CONTRATO MISTO
PROCESSO UNITÁRIO E AUTÓNOMO
COMPOSIÇÃO DE INTERESSES
CONTRATO COMBINADO
PRESTAÇÕES INTEGRADORAS DE CONTRATOS DIFERENTES
CONTRAPRESTAÇÃO UNITÁRIA
Sumário


I - As partes dentro dos limites da lei podem celebrar contratos diferentes dos típicos, modificar os tipos legais incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver e misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos.
II - Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque mais ajustados aos seus interesses, podem celebrar contratos com prestações de natureza diversa.
III - Para que os diversos elementos contratuais distintos façam parte de um único contrato, é necessário que se integrem num processo unitário e autónomo de composição de interesses, o que deverá ser aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação, outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação.
IV - O contrato misto pode resultar da combinação de dois contratos, neste caso denominado de contrato combinado, em que a prestação global de uma das partes se compõe de duas ou mais prestações integradoras de contratos (típicos) diferentes, enquanto a outra se vincula a uma contraprestação unitária.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

A. J. e mulher M. J., residentes na Rua …, n.º …, Braga, intentaram contra B. D. e marido, J. P., residentes na Avenida …, n.º …, ação declarativa de condenação, pedindo a condenação dos RR. no pagamento, a seu favor, da quantia de €3.963,25, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos.
Os réus contestaram e deduziram reconvenção pedindo a condenação dos autores no pagamento, a seu favor, da quantia de €13.050,00.

*
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte teor:

« - Julgar a acção improcedente por não provada e consequentemente absolver os RR. do pedido contra eles formulado;
- Julgar a reconvenção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente condenar os AA. no pagamento, aos RR., da quantia de €250 (duzentos e cinquenta euros), absolvendo-os do mais peticionado;
- Condenar os AA. como litigantes de má fé no pagamento de uma multa, que se fixa em 30 (trinta) UC, e de uma indemnização a favor dos RR. correspondente ao valor necessário ao reembolso das despesas, incluindo os honorários do mandatário, a fixar posteriormente por despacho.

Custas por AA. na proporção do seu decaimento, não se condenando os RR. em custas em virtude da modalidade do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.
Registe e notifique.
Notifique os RR. para em 10 dias alegarem o que tiverem por conveniente relativamente às despesas suportadas, procedendo, adicionalmente à junção aos autos da documentação pertinente, nomeadamente de cópia do recibo atinente aos honorários pagos ao ilustre mandatário que os patrocinou na presente causa.
Efectuada essa junção, concede-se aos AA. o prazo de 10 dias para, querendo, exercerem o contraditório relativamente à factualidade alegada e documentação que venha a ser remetida».
*
Inconformados com a sentença vieram os autores interpor recurso.

