Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
CANCELAMENTO
Sumário
I - A pena de prisão suspensa na sua execução não é pena privativa da liberdade mas uma pena de substituição. Ora, as penas de substituição não se confundem com as penas principais, sendo verdadeiras penas autónomas, cada uma delas com identidade, conteúdo político-criminal e campo de aplicação próprios, pelo que em processo sumário não é obrigatório que a fundamentação seja reduzida a escrito. Considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões. II - Analisado o certificado do registo criminal do recorrente e tendo sempre por referência, em caso de dúvida, a situação que lhe seja em abstrato mais favorável, verifica-se o seguinte: i. a decisão proferida no processo 293/02 (boletim 1) não cessou a sua vigência no dia 21.06.2007 porque, entretanto, no decurso do prazo de cinco anos contado do dia 21.06.2002 (pagamento da multa) o recorrente foi condenado, no dia 06.03.2006, tal como consta do boletim 3 –artigo 11.º n.º1, alínea b); ii. assumindo que a condenação em sursis avec mise à l'épreuve constante do boletim 3, teve o prazo mínimo de 18 meses, só poderia ser cancelada em 06.09.2012 –artigo 27.º n.ºs 2, 3, 4, alínea b), 11.º n.ºs 1, alínea e), e 3; iii. esse cancelamento ficou inviabilizado porque no dia 23.05.2012 o recorrente foi condenado numa pena de prisão que foi objeto de uma sursis simple, tal como consta do boletim 5; esta condenação, por seu turno, só pode ser cancelada a partir de 23.05.2022 -artigo 27.º n.ºs 2, 3, 4, alínea b), 11.º n.ºs 1, alínea e), e 3; iv. o cancelamento da condenação constante do boletim 4, que sucederia em 15.01.2012, ficou impedida pela vigência da condenação constante do boletim 3, até 23.05.2012, e pela do boletim 5, a partir dessa data –artigos 27.º n.ºs 2, 3 e 4, alínea a), 11.º n.º1, alíneas b) e g), e 2, tendo ainda em conta a regra supra enunciada para os casos de sucessão de condenações no decurso do prazo de cancelamento; v. de qualquer modo, as condenações constantes dos registos 3 e 4 têm de se considerar canceladas nas datas de “apagamento” que delas constam comunicadas pelo Estado Francês –n.º 5 do artigo 27.º, concernente às regras e prazos de conservação das decisões estrangeiras inscritas no registo criminal português; vi. com o cancelamento da decisão constante do boletim 3, reportada a 07.05.2016, deve considerar-se cancelada também a condenação constante do boletim 1, por dela dependente, conforme supra referido em i – cfr., quanto a esta solução, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.05.2016, já citado; vii. considerando a regra acima elencada em iv. e a data de cancelamento da condenação registada no boletim 5, a análise dos demais boletins resulta já desnecessária; Ocorre motivo para considerar canceladas as decisões condenatórias constantes dos boletins de registo criminal 1, 2, 3 e 4, que não podem ser valoradas e devem, por conseguinte, ser eliminadas da matéria de facto; todas as demais estão vigentes e podem ser relevadas. III - Face ao quadro, nenhuma censura merece, a opção pela pena de prisão, considerando-se adequada a medida de sete meses fixada, assim como a suspensão da execução, na modelação encontrada, de prazo, regime de prova e sanção acessória.
Texto Integral
Proc. n.96/21.1GAMCN.P1
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
No âmbito do Processo sumário, a correr termos no Juízo Local Criminal de Marco de Canaveses Comarca do Porto Este, foi proferida sentença oral, na qual se decidiu:
“Pelo exposto, julgo a acusação provada e procedente e, em conformidade, decido:
a) Condenar o arguido B…, como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos artigo 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a) e do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, acompanhada pelo regime de prova que inclua a vigilância e apoio ao arguido, e que englobe a avaliação à problemática do álcool, e, se necessário, se medicamente validado, tratamento à mesma problemática;
b) Condenar, ainda, o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.
c) Condenar o arguido nas custas processuais, em 1 UCs, em virtude da confissão (artº 8º, n.º 9 e tabela III do regulamento das Custas Processuais e artº 344º, n.º 2, al. C), 513º e 514º do Código de Processo Penal).
Nos termos da Jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º2/2013, DR 5 Série I de 08/01/2013, advirto o arguido que, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, deve entregar, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, qualquer título de condução de que seja titular, sob pena de cometer o crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º1, alínea b), do Código Penal.
*
Mais vai advertido de que se conduzir veículos motorizados durante o período da proibição imposta, incorre na prática de um crime p. e p. pelo artº 353º do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 2 anos.”
Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
1. Prevê o artigo 379.º, n.º 1, do CPP: É nula a sentença: “Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” Sic
2. Assim, temos que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 389.º-A, n.ºs 3 e 5, com referência aos artigos 363.º e 364.º do CPP, o que se invoca.
3. Como vemos nos autos, a sentença não está escrita; apenas está escrito na acta de audiência o dispositivo da sentença.
4. É certo que estamos num processo sumário, em que a sentença está regulada no artigo 389.º-A do CPP.
5. O n.º 1 desse artigo permite que a sentença seja proferida oralmente, com a documentação prevista nos artigos 363.º e 364.º do CPP, por força do seu n.º 3. O n.º 2 apenas impõe que seja ditada para a acta o dispositivo da sentença. Mas o n.º 5 desse artigo diz: Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.
6. A leitura conjunta dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do artigo 389º-A do CPP leva-nos à conclusão de que o juiz tem que elaborar a sentença por escrito e fazer a sua leitura quando aplica ao arguido pena privativa de liberdade ou quando as circunstâncias do caso o tornam necessário.
