º, n.º 6) (fls. 85) e considera-se "confessados os factos articulados pelo autor" (art. 567º, n.º 1, todos do CPC) (fls. 85 v). 5. Em 2019/09/12, a fls. 88, a secção informa que o, então, advogado do R. não juntou procuração deste, em seu benefício, e decide-se que é obrigatória a constituição de advogado (art. 40º, n.º 1, do CPC). 6. No despacho, de 2019/09/12, a fls. 88, face ao atrás exposto, decide-se que se cumpra o disposto no art. 47º, n.ºs 1 a 3, quanto à 1.ª R. sociedade, e que se notifique o 2.º R., nos termos do disposto no art. 41.º, todos do CPC, para constituir advogado, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito a sua defesa (ou seja, não lhe será concedida a faculdade de alegação escrita). 7. No mandado de notificação, de 2019/10/01, a fls. 93 e 96, consta apenas que a notificar é a R. sociedade (e não, também, o R.). 8. Na certidão de notificação, de 2019/11/15, a fls. 97, quem é notificado é o R. (e não a R. sociedade). 9. Por despacho, de 2020/12/09, decide-se “que ficou esgotado o poder jurisdicional do Juiz" (art. 613º, n.ºs 1 e 3, do CPC). 10. No requerimento, de 2021/01/28, entende-se que tem interesse que o desentranhamento e confissão dos factos articulados pelo A., por não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, colide com o princípio constitucional de ninguém ser prejudicado em razão da sua situação económica (não pagamento) (princípio da igualdade) (art. 13º, n.º 2, da CRP). 11. Donde o desentranhamento da contestação e a confissão dos factos articulados pelo A., em conformidade, respetivamente, com o disposto nos arts. 570º, n.º 6, e 567º, n.º 1, por não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, não esgotar o poder jurisdicional do juiz, previsto no art. 613º, n.ºs 1 e 3, todos do CPC, mas determina a inconstitucionalidade destes preceitos legais, todos, por violarem o art. 13º, n.º 3, da CRP, em que ninguém pode ser prejudicado em razão da sua situação económica. 12. Noutro sentido, há o facto do juiz "a quo" fixar, na sentença, o valor da ação, que é o atribuído à causa, no Julgado de Paz (fls. 64), sem decidir desentranhar a contestação e documentos dos RR., no Julgado de Paz, de fls. 39 a 46. 13. Ora, se o valor da ação, na sentença, é o valor atribuído à causa, no Julgado de Paz (fls. 64), então, a contestação e documentos, no Julgado de Paz (fls. 39 a 46), não decididos mandar desentranhar e não se decidindo, no processo, também, que se considera "confessados os factos alegados pelo autor", faz com que a defesa e contestação dos RR. exista, que seja considerada, e que não se considerem "confessados os factos articulados pelo autor", o que, em sede própria, não se decide (…)”.
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19. O recurso foi liminarmente admitido, por despacho proferido em 05-07-2021.
*
20. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos apelantes, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 570.º, n.º 6, 567.º, n.º 1 e 613.º, n.ºs. 1 e 3, do CPC e 13.º, n.º 2, da CRP?
* 3. Fundamentação de facto:
Com pertinência para a decisão do presente recurso e com fundamento nos actos praticados no presente processo, mostra-se assente a factualidade constante do relatório.
* 4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão enunciada.
* A) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 570.º, n.º 6, 567.º, n.º 1 e 613.º, n.ºs. 1 e 3, do CPC e 13.º, n.º 2, da CRP?
Depois de efetuarem uma referência a alguns dos trâmites do presente processo, pugnam os apelantes/recorrentes pela revogação (na expressão “anulação”) da decisão recorrida, em suma, alegando, nomeadamente, nesse sentido que “…há o facto do juiz "a quo" fixar, na sentença, o valor da ação, que é o atribuído à causa, no Julgado de Paz (fls. 64), sem decidir desentranhar a contestação e documentos dos RR., no Julgado de Paz, de fls. 39 a 46. Ora, se o valor da ação, na sentença, é o valor atribuído à causa, no Julgado de Paz (fls. 64), então, a contestação e documentos, no Julgado de Paz (fls. 39 a 46), não decididos mandar desentranhar e não se decidindo, no processo, também, que se considera "confessados os factos alegados pelo autor", faz com que a defesa e contestação dos RR. exista, que seja considerada, e que não se considerem "confessados os factos articulados pelo autor", o que, em sede própria, não se decide”.