Finalizam as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.º Consideram os recorrentes que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida no âmbito da presente ação, quer no que respeita à prova documental quer em relação à prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a qual foi presidida por magistrado diverso daquele que elaborou a sentença.
2.º Nomeadamente ao julgar provados os pontos 1.1.q) e 1.1.v) e ao julgar não provados os pontos 1.2.b), 1.2.c), 1.2.f), 1.2.g), 1.2.m), 1.2.n) e 1.2.o);
3.º O ponto 1.1.q) da matéria de facto provada deve ser alterado para não provado. Apenas a testemunha A. S. depôs quanto a esse facto, tendo invocado factos genéricos que não permitiam concluir pela veracidade das suas declarações. E ainda que se aceitassem verosímeis, as mesmas não permitiam concluir pela identidade do sujeito, conforme fez a Sra. Juíza que elaborou a sentença;
4.º O ponto 1.1.v) da matéria de facto provada deve ser alterado para não provado. Os depoimentos das testemunhas C. R. e L. F. apontam em sentido oposto ao concluído pela Sra. Juíza do Tribunal a quo, sendo claros que quem procurou nova cabeleireira foi a Sra. C. R., a título individual e particular, e não os autores. Assim como foram claros ao apontar que não fizeram uso de qualquer bem dos réus. Tais bens foram posteriormente devolvidos aos réus sem que estes apontassem algum defeito ou falta de bens aquando da sua entrega.
5.º Os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos réus, nomeadamente o irmão da ré, J. A. e A. Z. também não permitem a prova positiva para o ponto 1.1.v). Sendo que o depoimento da testemunha A. Z. contraria o facto descrito no ponto 1.1.w), no qual não consta nenhum secador; Note-se que os bens ali descritos não permitiam o desenvolvimento da atividade de cabeleireira, porquanto faltam os mais elementares utensílios ao exercício dessa atividade.
6.º A resposta aos pontos 1.2.b) e 1.2.c) dos factos julgados não provados deve ser alterada para provados. As testemunhas C. R. e L. F., contrariam a conclusão ínsita na sentença aqui em crise. Muito embora se admita que o alarme não aparecesse desligado, mas antes o telefone a ele associado. O que por si impossibilitava a comunicação da ativação do alarme quando tal se verificasse. Devendo a resposta a estes pontos ser alterada com o reparo de ser o telefone associado ao alarme aparecer desligado na manhã seguinte. E por temerem a falta dos bens da filha dos autores, foi ordenada a mudança da fechadura.
7.º A resposta ao ponto 1.2.f) dos factos julgados não provados deve ser alterada para provado, com o seguinte conteúdo: provado que um banco grande de cor vermelha (item 4); dois bancos pequenos de cor vermelha (item 5) e três cadeiras de cor vermelha (item 7) foram devolvidos pela R. em mau estado de conservação. Quanto aos demais artigos os autores não lograram produzir prova necessária. Nesse sentido foi junto o documento n.º 05 com a petição inicial, que foi ignorado pela Sra. Juíza do Tribunal a quo, e prestou depoimento a testemunha C. R. confirmado tais factos.
8.º A resposta aos pontos 1.2.g) e 1.2.m) dos factos julgados não provados deve ser alterada para provados. Para sustentar a alteração do julgamento destes dois pontos da matéria de facto foi produzida prova documental: documento n.º 03 (contrato de arrendamento), junto com a petição inicial; documento n.º 01 (contrato de arrendamento), junto com a contestação; documento n.º 03 (carta com data de 29/01/2016), junto com a contestação; e foi produzida prova testemunhal, nomeadamente as testemunhas J. V.; C. R. e de L. F., nos termos descritos na alegação supra.
9.º A resposta aos pontos 1.2.n) e 1.2.o) dos factos julgados não provados deve ser alterada para provados. As testemunhas C. R. e L. F., depuseram com rigor acerca da existência deste crédito dos autores, muito embora desconhecendo qual o valor efetivo da dívida. Sucede, porém, que os réus não impugnaram a existência desta dívida. Em sentido oposto reclamaram outros créditos que seriam, em teoria, superiores aos créditos invocados pelos autores.
10.º Apesar de a Sra. Juíza que elaborou a sentença ter feito uma correta seleção do direito aplicável ao caso – o regime do arrendamento urbano – cremos que fez uma errada interpretação da lei. Com especial enfoque sobre quem recaía o ónus da prova do cumprimento das prestações adstritas ao contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
11.º No caso verificou-se um incumprimento contratual por parte dos réus/inquilinos ao procederem à devolução de bens com defeito; ao não fazer a devolução de determinados bens móveis; e ao não terem efetuado o pagamento dos consumos de eletricidade e de água;
12.º Nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil: “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”
13.º Nas ações de arrendamento intentadas pelo senhorio com fundamento no não cumprimento de prestações, incumbe ao senhorio o ónus da alegação e prova da celebração do contrato de arrendamento e respetivas cláusulas – facto constitutivo do seu direito –, a par da invocação (alegação) de que o arrendatário não cumpriu com o clausulado no contrato de arrendamento, incumbindo, por sua vez, ao último (arrendatário), o ónus da alegação e da prova em como procedeu ao cumprimento pontual e integral dos seus deveres contratuais.
14.º No caso ficou previsto nas cláusulas 10.ª e 11.ª quais os bens que seriam objeto de locação e que deveriam ser devolvidos findo o contrato. Mais se fixou a consequência da violação desse dever.
15.º Na cláusula 13.ª as partes previram que, em caso de incumprimento do contrato por parte dos arrendatários, desde já se fixava a quantia de mil euros, a título de despesas extrajudiciais e judiciais, nomeadamente honorários de advogado.
16.º Os réus / inquilinos não lograram produzir a prova que sobre eles pendia. Incorrendo, assim, no dever de indemnizar nos termos contratualizados entre as partes.
17.º Verificando-se a violação de obrigações contratuais por parte dos réus, deveria a ação ser julgada parcialmente procedente, sendo os réus condenados a suportar o valor dos danos sofridos pelos autores.
18.º Quanto à questão da litigância de má-fé, considera-se que a procedência deste recurso prejudica o conhecimento da questão, porquanto a alteração da decisão a proferir nos termos requeridos afasta, necessariamente, a condenação a título de litigância de má-fé.
19.º Os autores não agiram, nunca por nunca, norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável.
20.º A condenação dos autores como litigantes de má-fé não se pode confundir a falta de prova de certos factos ou com o comportamento típico de quem recorre aos meios processuais para obter um fim avesso ao direito e à justiça.
21.º Os autores apenas se limitaram a peticionar a condenação dos réus decorrente das obrigações violadas pelos réus. Sendo que a condenação dos autores neste particular se ficou a dever ao modo em que a Sra. Juíza valorou a prova produzida em sede de julgamento, com a qual os autores não concordam, conforme supra se evidenciou, o que por sua vez conduziu a uma errada aplicação direito e prejudicou a boa decisão da causa.
22.º Consideram os autores que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não seguiu a regra da prudência. Porquanto, os autores desde o primeiro momento e impulso processual estiveram, como ainda estão, convencidos da justiça da sua pretensão! E por isso vêm requerer a reapreciação da sentença proferida pugnando pela sua revogação e prolação de outra que faça a necessária justiça ao caso.
23.º A sentença recorrida violou os artigos 342.º, n.ºs 1 e 2; 334.º; 406.º; 562.º e seguintes; 798.º; 799.º, n.º 1; 804.º, n.º 1; 810.º, n.º 1; 1038.º, al. i); 1043.º, n.º 1; 1045.º, n.º 1; todos do Código Civil e 542.º e 543.º do Código de Processo Civil.
Pugnam os recorrentes pela revogação da sentença qe deve ser substituída por decisão que julgue parcialmente procedente a ação e absolva os autores da condenação como litigantes de má-fé.
*
Juntas as alegações por parte dos autores vieram os réus apresentar requerimento onde pedem o seu desentranhamento por considerarem que ainda não existe nos autos a sentença definitiva, e, consequentemente, o prazo de recurso ainda não se iniciara.

Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:

«Requerimento dos RR. de 17.05.2021:
A sentença proferida nos autos encontra-se concluída e não incompleta, como claramente resulta da sua leitura.
Como ali se escreveu, a determinação do valor indemnizatório seria efectuada posteriormente, por despacho, e não por sentença. Se o Tribunal secundasse o entendimento aparentemente propugnado pelos RR. não teria proferida a sentença em 03.03.2021, como proferiu, antes ter-se-ia limitado a convidar os demandados a juntarem aos autos a documentação pertinente à fixação do conteúdo indemnizatório.
Acresce que ainda que assim se não entendesse, inexistiriam razões para determinar o desentranhamento das alegações de recurso apresentadas nos autos pelos AA., já que o despacho de fixação do conteúdo indemnizatório em nada buliria com os fundamentos da decisão proferida quer quanto ao mérito da acção, quer quanto à litigância de má fé.
Consequentemente, inexistem razões para determinar o desentranhamento das alegações apresentadas, pelo que se indefere o requerido