7. No caso concreto, a sentença recorrida condenou o arguido na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução. A pena de prisão suspensa na sua execução não deixa de ser uma pena privativa de liberdade, já que a suspensão pode ser posteriormente revogada, o que implica o cumprimento do tempo de prisão fixado (artigo 56.º, n.º 2, do CP).
8. A experiência mostra que a oralidade da sentença não oferece tanta segurança para a decisão ser uma decisão ponderada como a proporcionada por uma sentença escrita, o que aqui expressamente se invoca.
9. Além disso, a sentença oral cria maiores dificuldades para quem pretenda estudá-la e compreendê-la, preparar um recurso dela ou apreciar e decidir o recurso interposto.
10. Ora, dúvidas inexistem que tal situação deixa menos segurança para o arguido.
11. Por isso, é natural que o legislador tenha decidido impor que a sentença seja escrita e lida quando o juiz imponha pena privativa da liberdade ao arguido.
12. Assim, a sentença não escrita que imponha pena privativa de liberdade é nula nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
13. Pelo que, desde já se requer a anulação da sentença recorrida, sendo ordenado que a mesma seja escrita e lida novamente, tudo com as legais consequências.
DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E DA INSUFICIÊNCIA
PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
14. Pese embora as limitações na elaboração do presente recurso por ausência de sentença escrita, sempre se dirá que da sentença proferida oralmente e gravada no sistema integrado de gravação digital em uso no Tribunal recorrido, resultou claro que a sentença recorrida assenta na valoração de todas as condenações que constam do registo criminal do arguido de fls… dos autos, quer as proferidas por tribunais portugueses, quer as proferidas por tribunais estrangeiros.
15. Ora, tal valoração serviu de fundamentação para a determinação da medida da pena e da sanção acessória que se impugna.
16. Há pois erro notório na apreciação da prova pois o tribunal recorrido deu como provadas todas as condenações constantes do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos, que dele já não deviam constar;
17. Ademais, há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pois o tribunal recorrido não averiguou se as penas relativas às condenações constantes do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos, se encontram ou não extintas.
18. Foi solicitado o CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL do arguido que consta a fls… dos autos e ainda ordenada a tradução das condenações proferidas por tribunais estrangeiros, conforme consta a fls… dos autos.
19. Porém, entende o Recorrente que não podiam ter sido levados em conta os antecedentes criminais que, embora constem do CRC, já dele deviam ter sido expurgados.
20. Na verdade, as decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal, decorridos 5 anos da extinção da medida de segurança e da pena, quer de multa, quer de prisão, se a duração desta tiver sido inferior a 5 anos, como é o caso, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza (art.º 11º/1-a) e b) da Lei 37/2015, de 05/05).
21. Se tiver ocorrido outra condenação durante esse prazo de 5 anos, quando a vigência desta outra condenação no registo criminal cessar, cessam, naturalmente, aquelas que se tiverem mantido vigentes por força desta.
22. Por isso, no presente caso, as condenações, proferidas no processo 293/02, proferida pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão e ainda todas as condenações proferidas pelos Tribunais Franceses e constantes da tradução certificada de fls… dos autos, constantes do CRC junto aos autos, já dele não deviam constar, por se terem extinguido mais de 5 anos antes, e, por isso, não podiam ter sido levadas em conta pelo tribunal recorrido, o que se invoca.
23. Entendemos que a sua consideração na decisão recorrida, ainda que oralmente proferida, constitui um erro notório na apreciação da prova, porque se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada, o que aqui expressamente se invoca.
24. Na verdade, o erro notório na apreciação da prova é a “… falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
25. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, o que sucedeu no caso.
26. Tal erro, como os restantes previstos no art. 410º/2 do CPP, é de conhecimento oficioso e não resulta do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, uma vez que a mesma não foi escrita mas resulta da leitura oral da sentença recorrida.
27. Esta falta, constitui insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que aqui se invoca.
28. Na verdade, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre no caso porquanto a matéria de facto fixada se apresenta insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito., o que se invoca.
29. Dúvidas inexistem que atento o exposto, o tribunal a quo deveria ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico como suporte bastante dessa decisão agora impugnada.
30. Ora, os antecedentes criminais do recorrente são elementos importantes para a determinação da medida da pena, com a qual não concordamos, ainda mais neste caso em que os mesmos levaram o tribunal recorrido a aplicar uma pena de prisão suspensa na sua execução.
31. Como já vimos, se as condenação supra identificadas se encontram extintas há mais de 5 anos, por referência à data da condenação, não poderiam as mesmas ter sido levadas em conta para a escolha, nem para a determinação da pena, como foram.
32. Por isso, tribunal recorrido devia ter feito diligências para esclarecer este ponto de facto, mas não o fez, pelo que se mostra verificado este vício agora invocado.
33. Mas quando se verifica este tipo de vício, o processo só deve ser devolvido à 1.ª Instância se o tribunal superior não dispuser dos elementos necessários à sua sanação (art.ºs 426º/1 e 431º/a) do CPP).
34. Ora, no presente caso, se o erro notório era suprível, pela eliminação dos factos provados em causa, já quanto à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada os autos não dispõem de elementos que permitam apurar a matéria em falta, nem a renovação da prova poderia suprir essa falta, pelo que haverá que reenviar o processo para novo julgamento parcial, a realizar nos termos do disposto no art.º 426º-A do CPP, o que se requer, uma vez que estes antecedentes serão fundamentais para a escolha e determinação das penas.
35. Ao decidir como decidiu violou o tribunal recorrido, entre outros, a aplicação do art. 379º , N.º 1, al. A) do C. P.Penal; art.º 389-A, N.º 3 E N.º 5, com referência ao art.º 363º e 364º CPP; art. 410º, N.º 2, AL. A) e C) do CPP, o que se reclama.»