Em face desta alegação parecem os recorrentes pretender almejar uma impossibilidade de o Tribunal recorrido declarar “confessados os factos articulados pelo autor”, uma vez que, o Julgado de Paz, aquando da atribuição de valor à causa, não tomou tal decisão (de declarar confessados os factos articulados pelo autor), o que, em seu entender faz com que “a defesa e a contestação dos RR. exista…”.
Vejamos:
A decisão a que os recorrentes fazem referência data de 28-11-2018 e foi proferida no processo n.° 891/2018-JP sendo do seguinte teor: “(...) Cumpre apreciar e decidir a excepcão da incompetência do Julgado de Paz em razão do valor. Vieram os demandados, em sede de contestação, arguir a exceção da incompetência do Julgado de Paz, em razão do valor. Em 1 de outubro de 2018 foi proferido o despacho a fís. 55 e 56 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido que, em cumprimento do estatuído no n.° 3 do artigo 3.° do Código de Processo Civil, ordenou a notificação das partes e mandatários para, no prazo de 5 (cinco) dias, se pronunciarem, querendo. Devidamente notificado, o demandante não se pronunciou. Urge decidir. Prescreve o n.° 1 do artigo 306.°, do Código de Processo Civil que “Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impede sobre as partes". — Por outro lado, estabelece o art.° 296.° do Código de Processo Civil que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, fornecendo os artigos seguintes critérios para determinação do valor, sendo que o valor da causa tem influência directa para determinar "a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal”. O n.° 1 do artigo 299.°, do mesmo Código, estipula que “Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”; o n.° 2 do artigo 297.°, do mesmo Código, que “Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos" e o n.° 1 do mesmo artigo que “Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”. Por último estipula o n.° 1 do artigo 301.°, do mesmo Código, que "Quando a ação tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atende-se ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.” Nos presentes autos está em causa a aferição do cumprimento de um contrato de empreitada, sendo peticionada a sua resolução. O demandante atribuiu à causa o valor de € 14.945,74 (catorze mil novecentos e quarenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos). O contrato de empreitada em causa teve o preço global de € 19.311 (dezanove mil trezentos e onze euros), tal como alega o demandante no artigo 3.° do seu articulado. Nos termos do n.° 1 do citado artigo 301.° deveria ter sido esse o valor atribuído à causa. Alertado desse facto, pelo despacho acima identificado, o demandante nada veio dizer aos autos. Assim sendo, nos termos das disposições legais acima referidas, e nos termos do previsto no n.° 1 do artigo 306.°, do citado Código, aplicável ex vi artigo 63.°, da Lei dos Julgados de Paz (Lei n,° 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei n.° 54/2013, de 31 de julho), fixa-se à causa o valor de € 19.311 (dezanove mil trezentos e onze euros). — Prescreve o artigo 8.°, da citada Lei n.° 78/2001, que "Os julgados de paz têm competência para questões cujo valor não exceda € 15.000”; consequentemente este Julgado de Paz é incompetente, em razão do valor, para conhecer do mérito da causa. Atento o disposto no artigo 7.°, da Lei n° 78/2001, citada (“A incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido de qualquer das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente”), declara-se o Julgado de Paz de Lisboa incompetente, em razão do valor, e ordena-se a remessa do processo para o Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, por ser o competente (…)”.
A questão colocada é a de saber se em face da decisão tomada pelo Julgado de Paz relativamente ao valor da causa estava ou não precludida a possibilidade de declaração de confissão dos factos articulados pelo autor, na decorrência da não consideração da contestação dos réus?