Inconformado com este despacho, os réus dele vêm recorrer formulando as seguintes conclusões:

i. Ao minutar a sentença, deixando a condenação sujeita à notificação das partes, reconvintes, para juntarem documentos para que seja decidido qual o valor concreto da condenação não está ainda proferida sentença final.
ii. Ao existir, num esboço de sentença, a notificação com prazo, incluindo de contraditório, para esclarecimentos com prova documental, leva a que os prazos recursórios não se iniciem.
iii. Ao ser junta aos autos, após a junção dos documentos e antes de se completar a sentença, alegações de recurso, as mesmas são intempestivas por precoces, e devem ser desentranhadas.
iv. O despacho, após estas circunstâncias, que venha a indicar que afinal a sentença está completa e só depois de uma decisão superior se terminará a sentença não vislumbra qualquer sentido e é ilegal por defraudar expectativas criadas em razão de decisões judiciais internas e por ser contrário à lei.
v. Ao não completar a sentença quanto à condenação, para se assegurar o legítimo acesso aos tribunais e à justiça, terá, sempre, que ser verificada uma nulidade e imposição de respeito pelos critérios p. no artigo 604.º do Código de Processo Civil.
vi. A sentença não é líquida, mas, antes, incompleta, porquanto nessa versão da sentença o Tribunal a quo optou por não liquidar e condenar, arrastando a liquidação da condenação de forma inconcebível no tempo para momento ulterior Só após a completude da sentença quanto aos montantes indemnizatórios poderá iniciar-se o prazo de recurso, sob pena de se coartar o acesso ao direito e aos tribunais.
vii. Os fundamentos do despacho proferido fazem com que esta decisão seja nula por estar em contrariedade com a incompleta sentença de 03.03.2021, e por incorrer em manifesta ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do disposto na aliena c) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
viii. Como tal, a decisão propugnada no despacho recorrido é manifestamente ilegal, porque violadora do artigo 613.º do Código de Processo Civil que sempre redundaria numa futura nulidade.
ix. O despacho proferido viola os artigos 613.º, 614.º, 615.º, 604.º do Código de Processo Civil.

Pugnam os recorrentes pela revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro que ordene a completude da sentença de 03.03.2021, sendo que, só após essa completude, se iniciará o prazo para recurso de apelação da mesma, desentranhando-se, por outra, as Alegações apresentadas.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Começaremos pela apreciação do recurso interposto pelos réus/reconvintes dada a sua prioridade lógica, sendo a questão a decidir a de saber se a decisão proferida consubstancia ou não uma sentença definitiva.
Caso se conclua tratar-se de sentença definitiva apreciar-se-á o recurso interposto pelos autores, sendo as questões a apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e suas consequências no mérito da decisão, incluindo a litigância de má fé.
*
III - APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO PELOS RÉUS/RECONVINTES

No processo civil, o termo sentença designa o “ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” (artigo 152º, nº 2, do CPC).
O artigo 607º, do CPC, respeita à sentença como ato que, após a audiência final, congrega tanto a decisão da matéria de facto, como a respetiva integração jurídica, terminando com um segmento decisório.
A sentença tem, de acordo com aquele preceito legal, uma estrutura tripartida, que se inicia com o relatório que deve consistir numa exposição sucinta dos termos do litígio, a que se segue a fundamentação que incorpora a fixação dos factos provados e a interpretação do direito aplicável, analisando todas as questões que cabe apreciar, e que termina com a decisão final ou parte dispositiva, na qual o juiz toma posição explícita sobre as pretensões deduzidas, sem olvidar a condenação em custas.
No âmbito da sentença deve ser destacado o segmento decisório, não só porque a lei o determina (artigo 607º, nº 3, do CPC), como ainda pelo facto de o mesmo evidenciar com mais clareza o resultado da lide.
No confronto com o pedido ou pedidos formulados e dentro dos respetivos limites, cumpre ao juiz exarar a sua procedência total ou parcial, culminando com a declaração do efeito jurídico determinado e que varia em função da natureza da ação (condenatória, de simples apreciação ou constitutiva). (1)
No caso em apreço, após a audiência final foi proferida a sentença.
Esta sentença está completa, e vale como decisão final da causa, nos termos exigidos pelo artigo 607º, do CPC.
A circunstância de, além da decisão da causa, os autores terem sido condenados como litigantes de má fé em multa que logo se fixou e no pagamento de uma indemnização a favor dos réus correspondente ao valor necessário ao reembolso das despesas a fixar posteriormente por despacho, não retira a definitividade e completude da sentença proferida.
Não há no processo civil a prolação de esboços de sentenças, de decisões alinhavadas, projetos de decisão ou outras figuras precárias ou provisionais.
O segmento que convida a alegar e comprovar as despesas no tocante à indemnização pela má fé não transforma a sentença proferida numa decisão provisória.
O apuramento do valor da indemnização devida pela litigância de má fé foi remetido para decisão ulterior, nos termos do artigo 543.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
No que respeita ao conteúdo da indemnização, ela pode ser simples ou agravada.
A indemnização simples engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos – encontra-se prevista na al. a) do nº 1 do art. 543º do CPC.
A indemnização agravada abrange todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé do litigante - prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 543º, do CPC.
Quanto à produção de prova dos prejuízos sofridos pela parte lesada duas orientações têm sido seguidas: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio (2).
A segunda corrente é a que tem merecido maior consenso, sendo também por nós considerada a mais assertiva e mais conforme com a lei.
Na verdade, pode a parte lesada não conseguir reunir atempadamente os elementos necessários à produção da prova dos prejuízos sofridos ou, sequer identificar a totalidade dos prejuízos. Competirá ao tribunal, em tais casos, prudentemente fixar a indemnização entendida como justa.
Evidencia-se, ademais, que se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do artigo 543.º do CPC).
Como pertinentemente se pode ler no Ac. desta Relação de Guimarães de 11.05.2017 “são coisas distintas o âmbito da indemnização e o seu montante; aquele tem de ser a sentença a definir-lhe os contornos; este será decidido ou não pela sentença, consoante os elementos disponíveis” (3).
Esclarece de forma cristalina Alberto dos Reis que “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio”. (4)
Deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade.
Do exposto resulta, que a sentença proferida consubstancia uma decisão final e definitiva, não enfermando o despacho que assim decidiu de qualquer das “ilegalidades” que lhe são apontadas.
Nestes termos, improcede o recurso interposto pelos réus/reconvintes.
*
IV – DO RECURSO INTERPOSTO PELOS AUTORES/RECONVINDOS