O Ministério Público respondeu ao recurso.
“-a) Não foi violado qualquer normativo legal;
b) Não subsiste qualquer nulidade na Douta sentença;
c) Os antecedentes criminais do recorrente estão providos de elementos bastantes para permitir a sua valoração, mas V. Exas., farão como sempre a costumada JUSTIÇA.”
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando igualmente pela respetiva improcedência, concluindo “Em CONCLUSÃO, tendo em conta o exposto, somos de parecer que o recurso merece parcial provimento, devendo alterar-se a matéria de facto relativa aos antecedentes criminais nos termos expostos, mantendo, no restante, nomeadamente quanto às penas aplicadas, a decisão recorrida nos seus precisos termos.”
*
É do seguinte teor a ata da decisão recorrida (transcrição):
«
ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
Data: 17-03-2021, pelas 11:30 Horas, Sala 1.01
Juiz de Direito: C…
Procurador da República: D…
Escrivão Auxiliar: E…
Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz, identifiquei os presentes autos de Processo Sumário (artº 381º CPP), em que são:
Autor: Ministério Público
Arguido: B….
e de imediato procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir, após o que comuniquei verbalmente ao Mmº Juiz, de que se encontram presentes todas as pessoas convocadas para este ato (art.º 329º, n.ºs 1 e 2 do C. P. Penal), a saber:
Arguido: B….
Defensora Oficiosa do arguido: F….
Testemunha: G….
*
Quando eram 11 horas e 30 minutos, o Mmº Juiz de Direito, C…, declarou aberta a audiência de discussão e julgamento.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz concedeu o contraditório ao Digno Procurador da República e a Ilustre Defensora do arguido, para, querendo, se pronunciarem, exercendo o contraditório, quanto à diligência determinada, tradução do certificado do registo criminal, e pelos mesmos foi dito, nada terem a opor ou requerer, prescindindo de prazo para análise do mesmo.
*
Seguidamente, o Mm.º Juiz de Direito, deu a palavra ao Digno Procurador-Adjunto e à Ilustre Defensora Oficiosa presentes, tendo os mesmos, no seu uso, dito prescindirem das exposições introdutórias.
*
Em seguida, o Mmº Juiz advertiu o arguido de que é obrigado a responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal – art.º 342º do C. P. Penal - passando de imediato à sua identificação: ARGUIDO B…, filho de H… e de I…, nascido em 02-04-1978, natural da freguesia de ... (… de … e …) [Braga], cartão de cidadão - …….. …., residente na Rua de …, …, …., ….-… ….
Pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, tendo declarado pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados, tendo ainda, prestado declarações quanto às suas condições socioeconómicas.
*
Consigna-se que no decurso das suas declarações, a instâncias do Mmº Juiz de Direito, e, em caso de condenação, o arguido deu o seu consentimento a efectuar uma consulta médica de avaliação a possível problemática do álcool, e respectivo tratamento, caso seja necessário.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz de Direito, perguntou-lhe se o fazia de livre e espontânea vontade e fora de qualquer coacção e se fazia uma confissão integral e sem reservas, ao que este respondeu afirmativamente.
*
Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, no uso dela disse que atenta a confissão do arguido, nos termos do artº 344º, n.º 2, al. a), do C.P.Penal, renuncia à produção de prova.
*
Dada a palavra à ilustre defensora do arguido, pela mesma foi dito nada ter a opor.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz de Direito proferiu o seguinte: DESPACHO
Atenta a confissão integral e sem reservas por parte do arguido, considero provados os factos imputados e dispensa-se a restante prova, nos termos do art. 344º, n.º 2, al. a), do CPP.
Notifique.
Do despacho que antecede foram todos os presentes devidamente notificados, os quais disseram ficar bem cientes.
*
De seguida, pelo Mmº Juiz foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Digno Magistrado do Ministério Público e à ilustre defensora do arguido, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
As mesmas ficaram gravadas através do sistema Hábilus Media Studio.
*
Findas as alegações, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa, tendo o arguido dito nada mais ter a declarar.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz proferiu a competente sentença, que ficou gravada através do sistema integrado de gravação digital em uso neste Tribunal e ditou para acta a seguinte:
=SENTENÇA=
Pelo exposto, julgo a acusação provada e procedente e, em conformidade, decido:
a) Condenar o arguido B…, como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos artigo 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a) e do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, acompanhada pelo regime de prova que inclua a vigilância e apoio ao arguido, e que englobe a avaliação à problemática do álcool, e, se necessário, se medicamente validado, tratamento à mesma problemática ;
b) Condenar, ainda, o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.
c) Condenar o arguido nas custas processuais, em 1 UCs, em virtude da confissão (artº 8º, n.º 9 e tabela III do regulamento das Custas Processuais e artº 344º, n.º 2, al. C), 513º e 514º do Código de Processo Penal).
*
Nos termos da Jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º2/2013, DR 5 Série I de 08/01/2013, advirto o arguido que, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, deve entregar, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, qualquer título de condução de que seja titular, sob pena de cometer o crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º1, alínea b), do Código Penal.
*
Mais vai advertido de que se conduzir veículos motorizados durante o período da proibição imposta, incorre na prática de um crime p. e p. pelo artº 353º do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 2 anos.
*
Expediente com a referência 6960055: Pague-se em conformidade.
*
Deposite.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.
Comunique à ANSR e ao IMTT.
Solicite à DGRSP o plano de reinserção social, nos termos supra referidos.
Notifique.
Da mesma ficaram todos os presentes devidamente notificados, tendo o Digno Magistrado do Mº Pº e a ilustre defensora prescindido da entrega de CD áudio contendo a gravação da audiência.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz deu por encerrada a presente audiência quando eram 12 horas e 30 minutos.