Vejamos:
Os julgados de paz constituem uma forma alternativa de resolução de litígios, de natureza exclusivamente cível, em causas de valor reduzido e em causas que não envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho, como decorre do artigo 151.º, n.º 1, da LOSJ (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
A Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, estabelece a organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz.
Estabelece o artigo 2.º desta lei os “princípios gerais” dos Julgados de Paz, nos termos seguintes: “1 - A atuação dos julgados de paz é vocacionada para permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes. 2 - Os procedimentos nos julgados de paz estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual”.
Nos termos do artigo 5.º da referida Lei, nos julgados de paz há lugar a pagamento de custas e, quando haja lugar à remessa do processo para o tribunal de 1.ª instância ou quando seja interposto recurso da sentença proferida, são devidas pelas partes as custas estabelecidas no Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, correspondentes aos atos em causa, mas, também é aplicável aos processo que corram termos nos julgados de paz, o regime jurídico do apoio judiciário (cfr. artigo 40.º da Lei n.º 78/2001).
De harmonia com o disposto nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, a competência dos julgados de paz é exclusiva a ações declarativas, para questões cujo valor não exceda € 15.000,00, sendo que, a incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido de qualquer das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente.
Os artigos 9.º a 14.º da Lei n.º 78/2001 estabelecem regras de competência dos julgados de paz, em razão da matéria e do território.
Sobre a tramitação dos processos que corram termos nos julgados de paz, sujeitos a distribuição (cfr. artigo 42.º), regem os artigos 41.º e ss. da Lei n.º 78/2001, com as seguintes regras fundamentais:
- São apreciados e decididos pelo juiz de paz os incidentes processuais suscitados pelas partes que não sejam expressamente excluídos pela Lei n.º 78/2001 (cfr. artigo 41.º);
- Nos limites do disposto no artigo 9.º, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável ao seu direito pode requerer junto do julgado de paz competente a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado (cfr. artigo 41.º-A);
- O processo inicia-se pela apresentação do requerimento na secretaria do julgado de paz, que determina a interrupção da prescrição, nos termos gerais, podendo ser apresentado verbalmente ou por escrito, em formulário próprio, com indicação do nome e do domicílio do demandante e do demandado, contendo a exposição sucinta dos factos, o pedido e o valor da causa (cfr. artigo 43.º, n.ºs. 1, 2 e 8);
- Se estiver presente o demandado, pode este, de imediato, apresentar a contestação, observando-se, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 2 do presente artigo (cfr. artigo 43.º, n.º 4);
- Em caso de irregularidade formal ou material das peças processuais, são as partes convidadas a aperfeiçoá-las oralmente no início da audiência de julgamento (cfr. artigo 43.º, n.º 5);
- Não há lugar a entrega de duplicados legais, cabendo à secretaria facultar às partes cópia das peças processuais (cfr. artigo 43.º, n.º 6);
- Apenas é admitida a cumulação de pedidos no momento da propositura da ação (cfr. artigo 44.º);
- Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante e da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia (cfr. artigo 45.º);
- A contestação pode ser apresentada por escrito ou verbalmente, caso em que é reduzida a escrito pelo funcionário, no prazo de 10 dias a contar da citação, não havendo lugar à prorrogação do prazo para apresentar a contestação e o demandante é imediatamente notificado da contestação e, se não o houver sido anteriormente, da data da sessão de pré-mediação, não sendo admitida reconvenção, a não ser que o demandado se proponha obter a compensação ou tornar efetivo direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (cfr. artigos 47.º e 48.º);
- O demandante pode, caso haja reconvenção, responder à mesma no prazo de 10 dias contados da notificação da contestação (cfr. artigo 48.º, n.º 3);
- Recebido o pedido e iniciado o processo no julgado de paz, é realizada uma pré-mediação (visando explicar às partes em que consiste a mediação e verificar a predisposição destas para um possível acordo em fase de mediação), desde que qualquer uma ou ambas as partes não tenham previamente afastado esta possibilidade (cfr. artigos 49.º e 50.º);
- Afirmada positivamente a vontade das partes, é de imediato marcada a primeira sessão de mediação, mediante prévia escolha/designação de mediador ou, se verificada negativamente a vontade das partes, o mediador dá desse facto conhecimento ao juiz de paz, que designa data para a audiência de julgamento (cfr. artigos 50.º, n.ºs. 2 e 3 e 51.º), seguindo-se os demais termos previstos na referida lei;
- De harmonia com o previsto no artigo 61.º, as decisões proferidas pelos julgados de paz têm o valor de sentença proferida por tribunal de 1.ª instância;
- As decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas por meio de recurso, com efeito devolutivo, a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz (cfr. artigo 62.º);
- É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a Lei n.º 78/2001 e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes (cfr. artigo 63.º).