4. FUNDAMENTAÇÃO
4.1. OS FACTOS

Na primeira instância foi considerada a seguinte factualidade:
Factos provados:
a) Por documento escrito datado de 01.09.2010 os AA. cederam aos RR., pelo prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, com início nesse dia 01.09.2010, o gozo da sala 1 da fracção autónoma A correspondente a uma loja no r/c, destinada a estabelecimento comercial, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o art. ...º;
b) Lê-se na cláusula 4.ª, n.º 1 do documento referido em a) que “A renda anual é de €4.800 (quatro mil e oitocentos euros) que os arrendatários deverão pagar em duodécimos mensais de €400 (...) no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito.”;
c) Lê-se na cláusula 5.ª do documento referido em a) que “O local arrendado destina-se exclusivamente ao exercício da actividade comercial de cabeleireiro da segunda contraente [R. mulher], não podendo os arrendatários dar-lhes outro uso ou destino, sublocar ou ceder a sua utilização, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente, sem consentimento escrito dos senhorios.”;
d) Lê-se na cláusula 10.ª do documento referido em a) que “Faz parte do arrendado, sendo propriedade dos primeiros contraentes, vários equipamentos, bens móveis e produtos cuja identificação consta de uma lista anexa a este contrato, denominado Anexo A, fazendo este anexo A parte integrante deste contrato e que as partes irão subscrever, assinando-o.”;
e) Constam do anexo referido em d) uma listagem com os seguintes bens:
1. Um aparelho de ar condicionado grande da marca …;
2. Um relógio de parede;
3. Um telefone;
4. Dois bancos grandes de cor vermelha;
5. Dois bancos pequenos de cor vermelha;
6. Um banco grande com braços de cor vermelha;
7. Quatro cadeiras de cor vermelha;
8. Uma cadeira de cortar cabelos de cor preta;
9. Uma cadeira de cortar cabelos a crianças;
10. Um bengaleiro de guarda-chuvas e um de casacos;
11. Um vaso;
12. Dois secadores de pé alto;
13. Um vapor;
14. Duas rampas com cadeira, lavatório e chuveiro de lavar cabelos;
15. Um armário branco;
16. Um expositor;
17. Um carrinho de apoio;
18. Um esterilizador;
19. Um espelho redondo portátil;
20. Três espelhos grandes;
21. Três secadores de mão;
22. Uma máquina de cortar cabelo;
23. Uma chave de tinta e dois medidores;
24. Dois recipientes para tintas;
25. Dois armários grandes para arrumação em secupira [sic] de cor castanha novos;
26. Um plasma de 32 polegadas marca …, de cor preto;
27. Um cilindro, marca videira de 120 litros;
28. Uma cortina de rolo;”
f) Lê-se na cláusula 14.ª do documento referido em a) que “Em caso de incumprimento do contrato por parte dos arrendatários desde já se fixa a quantia de mil euros, a título de despesas extrajudiciais e judiciais, nomeadamente honorários de advogado.”;
g) Por documento escrito datado de 01.05.2011 os AA. cederam aos RR., pelo prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, com início nesse dia 01.05.2011, o gozo do espaço identificado em a);
h) Lê-se na cláusula 4.ª, n.º 1 do documento referido em g) que “A renda anual é de €1.800 (mil e oitocentos euros) que os arrendatários deverão pagar em duodécimos mensais de €150 (...) no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito.”;
i) Lê-se na cláusula 5.ª do documento referido em g) que “O local arrendado destina-se exclusivamente ao exercício da actividade comercial de cabeleireiro da segunda contraente [R. mulher], não podendo os arrendatários dar-lhes outro uso ou destino, sublocar ou ceder a sua utilização, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente, sem consentimento escrito dos senhorios.”;
j) Lê-se na cláusula 10.ª do documento referido em g) que “Faz parte do arrendado, sendo propriedade dos primeiros contraentes, vários equipamentos, bens móveis e produtos cuja identificação consta de uma lista anexa a este contrato, denominado Anexo A, fazendo este anexo A parte integrante deste contrato e que as partes irão subscrever, assinando-o.”;
k) Constam do anexo referido em j) uma listagem com os seguintes bens:
1. Um aparelho de ar condicionado grande da marca …;
2. Um relógio de parede;
3. Um telefone;
4. Dois bancos grandes de cor vermelha;
5. Dois bancos pequenos de cor vermelha;
6. Um banco grande com braços de cor vermelha;
7. Quatro cadeiras de cor vermelha;
8. Uma cadeira de cortar cabelos de cor preta;
9. Uma cadeira de cortar cabelos a crianças;
10. Um bengaleiro de guarda-chuvas e um de casacos;
11. Um vaso;
12. Dois secadores de pé alto;
13. Um vapor;
14. Duas rampas com cadeira, lavatório e chuveiro de lavar cabelos;
15. Um armário branco;
16. Um expositor;
17. Um carrinho de apoio;
18. Um esterilizador;
19. Um espelho redondo portátil;
20. Três espelhos grandes;
21. Três secadores de mão;
22. Uma máquina de cortar cabelo;
23. Uma chave de tinta e dois medidores;
24. Dois recipientes para tintas;
25. Dois armários grandes para arrumação em secupira [sic] de cor castanha novos;
26. Um plasma de 32 polegadas marca …, de cor preto;
27. Um cilindro, marca videira de 120 litros;
28. Uma cortina de rolo;”
l) Lê-se na cláusula 11.ª do documento referido em g) que “Findo o arrendamento, o local arrendado, bem como os equipamentos e móveis supra identificandos, serão entregues em bom estado de conservação, sob pena de indemnizar os prejuízos causados.”;
m) Lê-se na cláusula 13.ª do documento referido em g) que “Em caso de incumprimento do contrato por parte dos arrendatários desde já se fixa a quantia de mil euros, a título de despesas extrajudiciais e judiciais, nomeadamente honorários de advogado.”;
n) Em 08.05.2012 a R. mulher adquiriu 3 cadeiras com hidráulico, pelo que das cadeiras identificadas em 1.1.k)7. uma foi colocada ao serviço da filha dos AA. e as restantes armazenadas na garagem pertença dos demandantes;
o) Por carta datada de 28.12.2015, endereçada a ambos os RR. e recepcionada pelo R. marido em 28.12.2015, os AA. comunicaram aos demandados, entre o mais, que “Na qualidade de senhorios (...) vimos por este meio comunicar a V. Ex.as, nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil, a nossa intenção de não renovação do contrato de arrendamento em vigor, celebrado a 1 de Maio de 2011.”;
p) Por documento escrito datado de 13.01.2016 a R. mulher tomou de arrendamento a A. S., pelo prazo de 5 anos, renovável por períodos de 1 ano, com início no dia 01.04.2016, a fracção autónoma A correspondente ao r/c, destinado a comércio e actividades económicas, do prédio urbano sito na Rua das …, n.º …, Braga, inscrito na respectiva matriz sob o art. ….º - A;
q) Os AA. através do seu genro, em data não concretamente apurada mas posterior a 13.01.2016, procuraram o A. S., com vista a convencê-lo a não ceder à R. o gozo da fracção identificada em p), tendo oferecido o pagamento de 6 a 8 rendas adiantadas para que o espaço fosse dado de arrendamento a eles, demandantes, ao invés de o ser à demandada;
r) Com data de 29.01.2016 a R. mulher, através do seu mandatário, comunicou aos AA., entre o mais, que “até ao termo do contrato de arrendamento, a M/Constituinte [R.] irá desenvolver a sua actividade num outro espaço, o que não a impedirá de continuar a fruir na plenitude do locado aqui em apreço. Nesse sentido, não será tolerável ou admissível qualquer objecção ou limitação à fruição do mesmo pela M/ Constituinte até ao efectivo termo do contrato.”;
s) Os RR. procederam ao pagamento das rendas reportadas aos meses de Março e Abril de 2016;
t) A R. mulher, no dia 10.03.2016, começou a exercer a sua actividade profissional no local identificado em p);
u) No dia 11.03.2016 os AA., por intermédio da sua filha, procederam à substituição da fechadura da porta de entrada do locado, impedindo os RR. de qualquer acesso ao mesmo;
v) No dia 12.03.2016 no locado mencionado em 1.1.a) encontrava-se a trabalhar, como cabeleireira, pessoa contratada pelos AA., utilizando ou tendo à disposição materiais pertença da reconvinte;
w) Por carta datada de 24.03.2016, recebida pelos AA. em 30.03.2016, a R. mulher, através do seu mandatário e invocando o descrito em 1.1.u) e 1.1.v), comunicou aos demandantes, entre o mais, que considerava existir uma “violação extraordinariamente grave do contrato de arrendamento celebrado” pelo que considerava o mesmo “definitivamente incumprido e consequentemente resolvido, nos termos do artigo 1083.º n.º 2 ex vi art. 1108.º, ambos do Código Civil. (...) Face ao supra exposto, deverão V/ Ex.as proceder à devolução em perfeito estado de conservação dos bens da M/ Constituinte que se encontram no locado, designadamente quatro cabeças, um expositor com um placar da «Bio…», carrinho de escovas, cesto de toalhas, três cadeiras, um sofá, expositor de perfumes, escovas de madeira, pentes, tesoura de corte, tesoura de desbaste, caixas de secadores e máquinas, aventais, um casaco, bronzeadores, três cubos de parede, prateleira e um vaso amarelo com uma planta. (...) Assim, e tendo em vista uma resolução amigável e extra judicial do assunto (...) venho novamente requerer a V/ Ex.as que, no prazo máximo de oito dias a contar da receção da presente missiva, me contactem no sentido de resolução do assunto por intermédio do V/ Ilustre Mandatário, procedendo-se ao agendamento do dia, hora e local para a entrega dos bens à M/ Constituinte(...)”;
x) Por carta datada de 03.04.2016 os AA. comunicaram ao mandatário dos RR, entre os mais, que haviam solicitado “ao Dr. M. V. que contacte V/ Ex.ª no sentido de ser marcado dia e hora para a remoção dos restantes bens da sua constituinte.”;
y) Por carta datada de 22.04.2016 os AA. comunicaram à R. mulher que bens pertença desta ainda se encontravam no locado, não obstante o advogado deles, demandantes, ter já contactado o dela, demandada, para que procedesse à respectiva remoção, pelo que “se até ao fim da próxima semana tais bens não forem retirados, passaremos a cobrar renda pelo espaço que ocupam.”;
z) Em 10.05.2016 foram retirados do interior do locado o remanescente dos bens pertença dos RR..
aa) Aquando do levantamento mencionado em z) o A. marido apodou o R. marido e as duas pessoas que o acompanhavam de “filhos da puta” e “parolos”;
bb) O bem identificado em 1.1.k) sob o n.º 26 foi furtado, tendo os AA. recebido a título de compensação, por banda da respectiva companhia de seguros, pelo menos a quantia de €170.