A presente ata foi integralmente revista e por mim, E…, elaborada, e partilhada electronicamente, sendo assinada digitalmente pelo Mmº Juiz de Direito.»
*
II - Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Violação do art, 374º, n º 2 do CPP por referência ao art. 379º, nº 1, al.a) - ausência de fundamentação.
Na nulidade da sentença, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 379.º n.º 1, alínea a), 389.º-A, n.ºs 3 e 5, 363.º e 364.º, todos do Código de Processo Penal, uma vez que apesar de proferida em processo sumário aplicou pena de prisão suspensa na sua execução que não deixa de ser pena privativa da liberdade.
- Erro notório na apreciação da prova.
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na verificação dos vícios de erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º n.º2, alínea c), do Código de Processo Penal) e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º n.º2, alínea a), do Código de Processo Penal), uma vez que o tribunal levou em conta condenações constantes do registo criminal que se encontravam extintas e que por isso não podiam ser relevadas, sem que tivesse levado a cabo quaisquer diligências de sanação.
Manifesta discordância com a pena aplicada e pede que na procedência do recurso se anule a decisão recorrida, se determine o reenvio do processo para novo julgamento parcial, se ordene que seja escrita e lida nova sentença e se ordene o suprimento das nulidades invocadas.
*
Vejamos.
Nos termos do artº 374º nº2 do CPP, a sentença deve conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A sentença só cumpre o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das reprovações contra eles dirigidas. Porém e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a Lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.[2]
Realça-se que a lei não obriga a que a fundamentação da decisão indique a concreta prova de cada um dos factos provados e não provados, nem á reprodução do teor de cada depoimento prestado. Como refere acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2008, com o apoio da jurisprudência do Tribunal Constitucional que cita:
“ (…) XIII - Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.[3]
Ou como se escreveu Acórdão no acórdão do STJ 08-02-2007 [4]
“ I - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.”
Em suma, aquilo que é necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou efetuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as razões de ciência respetivas.
No que respeita à primeira questãoimporta ter em conta o regime previsto no artigo 389.º-A do Código de Processo Penal, segundo o qual a sentença é proferida oralmente (n.º1) só o sendo por escrito se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário (n.º5).
O recorrente ancora a necessidade de sentença escrita na previsão deste n.º5 por, diz, lhe ter sido aplicada pena privativa da liberdade.
Sucede que a pena de prisão suspensa na sua execução, aquela que lhe foi aplicada, não é pena privativa da liberdade mas uma pena de substituição. Ora, as penas de substituição não se confundem com as penas principais, sendo verdadeiras penas autónomas, cada uma delas com identidade, conteúdo político-criminal e campo de aplicação próprios –Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §494 e 495; concretamente quanto à pena de prisão suspensa na sua execução, sempre se considerou que não representa um simples incidente, ou mesmo uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua aceção mais estrita e exigente, uma pena de substituição –Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §511.
Assim concluiu, aliás, o Acórdão do STJ 13/2016, referido na resposta do Ministério Público, onde pode ver-se todo o histórico de sedimentação deste entendimento na doutrina e na jurisprudência.
“O Supremo Tribunal de Justiça também não concorda com o recorrente, uma vez que a sua jurisprudência maioritária corre toda nesse sentido, tendo até sido publicado um Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência em 7 de Outubro de 2016, com o n.º 13/2016 que diz “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do art.º 17.º da Lei 57/98, de 18-08, com a redacção dada pela Lei 114/2009, de 22-09”. Argumentar com o facto de a pena, sendo revogada se transformar numa pena privativa da liberdade, seria abrir caminho a qualificar as penas de multa como privativas da liberdade, pois estas, também em caso de incumprimento, se transformam em penas privativas da liberdade.”
Ainda de acordo com o mesmo Autor, a pena de suspensão de execução da prisão constitui uma pena de substituição em sentido próprio, dado ter carácter não institucional ou não detentivo, isto é, é cumprida em liberdade, e pressupor prévia determinação da medida da pena de prisão, sendo a mais importante das penas de substituição, pelo âmbito e frequência com que é imposta, podendo ser aplicada, como hoje dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do CP, em substituição de uma qualquer pena de prisão de medida não superior a 5 anos, ou seja, não só de penas curtas, mas de penas de média duração.
Diversa não é a posição de Jescheck, para quem a suspensão da pena constitui um meio autónomo da reacção jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos.
Simas Santos e Leal-Henriques, aderindo a esse Autor, fazem questão de sublinhar que "a suspensão da execução da pena é, quanto a nós, uma pena".
A ela se refere também André Lamas Leite como "a sanção substitutiva de mais largo espectro".
Acresce que a jurisprudência do STJ, em diversos dos seus arestos, há muito vem reafirmando o carácter autónomo da suspensão relativamente à pena de prisão.
Nenhuma nulidade existe, por conseguinte, neste tocante.
*
Vícios do erro notório na apreciação da prova e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os quais encontram previsão legal no art. 410.º, n.º 2, als. c) e a), do CPPenal, respetivamente.
Com efeito, é jurisprudência pacífica a que considera que os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal são defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada «quando a decisão de direito não encontre na mesma matéria uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo que permita a conclusão.»[5]
Concretizando:
«III - O vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - reside em se não terem considerado provados factos, imprescindíveis para se poderem ter por preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime, ou para se considerarem verificados outros factores que moldaram a condenação. Sublinhe-se, que moldaram a condenação, e não, que deviam ter moldado a condenação. Este vício surge quando teria sido preciso que se tivessem dado por provados outros factos para que a condenação tivesse surgido como surgiu.