Discutiu-se já se a competência material dos julgados de paz seria alternativa ou exclusiva, questão que foi apreciada e decidida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 11/2007, do STJ (DR, I, n.º 142, de 25-07-2007, pp. 4733-4743) concluindo que, “no actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções enumeradas no artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, nomeadamente as constantes da sua alínea h), é alternativa relativamente aos tribunais judiciais com competência territorial concorrente”.
Conforme se refere na fundamentação deste aresto: “(…) A competência de um tribunal é a medida da sua jurisdição ou nexo lógico entre ele e determinada causa; a incompetência, por seu turno, é a falta de poder legal do tribunal para o julgamento de determinada causa. A medida da sua jurisdição resulta de critérios legais atributivos da competência, do que decorre a sua legitimidade de julgamento em concreto, implicando a falta de tal atribuição, conforme os casos, abstraindo da preterição do tribunal arbitral, a incompetência relativa e a absoluta, nesta se incluindo a relativa à matéria. A atribuição da competência em razão da matéria às categorias de tribunais situados no mesmo plano assenta, em regra, no princípio da especialização com vista a proporcionar a maior eficácia da justiça. Os julgados de paz e os tribunais da ordem judicial, uns e outros com a natureza de órgãos jurisdicionais, estão numa relação de paralelismo mitigado, na medida em que das decisões dos primeiros pode haver recurso para os últimos. O quadro legal próximo, designadamente a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e a lei dos julgados de paz, não contém norma expressa que nos permita a resolução da questão que tem sido veiculada pela expressão competência alternativa ou exclusiva dos julgados de paz. Com efeito, debalde se procura em qualquer dos referidos diplomas algum segmento normativo revelador da exclusividade ou não da competência em razão da matéria dos julgados de paz para conhecer das causas a que se reporta o artigo 9.º da lei dos julgados de paz. Daí que se não possa pretender captar o sentido prevalente da lei quanto à questão em análise apenas a partir da leitura da lei dos julgados de paz e da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, antes devendo considerar-se todo o conjunto normativo de conexão pertinente, a que acima se fez referência. É no fundo a concretização do princípio jurídico que traduz a ideia de que a cada caso concreto não basta aplicar a norma que se pensa particularmente adequada para o efeito, mas o ordenamento jurídico global em si e na envolvência da cultura e da ciência jurídica que lhe subjazem. Assim, a partir da letra da lei, elemento referencial imprescindível, iremos tentar captar o seu sentido prevalente, considerando a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias do tempo em que ela foi elaborada e as da actualidade, em quadro de presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º do Código Civil). Nesta tarefa não se exclui o contributo histórico da frustrada experiência legislativa anterior à lei dos julgados de paz, dos trabalhos preparatórios desta última lei nem da omissão do legislador, na alteração da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais bastante posterior ao desencadear da controvérsia, de operar qualquer clarificação. Partimos da premissa, extraída da própria lei dos julgados de paz, ao consagrar a transmutação de acções dos julgados de paz para os tribunais da ordem judicial, no sentido de que a exclusividade não é um corolário necessário das normas sobre a competência material dos tribunais. E temos por anómala a solução legal de as decisões dos julgados de paz serem sindicadas em via de recurso por tribunais da 1.A instância da ordem judicial, apesar de se não integrarem nessa ordem, ou seja, na hierarquia dos tribunais que a envolve (…). Ora, os julgados de paz são tribunais constitucionalmente previstos como sendo de existência eventual não integrados em qualquer das ordens de tribunais previstas no artigo 209.º, n.