Factos Não Provados:

a) Que não obstante o declarado em 1.1.h) o valor da renda se tenha mantido em €4.800 anuais, a pagar em duodécimos de €400;
b) Que a partir da data mencionada em 1.1.t) o alarme da fracção A identificada em 1.1.a) tenha passado a aparecer desligado na manhã seguinte;
c) Que tenha sido por força do mencionado em 1.2.b) que os AA. tenham procedido à substituição da fechadura mencionada em 1.1.u);
d) Que em 10.03.2016 a R. tenha deixado o espaço identificado em 1.1.a) com diversos objectos e produtos seus espalhados quer pelo locado, quer nas partes comuns;
e) Que os bens identificados em 1.1.k) sob 4., 5., 6. e 7. fossem novos à data de 01.05.2011;
f) Que os bens identificados em 1.1.k) sob 4., 5., 6. e 7. tenham sido devolvidos pela R. em mau estado de conservação;
g) Que os bens identificados em 1.1.k) sob 17., 19., 21., 22., 23. e 24. não tenham sido devolvidos pela R.;
h) Que a R. jamais tenha utilizado os bens identificados em 1.1.k) sob 4., 5., 6., 17., 19., 21., 22., 23. e 24. por os mesmos, logo no início do contrato, terem sido removidos para a garagem pertença dos AA.;
i) Que a substituição dos bens identificados em 1.2.f) e g) ascenda a €2.233,25;
j) Que para além dos bens identificados em 1.1.k) os AA. tenham adquirido, a pedido dos RR., um sofá para ser usado pelos clientes destes, tendo pago pela respectiva aquisição €150;
k) Que o sofá mencionado em 1.2.j) tenha sido danificado pelos RR.;
l) Que os AA. tenham pago o preço de €350 pelo bem identificado em 1.1.k) sob 26.;
m) Que os RR. jamais tenham procedido à devolução do bem identificado em 1.1.k) sob 26.;
n) Que recaísse sobre os RR. qualquer obrigação de pagamento dos consumos de energia eléctrica e água;
o) Que os RR. tenham ficado a dever €180 a título de consumos de energia eléctrica e água;
p) Que a actuação dos AA. descrita em 1.1.q), u) e v) e visasse roubar e aproveitar-se da clientela que a R. mulher veio a angariar entre 01.09.2010 e 10.03.2016, por forma a que a reconvinte não conseguisse reencaminhar essa clientela para o novo estabelecimento;
q) Que por força da actuação descrita em 1.1.u) e v) os RR. tenham deixado de auferir €1.750;
r) Que os AA. tenham transmitido ao A. S., aquando da abordagem descrita em 1.1.q), que a R. mulher era má pagadora, uma pessoa conflituosa e problemática;
s) Que no dia 11.03.2016 os AA. tenham apodado a R. mulher de “puta”, “filha da puta” e “parola”;
t) Que no dia 10.05.2016 os AA. tenham apodado a R. mulher de “puta”, “filha da puta” e “parola”;
u) Que nesse momento e nos dias seguintes a R. mulher se tenha sentido envergonhada e humilhada;
v) Que o referido em 1.2.s) e t) tenha sido tema de conversa na vizinhança.
*
4.2. O DIREITO

Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto.

Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados conduzem à sua rejeição.

Assim, o artigo 640º, CPC impõe ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretende que a matéria de facto provada seja alterada.
Posto isto, apreciemos a impugnação da decisão da matéria de facto.

Os recorrentes consideram que houve erro na apreciação da prova quanto aos factos provados 1.1.q) e 1.1.v) e não provados 1.2.b), 1.2.c), 1.2.f), 1.2.g), 1.2.m), 1.2.n) e 1.2.o).
O facto 1.1.q) tem a seguinte redação: «Os AA. através do seu genro, em data não concretamente apurada mas posterior a 13.01.2016, procuraram o A. S., com vista a convencê-lo a não ceder à R. o gozo da fracção identificada em p), tendo oferecido o pagamento de 6 a 8 rendas adiantadas para que o espaço fosse dado de arrendamento a eles, demandantes, ao invés de o ser à demandada».
Entendem os recorrentes que este ponto da matéria de facto deve ser alterado para não provado, pois que só a testemunha A. S. depôs quanto a esse facto, tendo invocado factos genéricos que não permitiam concluir pela veracidade das suas declarações e ainda que se aceitassem verosímeis as mesmas não permitiam concluir pela identidade do sujeito.
O facto foi relatado pelo próprio A. S. que de forma isenta e sincera descreveu a pessoa que o abordou como um sujeito com cerca de 30 anos, que vira no dia da audiência de julgamento no Tribunal, e que se identificou como sendo funcionário da A. - o que efetivamente o genro dos autores será. Considerando a descrição feita e o enredo factual no seu conjunto, outra não é a pessoa que não o genro dos autores.
Mantém-se, assim, o facto inalterado.
O facto provado 1.1.v) tem a seguinte redação: «No dia 12.03.2016 no locado mencionado em 1.1.a) encontrava-se a trabalhar, como cabeleireira, pessoa contratada pelos AA., utilizando ou tendo à disposição materiais pertença da reconvinte».
Justificam os recorrentes que este ponto deve ser alterado para não provado, primeiro porque quem procurou nova cabeleireira foi a Sra. C. R., a título individual e particular, e não os autores, depois porque as testemunhas C. R. e L. F. foram claras ao apontar que não fizeram uso de qualquer bem dos réus, os quais foram posteriormente devolvidos sem que os réus apontassem algum defeito ou falta aquando da sua entrega.
A propósito deste segmento factual motivou-se na decisão recorrida: «Que a R. começou a trabalhar noutro espaço (aquele que havia tomado de arrendamento a A. S.) não é negado pela própria. A data de 10.03.2016 retirou-se do depoimento da sua funcionária, A. Z., que mencionou que essa é a data de aniversário do (novo) salão, e vai ao encontro da afirmação efectuada pelo genro dos AA., o referido depoente L. F., quando declarou que “metemos a senhora [a nova cabeleireira] a trabalhar no dia a seguir a mudar da fechadura porque estávamos há dois dias sem cabeleireira”. Aliás, este depoimento (que, neste particular, coincidiu com o da esposa) foi suficiente para dar como assente o facto elencado em 1.1.v) quanto à data em que outra pessoa, contratada pelos AA., iniciou a respectiva laboração no locado. Que a pessoa tinha à disposição materiais pertença da R. mulher resulta desde logo da própria alegação dos AA. de que apenas em 10.05.2016 o remanescente dos bens da demandada foi removido do locado (sendo esse o fundamento do pedido de pagamento da quantia de €50 do total que formularam); que não só os tinha à disposição como efectivamente os utilizou foi afirmado pela testemunha A. Z., que o terá presenciado quando, conjuntamente com o irmão da R. (a testemunha J. V. – que de forma muito credível confirmou este episódio da deslocação com o cunhado e uma das funcionárias da irmã ao locado, tendo sido esta, na sua essencialidade, a relevância do respectivo depoimento) e o R. marido se deslocou à sala 1 a fim de recolher o resto do material que ali tinha ficado e que a mudança de fechaduras as impedia de recolher».
Como se vê, procedeu o tribunal a quo a uma análise crítica e conjugada da prova testemunhal que expôs de forma clara e objetivamente sindicável sendo por isso exigível aos recorrentes o mesmo labor na explicitação da sua discordância, com indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo tribunal foi declarado.
Ora, salvo o devido respeito, não apontam os recorrentes as eventuais disparidades ou contradições que infirmem a decisão impugnada. Na verdade, os recorrentes não atendem à fundamentação da decisão da primeira instância, o escrutínio da razão de ciência que nela se faz e a clara explicação das razões que estiveram na base da convicção do julgador.
Ouvidos os depoimentos, apresenta-se correta a apreciação da matéria de facto feita pela sentença recorrida, pelo que o facto 1.1.v) mantém-se como provado.
Consideram ainda os recorrentes que os factos não provados 1.2.b), 1.2.c), 1.2.f), 1.2.g), 1.2.m), 1.2.n) e 1.2.o), deveriam ser dados como provados.
É extensa, pormenorizada e critica a motivação da sentença quanto a estes factos. Faz-se nela a valoração expressa dos depoimentos explicitando as razões da consideração de uns em detrimento de outros.
Insurgem-se os recorrentes quanto a esta valoração sem, contudo, lograrem afetá-la, na medida em que se baseiam essencialmente em segmentos sincopados do depoimento de duas testemunhas, que foram fundamentadamente desconsiderados pelo tribunal. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o dever de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não se basta com enunciação do depoimento de determinadas testemunhas.
É incumbência de quem impugna rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal. Para tal não basta sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, havendo que aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Dito de outro modo, não é suficiente assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo tribunal, sendo necessário desconstruir a apreciação crítica da prova realizada.
Ora, os impugnantes não aportaram argumentos válidos nem provas bastantes que conduzam a diferente convicção da firmada pelo tribunal a quo.
Resulta, pois, do exposto, que não houve uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido.
Não assiste, assim, razão aos recorrentes na impugnação da matéria de facto.
*
Da subsunção jurídica.