IV - O vício em questão manifesta-se perante a decisão que foi proferida e não perante uma decisão que o arguido gostaria de ter visto ser proferida. A insuficiência da matéria de facto provada é aferida perante a decisão que foi realmente proferida.»[6]
E quanto ao vício do erro notório da apreciação da prova, sintetiza-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2018[7], que:
«O vício da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova – tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Mas tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2016 [8], em cujo sumário se firmou a posição de que:
«VIII - O vício de erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem se usar elementos externos à própria decisão – mormente confrontar fotografias, documentos particulares ou declarações de arguido e testemunhas que constem do processo - a não ser factos contraditados por documentos que façam prova plena – documentos autênticos (art. 169.º, do CPP e art. 363.º, n.º 2, do CC).
IX - A versão dos factos acolhida pelo Tribunal da Relação mostra-se compatível com as regras da experiência comum, pois não se vislumbra que a dinâmica do acidente retratada pelo acórdão recorrido não corresponda a algo que, de facto, não possa ter ocorrido ou, dito por outras palavras, que, na perspectiva do padrão do denominado homem comum ou homem médio, surja como um evento inacreditável, inverosímil, completamente desconforme com a realidade da vida.»
Quanto à questão da valoração dos elementos constantes do certificado do registo criminal, este tribunal vai seguir de perto o douto parecer do Sr. Procurador, porquanto está formal e substancialmente correto.
E o primeiro ponto a atender é o de saber, até como questiona a resposta do Ministério Público, se a questão pode ser conhecida por este tribunal, uma vez que nunca foi suscitada em primeira instância, sendo relevante salientar o que consta da ata de julgamento -que o arguido, tendo-lhe sido concedido o contraditório para se pronunciar quanto aos antecedentes criminais, disse nada ter a opôr ou a requerer, prescindindo do prazo de análise.
Ora, conhecem-se as duas soluções jurisprudenciais sobre tal situação, as quais saindo do mesmo ponto de partida, a proibição de prova, aportam a lugares distintos.
A primeira, ilustrada pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 10.01.2012 e de 10.05.2016, cujos argumentos são seguidos pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.04.2021, todos eles consultáveis, como os demais que vierem a ser citados, em www.dgsi.pt, ancora-se firmemente na verificação de uma proibição de prova que impede que sejam relevadas pelo tribunal as decisões que constando embora do registo criminal já devessem estar canceladas à luz dos critérios legais, admitindo que esta questão seja fundamento do recurso, mesmo que não tenha sido suscitada perante o tribunal recorrido.
A segunda, corporizada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.02.2020, enquadra também a questão no âmbito da “validade dos meios de prova subjacentes à fixação dos factos provados e não provados” concluindo, porém, que esta não é de conhecimento oficioso pelos tribunais de recurso, pelo que, ou foi previamente suscitada perante o tribunal recorrido ou constitui questão nova insuscetível de ser conhecida em recurso.
Que a questão deva ser enquadrada no âmbito das proibições de prova não nos oferece qualquer dúvida –o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 13/2016, já citado, referiu que “Consoante a finalidade que preside à obtenção da informação nele contida, o registo ora se assume como um meio de prova (…), meio de prova esse sujeito aos princípios gerais do direito processual penal (onde o cancelamento para fins judiciais constitui verdadeira proibição de prova) (…)” (salientado nosso).
E sendo-o, na vertente de proibição de valoração de prova, não se vê como possa objetar-se ao seu conhecimento em recurso, mesmo quando não suscitada previamente perante o tribunal recorrido, sabido que as proibições de prova são insanáveis e de conhecimento oficioso 1 -artigo 410.º n.º3 do Código de Processo Penal. Cfr., citando abundantes fundamentos doutrinais, João de Matos-Cruz Praia, in Proibições de Prova em Processo Penal: algumas particularidades no âmbito da prova por reconhecimento e da reconstituição do facto, Julgar on line, Dezembro de 2019, págs. 14 e 15, acessível na internet através de qualquer motor de busca com estes elementos; saliente-se a referência ao carácter “unitário” do vício e à falta de fundamento para, neste contexto, fazer qualquer distinção entre “nulidades absolutas ou de conhecimento oficioso” e “nulidades relativas ou dependentes de arguição”.
O recorrente invoca, em suma, com base no artigo 11.º n.º1, alíneas a) e b) da Lei 37/2015, de 05.05, que as condenações constantes do seu certificado do registo criminal, proferidas no processo 293/02, pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, e pelos tribunais franceses, todas elas, já dele não deviam constar “por se terem extinguido mais de 5 anos antes” (sic.), pelo que não podiam ter sido levadas em conta pelo tribunal recorrido.
Enquadra tal questão na situação dos vícios do erro notório na apreciação da prova e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os quais encontram previsão legal no art. 410.º, n.º 2, als. c) e a), do CPPenal, respetivamente.
É jurisprudência pacífica a que considera que os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal são defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada «quando a decisão de direito não encontre na mesma matéria uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo que permita a conclusão.»[9]
Concretizando:
«III - O vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - reside em se não terem considerado provados factos, imprescindíveis para se poderem ter por preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime, ou para se considerarem verificados outros factores que moldaram a condenação. Sublinhe-se, que moldaram a condenação, e não, que deviam ter moldado a condenação. Este vício surge quando teria sido preciso que se tivessem dado por provados outros factos para que a condenação tivesse surgido como surgiu.
IV - O vício em questão manifesta-se perante a decisão que foi proferida e não perante uma decisão que o arguido gostaria de ter visto ser proferida. A insuficiência da matéria de facto provada é aferida perante a decisão que foi realmente proferida.»[10]
E quanto ao vício do erro notório da apreciação da prova, sintetiza-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2018[11], que:
«O vício da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova – tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Mas tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2016 [12], em cujo sumário se firmou a posição de que:
«VIII - O vício de erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem se usar elementos externos à própria decisão – mormente confrontar fotografias, documentos particulares ou declarações de arguido e testemunhas que constem do processo - a não ser factos contraditados por documentos que façam prova plena – documentos autênticos (art. 169.º, do CPP e art. 363.º, n.º 2, do CC).