º 1, da Constituição, incluindo a dos tribunais judiciais, ou seja, não se inserem na categoria propriamente dita dos tribunais de 1.A instância. Por isso, a lei traça-lhe a vocação para a participação cívica dos interessados e de estímulo à justa composição dos litígios em quadro de acordo, de harmonia com a ideia que envolveu a sua criação de constituírem uma via alternativa de resolução de conflitos, com activa intervenção de mediadores, em termos de propiciarem o descongestionamento dos tribunais da ordem judicial. Mas nem da lei nem na ideia que presidiu à sua criação, ou seja, a de propiciarem o referido descongestionamento, se pode extrair algum argumento relevante no sentido da sua competência material inicial exclusiva para as acções a que se reporta o artigo 9.º da lei dos julgados de paz, certo que a sua mera competência material inicial alternativa para o efeito também é susceptível, porventura em menor grau, de propiciar a consecução do mesmo desiderato. Resulta do ordenamento jurídico de referência que os julgados de paz foram instituídos sob a ideia de projecto experimental, com escassa implantação territorial, susceptibilidade de abrangência de uma pluralidade de municípios, com sede num deles, sem competência executiva e possibilidade de os processos, mesmo antes da fase do recurso, transitarem deles para continuarem a sua tramitação nos tribunais da ordem judicial. Este resultado de transmutação processual expresso na lei dos julgados de paz, a que acima se fez referência, tendo em conta que o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, só permite a inferência de que a lei não exclui a concorrência de competência material, quanto às mencionadas acções, entre os julgados de paz e os tribunais judiciais ou os órgãos jurisdicionais nestes integrados. Seria incompreensível que a lei estabelecesse que as pessoas sem interesse na mediação tivessem de intentar alguma das acções a que se refere o extenso elenco do artigo 9.º da lei dos julgados de paz em julgados de paz sediados em pontos do território consideravelmente distantes dos tribunais da respectiva comarca, no quadro de um processo com menores garantias de defesa, sem possibilidade de neles discutir a matéria relativa aos incidentes nem de produzir a prova pericial, esta não raro indispensável no âmbito das acções cujo objecto seja a averiguação da responsabilidade civil extracontratual. E ocorreria uma situação de desigualdade no acesso à justiça a favor das pessoas sem condições objectivas de serem utentes dos julgados de paz e contra aquelas com essas condições. Ademais, resultaria incongruente que os tribunais da ordem judicial tivessem competência para conhecer das mencionadas acções a partir de determinada vicissitude processual meramente eventual e não a tivessem para conhecer delas inicialmente. Acresce, neste quadro de incongruência, para o caso de as pessoas serem forçadas a accionar nos julgados de paz por virtude da lei de competência material que nesse sentido estabelecesse, elas facilmente frustrariam essa imperatividade por mero efeito da sua vontade de implementar algum incidente, de requerer a produção de prova pericial ou de deduzir algum pedido reconvencional (…). Os julgados de paz não são tribunais judiciais, posicionando-se fora do patamar da organização judiciária portuguesa tal como ela resulta da Constituição e da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Entre os julgados de paz e os tribunais da ordem judicial da 1.A instância não há qualquer relação de limitação de competência, porque o nexo é de paralelismo e de concorrência. Os julgados de paz são órgãos jurisdicionais de resolução alternativa de litígios e, consequentemente, não sucederam na competência dos tribunais da ordem judicial nem são seus substitutos, integrando-se na categoria de tribunais de resolução de conflitos de existência facultativa. As pessoas podem accionar, quanto às acções previstas no artigo 9.º da lei dos julgados de paz, salvo as pessoas colectivas relativamente à exigência de prestações pecuniárias, nos julgados de paz ou nos tribunais da 1.A instância da ordem judicial, designadamente nos de competência genérica, nos juízos de competência especializada cível, nos juízos cíveis ou nos juízos de pequena instância cível, conforme os casos. O accionamento numa das referidas ordens de tribunais exclui a possibilidade de accionamento na outra, sem prejuízo da transmutação das acções dos julgados de paz para os tribunais da ordem judicial (…)”.