As partes dentro dos limites da lei podem celebrar contratos diferentes dos típicos, modificar os tipos legais incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver e misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos. A autonomia contratual é um princípio formalmente reconhecido - artigo 405º, do Código Civil
Os contratos devem ser analisados e qualificados, não apenas com base na sua configuração formal, mas também em função das circunstâncias em que se enquadram e dos objetivos que visam realizar. Nos dizeres de Pedro Pais de Vasconcelos “os tipos contratuais são simplesmente modelos e não esgotam de modo algum a matéria contratual.” (5)
Como ensina Antunes Varela “em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque os seus interesses o impõem a cada passo, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferentes da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.” (6)
No caso estamos em presença de um contrato misto, que reúne elementos do contrato de arrendamento e contrato de aluguer (enquadramento jurídico aceite pelos recorrentes).
Os contratos mistos têm carácter unitário, resultando da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da participação num contrato de aspetos próprios de outro ou outros. (7)
Em tal fusão, explicita-se no acórdão da Relação de Coimbra de 08.11.2011 (8), os elementos correspondentes a vários tipos contratuais agremiam-se em ordem à realização de função social unitária, por uma das seguintes vias: i) ou forma-se um acordo pela conjugação de parte dos elementos de diversos contratos típicos; ii) ou em certa espécie contratual insinuam-se ou incrustam-se elementos estranhos.
Para que os diversos elementos contratuais distintos façam parte de um único contrato, é necessário que se integrem num processo unitário e autónomo de composição de interesses, o que deverá ser aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação, outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação.
Se às diversas prestações a cargo de uma das partes corresponde uma prestação única da contraparte, torna-se incontornável a presunção de que quiseram celebrar um só contrato; o mesmo ocorre quando na base das prestações a que se encontram adstritas uma e outra parte, haja um esquema unitário, um acerto de interesses, de tal modo que a parte obrigada a realizar várias prestações, as não queira negociar separadamente mas apenas em conjunto.
Assim, o contrato misto pode resultar da combinação de dois contratos, neste caso denominado de contrato combinado, em que a prestação global de uma das partes se compõe de duas ou mais prestações integradoras de contratos (típicos) diferentes, enquanto a outra se vincula a uma contraprestação unitária.
O contrato de arrendamento e o contrato de aluguer são as duas modalidades do contrato de locação, este a incidir sobre bens móveis e aquele a incidir sobre bens imóveis (artigo 1023.º do Código Civil), de ambos resultando a obrigação de proporcionar o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (artigo 1022.º do Código Civil).
O contrato de locação é um contrato bilateral e sinalagmático, que gera para ambas as partes obrigações que estão ligadas entre si por um nexo de correspetividade: para o locador, as obrigações de entrega ao locatário da coisa locada e assegurar-lhe o seu gozo para os fins a que se destina; para o locatário as obrigações de pagar a renda, de não fazer uma utilização imprudente da coisa locada e a de restituir a coisa locada findo o contrato no estado em que a havia recebido, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, a menos que haja convenção em contrário (artigo 1043.º, nº1 do Código Civil).
Estando em causa um contrato misto, importará apurar o regime a aplicar ao caso concreto.
No âmbito dos contratos mistos, para a fixação do regime aplicável, perfilam-se três teorias: a teoria da absorção, que postula que haverá que individualizar o elemento preponderante do contrato e aplicar-se a todo o contrato o regime do contrato típico em que esse elemento preponderante se integra; a teoria da combinação, que defende a combinação das normas das diversas espécies contratuais que compõem o contrato misto, criticando a teoria da absorção por, em certas situações, não ser possível determinar o elemento preponderante do contrato; e a teoria da aplicação analógica, nos termos da qual é ao juiz que compete fixar o regime, de harmonia com os princípios válidos para o preenchimento das lacunas do contrato.
O caso convoca para a sua solução o disposto no artigo 1028.º do Código Civil.
Decorre deste normativo que se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns aos outros, observar-se-á, relativamente a cada um deles, o regime respetivo (n.º 1) – manifestação da teoria da combinação; se, porém, um dos fins for principal e os outros subordinados, prevalecerá o regime correspondente ao fim principal; os outros regimes só são aplicáveis na medida em que não contrariem o primeiro e a aplicação deles se não mostre incompatível com o fim principal (n.º 3) - teoria da absorção.
Interpretando o teor das cláusulas que enformam o acordo celebrado entre as partes, o arrendamento surge claramente como fim principal, sendo o aluguer um fim acessório ou subordinado. Consequentemente, o regime a aplicar à integralidade do contrato é, por força do disposto no artigo 1028.º, nº3 do Código Civil, o regime do arrendamento urbano.
Encontrado o regime aplicável, cumprirá apurar se houve violação das obrigações que resultam do contrato à luz do artigo 1038.º, do Código Civil.
Com a cessão do contrato emergia para os réus a obrigação de restituírem o imóvel e os bens móveis locados no estado em que os receberam ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Sustentam os recorrentes que no caso verificou-se um incumprimento contratual por parte dos réus/inquilinos ao procederem à devolução de bens com defeito; ao não fazer a devolução de determinados bens móveis; e ao não terem efetuado o pagamento dos consumos de eletricidade e de água que eram da sua responsabilidade.
A factualidade atinente ao incumprimento e prejuízos daí resultantes resultou não provada, não emergindo da causa uma atuação imputável aos réus que os torne incursos na obrigação de ressarcir os danos invocados pelos autores, não lhes podendo ser assacada qualquer responsabilidade. Evidencia-se ademais que não ficou demonstrado que tenha existido convenção entre as partes quanto ao pagamento de despesas de energia elétrica e de água no locado.
Em suma, os recorrentes aceitam o enquadramento jurídico do caso feito na sentença, apenas pondo em causa os termos da decisão com fundamento na alteração dos factos que elencam, considerando, nessa conformidade e em consequência, a violação de obrigações contratuais por parte dos réus, que como tal deveriam ser condenados a suportar o valor dos danos sofridos pelos autores.
Não tendo, todavia, ocorrido qualquer alteração à matéria de facto e concordando-se com a subsunção jurídica efetuada, impõe-se a manutenção da decisão recorrida quanto aos termos da causa, nos moldes em que foi proferida.
*
Da litigância de má fé.