IX - A versão dos factos acolhida pelo Tribunal da Relação mostra-se compatível com as regras da experiência comum, pois não se vislumbra que a dinâmica do acidente retratada pelo acórdão recorrido não corresponda a algo que, de facto, não possa ter ocorrido ou, dito por outras palavras, que, na perspectiva do padrão do denominado homem comum ou homem médio, surja como um evento inacreditável, inverosímil, completamente desconforme com a realidade da vida.»
Ora, o que aqui está em causa é uma questão de eventual validade da prova e não de vícios do texto.
Tal consubstanciará nulidade da sentença por excesso de pronúncia, isto é, por o Tribunal a quo ter conhecido questão de que não podia tomar conhecimento?
Sob a epígrafe “Nulidade da Sentença”, dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal que: “É nula a sentença: (…); c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
O facto de o Tribunal a quo se referir sobre os antecedentes criminais constantes do certificado do registo criminal não consubstancia, a nosso ver, questão de que aquele Tribunal não podia tomar conhecimento, porquanto os referidos antecedentes criminais constam do CRC do arguido junto aos autos e a que o Tribunal a quo se socorreu para os considerar na sentença que proferiu.
Situação diferente, e que consubstanciaria a nulidade da sentença nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1 do art.º 379.º, do Cód. Proc. Penal, era a de constarem dos autos dois certificados de registo criminal do arguido: um CRC onde constassem as condenações do arguido e outro atualizado do qual já não constariam tais condenações por terem sido canceladas por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08), e o Tribunal a quo ter valorado o primeiro em detrimento do CRC atualizado.
Ora, no presente caso não se verifica tal situação, razão pela qual não padece a sentença recorrida do apontado vício.
Poderia a situação alegada pelo recorrente, consubstanciar a nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), parte inicial, do n.º 1, do art.º 379.º do Cód. Proc. Penal, por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre se se deveriam valorar os antecedentes criminais inscritos no CRC do arguido, mas que deveriam estar cancelados por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08)?
Contudo, como sabemos, a nulidade resultante da omissão de pronúncia, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, ocorre quando a decisão é omissa ou incompleta relativamente às questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais (cf. art.º 660.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do Cód. Proc. Penal). Ora, no presente caso, nem tal questão é de conhecimento oficioso nem o recorrente, em momento algum antes da prolação da sentença, refere ter solicitado ao Tribunal a quo pronúncia sobre se deveriam ser valorados os antecedentes criminais inscritos no CRC do arguido, por os mesmos deverem estar cancelados por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08).
Verdadeiramente a questão suscitada em sede de recurso pelo recorrente é a de saber se o Tribunal a quo violou uma proibição de valoração de prova, o que, a verificar-se acarretará a necessidade de repensar e, eventualmente, reformular, quer a escolha quer a medida da pena em que o arguido foi condenado, expurgando da respetiva fundamentação todos os registos constantes do CRC, isto porque a relevância do CRC é evidente, pois fornece informação importante para a determinação da sanção, a escolha e a medida da pena.
Assim, em caso de arguidos não primários, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a de prisão. Antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.
A sindicância da pena proferida na sentença envolve, pois, a apreciação dos pressupostos em que concretamente assentou, ou seja, envolve a tomada de posição sobre a possibilidade de valoração dos antecedentes criminais do condenado.
É este o fundamento da decisão que o recorrente problematiza em recurso.
Os antecedentes criminais (e a ausência deles) relevam sempre na decisão sobre a pena, como se disse, e relevaram também concretamente neste caso concreto, como resulta da sentença.
Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral.
O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado.
Não poderemos deixar de referir que ao sistema de registo deve presidir uma intenção de restringir uma estigmatização social do delinquente. Por esta razão, tal como defende Almeida Costa (in “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”), “(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”.
O cancelamento dos registos é uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.
O aproveitamento judicial de informação que só por anomalia do sistema se mantém no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro cujo CRC, nas mesmas condições, se encontre devidamente “limpo”. (cf. Acórdão do TRE, de 10.05.2016, disponível em www.dgsi.pt).
A sentença recorrida deu como provadas todas as condenações anteriormente sofridas pelo arguido, nos exatos termos que melhor resultam do respetivo certificado do registo criminal junto aos autos.
Para além disso, a escolha e a medida da pena tiveram em conta, não só, mas também, as referidas condenações, resultando, da correspondente fundamentação, terem-se elas constituído em factor particularmente relevante. Ver ac. RP de 14-04-2021 in www Dgsi.pt.
Sob a epígrafe “Cancelamento Definitivo”, é o seguinte o teor do art.º 11.º, da Lei 37/2015: 1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos: a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; (…) g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação. 2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração. 3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão. (…) 6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.
Considerando os prazos decorridos contados a partir da extinção de cada uma das penas e atendendo à ocorrência, ou não, de condenação por crime de qualquer natureza, tal como determina o citado preceito legal, vejamos, então, se as condenações constantes do CRC deste deviam constar e, consequentemente, se o Tribunal podia, ou não, tê-las em conta na sentença recorrida.