Ora, foi precisamente esta transmutação, decorrente da fixação do valor da causa pelo Julgado de Paz e da consequente remessa do processo para os tribunais judiciais, que ocorreu no caso em apreço, sem que, da mesma, advenha alguma preclusão por parte do tribunal judicial relativamente às questões que, no âmbito da apreciação do estado do processo, estão submetidas à sua apreciação e de que deva conhecer.
Tal actuação do Tribunal recorrido, derivada da previsão contida no n.º 5, do artigo 570.º do CPC, insere-se no âmbito do exercício dos poderes de gestão inicial do processo, tal como configurados pelo artigo 590.º do CPC, onde se insere a determinação, contemplada na alínea c) do n.º 2, de junção de documentos com vista à apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
Esta disposição (o referido artigo 590.º, n.º 2, al. c) do CPC) clarifica “uma possibilidade que já anteriormente era defendida, permite-se que o juiz determine nesta fase a junção de documentos necessários para que seja apreciada, sem mais delongas, alguma exceção dilatória ou para que se conheça do mérito da causa (n.º 2, al. c)). Na verdade, sendo detetada a falta de algum pressuposto processual que deva ser demonstrado por via documental, não faz sentido adiar a apreciação da correspondente exceção, antes deve ser notificada a parte para que proceda à junção [do] documento em falta (…)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pp. 677-678).
Na realidade, como decorre da consideração do já citado artigo 5.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, no caso de ter lugar a remessa do processo para o tribunal de 1.ª instância são devidas pelas partes as custas estabelecidas no Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, correspondentes aos atos em causa, incumbindo, pois, providenciar pela observância das correspondentes prescrições.
Nessa linha e porque foi verificada a falta de pagamento da taxa de justiça pelos réus, foram estes notificados para pagar tal taxa e a multa omitidas, em conformidade com o disposto no artigo 570.º, n.ºs. 5 e 6, do CPC.
Perante a persistência na omissão de tal pagamento, foi proferido o despacho de 08-05-2019, convidando os réus a proceder, em 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de 5UC, num total de 11UC, sob pena de ser determinado o desentranhamento da contestação, em conformidade com o disposto nos artigos 570.º, n.º 5 e 590.º, n.º 2, al. c) do CPC que, na sequência, continuaram a não efetuar o pagamento omitido, levando à subsequente prolação do despacho datado de 03-07-2019.
A emissão das decisões referidas pelo Tribunal recorrido enquadra-se no âmbito dos poderes do Tribunal recorrido atinentes à gestão inicial do processo, tal como consignados, nomeadamente, no artigo 590.º do CPC, sem que o exercício dos mesmos, pelo Tribunal judicial se encontrasse precludido ou impedido, de alguma forma, pela atribuição de valor da causa no âmbito do julgado de paz.
Por outro lado, o decidido tem plena compatibilidade com a previsão dos preceitos legais citados, designadamente, com o previsto no artigo 570.º, n.º 6, do CPC (onde se prevê que, se no termo do prazo a que se refere a previsão do n.º 5 do mesmo artigo, se o réu persistir na omissão de pagamento, terá lugar a determinação de desentranhamento da contestação) e no artigo 567.º, n.º 1, do CPC (uma vez que, na decorrência do desentranhamento da contestação, verificada está a situação de revelia relativa dos réus, conducente à consideração de confissão dos factos articulados pelo autor na petição inicial).
Não procedem, pois, as conclusões, em contrário, deduzidas pelos apelantes.