Por fim, insurgem-se os recorrentes contra a sua condenação como litigantes de má fé.
Consideram que não agiram norteados por qualquer fim ou estado de espírito reprovável, tendo-se limitado a peticionar a condenação dos réus decorrente das obrigações violadas pelos réus.

Preceitua o artigo 542º do CPC, nos seus nºs 1 e 2:

“1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

As alíneas a) e b) do normativo legal reportam-se à chamada má fé material ou substancial, ao passo que as alíneas c) e d) se referem à má fé processual ou instrumental.
Resulta desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
O legislador deixou ainda clara a desnecessidade, quanto à prova, da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade (9).

No entanto, não deve confundir-se litigância de má-fé com:

· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.

Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade. (10)
Conformemente, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave.

Consta de decisão recorrida o acervo factual em que se fundamentou a condenação da parte como litigante de má fé:

- Foram os AA. quem, sem causa para tal, incumpriu o contrato que haviam celebrado com os RR., pois que procederam à mudança da fechadura da porta que dá acesso ao locado, unicamente por forma a impedir o acesso dos RR. ao imóvel, por entenderem que estando já a R. mulher a laborar noutro espaço não teria qualquer motivo para continuar a utilizar o imóvel dado em locação (e isto não obstante terem sido expressamente alertados cerca de 6 semanas antes que a demandada pretenderia continuar a utilizar o locado até 30.04.2016, como era de seu direito);
- Foram os AA. quem impediu a remoção, pelos RR., dos pertences que ainda mantinham no interior do locado, não tendo sido os demandados quem “se desleixou” nessa remoção, protelando-a;
- O plasma cuja falta de restituição reclamaram havia sido furtado, sem que tivessem arguido esse furto na sua p.i.;
- Os AA. receberam da sua companhia de seguros uma compensação pelo valor desse plasma furtado, algo que igualmente omitiram na sua p.i., tendo, ao invés, formulado pedido no sentido de se verem ressarcidos, pelos RR., da totalidade do valor do mesmo;
- Foi a filha dos AA. quem utilizou, durante pelo menos 4 anos, equipamento cuja deterioração os AA. assacaram aos RR. (a saber, e confessadamente, uma das cadeiras de cabeleireiro relacionadas em 1.1.k) sob 7.), facto que os AA. igualmente não mencionaram, mas não obstante pretenderem sejam os RR. a compensá-los por tal deterioração;
- Há bens cuja deterioração acusam e que, após a cessação do contrato de arrendamento, continuaram a ser utilizados por não se encontrarem efectivamente desgastados, ao contrário do alegado.

O tribunal a quo justificou a condenação dos autores por à luz destes factos ter concluído, que a sua conduta corresponde a dedução de pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, alteração da verdade dos factos, omissão de factos importantes para a descoberta da verdade e a utilização do processo para entorpecer a ação da justiça.
Vejamos.
A alegação destes factos no âmbito do objeto da ação configura factos relevantes para a decisão da causa, apresentando-se os mesmos como essenciais à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado.
A natureza dos factos e as circunstâncias em que ocorreram conduzem inelutavelmente à conclusão de que os autores pleitearam tendo a obrigação de saber que não tinham razão. Não se trata, pois, de defesa convicta de uma posição, diversa daquela que a decisão judicial acolheu, antes a dedução de uma pretensão infundada, sustentada em factos não verdadeiros ou com omissão de factos relevantes, o que consubstancia uma litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542º, do Código de Processo Civil.
Bem sabiam os autores quando instauraram a ação contra os réus da sua falta de fundamento, procurando através dela obter o pagamento uma quantia a que sabiam não ter direito, pois que que se trata de factos pessoais nos quais intervieram e dos quais não podiam deixar de ter consciência.
Agiram, assim, os autores de má fé.
Afigura-se, no entanto, excessivo o montante de 30 Ucs em que os autores foram condenados.
O montante da condenação para quem litiga de má fé tem que corresponder ao grau de culpa do litigante e à maior ou menor censurabilidade do comportamento que adotou. Na avaliação e graduação da culpa atender-se-á à diligência do bom pai de família, mas atendendo sempre às circunstâncias do caso.
Na situação presente, o comportamento dos autores é evidentemente censurável, se o compararmos com aquele que seria exigível de um bom pai de família, o homem comum que atua segundo parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais. A má fé traduz-se precisamente na violação do dever de probidade que é exigível às partes, concretizado no dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não omitir factos relevantes para a decisão da causa.
É, pois, pela intensidade da violação deste dever de probidade que se há-de sancionar, através da aplicação da multa prevista no art. 27º, nº3 do Código das Custas Processuais, variável entre 2 UC e 100 UC, a conduta do litigante de má fé.
A multa de 30 UC com que a sentença sancionou a conduta dos autores afigura-se desajustada, por excessiva, não correspondendo a um justo equilíbrio entre o grau de culpa e a censurabilidade do comportamento.
Impõe-se destarte a sua redução para o montante mais equilibrado de 8 UC.
Pelo exposto, o recurso procede parcialmente, reduzindo-se o montante da multa fixado pela condenação como litigante de má fé, para 8 UC, no mais se mantendo a decisão.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando o montante da multa fixado pela condenação dos autores como litigantes de má fé para 8 UC, no mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas por Recorrentes e Recorridos, proporção de ¾ para os Recorrentes e ¼ para os Recorridos.
Guimarães, 21 de Outubro de 2021

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira


1. Neste sentido, Abrantes Geraldes, A sentença Cível, intervenção nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014.
2. A este propósito, Rui Correia de Sousa, In “Litigância de má fé”, Qui Iuris, pags. 11 e 12.
3. Disponível em www.dgsi.pt.
4. In Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, pag. 276.
5. In Contratos Atípicos, Almedina, pag. 226.
6. In Das obrigações em geral”, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, pag. 281.
7. Inocêncio Galvão Teles, In Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, Coimbra Editora, pag. 469.
8. Disponível em www.dgsi.pt.
9. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 3ª ed., pag. 341.
10. Neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 28.05.2019, disponível em www.dgsi.pt