A extinção da pena aplicada ao ora recorrente considera a data do facto extintivo e não a data da decisão que declarou a extinção, por entendermos que a interpretação mais consentânea com o espírito da norma aponta para que seja o momento em que ocorre o factor extintivo da pena aquele que deverá relevar para efeitos de contagem do prazo, tanto mais quanto é certo que a lei não alude à declaração/decisão de extinção da pena mas, sim à extinção desta propriamente dita (“decorridos 5 anos sobre a extinção da pena” – destaque e sublinhado de nossa responsabilidade. Reconhece-se, todavia, que a ocorrência de um facto, verdadeiramente, só existirá, na plenitude dos seus efeitos, a partir da altura em que uma decisão judicial o reconheça e declare como tal. Contudo, entendemos que os efeitos da decisão que declare a extinção da pena, no que ao cancelamento do registo criminal diz respeito, hão de retroagir à data em que ocorreu o factor extintivo da pena de multa, ou seja, o correspondente pagamento. E, muito embora a pena cuja execução ficou suspensa, a lei exija declaração expressa da sua extinção (cf. art.º 57.º, n.º 1, do Cód. Penal), a verdade é que, para efeitos do cancelamento do registo criminal, o que releva é a data em que se esgotou o prazo de suspensão, posto que cumpridos os requisitos que, porventura, a condicionassem).
Nos termos do disposto nas a) e b), do n.º 1, do art.º 11.º, da Lei 37/2015, tendo em conta que todas as condenações são em penas de prisão, inferiores a 5 anos, ou em penas de multa, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena”, “desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
Anote-se, porque, a nosso ver, particularmente relevante, enquanto o n.º 1 do art.º 11º, da Lei 37/2015 dispõe que “As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:”, o n.º 1, do art.º 15.º, da Lei 57/98 estabelecia que “São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:”.
A questão sobre a valoração dos antecedentes criminais que, por força das citadas normas legais, devem considerar-se cancelados, tem suscitado controvérsia na Jurisprudência. Contudo, entendemos que, regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos perentórios para tanto, em função da natureza e da medida das respetivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efetivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas.
A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do CRC, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um CRC efetivamente atualizado, não seria, por isso, penalizado.
Pelo que, considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.
Da análise do caso concreto de que ora nos ocupamos e no pressuposto de que o vício em causa será aquele da proibição de prova que se apontou e não os de erro notório na apreciação da prova e/ou de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que o recorrente invoca, o recorrente invoca, em suma, com base no artigo 11.º n.º1, alíneas a) e b) da Lei 37/2015, de 05.05, que as condenações constantes do seu certificado do registo criminal, proferidas no processo 293/02, pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, e pelos tribunais franceses, todas elas, já dele não deviam constar “por se terem extinguido mais de 5 anos antes” (sic.), pelo que não podiam ter sido levadas em conta pelo tribunal recorrido.
Vejamos se tem razão.
Interessam, no âmbito da decisão, os artigos 11.º e 27.º da Lei 37/2015m de 05,05.
Respeita o artigo 11.º à cessação de vigência das decisões nacionais no registo criminal, estabelecendo, para o que aqui interessa, que as decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular cessam a sua vigência decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e as que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução decorridos cinco anos contados do termo do período da suspensão, em qualquer caso, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza – cfr. n.º1, alíneas b) e e), e n.º3.
Por seu turno, o artigo 27.º respeita, no que agora interessa, às regras e prazos de conservação das decisões estrangeiras inscritas no registo criminal português; e estabelece, relevantemente no presente contexto, que:
i. os prazos de conservação se contam nos termos do artigo 11.º -n.º3;
ii. no caso da pena de multa, o prazo conta-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão condenatória –n.º4, alínea a);
iii. no caso de penas suspensas na sua execução a partir do termo final do prazo de suspensão –n.º4, alínea b);
iv. nos casos em que o Estado-membro da condenação comunique a supressão ou cancelamento do seu registo criminal de decisão anteriormente remetida antes de decorrido o prazo de conservação estabelecido para o registo criminal português, essa decisão deve ser imediatamente cancelada neste registo.
Interessa ainda saber que no ordenamento jurídico francês, as penas suspensas simples (sursis simple) têm sempre um prazo de cinco anos –artigo 132-35 do Código Penal francês; e que as penas suspensas sujeitas a regime de prova (sursis avec mise à l'épreuve), tinham um prazo nunca inferior a 18 meses e nunca superior a três anos –artigo 132-42 do Código Penal francês, na versão da Lei n°2004-204, de 09.03.2004, em vigor a partir de 01.01.2005, a que aqui releva. As referências legislativas podem ser consultadas em https://www.legifrance.gouv.fr
Por fim, importa também saber – porque a Lei n.º 37/2015, de 05.05, faz depender o cancelamento da circunstância de não ter ocorrido entretanto nova condenação- que nos casos de sucessão de condenações no decurso do prazo de cancelamento, o cancelamento só ocorre quando tiver ocorrido o prazo de reabilitação mais longo estabelecido, contado do termo da respectiva pena, sem nova condenação, Cfr. Maria do Céu Malhado, In Noções de Registo Criminal, §532, págs. 317.