Para além deste argumento, os recorrentes aduzem ainda que: “(…) No requerimento, de 2021/01/28, entende-se que tem interesse que o desentranhamento e confissão dos factos articulados pelo A., por não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, colide com o princípio constitucional de ninguém ser prejudicado em razão da sua situação económica (não pagamento) (princípio da igualdade) (art. 13.º, n.º 2, da CRP). Donde o desentranhamento da contestação e a confissão dos factos articulados pelo A., em conformidade, respetivamente, com o disposto nos arts. 570º, n.º 6, e 567º, n.º 1, por não pagamento da taxa de justiça, com multa, após interpelação, não esgotar o poder jurisdicional do juiz, previsto no art. 613º, n.ºs 1 e 3, todos do CPC, mas determina a inconstitucionalidade destes preceitos legais, todos, por violarem o art. 13º, n.º 3, da CRP, em que ninguém pode ser prejudicado em razão da sua situação económica. É o caso. Os RR. não pagam por falta ou ausência de disponibilidade económica ou financeira para pagarem, o que o juiz "a quo" não averigua e tinha o dever de investigar essa indisponibilidade de pagamento, antes de decidir, em definitivo”.
Vejamos:
A Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), “sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas (não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça)” (neste sentido, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, Pº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, rel. JOSÉ RAINHO).
Por outro lado, “a lei não pode (…) adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam as pessoas de aceder à justiça. Ou seja, salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adopção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 430).
O estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumentasse diretamente e sem limite na proporção do valor da ação poderia levar ao rompimento da proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração de justiça prestado e consubstanciar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do art. 20º da Constituição, por inibitório do recurso dos interessados aos tribunais.
Dentro desta perspetiva, pode ler-se do acórdão nº 421/2013 do Tribunal Constitucional, de 15-07-2013, que “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois (…) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.
Ou seja: “Uma interpretação conforme à Constituição da legislação ordinária que regula sobre as custas processuais, nelas se incluindo as taxas de justiça, há-de sempre reger-se pelos princípios da igualdade, da causalidade e da proporcionalidade, encontrando-se este na ponderação, por um lado, de qual o valor da acção, e, por outro, de que o custo a suportar pela prestação do serviço público de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-02-2018, Pº 174/16.9T8EVR.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO).
Nesta linha, consignou-se no preâmbulo do DL nº 34/2008, de 26 de fevereiro (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais) que se impunha adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”.
Noutra perspetiva, como sublinham Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, pp. 431-432), “o controlo de constitucionalidade do critério legal de determinação das custas deve igualmente tomar em consideração o princípio da igualdade. Por um lado, e embora não exista uma imposição de as custas serem de montante igual independentemente da natureza do processo, elas não podem ser arbitrariamente mais altas em determinados tipos de processos (…). Por outro lado, (…) se (…) não está excluído que a lei possa estabelecer taxas de justiça fixas (…), não se afigura conforme ao princípio da igualdade uma solução que se consubstancie num aumento das custas judiciais pelo qual o cidadão médio fique, no mesmo tipo de acções, colocado numa posição acentuadamente desigual em relação ao acesso aos tribunais por confronto com os cidadãos de mais forte poder económico (…)”.
E, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/2011 (Pº 283/10, rel. CATARINA SARMENTO E CASTRO, publ. no DR, II, n.º 211, de 03-11-2011, pp. 43622-43625), a respeito de consequências ou cominações decorrentes da inobservância de disposições processuais, “uma falha processual - máxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflicta considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efectividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais - que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, não encontramos qualquer motivo para a declaração de inconstitucionalidade dos preceitos legais invocados pelos recorrentes.
É que, a consequência do desentranhamento da contestação não adveio de qualquer insuficiência económica dos recorrentes que, aliás, a não alegaram (os recorrentes apenas consideram que “não pagam por falta ou ausência de disponibilidade económica ou financeira para pagarem”, circunstância que, por si só, não é de molde a fazer presumir alguma insuficiência de meios financeiros dos recorrentes para satisfazerem a taxa de justiça devida e, bem assim, a multa que foi aplicada.
Nesta medida, também não existia da parte do julgador algum dever de averiguação ou de investigação da condição económica dos recorrentes que, aliás, não solicitaram, para tal efeito, alguma protecção jurídica ou apoio judiciário em razão de insuficiência económica.