Seguindo de perto o douto parecer do Sr. Procurador nesta instância, que também subscrevemos, analisado então o certificado do registo criminal do recorrente à luz de todos estes dados, e tendo sempre por referência, em caso de dúvida, a situação que lhe seja em abstracto mais favorável, verifica-se o seguinte:
i. a decisão proferida no processo 293/02 (boletim 1) não cessou a sua vigência no dia 21.06.2007 porque, entretanto, no decurso do prazo de cinco anos contado do dia 21.06.2002 (pagamento da multa) o recorrente foi condenado, no dia 06.03.2006, tal como consta do boletim 3 –artigo 11.º n.º1, alínea b);
ii. assumindo que a condenação em sursis avec mise à l'épreuve constante do boletim 3, teve o prazo mínimo de 18 meses, só poderia ser cancelada em 06.09.2012 –artigo 27.º n.ºs 2, 3, 4, alínea b), 11.º n.ºs 1, alínea e), e 3;
iii. esse cancelamento ficou inviabilizado porque no dia 23.05.2012 o recorrente foi condenado numa pena de prisão que foi objecto de uma sursis simple, tal como consta do boletim 5; esta condenação, por seu turno, só pode ser cancelada a partir de 23.05.2022 -artigo 27.º n.ºs 2, 3, 4, alínea b), 11.º n.ºs 1, alínea e), e 3;
iv. o cancelamento da condenação constante do boletim 4, que sucederia em 15.01.2012, ficou impedida pela vigência da condenação constante do boletim 3, até 23.05.2012, e pela do boletim 5, a partir dessa data –artigos 27.º n.ºs 2, 3 e 4, alínea a), 11.º n.º1, alíneas b) e g), e 2, tendo ainda em conta a regra supra enunciada para os casos de sucessão de condenações no decurso do prazo de cancelamento;
v. de qualquer modo, as condenações constantes dos registos 3 e 4 têm de se considerar canceladas nas datas de “apagamento” que delas constam comunicadas pelo Estado Francês –n.º 5 do artigo 27.º;
vi. com o cancelamento da decisão constante do boletim 3, reportada a 07.05.2016, deve considerar-se cancelada também a condenação constante do boletim 1, por dela dependente, conforme supra referido em i – cfr., quanto a esta solução, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.05.2016, já citado;
vii. considerando a regra acima elencada em iv. e a data de cancelamento da condenação registada no boletim 5, a análise dos demais boletins resulta já desnecessária;
Ou seja, e concluindo, ocorre motivo para considerar canceladas as decisões condenatórias constantes dos boletins de registo criminal 1, 2, 3 e 4, que não podem ser valoradas e devem, por conseguinte, ser eliminadas da matéria de facto; todas as demais estão vigentes e podem ser relevadas.
Resta saber se face à matéria sobrante em termos de antecedentes criminais deve a decisão do tribunal recorrido ser alterada quanto à pena, parcela da sentença onde releva e onde o recorrente também a situa – cfr. conclusão n.º30.
Ao crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual foi o recorrente condenado, cabe pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias.
A escolha entre a pena de prisão e a pena de multa faz-se unicamente por apelo a razões de prevenção geral (positiva e negativa) e especial – artigos 70.º e 40.º n.º1 do Código Penal.
Quanto à prevenção especial, deve salientar-se que apesar de o recorrente ter confessado e de ter resultado provado que :
a. vive sozinho,
b. trabalha na construção civil,
c. aufere €650,00,
d. vive em casa arrendada pela qual paga €175,00 mensais
e. tem a 4.ª classe e
f. tem dois filhos, um dos quais com 14 anos, não pagando qualquer pensão de alimentos,
os antecedentes criminais que resultam do seu certificado de registo criminal, expurgado nos termos supra referidos, suscitam necessidades de dissuasão do próprio recorrente particularmente exigentes; de facto, de 2012 até ao presente sofreu seis condenações criminais, quatro envolvendo condutas violentas e duas, comportamentos estradais; dessas seis condenações, três corresponderam a factos praticados em 02.09.2018, 05.2019 e 14.01.2020, todas sancionadas com pena de multa; se atendermos a que a última delas foi precisamente pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, tal como neste processo, facilmente constatamos da inadequação da pena de multa, pois só pode concluir-se que não serviu até agora de advertência suficiente para afastar o arguido da prática de outros ilícitos típicos, nomeadamente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo manifesta a sua indiferença.
Quanto à prevenção geral.
Ora, no que concerne às razões de prevenção geral importa considerar que apesar do caminho percorrido, não pode desbaratar-se no âmbito do ordenamento criminal o caminho de dissuasão que em sede contra-ordenacional e administrativa vem sendo implementado, com resultados já visíveis mas ainda muito longe do desejado – embora a percentagem de condutores apanhados com álcool no sangue tenha caído para metade de 2010 a 2019, a proporção dos que tinham uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l subiu 11% (cfr. relatório sobre condução sob influência do álcool da ANSR, consultável em http://www.ansr.pt/Documents/Condu%C3%A7%C3%A3o%20sob%20o%20efeito %20de%20 %C3%81lcool_pag13.pdf); impõe-se, mais do que nunca, reafirmar perante a comunidade que as normas penais ligadas à tutela da segurança rodoviária são válidas e eficazes e estão na linha de rigor que o ordenamento estradal inculca.
Pelo que, face a este quadro, nenhuma censura merece a opção pela pena de prisão, considerando-se adequada a medida de sete meses fixada, assim como a suspensão da execução, na modelação encontrada, de prazo, regime de prova e sanção acessória.
*
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência alterar-se a matéria de facto relativa aos antecedentes criminais nos termos expostos, mantendo, no restante, nomeadamente quanto às penas aplicadas, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas devidas pelo arguido -arts. 513.º, n.º 1, do CPPenal.
Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
……………………
……………………
……………………
Porto, 22 de setembro de 2021
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
_________________________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 – 3.ª Secção, inSumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça [3] [Conselheiro Raul Borges, processo 07P4833, inwww.dgsi.pt, acedido em Novembro de 2008]. [4] Proc. n.º 28/07 - 5.ª Secção Simas Santos (relator): [5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2016, Proc. n.º 405/14.0JACBR.C1 - 3.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de acórdãos). [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2018, Proc. n.º 687/13.4GBVLN.P1.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de acórdãos). [7] Proc. n.º 687/13.4GBVLN.P1.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [8) Proc. n.º 81/12.4GCBNV.L1.S1 - 3.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2016, Proc. n.º 405/14.0JACBR.C1 - 3.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de acórdãos). [10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2018, Proc. n.º 687/13.4GBVLN.P1.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de acórdãos). [11] Proc. n.º 687/13.4GBVLN.P1.S1 - 5.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [12] Proc. n.º 81/12.4GCBNV.L1.S1 - 3.ª Secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).