De acordo com o sistema de protecção jurídica em vigor, a insuficiência económica não é presumida, devendo o apoio judiciário ser requerido pelos cidadãos no correspondente procedimento para concessão do mesmo, onde a situação de insuficiência económica (que deve ser demonstrada pelos respetivos requerentes) será objeto de averiguação pela entidade competente para o efeito (cfr. artigos 7.º, n.º 1, 8.º, 8.º-A, 8.º-B e 18.º, n.º 2, 19.º e 20.º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).
Assim, só seria inconstitucional, por violador do comando ínsito no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – onde se proíbe que alguém seja “privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” – a previsão normativa que inibisse os recorrentes de aceder, em condições de igualdade com os demais cidadãos, à justiça e aos tribunais em razão da situação económica, situação que não se verificou.
Do modo semelhante, seria inconstitucional (desta feita por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP), a previsão normativa que estabelecesse o desentranhamento da contestação, de forma automática, sem dar aos réus a possibilidade de pagar a taxa de justiça aplicável ou de requerer a proteção jurídica (sobre uma situação paralela, já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, vd., o Acórdão do TC n.º 760/2013, Pº 68/2013, rel. CATARINA SARMENTO E CASTRO, publicado no DR, I, n.º 227, de 22-11-2013), situação que, igualmente, não ocorreu, tendo sido notificados os recorrentes para, previamente, à declaração de confissão dos factos articulados pelo autor, promovessem o pagamento da taxa e multa em falta (ou, em alternativa, se isso entendessem como pertinente, requerer a proteção jurídica correspondente).
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2014 (Pº 716/13, rel. JOÃO CURA MARIANO), “a tramitação processual civil está dependente da existência de prazos perentórios e da correspondente preclusão do exercício de direitos processuais (…) indispensável à formação do caso julgado. E o condicionamento da utilização de um prazo suplementar ao pagamento duma multa constitui um ónus funcionalmente adequado e proporcional às finalidades desta possibilidade (…)”.
Não se consagrando constitucionalmente um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), mostra-se constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, sendo, neste contexto, compatível com a Constituição e não violador do princípio da não discriminação contido no n.º 2 do artigo 13.º do texto constitucional, a previsão normativa de consequências decorrentes do não pagamento dessa contrapartida, como a do desentranhamento da contestação (cfr. n.º 6 do artigo 570.º do CPC), se foi observado o ritualismo previsto nos n.ºs. 3 a 5 do mesmo artigo, tendo sido dada a oportunidade ao réu de colmatar a inobservância tributária verificada, em paridade com o que ocorreria relativamente aos demais cidadãos colocados na mesma situação.
No caso, os recorrentes, notificados para procederem ao pagamento omitido e da multa aplicável, nada promoveram nos autos, decorrendo a consequência da declaração de confissão dos factos articulados pelo autor adequada e proporcionalmente, da negligência dos recorrentes em atuarem, nos autos, por forma a que a aludida cominação legal não viesse a ser considerada.
Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade no juízo formulado pelo Tribunal recorrido a este respeito.
Por fim, não se vislumbra alguma inobservância, na decisão recorrida, relativamente à prescrição contida no artigo 613.º, n.ºs. 1 e 3, do CPC, tendo sido conhecidas as questões que o deveriam ser (cfr. artigos 607.º e 608.º do CPC), sendo certo que, o único despacho que aludiu a tal normativo (proferido em 09-12-2020) não foi, por qualquer modo, objeto de impugnação, designadamente, nos termos consignados no n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
Conclui-se, pois, por uma resposta negativa à questão formulada, não se divisando na decisão recorrida, alguma inobservância dos preceitos legais invocados pelos recorrentes.
*
Em conformidade com o exposto, não procedendo as conclusões recursórias, haverá que julgar improcedente a apelação dos recorrentes, ora apelantes, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Sobre os apelantes - atento o seu integral decaimento – incorrerá a responsabilidade tributária inerente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na integra, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes/apelantes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 21 de outubro de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes